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Chapecoense

DOIS ANOS DE UMA TRAGÉDIA

por Israel Cayo Campos


Dia 28 de novembro completamos dois anos do voo 2933 da LaMia que se acidentou na região de “El Gordo” na Colômbia, e que acabou por ceifar a vida e os sonhos de 71 dos 74 passageiros. Dentre esses estava a delegação da Associação Chapecoense de Futebol, a nossa querida “Chape”, que se preparava para o maior desafio de sua curta, porém vencedora, existência. Uma final de um torneio Sul-americano contra o atual campeão da Libertadores da América, o também verde e branco Atlético Nacional.

Uma tragédia esportiva brasileira que parou o mundo que eu me recorde, só em 1994. Quando em apenas 13 dias perdemos o Craque Dener, que poderia ter sido um gênio da bola se não fosse o triste acidente de carro no dia 18 de abril, e Ayrton Senna, maior esportista brasileiro em atividade, ídolo máximo com status de herói nacional, que acabou perdendo sua vida na fatídica Curva Tamburello em Ímola na Itália no dia 01 de maio do referido ano. Mas mesmo esses dias negros não se comparam ao que aconteceu naquela noite de 2016.

Não me cabe elencar culpados pelo ocorrido, mas quero homenagear todos que perdemos naquele fatídico voo. Pessoas que tinham uma vida toda pela frente. Pais de família! Seres humanos que não só comoveram o país, como o mundo todo. Se tratando do aspecto esportivo, essa foi e rezo para que seja eternamente, a maior tragédia ocorrida no país.

Ananias, meio campo da Chapecoense. Quem não se lembra da piada “Ananias Parque”? Por ele ter sido o autor dos dois primeiros gols da Arena do Palmeiras? Arthur Maia, de quem eu particularmente recordo atuando com a camisa do América de Natal (minha cidade), onde teve uma grande passagem, inclusive eliminando o Fluminense da Unimed em 2014 em pleno Maracanã pela Copa do Brasil com um expressivo 5 a 2 aplicados.


Bruno Rangel, um jogador rápido e goleador que tinha feito a maior parte de sua carreira no mundo árabe. Aílton Canela, um garoto que ganhava sua primeira chance em um clube de Série A. Cleber Santana. De um time formado com jogadores desconhecidos da grande mídia, era talvez o de mais “nome”. Entre Santos, São Paulo e Flamengo, também tinha passado algumas temporadas no Atlético de Madrid da Espanha.

Dener, que ainda tentava se firmar no futebol após passagem pelo Grêmio. Danilo, o goleirão que contribuiu demais para a vaga na final daquele torneio com defesas milagrosas em todas as partidas. Inclusive contra o tradicional San Lorenzo da Argentina nas semifinais. Ele já possuía 31 anos. Mas só naquele momento ele alcançava o auge e o reconhecimento por anos de trabalho duro em clubes menores. Filipe Machado e Sergio Manoel: Como gostaria de ter visto mais vocês em campo para tecer memórias importantes sobre suas promissoras carreiras.

Matheus Biteco. Formado no Grêmio, já havia visto alguns de seus jogos pela Seleção Brasileira sub-17 e sub-20. Junto com o irmão Guilherme, eram tidos como grandes promessas do futebol brasileiro, aos 21 anos não deu pra saber! Gimenez e Lucas Gomes. Dois jogadores formados no celeiro de craques do interior paulista, também estavam no auge de suas carreiras.

Kempes. O goleador do time no ano, com sua cabeleira cheia de estilo. Já tinha algumas passagens por outros clubes como o América de Minas Gerais. O volante Gil, o garoto Thiaguinho, e o volante Josimar, que teve passagem pelo Palmeiras.


O zagueiro Thiego, mais um formado pelo Grêmio, e que teve sua melhor fase no rival Figueirense. Marcelo, o jovem zagueiro que vinha se destacando na Sul-Americana. E Mateus Caramelo, formado no São Paulo, e que estava recuperando seu bom futebol exatamente na equipe da Arena Condá.

Além dos jogadores a comissão técnica: Caio Jr. Que antes de ser um técnico de respeito fora um atacante de destaque principalmente no Paraná Clube, na época que o mesmo estava na melhor fase de sua história. Com muitos títulos no mundo árabe, um Campeonato Baiano pelo Vitória e boas passagens por clubes como Palmeiras e Botafogo, o título da Sul-Americana seria o divisor de águas na carreira do técnico dentro do futebol brasileiro. Além de Caio, foram o auxiliar técnico Duca, o médico Márcio Koury, e o preparador físico Anderson Paixão, filho do famoso preparador da Seleção Brasileira Paulo Paixão. Todos deixando família e a sensação de que profissionalmente estavam a viver o melhor momento de suas vidas.

Além dos jogadores e da comissão técnica, os membros da imprensa que foram cobrir aquela final. Pessoas as quais estava acostumado a ver em minha casa até mais que os jogadores da Chape, pois estavam todos os dias a apresentarem seu trabalho para nós telespectadores.

É o caso de Deva Pascovicci, narrador da Fox Sports que começou na extinta TV Manchete (Na TV), e que ficara bastante reconhecido principalmente do pessoal de fora do sudeste brasileiro pela emocionante narração naquela semifinal contra o San Lorenzo, onde o “Espirito de Condá” esteve presente. Com ele partiram também o câmera Rodrigo Santana e o coordenador de externa Júnior Lilácio, este último descrito por seu companheiro de emissora Oswaldo Paschoal como tão dedicado e competente, que até subir em árvores para por um sinal de qualidade para os assinantes do canal ele fazia sem reclamar.


Ainda da Fox, três das figuras que mais senti a perda no meu dia a dia… Victorino Chermont, o Vitu… Repórter e comentarista acompanhava seu trabalho desde que o mesmo ainda era o “repórter carioca” da TV Bandeirantes, em seguida passando pelo grupo Globo e depois sendo o repórter América da Fox Sports, acompanhando todos os times brasileiros nos torneios disputados no continente. Sobre ele uma passagem muito comovente do colega Fábio Sormani. Que em uma conversa pessoal com Vitu ouvira (ou leu) do mesmo que se ele fosse antes, queria que um garçom que sempre o servia muito bem carregasse o caixão. Emocionado, Sormani fez o pedido ao mesmo que se estivesse vendo o programa, fosse ao enterro do mesmo prestar essa homenagem. Se o garçom em questão foi, não sabemos, mas que as tiradas inteligentes do rubro negro Victorino fazem falta… Há como fazem…

Paulo JulioClement. Lembro-me de acompanhá-lo via Facebook em seus comentários. O conheci enquanto jornalista com ele já na Fox. Mas o torcedor do Fluminense era bom em tudo que fazia. De edição ou como comentarista. 

Mario Sergio Pontes de Paiva. Admito, até ele trabalhar na Fox o achava um treinador (já peguei essa fase dele) muito arrogante! Como comentarista também tinha coisas que me desagradavam muito. Mas ao ir trabalhar no Fox Sports Rádio, que hoje é líder de audiência dos programas esportivos (e não estou fazendo jabá, rs), comecei a ver outro lado daquele Mario, que fora um craque de bola, campeão do mundo pelo Grêmio, campeão várias vezes pelo Internacional, pela máquina tricolor de meados dos anos 1970 do Fluminense, e até campeão com o meu São Paulo. Um lado humano, engraçado, sincero, mas sem perder a doçura. Como disse o ex-colega de clube Leão (o ex-goleiro), O Mario Sergio estava passando pela fase mais doce e serena da vida dele.


Dono de um amor por apostas em cavalos e um vício de limpar seus próprios óculos, Mario era garantia de meus risos certos quando participava do programa. E mesmo sendo campeão nos dois grandes do Rio Grande, me acabava de rir com as provocações que fazia ao Grêmio e também ao Internacional… “Tudo no Inter se pergunta lá no Posto Ypiranga antes de se tomar uma decisão dizia ele”, em referência ao ex-presidente colorado Fernando Carvalho. Mas tão grande era o amor pelo clube, que o mesmo fez uma aposta impossível de publicar aqui com o apresentador Benjamin Back se o Internacional aquele ano fosse rebaixado… O Inter acabou sendo rebaixado, mas Mario malandro que sempre foi, se despediu desse mundo antes para não precisar pagar a aposta! Infelizmente Mario Sergio…

Além deles, ressalto outros jornalistas que não conhecia, mas que com certeza tinham um grande futuro em sua profissão: Os repórteres Guilherme Marques e Giovane Klein, o câmera Ari Junior, o produtor Guilherme Laars todos da Rede Globo. O repórter André Podiacki do Diário Catarinense. O cinegrafista Djalma Araújo da RBS, o repórter Renan Carlos da Rádio Oeste Capital, LaionEspíndula, setorista da Chapecoense para o Globo Esporte, Gelson Galiotto narrador da Rádio SuperCondá, Ivan Carlos e Edson Luiz, ambos da mesma rádio! Fernando Schardong e Douglas Dornelles da Rádio Chapecó e JacirBiavatti da Rádio Vanguarda FM.

Além deles, também devemos citar o piloto Miguel Quiroga, RomelVacaflores (assistente de voo), Ovar Goytia, Arias Alex e Gustavo Lugo. Mesmo passado dois anos, alguns menos outros mais, mas todos deixam saudades, principalmente aos respectivos familiares.

Vale ressaltar em toda essa tragédia o lado humano. O apoio do povo colombiano nas buscas e nos cuidados com os corpos. O fato do Atlético Nacional abrir mão de qualquer vaidade e ceder o título daquele torneio a Chapecoense, as comoções pelo mundo todo de jogadores da mais alto garbo aos seus colegas de profissão, o sentimento único de que antes de nacionalismos somos seres humanos, brasileiros e colombianos nunca se gostaram tanto e que seja assim para sempre! Que não se precise outra tragédia para nos unir. Até eu que estava bravo com o Atlético Nacional por ter tirado o meu São Paulo das semifinais da Libertadores, se tenho um time internacional para quem torço incondicionalmente hoje, esse time é o Atlético Nacional de Medellin.

Vale ressaltar também o velório da Chapecoense. A força da mãe do goleiro Danilo ao abraçar um repórter que não aguentava a perca de seus colegas de profissão. Dona LLaides Padilha é a prova clara de que o filho batalhador e vencedor não foi por acaso. O grande capitão do Barcelona Charles Puyol, que fez questão de participar do cortejo, Ao Barcelona que fez um amistoso com a Chape com o objetivo de ajudar no reerguimento do clube (Que na minha torcida pessoal não cairá a segunda divisão esse ano!), E até a Galvão Bueno, o tão criticado Galvão Bueno… Que consegue nos passar emoção de um título mundial no futebol. Assim como transmitir uma tragédia inesquecível como essa da maneira mais humana e verdadeira possível.


Mas como milagres acontecem! Até mesmo em um momento tão triste como esse, podemos tirar boas notícias! Nesse caso além da já citada união dos povos e até de torcidas rivais que vivem a se digladiarem, também tivemos sobreviventes: Alan Ruschel, que voltou a jogar futebol, e continua a atuar pela Chape. O goleiro reserva Jackson Follman, que perdeu a perna no acidente mas que hoje é comentarista e que afirmou a pouco tempo ter feito dois anos que nasceu de novo. O zagueiro Neto, o último a ser salvo entre as ferragens, mas que se recuperou e voltou ao futebol e o narrador da Rádio Oeste Capital FM Rafael Henzel, que narrou o “jogo da amizade” entre Brasil e Colômbia ao lado de Galvão Bueno. Lançou um livro contando sua experiência e voltou a suas atividades de narração pela mesma rádio. Afinal, a vida continua…

Além deles sobreviveram a comissária de bordo Ximena Suárez que hoje atua como modelo e o mecânico Erwin Tumiri, de quem pouco se tem informações. Que todos a partir daquele dia possam ter vidas felizes e em paz! Enquanto aqueles que se foram, a pergunta eterna do ser humano para eles já fora respondida. Entretanto, todos eles nunca serão esquecidos, e nunca sairão não só dos corações dos torcedores da Chapecoense, como de todos nós que amamos futebol! Afinal, todos nós somos efêmeros no tempo e no espaço, mas o que deixamos de legado aqui é eterno. E o desses meninos/homens, ficará guardado enquanto existir esse esporte tão apaixonante.     

AVE, MANCINI

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

Ele foi contratado para realizar uma pré-temporada atípica: dirigir em 2017 um clube de futebol sem time. Todos os outros treinadores que disputariam com ele o estadual, a Recopa, a Copa Sul Americana e a primeira divisão do Campeonato Brasileiro tinham perdido alguns jogadores e contratados outros. Mantiveram as suas bases, no máximo em um mês um novo sistema tático estaria definido. Com Vagner Mancini foi diferente: teve que organizar uma nova comissão técnica, nem o massagista ele encontrou no vestiário, e formar um novo time, já que perdeu para a posteridade dezessete jogadores. Não encontrou nem titulares, nem reservas.

Quem os levou foi quem o iluminou nesta espinhosa missão: recusou vários medalhões que se ofereceram em meio a um mar de altruísmo e fraternidade que se formou pelo país e pelo mundo, e montou um elenco de bons jogadores que carregavam, acima de tudo, uma história de superação e luta. Do Flamengo veio o Luiz Antonio, que estava no Sport, o Atlético Mineiro cedeu Lucas e Dodô, do Palmeiras Nathan e Vitor Ramos, o Londrina colocou o Caike à sua disposição e o São Paulo emprestou o Reinaldo. Douglas Grolli veio do Cruzeiro e Apodi, Neném, Osman e Wellington Paulista foram indicados por ele. Por mais que fosse um técnico rodado, nos primeiros coletivos teve que perguntar a um deles, como um treinador da base: “Em qual posição você se sente melhor meu filho?”.


(Foto: Reprodução)

Mesmo assim, como num milagre após o desastre, a bonança após a tempestade, conseguiu armar um time tão competitivo que alcançou o título estadual. Foi vice-campeão da Recopa e está classificado para as semifinais da Copa Sul Americana, ao lado do Flamengo. E após dez rodadas do Campeonato Brasileiro, ocupa a décima terceira colocação à frente de Atlético Mineiro e São Paulo. Vagner Mancini, sua comissão técnica e todo seu elenco mereciam ser reverenciados. No mínimo, respeitados. Mas ontem, sete meses depois de toda esta bonita história de reconstrução, saíram de campo vaiados após perderem em casa para o Atlético Mineiro. A imagem de um torcedor da Chapecoense exaltado, xingando os jogadores ao final da partida, só contido pela polícia, nos faz refletir: será que o luto acabou? Sabemos que o oficial decretado é de três dias, em caso de um Presidente da República, como Tancredo Neves, ele foi de oito dias. E quanto ao falecimento de um clube de futebol onde a emoção está sempre colocada acima da razão?

Segundo a psicologia, “O luto complicado não é definido por seu tempo de duração. Trata-se da compreensão de um tempo de Kairós, que designa o momento certo, e não o tempo de Chronos, que mede a quantidade de dias ou de horas”. Compreensão de um tempo. Seria mesmo pedir muito para um universo que vaia até minuto de silêncio, que fica na tocaia esperando o ônibus adversário passar com pedras na mão e que não é capaz de enxergar, mesmo jogando em casa, o valor destes novos heróis que o criador enviou para substituir os seus.

MADRID VENCE UNITED NO LEILÃO DA CHAPE

por Pedro Redig, de Londres

A solidariedade internacional com a Chapecoense ficou mais forte depois de um bem sucedido leilão em Londres para as 71 vítimas do desastre que levou a vida de 19 jogadores e 20 jornalistas na viagem para a final da Copa Sul-Americana contra o Atletico Nacional em Medellin.

A Inglaterra ja viveu drama parecido. Em 1958, um avião trazendo o time do Manchester United sofreu um acidente ao tentar decolar do aeroporto de Munique. O United voltava de um jogo da Copa da Europa contra o Estrela Vermelha de Belgrado. Oito jogadores estavam entre os 23 mortos. O craque Bobby Charlton foi um dos 21 sobreviventes. 


Fernando Duarte, Ana Maria Bierrenbach, Christian MacLaren e Nestor Osório Londono no leilão do Chapecoense


Jornalista e leiloleiro de plantão Fernando Duarte

Correspondente da BBC Brasil, Fernando Duarte comandou a noitada beneficente com um humor que caiu muito bem no gosto britânico, mostrando que pode ser um bom leiloeiro, puxando sempre as ofertas lá para o alto.

“Isto aqui é um celebração,” disse o brasileiro ecoando as palavras do embaixador colombiano Nestor Osório Londono que apoiou o leilão na Canning House, centro de conferências e outros eventos sobre a América Latina no Reino Unido.

Os dois falaram da capacidade única do futebol de unir as pessoas e da solidariedade que contagiou as mídias sociais. Dois belos exemplos são as fotos com as cores da Chapecoense na Torre Eiffel e no arco de Wembley.

Encarregada de Negócios do Brasil no Reino Unido, Ana Maria Bierrenbach lembrou que o futebol brasileiro pode aprender com o sucesso da Premier League e brincou com o público basicamente jovem.

– Os ingleses inventaram o jogo em que nós viramos os mestres, a não ser quando enfrentamos a Alemanha – disse a representante do governo brasileiro.  

O leilão foi promovido por Christian MacLaren, inglês que morou um tempo na Argentina e criou a LAFA, Aliança Latino-Americana de Futebol, para oferecer apoio a latinos que vêm jogar na Inglaterra.

— Nossa conexão com o Brasil traz a responsabilidade de fazer algo positivo. Queremos mostrar à comunidade Chapecoense que a gente se importa e quer contribuir na reconstrução do clube.


Uma camisa do Real Madrid autografada por todo o time bateu o recorde do leilão, arrecadando R$2.720. David Beckham não compareceu, mas mandou uma bola autografada que foi levada por uma elegante inglesa por R$1.150. Uma camisa do Manchester United assinada pelo holandês Daley Blind foi leiloada por R$766.

O objeto mais original foi um par de chuteiras especialmente produzido pela Umbro com o escudo do Chapecoense, arrebatado por R$1.436. Outro item diretamente ligado ao Brasil foi o livro do inglês Andrew Downie sobre Sócrates, vendido com dedicatória do autor por R$300.


O leilão faz parte de uma iniciativa que também inclui doações online para o Chapecoense.  Basta acessar https://www.gofundme/ChapeUK – coisa que você pode fazer aí do Brasil.  
 

DESCULPE-NOS, COLÔMBIA

por Zé Roberto Padilha


Infelizmente a visão que tenho do mundo foram passadas, e reprisadas, pela telinha que meu pai comprou em 1956. E perduravam até hoje. Era uma inédita televisão Emerson bege, e a Rua Barão de Entre-Rios vinha toda noite assistir aquela novidade com a gente. Se os americanos foram colonizados pelos ingleses, e perderam a oportunidade de nos descobrir, trataram de aperfeiçoar sua tecnologia e cismaram de colonizar a nossa mente. E, em cada canto do nosso país, minha geração, dos anos 50, foi dominada pelos seus filmes e a cultura que nos passavam em preto e branco

Nossos heróis não foram Zumbi, o Rei dos Palmares, muito menos Tiradentes, o primeiro a ir para as ruas protestar contra o aumento dos impostos e os abusos do governo. Eles foram Tarzan, Capitão Marvel, Lassie e Rin-tin-tin. Seus nativos originais, os indígenas americanos, foram exterminados em seu habitat pelos vírus, canhões ingleses, e acabaram expulsos do seu território. Mas a versão produzida pelos estúdios da MGM e Paramount era o contrário: John Wayne, Clint Eastwood e o Trinity eram os mocinhos que defendiam as aldeias atacadas por “sanguinários” peles vermelhas. Pobres bandidos do bem fazendo cara feia no cinema para a gente. Quando entramos na universidade e tivemos acesso aos relatos dos vencidos, era tarde: já tínhamos colecionados todos os discos do Elvis. E meu pai comprado toda a coleção do Franck Sinatra e meus filhos dançaram no colégio a coreografia de Thriller.

Quando John Kennedy morreu, choramos mais lá em casa do que por Getúlio Vargas. Quando Jango foi para o Uruguai retirado do seu cargo pela ditadura militar, não era com o futuro da nossa bela primeira dama, a Maria Tereza, que estávamos preocupados: era com a Jacqueline Kennedy que se casava com Onassis. Gatos, então, coitados, esta criatura adorável, trataram de retirar do nosso cotidiano pois nos desenhos animados o Tom não parava de perseguir o Jerry. Era o bandido da história e quando aparecia nos filmes de Hitchcock, pelo regime de cotas, era preto, sinistro, símbolo do azar e de atrair coisa ruim. E todos os brasileiros passaram a ter um cão e desprezar os gatos dentro de suas casas.

E com vocês, povo colombiano, não foi diferente. A versão da telinha produzida por Hollywood não teve exaltação a Simon Bolívar, a Francisco Santander, seus libertadores das garras do domínio espanhol. Seu herói por aqui sempre foi Pablo Escobar. E seus produtos de exportação não passavam de maconha e cocaína. Quantas vezes Arnold Schwarzenegger foi até suas selvas, as vilas imundas dos cenários que produziam, trazer reféns de volta em meio a violência dos seus traficantes? E em nenhum filme foi falado que o maior mercado consumidor de cocaína do mundo era o norte-americano.

E, de repente, em uma quarta-feira entristecida, toda a não ficção exportada por eles é substituída por um gesto que nos deixou tão emocionados quanto envergonhados. Nenhuma nação do mundo seria capaz de produzir ao vivo, não em falsos cenários, um espetáculo tão respeitoso e bonito quando enlutaram seu estádio, e o ocuparam todo à sua volta, para glorificar seus adversários. E ainda conceder-lhes o título que por tanto lutaram.

A partir de hoje, povo colombiano, nós, brasileiros, prometemos não ir mais às locadoras buscar mentiras magistralmente dirigidas contra vocês. Mesmo que tenha a Angelina Jolie no papel principal. Recebam as nossas sinceras desculpas e nem precisamos pensar em vingança: eles mesmos acabam de escalar um “bandido” para dirigir o seu destino.

O SORRISO QUE SUMIU DAS RUAS

por Claudio Lovato


(Foto: Nelson Almeida / AFP News Agency)

Na terça-feira de manhã, pouco tempo depois de saber da queda do avião que transportava a delegação da Chapecoense e um timaço da imprensa esportiva brasileira, saí às ruas do centro de Florianópolis, onde moro.

Saí porque não consegui ficar em casa trabalhando. Saí porque precisava saber se aqueles relatos escabrosos que eu acabara de ler na internet eram totalmente verdadeiros. Saí porque senti uma ânsia irrefreável de me misturar à multidão e estar bem no meio dela se e quando eu descobrisse (e me convencesse intimamente) que aquilo realmente tinha acontecido lá nas montanhas dos arredores de Medelín.

Estou na minha segunda passagem por Florianópolis e essa foi a primeira vez – e, espero, a última – em que andei, andei e andei e não vi ninguém sorrir. Ninguém. Na verdade, quase não ouvi ninguém falar, embora as ruas já estivessem abarrotadas de gente. 


(Foto: Alan Pedro)

Andei pelo centro de Floripa, percorri a Felipe Schmidt inteira, da Beira-Mar à Praça 15, depois a Conselheiro Mafra, e então a Deodoro (onde cruzei por um casal de idosos, ele com a camisa da Chape, de braço dado com a esposa, ambos olhando para o chão) e a Tenente Silveira e a Esteves Júnior e a Bocaiúva e, por fim, a Almirante Lamego, onde resido, e tudo o que vi e ouvi nesse trajeto foi tristeza e silêncio, algo que não combina em nada com esta cidade falante e ensolarada, com este estado alegre e otimista que ama o futebol e faz dele uma de suas principais formas de celebração da vida.

Há coisa de três ou quatro semanas recebi do Sérgio Pugliese um desafio: entrevistar alguém da Chape para o Museu da Pelada. Moro em Floripa, como já expliquei, Chapecó fica no Oeste Catarinense, e essa distância física, aliada a compromissos profissionais e familiares, terminaram por me impedir de fazer o processo andar na velocidade em que eu gostaria. Chegaríamos ao intento, com certeza. Com certeza! Pois é.

Na quarta-feira, dia em que escrevi estas linhas, saí de novo às ruas de Floripa. Praticamente repeti o trajeto feito no dia anterior. Os sorrisos já começavam a voltar. Tímidos, sim. A célebreexpansividade dos “manezinhos” dava os primeiros sinais de regresso. Muito de leve. Não será de um dia para o outro. Não poderia ser.

No começo do ano fui ao estádio Orlando Scarpelli para assistir Figueirense x Chapecoense pelo Campenato Catarinense. Empate de 1 a 1. Finalizada a partida, acompanhando parentes e amigos que torcem pelo Figueira, fui saindo do estádio no meio da torcida do clube da capital, e, por várias vezes, ouvi comentários que variavam nas palavras, mas mantinham o mesmo sentido: “Essa Chapecoense não é fácil!” Havia respeito, simpatia e admiração. Que agora – para os torcedores do Figueirense e de todos os outros clubes do Brasil – se transformarão numa saudade fraterna. Lindamente fraterna.    

Eu gostaria de escrever um final mais positivo e alentador para este texto, mas o que dizer? Vamos em frente? Sim, vamos em frente! Vida que segue? Claro, vida que segue, sempre! Bola para frente? Opa, lógico, bola pra frente! Mas com o tempo.

Com o tempo.

Só com ele.