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Basílio

DA PROFECIA DE BRANDÃO, EIS BASÍLIO E, ENFIM, UM TÍTULO

Não há Libertadores, Mundial de Clubes ou Brasileirão que supere em emoção aquele título de campeão paulista de 1977. Para o corintiano, aquela conquista é a mais emblemática, a mais próxima da essência corintiana, que se traduz em duas palavras: alma e superação. E o herói naquela noite histórica no Morumbi foi Basílio, o aniversariante do dia. Conheça um pouco da trajetória deste grande ídolo alvinegro.

por André Felipe de Lima


“Oswaldo Brandão era espírita, kardecista. Ele disse para mim: ‘Esta noite eu tive um sonho. Na mensagem, Neguinho, disseram que você vai fazer o gol’.”

A profecia do velho Brandão foi precisa. O Timão acabou com um jejum de campeonatos paulistas que durava desde 1954, e Basílio entrou para história com o gol que assinalou contra a meta do goleiro Carlos, da Ponte Preta, no dia 13 de outubro de 1977. Final: 1 a 0, e uma das maiores festas que São Paulo já presenciou.

“Na hora, foi correr para o canto do campo, fazer uma oração e esperar pelos abraços dos companheiros. Deus tinha me escolhido. Podia ter sido Vaguinho, naquele primeiro chute, podia ter sido Wladimir, na cabeçada, mas tinha que ser eu porque Deus me tinha escolhido. Deus é uma pessoa estranha e que gosta de fazer as coisas sempre na hora certa. Deixando que eu fizesse o gol, ele estava me dando chance de responder a algumas pessoas que criticavam minha presença no time do Corinthians, dizendo que eu nunca fiz o necessário para justificar minha contratação e também de acabar de lavar a pequena mágoa que eu ainda guardava do clube”, confessara Basílio ao repórter José Maria de Aquino.

João Roberto Basílio nasceu na Casa Verde, bairro da Zona Norte de São Paulo, no dia 4 de fevereiro de 1949. O início, contudo, foi como centroavante do Cruz da Esperança, um time de peladeiros do bairro onde nasceu e foi criado. Gente da Portuguesa de Desportos que andava pelas bandas da Casa Verde viu Basílio e gostou do que viu. Ainda adolescente, Ipojucã, ídolo histórico do Vasco, percebeu que o garoto era bom de bola e o ensinou muito do que Basílio mostraria anos depois nos gramados. O gol de 77, inclusive, garantiu Basílio ter sido inspirado nos ensinamentos de Ipojucã, como narrou ao repórter Paulo Escobar, em entrevista (https://www.museudapelada.com/basilio) o Museu da Pelada. “Foi um atacante alto, mas com domínio e qualidade com a bola.”

Em 1964, o futuro “neguinho” do Brandão já estava no Canindé. Lá conviveu com craques da estirpe de Leivinha e Ivair. Contentava-se com a reserva, o que era plenamente plausível. Levou um tempinho para ser titular, o que aconteceu somente em 1969, quando Leivinha debandou para o Parque Antarctica para escrever uma bela história de gols infindáveis no Palmeiras.

“Meu pai era marceneiro e a gente tinha que se virar para sustentar a casa. Comecei a trabalhar numa loja, mas não durei um mês. Como eu queria continuar treinando nos infantis da Portuguesa, o dono da loja sentiu que não ia dar certo e eu fui embora. Mas passei direto dos infantis e juvenis para os profissionais, e comecei a ganhar dinheiro, bem na hora certa.”

Basílio aprendeu tudo direitinho com os seus mestres. Ainda garoto, foi campeão pela Lusa da Taça São Paulo e do Campeonato Paulista, ambos os torneios disputados em 1973. Aliás, a final do Paulistão daquele ano foi, no mínimo, surreal. A Portuguesa teve que dividir o título com o Santos, tudo por causa de um equívoco do árbitro Armando Marques (1930–2014), que, durante a decisão por pênaltis entre os dois times errou a contagem de cobranças do time da Vila Belmiro e declarou o Santos campeão. Os jogadores da Portuguesa deixaram o gramado e os cartolas do Canindé trataram de botar a boca no trombone. A Federação reconheceu a falha do árbitro e dividiu o título entre os dois clubes.

Antes das conquistas de 1973, mesmo não sendo um jogador com estilo refinado, ou seja, no genuíno significado do termo, um craque, Basílio despertou o interesse do Corinthians em 1972. Mas ainda não era a hora de pisar no Parque São Jorge, o que só aconteceu, por incrível que pareça, na madrugada do dia 4 de março 1975, uma quarta-feira, após uma manobra ágil do presidente corintiano Vicente Matheus, superando a oferta dos cartolas santistas, que também queriam ver Basílio na Vila Belmiro.

Enfim, o Corinthians tentaria fazer de Basílio um substituto à altura do ex-ídolo Roberto Rivellino que, dias antes, se transferira para o Fluminense, seduzido pela oferta do dirigente tricolor Francisco Horta. Missão, no mínimo, incômoda para Basílio, que, mal a tinta do contrato havia secado, já estava escalado pelo então técnico Sylvio Pirillo (ex-ídolo do Internacional de Porto Alegre, Flamengo e Botafogo). O jogo foi contra o Fluminense, de Rivellino e Carlos Alberto Torres, no Pacaembu. O Timão saiu de campo derrotado por 2 a 1, mas a forra viria em 1976, com juros e correção monetária, na semifinal do Campeonato Brasileiro de 1976, quando a torcida corintiana invadiu o Rio de Janeiro e tomou conta da metade do estádio do Maracanã para ver a “Máquina” das Laranjeiras tombar diante de Basílio e a trupe alvinegra. Um jogo que marcou uma das maiores invasões de torcida de outro Estado ao Rio de Janeiro. A Zona Sul da cidade estava vestida de preto e branco. E este cronista, menino na época, estava na Rua Paula Freitas, em Copacabana, e se recorda bem da festa dos torcedores que, entre merecidos goles de cerveja na birosca da esquina, brindavam à inesquecível façanha. Uma epopeia da qual Basílio foi protagonista. Aliás, o meia é o que Nélson Rodrigues definiria como um indefectível predestinado. O cara não falhava nunca e tampouco a santa intuição de Oswaldo Brandão.

O redentor – Logo que foi contratado pelo Corinthians em 1975, o jogador concedeu uma entrevista ao jornalista João Bosco, de “A Gazeta Esportiva”, em que disse que “a sua luta na Portuguesa foi sempre obter um título para enterrar definitivamente o tabu que persistia desde 1936”. Vaticínio cumprido.


“Agora vim para cá (Corinthians) na mesma situação. Tenho certeza de que nossa luta não será inglória. Vamos acabar com esse negócio de fila. (…). Tenham certeza, torcedores corintianos, de que vamos lutar por isso. Será minha gratidão pela maneira com que fui recebido aqui. Quero ser campeão.”

Missão de gente como Basílio é, geralmente, árdua, penosa. Tudo sempre conspira na contramão. O que não falta na História são exemplos iguais ao dele.

Por pouco Basílio não seguiu outro rumo: a Vila Belmiro. Mas o destino era mesmo o Parque São Jorge. Jogar no Corinthians já é um desafio do tamanho de um bonde. Ainda mais quando se é contratado para substituir Rivellino, estreando justamente contra o Fluminense, para onde o Garoto do Parque se transferiu. O jogo, realizado no Pacaembu, no dia 6 de março de 1975, terminou 2 a 1 para o time carioca, com um gol do ex-craque corintiano.

Mas logo no primeiro ano de Timão, um susto. Basílio sofre parada respiratória durante um jogo contra o América FC, de São José do Rio Preto. Viriam, contudo, outras intempéries.

Em 1975, fratura no perônio, durante um jogo contra o Remo, do Pará, deixou Basílio em segundo plano no Timão. Iniciou a temporada de 1977 na reserva. Do banco, viu o time estrear no Campeonato Paulista que o consagraria na final contra a Ponte Preta. O pé-direito, motivo de seu ocaso, foi também motivo de glória. “Muitas vezes, ele reclamou desse rótulo de jogador de uma partida só, achando-se injustiçado. Mas, no fundo, ele sabe que, por esse feito, sua caricatura estará para sempre tatuada na pele alvinegra”, escreveu Bruno Chazan.

“Quando vi a bola pulando e se oferecendo para meu pé-direito, pensei rápido ‘É agora ou nunca! Vou entrar rasgando, que ele (o goleiro Carlos) não pega’. Vi a bola estufando e foi uma loucura. Até hoje ainda sinto a bola tocar no meu pé. Jamais vou esquecer aquele dia”. As duas camisas daquela final e um pedaço da rede que balançou com o seu gol estão devidamente guardados por Basílio.


O querido “Neguinho” do Brandão ainda fez parte do time que anunciou Sócrates como o maior ídolo do Corinthians em todos os tempos e que seria campeão paulista em 1979. Basílio vestiu a camisão do Timão em 253 jogos, marcou 29 gols e ainda se deu ao luxo de fazer um contra. Mas ninguém se lembra disso. E nem é preciso.

A epopeia no Corinthians chegou, contudo, ao fim. Uma operação de menisco e consequente queda de rendimento em campo. Em 1981, foi emprestado para o CA Juventus, após chatear-se com a diretoria, que não o aproveitava no time e tampouco lhe dava o passe livre. E olha que nesse ínterim, entre o Parque São Jorge e a Mooca, recusou em 1980 uma proposta do norte-americano Fort Lauderdale Strikers. Preferiu ficar ao lado da mãe, que faleceu em 1984. Ambicionou o passe-livre, mas os cartolas do Corinthians não lhe deram ouvidos. Em 1983, uma rápida passagem pelo Nacional AC e, em 84, o final da carreira no EC Taubaté.

O ex-ídolo não fugiu à regra. Como a maioria dos jogadores, não conseguiu deixar os gramados. Foi convidado para ser técnico dos times de base do Corinthians em 1983. Em muitas ocasiões, foi treinador interino do time principal até 1992. Nas idas e vindas, que duraram quase dez anos, dirigiu o Timão em mais de 100 partidas.