Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Di Stéfano

DI STÉFANO: O COMEÇO DA LENDA DO REAL MADRID

por Péris Ribeiro

Alfredo Di Stéfano. Pentacampeão da Europa com o Real Madrid e o Maior Jogador da gloriosa história do clube

Parece que foi ontem. Mas, é sempre bom lembrar, tudo isso aconteceu há quase 70 anos. Mais precisamente, em meados de 1953. Justo no instante, em que transpunha os portões do Estádio Chamartín um homem determinado. Forte, boa estatura, cabelos em desalinho começando a rarear, aquele argentino de fisionomia circunspecta sabia bem a dura missão que o esperava.

Quando explodiu, com 20 anos de idade, na lendária La Maquina do River Plate argentino – um timaço dos Anos 1940, cinco vezes campeão no espaço de tempo de seis temporadas -, era comum a apaixonada torcida rivense chamá-lo “La Saeta Rubia”. Uma alusão, óbvia, à cabeleira loira, encimada por um vistoso topete gomalinado, e ao seu futebol veloz e habilidoso, com raro faro de gol.

Porém, agora, eis que o momento a ser vivido era bem outro. E o craque feito, que acabara de chegar da sensação colombiana, o Millionarios de Bogotá, tetracampeão nacional, era visto como o “Messias” com que o presidente Santiago Bernabéu tanto sonhara. Alguém que chegara para escrever, enfim, o destino de um clube praticamente sem história. Ou com pouca, bem pouca coisa para contar – ou do que se orgulhar.

Na verdade, de concreto mesmo até então, o que o Real Madrid possuía era um bicampeonato espanhol para exibir. Isso, há mais de 20 anos – e com o clube chegando, discretamente, aos 41 anos de existência. Só que, bem pior, era no quesito popularidade, pois o Real não tinha uma apreciável legião de admiradores. Longe disso, já que via, pelo menos, quatro ou cinco clubes à sua frente. Dentre eles, o futuro arqui-inimigo Barcelona, o determinado Atletico de Bilbao – recordista de títulos da Copa da Espanha – e o incômodo vizinho Atletico de Madrid.

Pois foi com esse cenário nada animador, que Alfredo Di Stéfano, tão logo assinou contrato na secretaria do clube, decidiu caminhar pelo gramado do Estádio Chamartín. Lá, queria conhecer, de cara, os novos companheiros. E também faria questão de trocar algumas palavras, e um significativo aperto de mão, com Francisco “Paco” Gento – justamente quem se transformaria, no decorrer da próxima década, no seu mais constante parceiro de ataque. Os dois, responsáveis por vários títulos de campeão do Real Madrid, nas mais diversas competições que disputariam dentro da Espanha e mundo afora.

Porém, se havia um fato desconcertante, que chamava deveras a atenção, era que, mesmo com todo aquele clima adverso, bem pouca gente procurasse sentir de perto os bastidores do clube presidido por Don Santiago Bernabéu. E, certamente por isso, é que quase ninguém percebeu – ou, sequer, desconfiou – que o ambiente do dia-a-dia no Chamartín era um intenso renovar-se. E tudo ainda iria bem além. O que faltava, pelo menos por ora, era um sinal positivo. Que chamasse a atenção. E ele veio no momento preciso, na agitada fase da pré-temporada de 1953 – 54.

Justamente pelo fato de, na decisão do tradicional Torneio Teresa Herrera – realizado anualmente, na cidade de La Coruña -, o Real enfiar sonoros 8 a 1 no Toulouse, da França, sagrando-se campeão com uma atuação das mais convincentes. Mas, isso ainda não era tudo. Simplesmente porque, iluminado, Di Stéfano, resolveu roubar a festa só para si. Super motivado, e protagonizando lances de raro efeito, o novo camisa 9 madridista também se deu ao luxo de marcar cinco belos gols, enlouquecendo de vez a apavorada defesa do jovem time francês – recém sagrado campeão da II Divisão, e promovido automaticamente à I Divisão do seu país.

Retornando quase em seguida a Madrid, e recebendo, depois de bom tempo, rasgados elogios de uma imprensa que se mostrara até então reticente, eis que os blancos acabaram fazendo a sua estreia, duas semanas depois, no sempre atraente Campeonato Espanhol. Só que, o que parecia indisfarçável àquela altura, era a aura de otimismo que emanava de um ressuscitado Real Madrid. Um time que recebera alguns bons reforços, é bem verdade, mas que parecia muito mais motivado, e cada vez mais confiante em campo, graças ao “fator Di Stéfano”. Ele, sim, um demolidor de tabus.

– Era mais que necessário, que o nosso time começasse a vencer. Só a vitória traz a verdadeira confiança. E com os jogadores acreditando mais em si mesmos, nada agora passa a ser impossível. Nem mesmo o título – diria, alguns dias depois, um objetivo e lacônico Di Stéfano, aos jornalistas presentes ao Chamartín.

E foi, decididamente, graças às diabruras daquele Di Stéfano irresistível, que o Real voltou a se sagrar campeão nacional, pondo fim a uma provação que já durava duas décadas em gramados espanhóis. E ainda houve um delicioso prêmio extra: a invencibilidade contra o então bicampeão Barcelona. Um verdadeiro tira-teima, decidido com duas vitórias marcantes: 2 a 1, em Madrid; e 2 a 0, fora de casa. As duas, saboreadas tão intensamente, que pareciam haver valido por um novo título.

No entanto, para completar uma temporada que fora de ouro, eis que a torcida madridista teria uma outra alegria toda especial, ao ver o mais idolatrado dos seus ídolos no topo da glória. É que, escolhido por unanimidade, Alfredo Di Stéfano se consagraria como o Maior Jogador do Campeonato – do qual seria, por sinal, o principal artilheiro, com 27 gols. Pronto! Foi o suficiente para que, durante mais de um mês, a cidade de Madrid se incendiasse em uma festa de enormes proporções.

Na verdade, tudo aquilo que acontecia ali, era um desabafo e tanto! Que valia por um sofrimento intenso, que durara cerca de 20 anos. Nada menos de duas longas décadas, longe da emoção de levantar uma taça importante que fosse. ”Real! Real Madrid campeão! Real! Real Madrid campeão!” Esse era o cântico ensurdecedor, mas irresistivelmente convidativo, que ecoava pelas praças e ruas da vibrante e imponente Madrid.

E dizer que o que se via ali, era só o começo de uma bela, inesquecível história…

DI STÉFANO SÓ GOSTAVA DO NILTON SANTOS

por André Felipe de Lima


“Di Stéfano ficou com ciúme porque teria o seu espaço dividido comigo. Nas primeiras semanas, ele mal me cumprimentava. Nos jogos, ele evitava me passar bolas. Porém, com o tempo, passamos a conversar”. Quem contou isso foi Didi, ídolo do futebol brasileiro, do Fluminense e do Botafogo. Vá lá, ídolo de todos nós, e sem revanchismo. Didi foi (ou pelo menos tentou) ser um bom parceiro do “Saeta Rubia” (como apelidaram Di Stéfano) no Real Madrid. Não conseguiu. Chiou quando voltou ao Brasil. Di Stéfano defendeu-se: “De princípio, duvidei que fosse Didi quem tivesse feito tais afirmativas. Se ele é honrado, devia por sua mão no coração e reconhecer que, se fracassou, não foi por minha culpa, nem de meus companheiros. Ele não resistiu ao ritmo do futebol espanhol, sua velocidade e seu estilo forte, além da marcação cerrada. Se Didi pensar bem, jamais poderá dizer que alguém o tratou mal. É um exemplo típico do fracasso de um jogador de grande classe. Como todos sabem, Didi foi contratado pelo Real Madrid como meia-armador. Por isso, pergunto: onde estão os passes que ele devia me dar? Até hoje ainda os espero… apresar de ter fracassado, Didi, no Real, não encontrou mais do que amizade, ajuda e companheirismo.”

A verdade é que Didi foi mesmo boicotado pelas estrelas do time. Guiomar, sua esposa e “advogada” nas causas mais dramáticas do casal, colocou a boca no mundo e, em alto e bom som, disse que Di Stéfano, Puskas e Cia. colocavam o marido de lado. Ela tinha razão. Até mesmo o ponta Canário – sim, o mesmo do América – foi acusado de “leva e traz”. Guiomar o acusava de minar Didi com as outras estrelas do Real, sobretudo o “Saeta”.


Di Stéfano, como a maioria dos argentinos quando falam do futebol brasileiro, torcia o nariz para os nossos craques. E isso sem a menor parcimônia. Logo após a Copa do Mundo de 1962, quando conquistamos o “bi”, ele “barrou” Pelé e Garrincha de um hipotético “maior time de todos os tempos”. Escalou no gol o conterrâneo portenho Julio Adolfo Cozzi. Meteu na lateral-direita outro argentino, o Carlos Sosa, fez de zagueiro central o inglês Billy Wright e escalou na lateral-esquerda o único brasileiro do time: Nilton Santos. No meio jogariam o húngaro Bosizk e o craque do River Plate Nestor Rossi. No ataque, a começar pela ponta-direita, o francês Kopa, o argentino Moreno, o paraguaio Arsenio Erico, Puskas e na canhota o também argentino Lostau. Como se vê, Stéfano jamais teve boa vontade com o nosso futebol. A única exceção foi Nilton Santos: “O melhor elogio que posso fazer-lhe é dizer que ele sabe jogar até de memória. Faz jus a tudo o que de bom têm dito sobre ele.”

O tempo passou, mas Didi e o sutilmente despeitado Di Stéfano, ambos longe um do outro, acertaram os ponteiros. Didi no Botafogo e ele, Di Stéfano, no Real. A rixa entre os dois foi superada.


Recuperei essas histórias para tentar aproximar o Di Stéfano um pouco mais da realidade histórica do futebol brasileiro, sobretudo para os mais jovens. Além desse episódio com o nosso Didi e da demonstração de apreço por Nilton Santos, o craque argentino naturalizado espanhol teve outra relação direta conosco. Ainda jovem, defendendo “La máquina” do River Plate, em 1948, perdeu para o Vasco da Gama a final do primeiro campeonato sul-americano de futebol. A derrota foi um baque para ele, que começou a perder espaço no time. Passou (de passagem) pelo Huracán e, em seguida, foi parar na liga pirata da Colômbia, país que chegou a defender. A ousadia de “Saeta Rubia” em jogar pela marginalizada liga colombiana quase custou-lhe a carreira. Por pouco não foi banido do futebol pela Fifa. Seria um crime da principal frente institucional da bola contra o futebol. Di Stéfano foi um craque, meus amigos. Mais que isso, um jogador extraordinário. Um dos maiores da história. Os madrilenos idolatram-no como se fosse o ídolo um deus. Não ousamos contrariá-los.

Exatamente há 92 anos, em um 4 de julho, em Barracas, bairro de Buenos Aires bem ao lado de Avellaneda, nasceu Di Stéfano. Desde menino foi um virtuoso da bola, igualmente a outros dois gênios argentinos: Maradona e Messi. Quando “Saeta”, em 1953, preparava-se para respirar novos ares, viu seu futebol valorizar-se. A liga pirata da Colômbia (acreditem!) fez bem ele. Dois monstros espanhóis o disputavam com unhas e dentes. Barcelona e Real Madrid quase deflagraram, sem exagero, a terceira guerra mundial. Mas a “batalha derradeira” foi vencida pelo Real, que o levou para o Santiago Bernabéu e fez de Di Stéfano um dos maiores nomes da história do futebol. Vestindo a famosa camisa branca, o portenho genial conquistou tudo. Conquistou o mundo. Di Stéfano retribuiu ao clube que o tornou ídolo e fez do Real Madrid do final da década de 1950 o maior time em todos os tempos, como qualificam os mais renomados cronistas esportivos e ontem e da atualidade.


Com o Real, “Saeta” ostenta a impressionante marca de 418 gols em 510 jogos e uma penca de títulos que nenhum outro jogador jamais conquistou defendendo um único time. Somente Pelé o superou em todos os quesitos. Di Stéfano levantou cinco Taças dos Campeões (a atual Liga dos Campeões da Uefa) e uma Taça Intercontinental (o hoje Mundial de Clubes da Fifa) e conquistou incríveis oito campeonatos espanhóis. Picuinha à parte com nossos maiores ídolos, “Saeta Rubia” foi, indiscutivelmente, um gênio.