por Sergio Pugliese
Campos de pelada e botequins são almas gêmeas. Populares, democráticos, palcos de prazer e frustrações, títulos e rebaixamentos. Normalmente maltratados, esburacados e sujos não cogitam plástica, afinal quanto pior, melhor! Bem resolvidos, complementam-se harmoniosamente: um desgasta a rapaziada e o outro abastece o corpo e a alma. Nesses três anos de coluna nos dividimos felizes da vida entre esses dois espaços e na quarta-feira passada não foi diferente. Nossa equipe, quebrada, saiu de um racha direto para o Bip Bip, em Copacabana, reduto de boêmios e dos melhores músicos do pedaço. Alfredinho, o dono, estava lá, cercado de fotos dos bambas Aldir Blanc, Roberto Ribeiro, Nelson Sargento e Carlos Cachaça.
– Jogava bola, Alfredinho? – provocou Ian Sena, pontinha atrevido do A Pelada Como Ela É.
– Tá brincando, menino? Era o camisa 10 do Bossa Nova – devolveu.
Nascido em Santa Cruz e criado em Cosmos e Bangu, claro que o botafoguense Alfredo Jacinto Melo era bom de bola. Desfilou o talento como meia-armador e ponta-esquerda, no campo do Rosita Sofia. Nessa época atendia por Russinho. O dono do time, Walter Jararaca, vibrava com os seus dribles. Baixinho, entortava os gigantes do principal rival, o Esquina do Pecado. Mas seus companheiros Tião, Dito, Pedro Rola, Orlando Silva, Jorge Farrapo, Jabuti, Hélio Muquira, Totonho e Fefeu também eram ensaboados. Quantas vitórias comemoradas com carne de gato!
– Tempo bom, mas o futebol profissional acabou – desabafou.
Para Alfredinho, mesmo após a goleada para o Bayern, o Barcelona continua sendo o melhor do mundo. E só. Os clientes concordaram e ele emendou reclamando das novas arenas, do beach soccer, do futsal. Quer de volta o Maracanã com a geral, o futebol de praia, o futebol de salão. Mesa de bar é para isso! Os compositores Paulinho do Cavaco e Luis Pimentel pediram os botequins de volta, mas em forma de canção: “…o porre, a paquera, conversa fiada. E a dor de corno que virou piada. Nos meus botequins a vida era engraçada….o ovo colorido enfeitando o balcão. A cerveja gelada tirando o juízo. E os sonhos cobrindo a serragem do chão. E no alto São Jorge matando o dragão…”. A galera delirou! O artilheiro Ian batucava na latinha de cerveja e o quarto zagueiro Pimentel, no tantan.
– Depois de arrasar no jogo, nada melhor do que colher os louros – tirou onda, Ian.
O moleque realmente deitou e rolou na partida contra o escrete de Mangueirinha, colega de trabalho. Fez três gols e distribuiu lençóis e canetas. Alfredinho sente uma pontada no peito quando ouve essas histórias. Estava no infanto do Bangu, dirigido por Domingos da Guia, quando precisou trocar a carreira no futebol por uma corretora de câmbio. Alugou um apartamento em Copacabana com quatro amigos e as noitadas nunca mais o abandonaram. Em 1984, assumiu o Bip Bip, fundado em 1968. É o quarto dono. Era um antigo sonho reunir amigos em resenhas futebolísticas e musicais. Carismático, transformou um espaço de 18 metros quadrados em atração turística internacional. Não tem garçons. Os próprios clientes pegam suas latinhas de cerveja no freezer e cortam o queijo no balcão, o oposto da canção de Paulinho Cavaco e Pimentel sobre a invasão dos botecos de grife: “…é point da moda, não sai dos jornais, cheio de frescuras e artistas globais….”.
– O Bip Bip é a casa de todos – resumiu, Alfredinho.
Ian Sena estava feliz como pinto no lixo, soltinho como nas quatro linhas. E filosofou citando um pensamento do teólogo Leonardo Boff: “Boteco é um estado de espírito. É uma metáfora da comensalidade sonhada por Jesus, lugar onde todos podem sentar à mesa e celebrar o convívio fraterno e fazer do comer, uma comunhão”. A frase retratava fielmente o momento vivido pela rapaziada. Ian também lembrou do boleiro José Neto, cria do Aterro, e seu blog Drinks & Kibe, no mesmo conceito, bar e bola. Já era tarde. Daphne, namorada de Ian, ligou cobrando presença. Ainda tinha o terceiro tempo! Hora da foto! Alfredinho abraçou a bola e fez cara de sério: “Deixa com o craque!”. Paulinho do Cavaco e Pimentel ajeitaram as golas. Click! Ian partiu quicando a redonda enquanto Alfredinho apontava a geladeira para um turista italiano que ainda não sabia como a banda tocava por ali.
Texto publicado originalmente na coluna A Pelada Como Ela É no dia 27 de abril de 2013.