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Argentina

SOLIDÃO DE UM PAÍS

por Rubens Lemos


O brasileiro virou povo parvo, atordoado, boquiaberto, desnorteado. O brasileiro comum, o brasileiro que perdeu a esperança-mor de combustível espiritual.

O brasileiro bom, simples, generoso, esse está em silêncio, esmagado pelo ódio dividido entre lulistas e bolsonaristas, gente que nada sabe de política e vomita recalque em redes sociais. Do Twitter, por exemplo, eu, um brasileiro que me considero convencional, me afastei faz tempo.

Para o brasileiro amorfo, nada faz diferença. Ou tanta diferença faz que ele desistiu nem cedo nem tarde demais. Entregou-se de cansaço. Quando ele liga a televisão para assistir à CPI da Covid, assiste ao espetáculo de dois senadores do naipe de Omar Aziz e Renan Calheiros.

CPI que não convoca governadores que pagaram por equipamentos vitais nunca entregues. O filho de Renan é governador. Procure no Google o que tem de corrupção sobre os dois da comissão. O brasileiro exausto vai acreditar? Não vai.

O país perdeu a natural alegria, a sua temperatura quente e a capacidade de reagir às injustiças. Não se chama mais ninguém de demagogo, mas de filho da puta e nem de incompetente, mas de corno. Esse é o Brasil de hoje alimentado pela dicotomia perversa instalada nas eleições de 2018 e que se repetirá no próximo ano.

Ou alguém acha que quem defende Delubio Soares, Palloci e Lula está preocupado em recuperar o país que sua turma mesmo arrasou e não apenas em retomar o poder?

A passividade brasileira assiste a um presidente que minimizou uma desgraçada pandemia e se atola a cada declaração furiosa. Aí, o brasileiro lulista insulta e o brasileiro bolsonarista responde agredindo. O brasileiro essencial, se cala. Para não ser agredido.

Um país com mais de meio milhões de mortos é um continente dimensional em catalepsia. Ou morto de alma. Olhando como o obtuso personagem de Nelson Rodrigues, apenas atravessando a rua sem dizer nada e arrancando comentários: “Lá vai Flodorval, o homem que foge de todo mal”.

Então, é preciso nivelar o Brasil à meio-pau moral com a seleção de Tite derrotada pela Argentina. Nenhuma surpresa. Para um time que tem Renan Loide, Danilo, Thiago Silva entregando ouro(deveria trabalhar em filmes de trens pagadores), Fred, Roberto Firmino, rapazes cheios de grana e futebol sacana.

O Brasil que perdeu para a Argentina é o Brasil gozado todos os dias pelos jornais internacionais que passo à vista pela internet. Um país ridicularizado.

O Brasil perdeu a Copa América e, sabe, o brasileiro preocupado com suas contas não perdeu o sono de sábado para o domingo nem chegou ao trabalho na segunda alimentando resenhas específicas sobre o jogo. Porque a seleção de Tite não merece do jeito que Tite não merece ser treinador da seleção.

Criaram caso porque alguém famoso ou famosa vestiu a camisa da Argentina antes da decisão e disse que torceria pelos Hermanos. A patriotada ridícula caiu em campo. Se Neymar tem jogado com a ira com que reclamou da torcida pelo adversário, a seleção não teria perdido.

E, se alguém pode chamar de sorte, Messi não jogou nada. Mas eles tem Di Maria e o ótimo De Paul, esse vai brilhar em Copa do Mundo. Nós somos caricaturas. Somos a solidão de um país.

PÊSAMES À BOLA

por Rubens Lemos


Quando se tem 16 anos, sonhar é ver o mundo do tamanho de um campo de futebol. Qualquer paixão de relance é a última e sem direito a segundas opções. Nem mais menino, nem ainda homem feito, o menor prazer é a escritura do paraíso, até para aqueles que recolhem as emoções do peito como os segredos de velhos papéis adormecidos no baú dos tataravós. 

Aos 16 anos, eu era apenas 11 contra 11. A infância pobre não me permitia o luxo das boates e os trocados contados pela minha avó Maria do Carmo caíam todas as tardes de domingo na bilheteria 8 do estádio Castelão (Machadão). Em 90 minutos, dava para esquecer as angústias da rotina leniente e as decepções sufocadas. Paixões platônicas mal disfarçadas pelo silêncio da timidez. 

E foi aos 16 anos que pensei em invadir a Argentina e naturalizar Maradona. Por despeito e amargura, vira Zico, o meu segundo Pelé, cair como Quixote no gramado de Jalisco, no México, na derrota cruel para os franceses, dolorosas como os fracassos impostos por erros em pênaltis. 

E, com 16 anos e a unanimidade dos sonhos acesos, esperava sentir o que o coração não havia gozado em 1970, ano da graça de qualquer fanático brasileiro. Nascera um mês e meio depois, imediações dos dias em que Pelé, Gerson, Rivelino, Tostão, Jairzinho e Paulo Cézar Caju, sexteto em flores, deixavam de quatro quem ousasse correr atrás deles. 

Havia derramado lágrimas sofridas, impregnadas de morte, no 5 de julho em que o italiano camisa 20 Paolo Rossi nos mandou de volta da Espanha para os cafundós da melancolia, em 1982. 

Me considerava no ponto de comemorar, aos 16 anos de idade e ilusões. Ainda havia para mim João Saldanha comentando pela Rede Manchete. Saldanha implacável com a teimosia siderúrgica do técnico Telê Santana em manter Casagrande  no time e deixar Muller na reserva nos dois jogos iniciais. Zico, joelhos estourados, chama de um time mediano que morreu aos pés franceses num 21 de junho de final bisonho. 

Sozinho, numa Argentina medíocre, Maradona conquista com a pé esquerda, a mão ungida de malícia e o balé debochado de um mito, a Copa do Mundo que parecia tão minha em 1986. Ano em que Maradona foi o que Garrincha exibiu em 1962 e Romário apresentou em 1994.

A diferença é que Mané Garrincha, só vi em filmes chuviscados e depoimentos encantados dos antigos de amor à bola. Contra a Inglaterra, Maradona fez o gol dos gols, arrancando da intermediária, driblando até a Armada da Inglaterra e construindo uma obra de Antônio Berni, o pintor argentino do século passado. 

Em 1994, Romário poderia ter perdido o Tetra se Maradona, flagrado no exame antidoping, não tivesse sido excluído do futebol. Era líder de um timaço, que, sem ele, se deixou vencer pela saudade calorosa e arrebatadora como as emoções portenhas. 

Em viagem de trabalho, 1996 e aos 26 de idade, estive na Bombonera, vendo Maradona  perder um pênalti pelo Boca Juniors contra o Racing, vencedor por 1×0 em jogada de contra-ataque.

Maradona parado nas imediações da intermediária, repertório aberto de passes perfeitos desperdiçados pelo loiro Caniggia e o camaronês Tchami no ataque. 

Os aplausos para Maradona soavam tango triste de Carlos Gardel e paixão furiosa de peronistas. Eliminado, mas sempre Diego, o herói das causas indecifráveis. O homem trágico da natureza hermana. 

Maradona virou pó. De cocaína. Seu aspecto chegava à linha de fundo da degradação. Perdia o senso mínimo do respeito a si mesmo. Treinou times, brigou, xingou, meteu-se em idealismo sem base alguma.

Ser humano, apenas, foi anulado pelos vícios. Morto, Maradona deixa com Messi o cetro natural da sucessão. Deus é pai e bom treinador. Jamais abriria mão de um meia-esquerda feito inteirinho por ele. Pêsames à viúva bola, amante fascinada e libidinosa.

MARADONA ETERNO

por Luis Filipe Chateaubriand


Maradona foi o maior jogador que vi jogar!

Dribles variados, de todo tipo, um repertório inacreditável, que deixava os adversários tontos, atordoados, embasbacados.

Maradona foi o maior jogador que vi jogar!

Passes precisos, milimétricos, fossem curtos, fossem longos, deixavam os companheiros na cara do gol frequentemente.

Maradona foi o maior jogador que vi jogar!

Incursões pelas extremas do campo, que resultavam em cruzamentos, muitas vezes de letra – sim, cruzamentos de letra, pensem na dificuldade –, que resultavam em precisas oportunidades para arremates para os companheiros.

Maradona foi o maior jogador que vi jogar!

Inteligência tática ímpar, de acordo com a necessidade jogava mais adiantado, onde ficava mais perto do gol, ou mais recuado, onde colocava os colegas mais perto do gol – decisão que era tomada de acordo com o andamento do jogo.

Maradona foi o maior jogador que vi jogar!

Seu carisma incendiava a torcida, dava confiança aos companheiros, fazia que ele próprio confiasse ainda em seu perfeito controle de bola.

Maradona era como um tango de Astor Piazolla, criativo, elegante, insinuante.

Maradona morreu.

Viva Maradona!

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!

COPA DE 78: O MAIOR ROUBO DE TODOS OS TEMPOS

por André Luiz Pereira Nunes


Já se passaram mais de 40 anos e a goleada da Argentina sobre o Peru, válida pela Copa do Mundo de 1978, segue polêmica. Os anfitriões precisavam vencer a partida por pelo menos quatro gols de diferença para ir à final, caso contrário, o finalista seria o Brasil. Porém, fizeram sem muito esforço 6 a 0, levantando sérias suspeitas de que aquele Mundial foi totalmente manipulado em meio ao auge de uma sangrenta ditadura no país. 

O Brasil retornaria com o honroso terceiro lugar, invicto e com a qualificação, aliás muito justa, de campeão moral. De acordo com o escritor argentino Edgardo Martolio, autor de “A Glória Roubada”, em todo esse lamentável episódio esteve presente a mão da ditadura argentina, além da complacência total da FIFA, então dirigida pelo brasileiro João Havelange. A versão é totalmente corroborada pelo atacante Gil, integrante do selecionado brasileiro, em depoimento ao MUSEU DA PELADA. Ele qualifica aquele torneio como a “Copa do roubo”. Segundo Búfalo Gil, os atletas brasileiros ao serem recepcionados no aeroporto por Havelange, teriam ouvido do dirigente que agradecia a todos pelo empenho, mas que desejava que o Brasil não fosse campeão, fato este que causou tremendo estranhamento e constrangimento por parte dos jogadores. Ele ainda recorda que na estreia contra a Suécia, o juiz anulou um gol legítimo de Zico ao final da partida, alegando que o tempo regulamentar havia terminado. Eram prenuncios de que algo não estaria legal.

Uma das maiores suspeitas de que houve realmente armação por parte dos generais argentinos com o total beneplácito de Havelange decorre que, em cima da hora e desrespeitando totalmente o regulamento, a FIFA arbitrariamente mudou o horário da primeira partida da semifinal, fazendo com que o Brasil tivesse que enfrentar a Polônia três horas antes do jogo da Argentina contra o Peru. Os selecionados se igualavam em pontos. Caso ambos triunfassem, a classificação se daria por saldo de gols. Como o Brasil atuaria antes, os argentinos saberiam exatamente quantos gols precisariam fazer no Peru para chegar à decisão contra a Holanda. 

Vale ressaltar que a CBF, sentindo-se prejudicada, apresentou protesto junto à comissão organizadora, mas o mesmo foi imediatamente rejeitado. O Brasil, portanto, bateria os poloneses por 3 a 1, esticando em três gols a vantagem sobre a Argentina. Esta teria que vencer o Peru, já desclassificado, por mais de três gols. Só que durante o torneio os argentinos não haviam batido nenhum adversário por essa diferença. O placar de 4 a 0 seria suficiente, mas e se o Peru fizesse um gol? Afinal de contas, aquela era uma geração composta por grandes jogadores como Oblitas e Cubillas. 


Em seu livro “Como eles roubaram o jogo”, o jornalista britânico David Anthony Yallop relata que o general Jorge Videla chamou o capitão da Marinha argentina Carlos Alberto Lacoste e lhe deu uma ordem taxativa: “garanta o resultado contra o Peru!” Lacoste, que teria em torno de duas horas para cumprir a sua missão, contatou três oficiais que acompanhavam a seleção peruana e ofereceu entre 30 e 50 milhões de grãos de toneladas de trigo da ótima colheita que a Argentina fizera naquele ano. Coincidentemente, o Peru também vivia sob uma ditadura comandada por Francisco Morales Bermúdez. Isso foi fundamental para o acerto imediato. Para o mandatário peruano o trigo era muito mais importante do que um jogo no qual a sua seleção já estava desclassificada. O resultado, portanto, não mudaria em nada o destino dos peruanos na Copa do Mundo. Lacoste então informou a Videla que tudo estava concluído. É importante frisar que os jogadores argentinos não tomaram parte da combinação, já que de todo modo teriam mesmo que fazer a maior quantidade possível de gols. 

Segundo Edgardo Martolio, Videla também fez algo que nunca fizera antes de algum jogo. Visitou  na companhia do secretário de estado americano, Henry Kissinger, o vestiário da equipe peruana antes do cotejo. Era a senha de que tudo estava realmente acertado em altas esferas. Conta-se que o próprio presidente da nação andina também teria feito telefonemas para o vestiário de seus atletas para dar “algumas orientações”. No livro “Fuimos campeones”, o jornalista portenho Ricardo Gotta escreveu que um craque peruano teria dito, referindo-se aos militares de seu país: “turma de merda. Pelo menos distribuam o dinheiro entre nós, jogadores.”

Em março de 2018, em entrevista ao jornal peruano “Trome”, José Velásquez, ex-jogador da seleção peruana, declarou que seis companheiros “se venderam” naquela partida. Um dos acusados foi o goleiro Ramón Quiroga, coincidentemente argentino de nascimento e naturalizado peruano.

– Seis de nós nos reunimos um dia antes com o treinador, Calderón, para pedir que Quiroga não jogasse por ser argentino. Ele aceitou. Mas no dia seguinte mudou de ideia. O que eu devo pensar, que se vendeu ou não? – questionou. 

Coube ao Brasil decidir a terceira colocação da Copa do Mundo contra a Itália, sua futura carrasca no mundial posterior, na Espanha. Os comandados de Cláudio Coutinho venceram por 2 a 1, com gols de Nelinho e Dirceu, e voltaram para casa com o honroso título de campeão moral invicto. 

A OBRA PRIMA CARIOCA DE EL PIBE

por Luis Filipe Chateaubriand


O ano era o de 1989. Era jogada, no Brasil, a Copa América. Quadrangular final do torneio, envolvendo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

Haveria uma rodada dupla no Maracanã: na preliminar, Argentina x Uruguai; no jogo principal, Brasil x Paraguai.

Este signatário chegou cedo ao então “Maior do Mundo”, pois queria assistir à preliminar: nela, estaria presente nada mais nada menos do que Don Diego Armando Maradona, El Pibe, o maior jogador de futebol que o escriba já havia presenciado jogar.

Sendo jogada a preliminar, o estádio ainda não estava lotado. A maioria das pessoas, esperando o jogo principal, conversava nas arquibancadas, praticamente ignorando o que se passava no campo – um sacrilégio, tratando-se de duas seleções campeãs do mundo e maiores rivais do Brasil.

Mas, como diria o poetinha Vinícius de Moraes, “de repente, não mais que de repente”, Maradona recebe a bola no meio de campo e vê o goleiro uruguaio em posição adiantada….

Recebendo a bola do campo defensivo, na lua de meio campo, a mata no peito, posiciona o corpo, a ajeita e desfere um chute alto, em direção ao gol, ali do meio de campo, mesmo.

Como que a perceber o que está prestes a acontecer, a galera para de falar, acompanhando, ansiosa, a trajetória da bola.

Esta voa por todo campo defensivo uruguaio, encobre o goleiro da Celeste, e caprichosamente, bate no travessão uruguaio.

Durante o evento, os assistentes estão emudecidos, a tal ponto que muitos, inclusive este que vos escreve, ouve o barulho da bola a se chocar com o travessão.

Inconformado por não ter feito o gol, que seria antológico, El Pibe bate no gramado, em meio a uma enxurrada de aplausos, de quase todos no estádio, à jogada genial.

Percebe-se que, em poucos segundos, Maradona vê o goleiro adiantado, decide o que tentará fazer, executa o decidido com maestria e, por um triz, não faz o gol que seria, sem dúvida, o maior de sua carreira.

Inspiração pura do maior jogador do mundo dos últimos 40 anos. Sem dúvida, os ares do Rio de Janeiro o influenciaram positivamente…

Ave, Don Diego!

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra "O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro".