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Colecionador

A HORA DO ADEUS

por Sergio Pugliese


(Foto: Daniel Planel)

(Foto: Daniel Planel)

Ninguém nunca se atreveu a encostar na coleção de camisas de futebol de Pedro. Era uma senhora coleção, que tinha desde a do Íbis, pior time do mundo, até a recém lançada do Manchester City. Nunca foram lavadas para não correr o risco de desbotarem. Além disso, algumas eram autografadas, verdadeiras preciosidades. Imagine a assinatura de Túlio, de seu Fogão do coração, desaparecer após uma lavada? Nem é bom pensar. E não era uma simples camisa, mas a oficial, do título, usada pelo artilheiro, na final do Brasileirão, de 95, contra o Santos, e adquirida em um leilão.  Faltavam cinco para atingir a marca de 600 camisas. Todas eram catalogadas e protegidas por um plástico, como nas lavanderias. Toda empregada que chegava era logo informada por Camila, a mulher, para ficar longe delas, bem longe. Mas a verdade é que Camila achava aquela coleção um estorvo. Na última mudança, Pedro não deixou as camisas serem transportadas no caminhão, com os móveis e as outras tralhas. Foi necessário um gasto extra e ele fretou uma Kombi. Levou todas nos cabideiros, da forma que estavam, para não saírem da ordem alfabética. Ele mesmo carregou tudo e o motorista só teve o trabalho de abrir e fechar a porta do carro. Pior. Pedro encantou-se com a camisa usada por ele, lindíssima, do Treze da Paraíba, e fez uma oferta durante o trajeto. Negócio fechado. Camila esperava os dois, em frente ao prédio, para entregar as chaves do apartamento e ir para o trabalho. Não entendeu nada quando viu aquele motorista, gordinho e peludo, sem camisa, sorrisão e cofrinho à mostra, abrindo a porta da Kombi. 

– Seu Pedro, fiquei feliz com o negócio, estava precisando mesmo….

Camila percebeu uma camisa pendurada no ombro de Pedro e o fuzilou com os olhos. Estava claro que ele havia comprado do motorista.

– Tenho uma linda do Afogados, também…. 

Camila entregou as chaves e foi embora, danada da vida. Renato sabia que à noite discutiriam o relacionamento, com certeza. No almoço, Camila desabafou com as amigas, reclamou da irresponsabilidade do marido, da crise financeira que passavam _ por isso, a mudança _de sua falta de atitude e da cegueira em não perceber a situação negra atual. Camila chorou muito. No fim do almoço, sentiu-se enjoada.  

– É gravidez, hein! – apostou Lúcia. 

– Nem brinca! – desconversou Camila. 

Mas após um teste na farmácia a gravidez foi confirmada! Marina chorou mais e mais, em um misto de felicidade e desespero, de tensão e alegria pelos anjos terem atendido seu pedido. Camila preferiu contar a surpresa em casa. Ao abrir a porta, as caixas de papelão ainda estavam amontoadas, móveis de cabeça para baixo, cenário de guerra, totalmente oposto ao quartinho, onde Pedro já arrumara os cabideiros, milimetricamente ordenados e combinando com os quadros do lendário Botafogo, da década de 60, chão brilhando e cheirando a produto de limpeza. O quartinho que não seria mais dele. Em pé, na porta, Camila olhou chorando para o amor de sua vida, seu primeiro e único namorado, o homem que a levou para assistir jogos em Conselheiro Galvão, Madureira, e em Ítalo del Cima, Campo Grande, o homem com quem tomou porres inesquecíveis, o menino que amava intensamente. Sentado no chão, lustrava um troféu, que ganhara em um torneio de futebol, no ginásio, e guardava, orgulhoso, para um dia mostrar ao filho. Não falou nada. Olhou para Camila com a certeza que suas promessas haviam sido atendidas. Choraram deitados no minúsculo quartinho. E naquele momento, Pedrão entendeu que precisava se desfazer da coleção, fazer uma grana e abrir espaço para a cria. Interessados não faltavam e na manhã seguinte, iniciou as ligações. Nunca chorou tanto, ainda mais quando Marquinhos,  colecionador faminto, fez uma oferta irrecusável por todas, era pegar ou largar. Dava para montar todo o quarto e comprar um bocado de fraldas. Camila entendeu sua dor e os dois choraram mais, muito mais. Negócio fechado. No sábado, Marquinhos chegou no horário marcado. Morava em Macaé e havia pedido dica de frete. Pedro sugeriu o mesmo que levara tudo para o seu apê. Os dois chegaram juntos, Marquinhos esfregando as mãos de felicidade e o motorista, gordinho e peludo, com a camisa do Afogados, com a maldita camisa do Afogados.

VICTOR, PEÇA RARA

por André Mendonça

Já imaginou ter uma camisa usada e autografada por ninguém menos do que Pelé? E se pudesse ter também as camisas que Romário vestiu na estreia e na despedida da seleção brasileira, ou a de Zico, Neymar, Ronaldinho Gaúcho e Maradona? Pois é, essas são apenas algumas das muitas preciosidades que o colecionador Victor Raposo tem em seu acervo! Uma coleção de dar inveja até para quem não gosta de futebol.

Recentemente, o flamenguista teve a honra de expor sua coleção rubro-negra no salão nobre da Gávea, a convite do Patrimônio Histórico do clube. O colecionador, no entanto, não vê problemas em ter camisas de outros times, inclusive do Vasco. Filho de um vascaíno e fã de Romário, Victor revelou que possui atualmente mais de 200 camisas do atacante. Em um mercado que só cresce, onde alguns vendedores colocam as camisas a preços exorbitantes, Victor já chegou a investir quase R$ 2 mil em uma única camisa, dos anos 60. Dono do certificado de qualificação mais alto que uma pessoa pode receber do sindicato de colecionadores de camisas de futebol, o craque contou um pouco sobre sua coleção, situações divertidas por qual passou como sua tentativa frustrada de se tornar jogador de futebol.


No último fim de semana, a equipe do Museu do Pelada deu sua pequena contribuição para tornar a coleção ainda mais completa, quando levamos a camisa da seleção da Copa de 1962, para o craque Amarildo autografar.

Confira o papo com o colecionador:

Com quantos anos começou sua paixão por colecionar camisas?

R: Ganhei a primeira dos meus pais com um ano de idade, durante a Copa de 82, mas restou apenas uma foto com ela no berço. Mas a primeira que eu mesmo adquiri foi aos 10 anos, por incrível que pareça, numa troca. Dei uma bola e uns trocados numa camisa do Flamengo de 1985. A paixão começou por volta dos 12, 13 anos. Tinha um amigo de família chamado Zezinho, que jogou no Vasco e em Portugal. Sempre que voltava para passar as férias no Brasil me presenteava com camisas. A paixão cresceu no final de carreira do meu maior ídolo no futebol, o Romário. Em meados de 2005, quando ele se aproximava da aposentadoria, me peguei pensando na tristeza dele e minha. Aí pensei numa maneira de mostrar respeito, homenageá-lo, eternizar cada gol, cada lance marcante, cada título. Então, resolvi sair em busca das camisas que me lembrassem determinado gol, jogo ou conquista.

Todas as camisas são originais? Como faz para conseguir? Camisa autografada do Pelé, Romário, Zico, Rivellino etc. 

R: Todas originais e a maioria de jogo. Colecionar me deu a oportunidade de conhecer pessoas incríveis ao redor do país e até do planeta. Desde pessoas simples que passavam pela rua, até campeões mundiais. Já consegui camisas que jamais sonhei, com estranhos, amigos, parentes, jogadores, dirigentes, roupeiros, seguranças etc. Camisas usadas e até rasgadas durante a partida. Sobre os autógrafos, costumo pegar diretamente com os jogadores ou amigos em comum. Graças a essa paixão tive o privilégio também de fazer amizade com o Sergio Pugliese, um cara que respeito muito.


Amarildo assina a camisa de Victor Raposo

E essa camisa do Amarildo? Foi a que ele utilizou na Copa de 1962?

R: Essa camisa é original, da mesma fornecedora (Athleta), mesmo modelo, mesmo tecido e detalhes da camisa da Copa de 1962. Porém, ela foi relançada pela empresa em 2009, em edição limitada, homenageando todos os campeões mundiais daquele ano, também repassando porcentagem das vendas aos mesmos. Na verdade não lembro, mas tambem me interessei em adquiri-la na epoca por ser #20 do Amarildo…

Como funciona esse mercado dos colecionadores? Existe muita procura?

R: Devido a todos esses anos envolvido na prática, consegui um grande lastro de amizade e confiança no meio do colecionadores. Seleciono as camisas repetidas para fazer trocas, ou até mesmo vendas, com o intuito de conseguir comprar outras. Nos últimos anos vêm surgindo muitos novos colecionadores, então procuro sempre ajudar, indicar e orientar no que for possível.

Como faz para evitar golpes de vendedores?

R: A experiência ajuda. Além de ter os contatos certos, com o tempo a gente passa a conhecer os detalhes de cada modelo, das temporadas, as características e detalhes de cada camisa. Quando surge algum vendedor desconhecido, a gente procura referências no meio. A velha guarda se conhece, se ajuda e se respeita.

Qual foi o valor mais alto que pagou por uma camisa?

R: Hoje em dia aparecem camisas sendo oferecidas na internet a preços exorbitantes, mas geralmente não costumo comprar de qualquer maneira. A mais cara acho que foi uma dos anos 60 e paguei quase R$ 2 mil. Camisas importantes desse período, além de serem cada vez mais raras, costumam ter um valor de mercado um pouco maior.

Com tantas camisas lindas, consegue escolher a que mais gosta? Aquela que você não venderia nem por muito dinheiro.

R: Difícil escolher uma. Geralmente costumo dizer que não vendo nenhuma por nada. Mas das que mais gosto posso eleger um top 5: duas camisas do Pelé (uma do Cosmos e uma do Santos), duas camisas do Romário (da estreia e da despedida dele na Seleção) e uma camisa do Flamengo de 1967.

Recentemente você foi convidado para expor seu acervo no salão nobre da Gávea. Como foi esse evento e como recebeu esse convite?

R: Foi uma honra muito grande. É sempre gratificante ter o reconhecimento ao esforço e dedicação em preservar a história do esporte que tanto amamos. Recebi o convite do Patrimônio Histórico do clube. Foi um evento muito especial, contou com a visita de crianças para aprender mais da história, e idosos a fim de relembrar conquistas importantes. Além da presença de ídolos, ex dirigentes etc.. Ao final, ainda fui presenteado com um diploma de agradecimento do clube.

Você recebeu o certificado de qualificação categoria azul do sindicato de colecionadores de camisas de futebol. Quais são os critérios?


R: Fui indicado para receber o certificado na Fundação do Sindicato em 2012. Foi uma necessidade identificada por alguns colecionadores para se organizarem melhor, a fim de dar um maior respaldo às negociações. A categoria azul é a mais alta, dada aos mais antigos, que atendem a critérios como anos de atuação e número de qualificações positivas dadas por outros membros.

Além do Facebook, você tem algum site ou algum lugar físico para expor essa bela coleção?

R: Por enquanto tenho um cômodo da casa dedicado exclusivamente ao acervo. Porém, sempre nutri o desejo de expor em um local físico para visitação. É um projeto futuro.

Como colecionador de camisa, ninguém discute que você é um craque! Mas como é o Victor em campo? Gosta de jogar peladas?

R: Como todo menino, também quis ser jogador. Cheguei a jogar nas divisões de base de clubes pequenos do Rio de janeiro, como Bonsucesso e Olaria. Me profissionalizei e atuei no Boavista, de Portugal, onde tive como companheiros de equipe o lateral direito Bosingwa, campeão da Liga dos Campeões pelo Chelsea, em 2011/12, e o zagueiro Ricardo Costa, que disputou três Copas do Mundo pela seleção de Portugal. Depois que parei com o futebol, não conseguia me ver longe do que tanto amo e me formei em Educação Física. Também guardei todas as camisas da época de futebol. Mas com as peladas não podemos parar nunca. Se fico muito tempo sem jogar aquele futebolzinho começa a dar coceira, mau humor e dor de cabeça.

Você teve a oportunidades de jogar contra o Master do Flamengo, na Gávea. Como foi essa pelada histórica?

R: Nem me fale! Não tem preço levar uma caneta do Adílio ou um elástico do Júlio Cesar Uri Gueller! Olhava para um lado vinha o Nélio, para o outro Gilmar Popoca, daí vinha Marquinhos, Renato Carioca, Leandro Ávila, não sabia se corria atrás deles ou batia palmas. Mas só de ter o privilégio de pisar naquele local sagrado já foi uma sensação incrível. Sem falar em poder ajudar na estruturação do Departamento de Futebol Master do Clube com craques que nos deram tantas alegrias.

Por ser um flamenguista apaixonado, a camisa do Vasco vale menos para você, ou no universo dos colecionadores não tem essa?

R: Tem colecionadores que dizem ‘aqui não entra camisa de rival’. Não penso assim, tenho grande respeito e admiração pela história do Vasco da Gama. Meu pai é vascaíno, meu melhor amigo jogou no Vasco e o Romário, meu maior ídolo, me fez ter mais de 30 camisas do Vasco.

Como um bom colecionador, imagino que você tenha alguma história engraçada envolvendo procura de camisas… Alguma camisa que você queria muito, algum outro colecionador oferecendo…

R: Com o tempo, a minha primeira camisa do Flamengo de 1985 desfiou e acabei perdendo. Depois de 25 anos, consegui encontrar outra do mesmo modelo! Descobri que um amigão tinha essa camisa. Se tem uma coisa que aprendi durante todos esses anos é que aquela camisa que a gente sonha ter, um dia aparece.