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CABELO, CABELEIRA, CABELADA

por Paulo-Roberto Andel


Houve um tempo no Rio de Janeiro, mais especificamente na década de 1980, em que só os grandes jogos e lotes de craques não bastavam: a arbitragem também era marcante, com seus membros praticamente alçados à condição de estrelas do gramado também.

Depois dos tempos de Sansão e Armando Marques, a new order da arbitragem carioca tinha decanos como José Roberto Wright, Arnaldo César Coelho, Wilson Carlos dos Santos, Valquir Pimentel, Luiz Carlos Bregalda e grande elenco. Depois viriam Claudio Vinicius Cerdeira, Leo Feldman e Daniel Pomeroy. Mas na segunda metade dos anos 1980, três estrelas se destacavam na constelação da arbitragem carioca: Valter Senra, Jorge Emiliano e Luiz Carlos Gonçalves. Talvez pelos nomes, nem todos os torcedores lembrariam desse trio; agora, pelos apelidos, ninguém se esquece de Bianca, Margarida e, claro, Cabelada.

Os dois primeiros foram marcados pela segurança nas arbitragens e pelo jeito desinibido de arbitrar. Eram gays assumidos numa sociedade muito homofóbica, onde era normal que fossem sacaneados e sofressem diversas declarações pejorativas, até mesmo de dirigentes e jornalistas. Independentemente de qualquer coisa, Senra e Emiliano foram craques da arbitragem.

E Cabelada? Bom, esse não se pareceu com ninguém, dada a sua condição de personagem único. Dotado de incrível capacidade para ser o centro das atenções, boêmio convicto (inclusive antes dos jogos), divertido, espalhafatoso e um tremendo fazedor de média, Luiz Carlos Gonçalves colecionou histórias de arbitragens que beiram o quase inacreditável, seja por erros extraterrestres (de propósito), tumultos generalizados e principalmente por sua vida extracampo, movida a hectolitros de chope, samba, carnaval galhofa e uma intensa vida social – que o levou à amizade de ícones cariocas como os compositores Nei Lopes e Guinga, o sambista Toninho Geraes e outros craques. Acredite: por pouco Cabelada não se tornou ator global, dentre outras façanhas, tudo isso enquanto arbitrava jogos do Carioca numa das melhores épocas da competição.


Prestes a completar 75 anos, Luiz Carlos Gonçalves ganha um livro tributo que será lançado em 11 de dezembro, dia de seu aniversário, em seu aquário natural: o endereço do eterno Petisco da Vila, na Vila Isabel em que o ex-árbitro marcou época como personagem das ruas. O livro se chama “Todo juiz é ladrão, Cabelada não!”. Este cronista teve a honra de produzir a obra ao lado do escritor Zé Augusto Catalano e assegura: o texto de Leandro Araujo, o autor, é de fazer rolar de rir com talento colossal, muito amparado pelas histórias (todas reais, mas quase todas inacreditáveis) de Cabelada, personagem que merece ser revivido por representar um Rio de Janeiro e um futebol carioca muito mais divertido, pulsante e, honestamente, galhofeiro.

Os clássicos eram monumentais, os jogos dos times de menor investimento eram desafiadores e, acredite, mesmo com toda a esculhambação, o Brasil tinha o melhor futebol do mundo, muitas vezes jogado no Rio de Janeiro e no Maracanã cheio de estrelas, até mesmo na arbitragem. Foi outro dia mesmo, mas já faz mais de trinta anos. O tempo não para.