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Bellini

NILTON SANTOS SABIA DAS COISAS: ‘PÕE O BELLINI, QUE É SÉRIO E SERÁ RESPEITADO POR TODOS’

Bellini sequer imaginaria ser um ídolo do futebol. Era menino, cursava o primário, mas já tinha como fãs especiais os professores. O grande capitão da Seleção Brasileira na Copa de 1958 faria anos neste dia 7 de junho. A seguir, os primeiros momentos dele no futebol. Boa leitura.

por André Felipe de Lima


Filho de Hermínio Bellini e Carolina Levatti, Hilderaldo Luiz Bellini nasceu em Itapira, interior paulista, no dia 7 de junho de 1930, mas só foi registrado em cartório no dia 21 do mesmo mês. Deveria se chamar Ederaldo, em homenagem ao médico Ederaldo Prado Queiroz Telles, de Mogi-Mirim, onde Maria, irmã mais velha do menino Hilderaldo e também sua madrinha, morava com o marido e a filha Ivone. Durante a cerimônia de batismo, como narra Giselda Bellini, que se tornaria esposa do futuro craque e sua principal biógrafa (Bellini: O primeiro capitão campeão, Ed.Prata, 2015), o padre exigiu um nome de santo católico. Dona Carolina imediatamente sugeriu “Luiz” como o segundo nome. O primeiro seria mesmo Ederaldo. “Seria” é o tempo verbal correto, porque o tabelião escorregou feio no momento de datilografar o registro do garoto. Sabe-se lá por qual motivo ele fez o mais difícil, e escreveu “Hilderaldo”. E assim ficou lavrado.

O pai do menino Bellini, um imigrante italiano tradicionalíssimo, trabalhava como carroceiro para sustentar a numerosa prole composta por 12 filhos, seis deles sequer atingiram a idade de dois anos. A maioria morreu vítima da pneumonia. Hilderaldo, que era o penúltimo da prole, não os conheceu. A vida seguia para o arrojado casal Bellini. Detinham, afinal, um vigor transformador passado aos filhos. O garoto Hilderaldo foi, talvez, o principal herdeiro de Hermínio e Carolina nesse quesito. Acordava às 5h para ajudar o pai. Religiosamente todos os dias.

A seriedade de Bellini, que todos que amam o futebol aprenderíamos admirar, também foi marcante nele desde os primeiros anos. Há duas histórias que provam isso. A primeira, embora não conste da biografia de Bellini escrita por Giselda, foi contada pelo repórter Carlos Maranhão na revista Placar; a segunda foi descrita pela própria Giselda. Bellini, segundo Maranhão, batia de porta em porta para convocar os colegas gazeteiros para irem à escola, onde o pai do ator Tony Ramos, além de ministrar aulas para Bellini, era o camarada mais querido da molecada do colégio porque garantia a autorização para que jogassem bola no único campo de Itapira. Havia, porém, uma condição: que todos não matassem mais aulas. Algo parecido narrou Giselda, porém a boa alma para os meninos foi uma professora do Grupo Escolar Júlio Mesquita, dona Suzana Pereira da Silva, que prometeu ao Bellini e aos coleguinhas dele que daria a todos uma bola de couro, mas sob uma condição: que as gazetas acabassem, e com todos em sala de aula. Dois incorrigíveis gazeteiros não compareceram à aula. Bellini foi ao encalço deles: “Um estava com quase quarenta graus de febre! O outro estava longe, mas Bellini foi atrás e levou os dois para a classe”, escreveu Giselda. Foi a primeira pelada da vida de Bellini com uma bola couro. Até então ele só jogava com bola de meia.


Durante as peladas no campinho municipal surgiu o gosto definitivo pelo futebol. A carreira começou para valer em 1948, no Itapirense. No ano seguinte, foi pescado pelo olheiro Mauro Xavier da Silva para atuar na Sociedade Esportiva Sanjoanense, de São João da Boa Vista, ao lado de ninguém menos que Mauro Ramos de Oliveira. Foi um custo para que Xavier da Silva convencesse o presidente do Sãojoanense, Francisco de Bernardes, de que Bellini estava sendo assediado por outros clubes. Bernardes havia ignorado a indicação de Xavier da Silva, que foi importuná-lo sobre Bellini durante a madrugada.

Mas o inusitado viria a seguir. O futuro capitão de 1958 tinha postura intermitente em relação a testes com bola. Era a condição para tê-lo. Sem testes, ou não haveria novo zagueiro. Tanto o dirigente quanto o olheiro aceitaram a condição do zagueiro. Ao primeiro treino de Bellini, entenderam o porquê da recusa do zagueiro em realizar os testes antes da contratação. Ficou por lá até 1951. Chegou a ser oferecido ao Palmeiras, mas os olheiros do Parque Antarctica o dispensaram.

A redenção veio em 1952, quando os dirigentes do Vasco da Gama, dono do melhor time do Brasil na época, o levaram para São Januário. Mas a diretoria que o contratou deixaria o clube logo em seguida. No lugar dela, assumiu o comando da nau vascaína o gaúcho Cyro Aranha (1901–1985), talvez o cartola mais popular da história do clube. Especulava-se, porém, que Aranha implicara com Bellini pelo simples fato de o rapaz, que dormia na concentração do clube, ter sido contratado pela diretoria anterior. “Quando o senhor resolver escalar este rapaz, por favor me avise para que não vá ao campo” – teria dito Aranha ao então técnico Flávio Costa, que emendou à queima roupa: “Então é melhor o senhor ficar em casa no domingo”.

Flávio Costa e o também treinador Oto Glória deixaram Bellini amadurecer no time de aspirantes até ser aprovado e integrado ao primeiro escalão do “Expresso da Vitória”. “Jogar bem, você não sabe. Trate de despachar a bola e deixe que seus companheiros façam as jogadas”, aconselhou Flávio Costa, que pedia calma ao jovem Bellini, sobretudo quando se deparava com críticas azedas iguais às que ouvia de Cyro Aranha. “Não ligue para as pressões e continue rebatendo, porque o último zagueiro que sabia jogar foi o Domingos da Guia”.


O titular absoluto da posição de Bellini era Haroldo (Rodrigues Magalhães de Castro – 1931–2010), que também havia chegado há pouco tempo no clube. Foi reserva no time campeão estadual de 1952. Mas as coisas iriam melhorar para Bellini com a chegada de Gentil Cardoso ao Vasco da Gama. Foi o treinador o responsável por encontrar a verdadeira posição de Bellini em campo: zagueiro-central e não quarto-zagueiro, onde Haroldo predominava. No entanto, Bellini, como assinalam Aldir Blanc e José Reinaldo Marques (autores de “A Cruz do Bacalhau”, da coleção Camisa 13, Ediouro, 2009), tinha mágoa de Gentil: “Fui campeão em 1952, porque joguei dois jogos. Gentil fez de tudo para o Vasco da Gama me mandar embora. Não sei os motivos”.

Mas a verdade é que com a nova posição em campo, o jovem paulista foi conquistando a confiança de técnicos e dirigentes. Ganhou a braçadeira de capitão e foi decisivo para o Campeonato Estadual de 1956. No ano seguinte, a estreia com a “Amarelinha” no empate de 1 a 1 com o Peru, no dia 13 de abril, em Lima, pelas eliminatórias da Copa da Suécia.


Em 1957, na crônica “O Javali do Vasco”, Nélson Rodrigues resumiu a importância de Bellini para a cruz-de-malta: “…um Vasco da Gama sem Bellini já seria menos Vasco da Gama – seria um Vasco da Gama descaracterizado, um Vasco da Gama mutilado na sua flama e no seu tremendo apetite de vitória”.

Mas 1958 foi o ano especial. O zagueiro conquistou o supersuperCampeonato Estadual. No time do Vasco da Gama, só feras: Miguel, no gol; Paulinho de Almeida, Orlando Peçanha (com quem Bellini formou a melhor dupla de zaga da história vascaína), Coronel, Sabará, Pinga, Roberto Pinto, Vavá, Écio… timaço!

O supersuper poderia ser, no entanto, um campeonato comum. O Vasco da Gama poderia ter conquistado o título a duas rodadas do final do campeonato. Bastaria um empate com o Botafogo ou o Flamengo, também seus adversários nas finais extras. Mas o Vasco da Gama perdeu para os dois rivais e provocou o turno extra, que terminou empatado entre os três e culminou em uma nova rodada. Aí, deu Vasco da Gama campeão.

Mas os cartolas vascaínos e parte da imprensa não entendiam a queda vertiginosa do Vasco da Gama na reta final da competição. Muitos atribuíam o baixo rendimento do time às estrelas que moravam em Copacabana: Almir, Orlando, Écio e, claro, Bellini. Acusavam os craques de se esbaldarem na agitada noite do bairro.

Bellini defendeu o Vasco da Gama em 385 jogos, marcando apenas um gol a favor e quatro contra, sendo expulso quatro vezes. É um dos que mais vestiram o manto da cruz-de-malta. Sobre a fama de capitão que ostentou, ele contava: “Sempre joguei sério, sem brincadeiras, tentando vencer de qualquer maneira. Esse meu jeito de ser fez com que o Flávio Costa me colocasse de ‘capitão’ do Vasco da Gama. Na Seleção, o Feola reuniu os jogadores que eram capitães em seus clubes, ainda na concentração de Poços de Caldas, para definir quem exerceria a função durante o Mundial (de 1958, na Suécia). Nilton Santos tomou a palavra e falou: ‘Põe o Bellini, que gosta disso, é sério e será respeitado por todos’. E todo mundo foi a favor”.


Mas, como escrevíamos anteriormente, o ano de 1958 foi mesmo especialíssimo para Bellini. E de forma incondicional. Inapelável. Vicente Feola o convocou para a Copa do Mundo na Suécia.

O restante da história, bem, pode ser recordada com mais exatidão – e em cores vivas na memória – pelas palavras narradas pelo inesquecível locutor Oduvaldo Cozzi (1915–1978) durante um dos gols de Pelé naquele mundial: “Garrincha passa para Didi. Este lança a Vavá, que passa para Pelé… e é gol, senhores! Gooool do Brasil! Brasil, campeão mundial!”. Impossível esquecer aquela irradiação de Cozzi. Impossível esquecer o grande Bellini erguendo a Jules Rimet.

TRÊS ANOS SEM BELLINI

por André Felipe de Lima


Três anos sem um dos nossos maiores zagueiros. Três anos sem um galante herói nacional. No dia 20 de março de 2014, Bellini seguiu viagem para o andar de cima e sua partida deixou menos brilhante o nosso futebol. Hoje, mais que merecidamente, reverenciamos aquele que foi o nosso primeiro grande capitão a levantar a taça de campeão do mundo, a imortalizar um gesto que seria repetido por outros capitães décadas depois. Que será repetido, sempre, por todos os futuros capitães campeões do mundo.

A seguir, um trecho da biografia de Bellini, que está no volume da letra “B” da enciclopédia Ídolos-Dicionário dos craques”, que será lançado ainda neste semestre pela Livros de futebol . com, do editor Cesar Oliveira:


“O menino do interior paulista fazia do futebol um sonho impossível. Torcedor do Corinthians — embora fosse apenas um detalhe porque anos mais tarde muitos clubes caberiam em seu generoso coração de ídolo —, o garoto pegava — geralmente escondido da mãe — as meias na gaveta do armário e delas nasciam bolas. Dos sapatos, “traves”. Era um apaixonado por futebol. Todos os domingos, estava lá o menino em meio aos amigos na praça central da provinciana Itapira para acompanhar pelo rádio os clássicos que levavam milhares de santistas, corintianos, palmeirenses e são-paulinos ao estádio do Pacaembu. Terminada as pelejas na capital, desligavam o rádio e faziam da praça o seu “Pacaembu”. O menino cresceu na rua Padre Ferraz, número 884, em Itapira, ouvindo — e idolatrando — Domingos da Guia, o maior de todos os zagueiros do Brasil. Quis também ser zagueiro. O destino se incumbiu disso, mesmo que sobrasse força de vontade para compensar a pouca técnica.


“Nunca deixou de sonhar, até o dia em que foi responsável por imortalizar um gesto que muitos repetiriam. Foi assim que Hideraldo Luis Bellini, o nosso eterno “capitão” da bola de meia, ergueu a taça Jules Rimet em 1958, na Copa do Mundo da Suécia, para consolidar definitivamente o Brasil como o país do futebol. ‘Não pensei em erguer a taça, na verdade não sabia o que fazer com ela quando a recebi do Rei Gustavo, da Suécia. Na cerimônia de entrega da Jules Rimet, a confusão era grande, havia muitos fotógrafos procurando uma melhor posição. Foi então que alguns deles, os mais baixinhos, começaram a gritar: ‘Bellini, levanta a taça, levanta Bellini!’, já que não estavam conseguindo fotografar. Foi quando eu a ergui.’”

Bellini é eterno!