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CARLOS ALBERTO TORRES, O CHUTE PARA A GLÓRIA MAIOR DO NOSSO FUTEBOL E QUE SAUDADE DO CAPITA…

por André Felipe de Lima


Pelé desviou o olhar e rolou a bola, que parecia obediente ao “Rei”. Quem a recebeu foi o lateral-direito Carlos Alberto Torres, que chutou forte. Tiro colossal contra a meta do goleiro italiano. Quarto gol brasileiro. Eram 42 minutos do segundo tempo e nada mais restou a todos que estavam no Estádio Asteca a não ser bater palmas para, talvez, o melhor time de futebol já formado. O Brasil conquistou o tricampeonato mundial e Carlos Alberto entrou para a história como o capitão mais jovem [tinha apenas 25 anos] de uma seleção campeã, que, diga-se, foi uma avassaladora máquina de jogar bola. Mas o brioso lateral, que herdou a camisa dois das mãos do imortal Djalma Santos, imortalizou uma imagem: o “Capita” [capitão em italiano] beija e depois ergue a Taça Jules Rimet, que após o 4 a 1 sobre a Itália ficaria definitivamente no Brasil. Uma cena marcante porque foi vista simultaneamente por milhões de pessoas em todo o mundo coladas na telinha de um televisor. A Copa de 70 foi a primeira a ser transmitida pela TV via satélite, iniciando a comercialização maciça da mais eloquente competição de futebol do planeta.

A cena de Carlos Alberto é o divisor de águas na história do futebol. E muita coisa deve ter passado pela sua mente naquele momento em que recebeu a Taça Jules Rimet. Um filme de sua vida, quem sabe. Dos tempos em que jogava bola nas ruas da Vila da Penha, subúrbio do Rio, aos momentos no Fluminense e Santos, clubes que defendeu antes da Copa.


O “Capita” nasceu no bairro de São Cristóvão, em 17 de julho de 1944, mas cresceu na Vila da Penha. Quando criança, muitas memórias felizes, mas algumas, nem tanto. O pai, que não o queria como jogador de futebol, chegou a surrar-lhe. Sob um choro constrito, o garoto respondia:

– Não adianta o senhor me bater. Eu quero ser jogador de futebol.

Desde pequeno, sinais de obstinação. Nem as broncas paternas e a rejeição do Bonsucesso, em 1958, desanimaram-no. Tinha uma certeza: a de um dia tornar-se um craque. Se o time suburbano não o quis, houve gente nas Laranjeiras que acreditava no jovem Carlos Alberto. Chegou lá e, sem que o pai soubesse, inscreveu-se no clube. Em pouco tempo, o rapaz despontou no juvenil do Fluminense e logo seria lembrado para as seleções brasileiras de novos. Em 1963, um ano após estrear no time principal do Fluminense, substituindo o titular Jair Marinho, veio o primeiro título com a amarelinha: a medalha de ouro dos jogos Pan-americanos de 1963. No ano seguinte, Carlos Alberto seria campeão carioca pelo Tricolor, com apenas 20 anos. O pai já não contrariava mais os ideais de Carlos Alberto. Aceitou o destino do filho e apoiou-o para o que desse e viesse. Sempre que podia, estava no estádio para vibrar com as jogadas elegantes do seu menino.


Quando ainda atuava pelo time juvenil do Tricolor, Carlos Alberto tinha um fã: o tio, Jaime Silva, ex-presidente do Guarani de Campinas, que chegou a prometer ao rapaz um carro caso subisse para o time principal. O presente nunca chegou a Carlos Alberto. A repórter Semiramis Alves Teixeira acompanhou de perto a história e assim escreveu em 1965 para a Gazeta Esportiva Ilustrada: “Não deu [o carro] porque depois começou a achar que seu sobrinho era péssimo jogador, como ele dizia, na mais pura gíria, ‘grosso mesmo’. Quando se arrependeu, era tarde demais. Os pais [de Carlos Alberto], que moram no Rio, assim como os irmãos, ficaram felicíssimos com sua vinda para o Santos, que já tentara anteriormente sua aquisição. O Botafogo também o fizera e pela mesma quantia [duzentos milhões], mas o Fluminense não quis vender o zagueiro.”

O lateral permaneceu no clube da rua Álvaro Chaves até 1965 e só retornaria em 1976 para compor a máquina montada por Francisco Horta e ser novamente campeão estadual. O “Capita” jogou 169 vezes pelo Fluminense e marcou 20 gols. Anos mais tarde, precisamente em 1984, o presidente do Fluminense, Manoel Schwartz, convida-o para assumir a direção de futebol do clube. De cara, uma tacada ousada. Carlos Alberto traz o craque paraguaio Romerito e monta um time quase imbatível, que conquista o campeonato brasileiro de 84. Meses depois, já como treinador, o “Capita” conduz o time de Assis, Romerito, Washington, Delei e Cia. à conquista do Campeonato Carioca.


Mas foi o Santos, de Pelé, que mais alegrias proporcionou ao lateral. Foram tantas, de 1965 a 70 e de 1972 a 75, que o ídolo confessou ter uma “quedinha pelo Santos”, embora, no começo da carreira no clube, teria dito gostar do Palmeiras por conta do primo, o zagueiro Djalma Dias, que lá jogava. Na primeira fase em que esteve no Alvinegro praiano, cansou de tanto erguer troféus. Chegou à Vila Belmiro com pompa. “Minha venda foi a maior negociação do futebol brasileiro até então: 200 milhões de cruzeiros”. A vida no Santos era de causar inveja a qualquer jogador. O jovem lateral carioca jogava entre feras, que já não precisavam conquistar mais nada para o clube. Foram campeões paulista, continental e mundial.

Durante sua passagem pelo Santos, onde seu irmão Beto também treinou no começo da carreira, Carlos Alberto era presença garantida em qualquer escrete. Em 1968, o segundo título pela seleção: campeão da Copa Rio Branco. Faltava apenas a Copa do Mundo. Quase esteve na de 1966, na Inglaterra, mas foi vetado por Vicente Feola. Acreditava piamente ser um “intocável”, mas decepcionou-se quando lhe avisaram sobre o corte. A esperança ficou para os próximos quatro anos e, em 1970, concretizou-se o sonho de ir a um mundial e, mais ainda, o de ser capitão do escrete que encantaria milhões de pessoas.

De todos os jogos da Copa de 70 que o Brasil disputou [e venceu!], Carlos Alberto define o embate contra a Inglaterra como o mais difícil. Parecia um jogo de xadrez que uma partida de futebol. Qualquer erro de um dos lados determinaria a vitória. O Brasil não errou, a Inglaterra apenas uma vez. Foi um jogo duro, mordido. O “Capita” teve de sair da lateral para dar um chega-pra-lá em Farncis Lee, ponteiro adversário, que minutos antes havia chutado o rosto do goleiro Félix. Carlos Alberto parece ter intimidado o gringo, que não tocou mais na bola.

O resto é história… com a Jules Rimet em casa, nada mais faltava para Carlos Alberto Torres conquistar em sua carreira de jogador de futebol. Com a camisa canarinho, disputou 73 jogos, venceu 54, empatou seis e marcou nove gols.

Quando a Copa terminou, havia rumores de que Carlos Alberto teria discutido com Pelé e por isso perdido a braçadeira de capitão do Santos, como apontou reportagem assinada pelo repórter Michel Laurence, em agosto de 1970, na revista Placar.

Tudo teria começado no intervalo de um jogo contra o São Paulo, no dia 9 de agosto, no estádio do Morumbi. Carlos Alberto discutira com cartolas e o técnico Antoninho, que o acusavam de uma falta desnecessária no ponta Paraná que resultaria no gol de empate do Tricolor paulista. No campo, Pelé teria sido ríspido com Carlos Alberto, que respondeu à altura. “Se você quer que eu saia, vou sair!”. A verdade é que o capita devolveu a bordoada em Paraná, na mesma moeda. O jogador do São Paulo havia dado vários pontapés em Carlos Alberto, que não deixaria ficar barata a agressão.

No vestiário, disse a Antoninho e ao diretor de futebol, Nestor Pacheco, e ao vice-presidente, Osman Ribeiro de Moura, que não voltaria para o segundo tempo. O treinador ameaçou tomar-lhe a braçadeira de capitão e os cartolas, aplicar-lhe uma multa de 60 por cento em seu salário. Torres ficou fulo com o teatro dos comandantes do Santos. Não se aborrecera com Pelé porque sabia que bate-boca dentro do gramado fica por lá mesmo. Ainda mais que ambos eram grandes amigos, amizade que perduraria inabalável por muitos e muitos anos. O problema era com o Santos e ponto final. E disse o seguinte, na frente muitos, inclusive de Nestor Pacheco: “Na hora de me multar, eles nem se lembraram de que Pelé e eu fomos ao presidente da República pedir um empréstimo para o Santos. Não faz mal. Agora, só existe Carlos Alberto de um lado, com os jogadores, e os dirigentes do outro.”

A saída do Santos seria questão de tempo. Não havia mais espaço para diplomacia. O lateral retornaria ao Rio para vestir a camisa do Botafogo. Ficou apenas em 1971, tempo necessário para torna-se o maior lateral-direito da história do Alvinegro carioca, como apontam muitos botafoguenses ilustres. Poderia ter saído de General Severiano com um título não fosse a lambança do árbitro José Marçal Filho, que validou um gol ilegal de Lula após rebote em que o goleiro do Botafogo, Ubirajara Mota, sofreu falta clamorosa. Não era para ser…

O resultado daquele clássico “Vovô” estava “escrito há mil anos”, diria Nelson Rodrigues. Nada parecia dar certo para o Botafogo. Dias antes do match, o departamento médico vetou a escalação de Jairzinho, que contundiu-se após uma entrada violenta de Moisés, do Vasco. Logo aos 15 minutos da primeira etapa da finalíssima contra a turma das Laranjeiras, Carlos Alberto torceu o joelho e foi substituído por Mura. Quando parecia que nada mais de ruim aconteceria ao Fogão, Zequinha também se machucou e em seu lugar lançaram Paraguaio. Não havia muito o que fazer, essa era a verdade. Deu Flu e o “Capita” ficou sem o título pelo seu Botafogo, time que aprendeu a amar ainda garoto. Não conquistar nada pelo Alvinegro foi a única frustração de sua carreira. Foram 225 jogos e nenhum gol assinalado.

Voltaria à Vila Belmiro em 1972 para ser campeão paulista no ano seguinte. Até 1975, vestiu a camisa santista em 445 jogos e marcou 40 gols. Com o mesmo manto, foi campeão estadual em 1965, 67, 68, 69 e 73; da Taça Brasil, em 65; Rio-São Paulo, em 66 e Roberto Gomes Pedrosa, em 68.

NA ‘BIG APPLE’


Concluída a segunda fase no Santos, Carlos Alberto voltou às Laranjeiras para ser, em 1976, campeão carioca da Copa Viña del Mar e do torneio de Paris. Jogaria ainda pelo Flamengo durante apenas quatro meses de 77 e regressaria ao Flu. Nos dois períodos em que esteve no Flu, “Capita” disputou 169 jogos e marcou 19 gols. A seleção brasileira também lembraria dele em alguns jogos das eliminatórias da Copa de 1978, na Argentina. No dia 20 de março de 77, o “Capita” vestiu pela última vez a camisa do Brasil. Encerrou sua trajetória no escrete, mas não nos gramados. Decidiu ganhar dólares nos Estados Unidos e, seguindo os passos de Pelé, embarcou para Nova Iorque. Com os amigos Beckenbauer, Marinho Chagas e Pelé, Carlos Alberto defendeu o Cosmos, clube responsável pela popularização do soccer no país do beisebol após conquistar três títulos americanos de 1977, 80 e 82. O ex-lateral esteve em todos. Mas, em 1981, não defendeu o Cosmos e, sim, o Newport Beach, da Califórnia.

No dia 28 de setembro de 1982, com o Cosmos diante do Flamengo, Carlos Alberto Torres encerrou a carreira. Naquele dia, o jornal New York Post estampou em uma de suas chamadas o seguinte texto: “Take one last look, world, the Carlos Alberto legend is about to become a memory”, que diz algo mais ou menos assim em português: “Dê uma última olhada, mundo, a legenda Carlos Alberto está se transformando em memória.”

Sobre a legenda Carlos Alberto, o jornalista americano Paul Gardner, do Sunday News, escreveu: “Suas pernas são pernas comuns, pernas que trotam, pernas que passeiam, mas nunca pernas que correm.” Para muitos, Carlos Alberto descomplicou a forma de se jogar futebol, bem ao estilo do que definiu o célebre baixista americano Charles Mingus: “Transformar algo simples numa complicação, isso é normal. Fazer de uma situação complicada algo simples, isso é talento.”

O jogo com o Flamengo terminou 3 a 3 e Carlos Alberto foi prestigiado por uma platéia de cerca de 37 mil pessoas, no Giants Stadium, em Nova Jersey. Do Brasil, presentes na arquibancada o então ministro do Planejamento, Delfim Netto, e Pelé.

Querido pelos nova-iorquinos, o lateral recebeu uma homenagem inestimável do prefeito da Big Apple. O dia 7 de agosto passou a se chamar “Dia Carlos Alberto Torres”. No vestiário daquela constelação de craques do Cosmos era comum esbarrar em astros como Mick Jagger e Robert Redford, fãs do soccer.

Torres decidiu permanecer nos Estados Unidos e montou uma escolinha de futebol em New Jersey. Mas um convite do presidente do Flamengo, Antônio Augusto Dunshee de Abranches, convenceu-o a retornar ao Rio de Janeiro. Fim de linha para o jogador e começo de estrada para o técnico, cujo melhor momento foi em 1983 com a conquista do campeonato brasileiro com o Rubro-negro.

Como treinador, “Capita” passou por grandes clubes. Dirigiu o Fluminense e o Botafogo, que comandou durante a conquista da Copa Conmebol, em 1993. Mas a carreira como técnico nunca foi amena. Torres ficou sem trabalhar entre 1988 e 1993, até o Botafogo resgatá-lo. Treinou times como Corinthians, América do Rio, Náutico, Miami Sharks e Payssandu, mas sem o mesmo sucesso obtido com Flamengo, Fluminense e Botafogo. Esteve a frente das seleções de Omã, Nigéria e Azerbaijão. Com os nigerianos ficou oito meses sem receber o salário. Especializou-se em livrar grandes times do rebaixamento no campeonato nacional. Fez isso pelo Botafogo, Atlético Mineiro e Flamengo. Infelizmente, não obteve o mesmo resultado com o Payssandu, em 2005. Desde a passagem pelo clube paraense, Carlos Alberto não treinou mais. Preferiu cuidar dos investimentos e da empresa de consultoria de futebol que montou com o amigo Ricardo Rocha [ex-zagueiro do Guarani, São Paulo e Vasco] e o filho Carlos Alexandre Torres, ex-zagueiro do Vasco, Fluminense e Japão, que nasceu do casamento do “Capita” com Sueli, sua primeira esposa, com quem também teve Andréa.

Carlos Alberto casou três vezes, inclusive com Terezinha Sodré. Conviveu durante 16 anos com a atriz, mas não tiveram filhos. Um período de muitas badalações, colunas sociais e, sobretudo, de sucesso na agitada noite de Nova Iorque. Com a vida bem mais tranquila hoje, o craque está casado com Graça, sua “companheirona”, como a define.


O Capita cresceu ouvindo do pai que futebol era coisa para desocupado, que não o levaria a lugar algum. Apanhou, inclusive, para que desistisse do sonho de jogar bola ao lado de seus ídolos. Hoje, com a globalização e a velocidade dos meios de comunicação, as imagens de grandes jogadores brasileiros, a maioria de ascendência negra e bem sucedidos financeiramente, chegam para todos os jovens. Os mais pobres veem neles a possibilidade de um dia estar em um Real Madrid, Barcelona, Milan… “O que eu aconselharia a todos é que estudem. Mas não adianta apenas aconselhar, tem de se dar condições para isso, pois o estudo é o principal alicerce na vida de qualquer pessoa. No nosso Brasil todos deveriam ter condições para isso. O que acontece é que devido a essa evolução espantosa que o futebol teve na mídia nos últimos anos, todo mundo fica sabendo que os Ronaldinhos lá na Europa ganham milhões de dólares. E não só eles, mas todos os grandes jogadores. Então, quem é que pode impedir que um garoto tenha como sonho ser um jogador de futebol? Ninguém pode impedir isso.”

Palavra de quem foi a “figurinha” de álbum de muitos garotos no passado e, hoje, como diria o cantor e compositor Fagner, tornou-se uma “figura eterna”. Que saudade de você, Capita.

O MENINO DA PENHA

por Sergio Pugliese

Após mais uma vitória sobre o rival Independente, a rapaziada do Ipiranga seguiu para o Armazém do Seu Carlos, tradicional ponto de encontro “pós-massacres”. Seu Carlos além de excelente anfitrião também funcionava como patrocinador do time porque bancava sanduíches, refrigerantes e, claro, o uniforme: camisa branca de gola vermelha, calção azul e meião branco. Nesse dia, o jogo foi duríssimo e o lateral Carlos Alberto, líder do grupo, deitou-se na calçada da Vila da Penha de braços abertos, extasiado e principalmente aliviado por libertar os pés em carne viva das chuteiras, dois números menor.

– Minha família não tinha dinheiro para comprar e usava as que me emprestavam – recordou-se Carlos Alberto Torres, o capitão do tri, rodeado pela orgulhosa comitiva do A Pelada Como Ela É formada pelo trio de atacantes Reyes de Sá Viana do Castelo, Daniel Planel e Fernanda Pizzotti. 

O problema dos pés esfacelados complicava no dia seguinte. Precisava cumprir as tarefas como mensageiro da corretora de imóveis, de Seu Geraldo Albernaes, e à noite marcar ponto no Educandário Santa Fátima. Mas se tivesse bola rolando esquecia tudo. Queria seguir os passos de Zé Luiz, o irmão mais velho que treinava no Fluminense e despontava como possível substituto do ídolo Pinheiro. Mas um acidente de carro jogou tudo ralo abaixo. Os pais Chico e Alaíde não davam a menor força para Carlos Alberto, mas um dia ele foi convidado para um treininho no Fluminense por Roberto Alvarenga, dono do Ipiranga e supervisor tricolor. Inventou para o patrão que precisava visitar uma tia doente, mas foi flagrado pelo Velho Chico nas Laranjeiras. 

– Ele me chamou de vagabundo para baixo, mas num jantar com a família pedi uma chance e ele deu. Era um paizão! – contou, ao lado do filho Alexandre Torres. 

E Carlos Alberto não desperdiçou a chance. Aos 16 anos, barbarizou nos treinos, entrou para o juvenil e três anos depois substituiu Jair Marinho, que fraturara a perna, no time principal. Comemorou sua estreia no Maracanã dançando até se acabar numa das festas organizadas por Seu Barbosa, figura folclórica do bairro. Perdeu de 3 x 0 para o América, mas vibrou com os Golden Boys tocando na carroceria de um caminhão, na Estrada do Quitungo. Ele e os parceiros do Ipiranga, Noca, o ponta-direita Othon, o lateral-esquerdo Chicão e o goleiro Rui. O pai coruja empolgado com a performance do garotão, liberou o Chevrolet 40 preto para ele ir ao treinos. Um arraso! 

– Em 1963 fui convocado para o Panamericano e em 1964, comprei meu próprio Fusca! – vibrou. 

Também em 1964 foi convocado para a seleção brasileira e ganhou a vaga de Djalma Santos. Na estreia, vitória sobre a Inglaterra, no Maracanã, ao lado de Gilmar, Gerson, Vavá e Pelé. No ano seguinte, outra grata surpresa: o convite para integrar o dream team do Santos, com Gilmar, Mauro, Orlando Peçanha, Geraldino, Zito, Mengalvo, Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe. 

– Ganhamos tudo e ficamos mundialmente famosos – orgulhou-se. 


(Foto: Arquivo)

A carreira de Carlos Alberto foi fulminante. Se aos 15 anos resgatava as bolas da vala negra que rasgava o campinho de terra batida do bairro, apenas 10 anos depois, no dia 21 de junho, o maior lateral-direito de todos os tempos, entrava no Estádio Azteca, na Cidade do México, para ser assistido por centenas de milhões de pessoas, na decisão da Copa do Mundo de 1970, contra a Itália. E colocou-se naquela faixa de campo, no território onde pouquíssimos ousaram se engraçar. Um deles, Abel, ponta-esquerda do América, pai do jornalista Abel Neto. Esse, por muitas vezes, tirou o seu sono. Mas o tempo seguiu e faltava pouco para o mais jovem capitão da história das Copas do Mundo atingir o sonho maior: erguer a Jules Rimet. E Pelé resolveu ajudá-lo nessa missão rolando aquela bola macia que implorava “me chuta!”. Dessa vez a chuteira tinha o número certo e a pancada pegou na veia. O Brasil explodiu em emoção e no Armazém do Seu Carlos todos desabaram em lágrimas. O eterno patrocinador prometeu uma festa de arromba no Largo do Bicão para recepcionar o craque e, cinco dias depois, a promessa foi cumprida. Carlos Alberto Torres retornou ao armazém e os dois trocaram um longo e emocionado abraço. Depois foram para o jogo! O Ipiranga estava de volta! Após 90 minutos de racha sob sol escaldante, Torres, quebrado, descalço e rodeado de amigos, deitou-se na mesma calçada de sempre, abriu os braços e chorou olhando para o céu azul de Vila da Penha, onde tudo começou.

 

Texto publicado originalmente na coluna “A Pelada Como Ela É” em 04 de abril de 2012