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SEM ANDRÉ, MELHOR DESCANSCAR EM CAXAMBU

por Zé Roberto Padilha

Era uma vez um cientista esportivo, chamado Fernando Diniz, que sonhava acabar com uma das mais antigas práticas dos goleiros e zagueiros que jogavam futebol: o tiro de meta.

Achava que era uma bola jogada a esmo, que concedia vantagem aos zagueiros adversários que estavam de frente pra jogada. E logo o tiro de meta se tornava um perigoso contra-ataque.

Ele proibiu sua prática e pegou seu camundongos, em laboratórios no interior de São Paulo, no Audax, e treinou à exaustão uma saída de bola que plasticamente encantava. Mas que na prática foi se revelando um convite ao suicídio.

Ao contrário do Guardiola, que encantou o mundo com seu Tic-Tac iniciado na intermediária com Busquet, Rakitic, Xavier e Iniesta, hábeis meio-campistas, seu Tic-Tac se iniciava dentro do próprio gol. Era lindo, mas pra lá de perigoso.

Porque no lugar de ir até as divisões de base e preparar tecnicamente goleiros e zagueiros, pegou camundongos cascudos, com pouca habilidade, como Fábio, Marlon e Manoel e saiu a matar seus torcedores de susto.

Foi corajosamente implantando seu sistema por vários clubes, como São Paulo, Vasco, e sendo merecidamente demitido por alcançar mais infartos nos seus torcedores do que títulos.

Até o dia em que conheceu, no Fluminense, um camundongo chamado André. Um hábil jogador de meio-campo que realizava a função de sair jogando como ninguém. Poderia receber um passe de canela, na dividida, que consertava e colocava o sistema no lugar.

E juntos, André e Fernando Diniz, conquistaram a Libertadores e chegaram à seleção brasileira. Foram mesmo feitos um para o outro.

Até que um dia André se machucou. E o que era lindo de se ver, tornou-se uma temeridade nos pés do Lima, Martinelli e quem mais tentasse sair jogando sem os seus ilimitados recursos. O time foi caindo de produção e acabou, de campeão da libertadores, a ocupar um lugar na zona de rebaixamento.

Até que André se recupere, o Fluminense resolveu, após a derrota para o São Paulo, liberar seu treinador para ir descansar em Caxambu.

Longe do Daronco, do Luciano, da agonia de ver o Fábio sair jogando, Fernando Diniz vai ter direito a cinco refeições, piscinas aquecidas, massagens e chás de camomila.

Quem sabe seu sonho continue na volta com o André de volta? Até lá, Marcão, o eterno interino, estará no comando dos tiros de meta e com bolas pro alto que estamos muito mal no campeonato.

HERÓIS IMORTAIS

por Elso Venâncio

O Brasil apresentou ao mundo, em 1958, três gênios da bola: Pelé, Garrincha e Didi. Isso, não citando Nilton Santos, o maior lateral da história do futebol.

Mestre Didi, o homem da ‘Folha Seca’, foi o primeiro craque a ser eleito pela FIFA, após a Copa da Suécia, como o ‘Maior Jogador do Mundo”.

O trauma do ‘Maracanazzo’ ainda incomodava. O ‘esquadrão’ do técnico Vicente Feola era fortíssimo e os heróis, simplesmente ‘Imortais’: Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando Peçanha e Nilton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Vavá, Pelé e Zagallo.

Na final, uma cena impressionante. O então desconhecido camisa 10, um garoto magricela de 17 anos, ergue o braço direito pedindo a bola dentro da área.

“Aqui em mim” – gritou, com voz grave.

Nilton Santos, ‘A enciclopédia do futebol’, que apesar de ser lateral-esquerdo era destro, olhou para a área e lançou de longa distância, de canhota. Pelé matou no peito, deu um chapéu no zagueiro sueco e, da marca do pênalti, fuzilou de direita.

Um ano antes, em julho de 1957, Pelé vestiu a camisa amarela pela primeira vez, enfrentando a Argentina, pela extinta Copa Roca, diante de 80 mil pagantes no Maracanã. O prodígio de craque substituiu Del Vecchio e fez o gol de empate, mas os argentinos acabariam vencendo por 2 a 1.

Por pouco Pelé não jogou a Copa da Suécia. Numa quarta-feira chuvosa, no Pacaembu, a seleção se despediu dos torcedores disputando um amistoso contra o Corinthians. O lateral-esquerdo Ari Clemente atingiu Pelé com um forte pontapé no joelho. O médico Hilton Gosling bancou a manutenção do jovem atacante, mas ninguém poderia prever quanto tempo levaria a recuperação.

Didi, caminhando com Paulo Machado de Carvalho, o chefe da delegação, pelos jardins da concentração, fez um pedido:

“Dr… Fale com Feola. Pelé e Garrincha têm que jogar”.

“Pelé? Mas ele não está machucado?” – retrucou o ‘Marechal da Vitória’.

O dirigente paulista procurou Pelé:

“Meu craque, você está bem?”

“Sim, quero jogar e ser campeão.”

Pelé e Garrincha foram escalados na terceira partida, contra a União Soviética do incrível goleiro Lev Yashin, o temível ‘Aranha Negra’. Brasil 2 a 0, gols de Vavá. Na sequência, 1 a 0, gol de Pelé conta o País de Gales. Logo, 5 a 2, três gols de Pelé, na França. A imprensa francesa não demorou a intitular Pelé como o ‘Rei do Futebol’.

Na finalíssima, enfrentando os donos da casa, nova goleada, 5 a 2 na Suécia.

Outra seleção Inesquecível foi a comandada por Zagallo em 1970, no tricampeonato que o Brasil alcançou no México. Félix, Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gerson e Rivellino; Jairzinho, Tostão e Pelé. Contudo, os responsáveis por espantar o ‘Complexo de Vira-Latas’, teoria criada pelo jornalista tricolor Nelson Rodrigues na década de 50, foram os eternos campeões de 1958 que, não satisfeitos, quatro anos depois ainda conquistariam novamente a taça, trazendo do Chile o bicampeonato mundial.

LAS VEGAS FUTEBOL CLUBE

por Zé Roberto Padilha

De repente, sumiu o patrocínio da Parmalat, da Petrobras, da Coca-Cola e da Unimed. E, como uma avalanche, as casas de apostas esportivas assumiram o comando das camisas dos principais clubes brasileiros.

O Fluminense, por 52 milhões ao ano, trocou a Betano pela Superbet. O mesmo valor pago ao São Paulo. Corinthians VaideBet e tem Betway com dinheiro sobrando.

É muito Bet para um futebol que com pouco Bet viu jogadores envolvidos com compra de resultados. Agora, com esse montante, é preciso aumentar a investigação sobre penalidades máximas, expulsões e cartões amarelos.

Não fomos nós, brasileiros, que inventamos a corrupção. Ela veio junto a tripulação de Cabral, pois segundo Lília M Schwarcz e Heloisa M Starling, em sua obra “Brasil: uma biografia”,

“Nos caminhos desses marés desconhecidos também não faltaram cenas de violência, roubo e corrupção. Quando maior a incerteza, maior o número de crimes, agressões e atritos”.

Cabral não trouxe Santas criaturas para tal incerta exploração. Mulheres “suspeitosas”, filhos de camponeses apanhados à força, desempregados e vadios foram os primeiros a encontrar nossas indígenas e depositar sêmens suspeitos.

Se temos no nascedouro algo assim, nunca é tarde para tomar conta de tantas Bets. Quem avisa apostador não é. Mas que já viu de tudo, até um tio levado morto pra assinar empréstimo da sobrinha.

A TRAGÉDIA E O EXEMPLO DOS JOGADORES

por Claudio Lovato Filho

Os jogadores de futebol – historicamente e de maneira geral – são acusados de se manterem distantes das causas sociais, de se omitirem dos debates políticos e de se ausentarem em momentos de crise e tragédia, como a que se abateu sobre o meu estado natal, o Rio Grande do Sul, nos últimos dias. Em uma palavra: alienação.

Ver as cenas das enchentes que causam mortes, desaparecimentos, separações de famílias, perdas de casas (volta e meia, perdas de tudo), é aflitivo demais, triste demais. Nasci em Santa Maria, fui criado em Porto Alegre, onde cheguei aos seis anos de idade, e hoje moro em Brasília. Assistir de longe a tudo o que está acontecendo na terrinha provoca um certo tipo de angústia que aqueles que já passaram por esse tipo de experiência sabem bem do que se trata.

A melancolia tem sido constante, mas alguns fatos conseguem trazer momentos de bem-vindo alento. Nós, aqui reunidos no Museu da Pelada, que amamos o futebol e fazemos dele uma parte essencial das nossas vidas, nos alegramos e nos emocionamos ao testemunhar grandes exemplos de consciência social e cidadania que os caras que vemos em campo e pelos quais torcemos são capazes de dar.

Diego Costa, que há poucos meses chegou a Porto Alegre, cedeu jet skis para que pessoas fossem retiradas de dentro d’água, pessoas que corriam iminente risco de vida, e transportou para local seguro atletas da base do Grêmio alojados em Eldorado do Sul, cidade devastada pela enchente do Guaíba. Rochet ajudou a preparar e servir marmitas aos desabrigados. Thiago Maia, outro que passou a viver no Rio Grande do Sul recentemente, ajudou a tirar moradores de áreas alagadas, entre os quais uma idosa, que ele carregou nas costas, numa cena muito impactante e de especial significado. Outros também foram para o front da tragédia, como Caíque, Maurício, Pepê e Valencia. Sem contar Dunga e Tinga, que desenvolvem trabalhos sociais permanentes no estado. Ver tudo isso nos emociona e nos faz esperar que o exemplo deles seja percebido, valorizado e seguido. 

No meio da catástrofe que atingiu o Rio Grande do Sul, há heróis dos gramados se tornando heróis em sentido mais amplo, mais imperioso, mais vital. E ajudando a desmentir o falso entendimento de que os jogadores de futebol não estão nem aí. Eles estão, sim.     

UM GAROTO, UMA BOLA AZUL

por Paulo-Roberto Andel

Passei pela Pedro Lessa a caminho de um evento por volta das cinco e meia da tarde. Começo de mês, perto do Dia das Mães – cadê a minha? -, pelo menos a Banca do André estava cheia de gente na happy hour, uma das poucas saudades dos meus tempos de escritório.

As pessoas bebendo em pé, em volta de mesinhas circulares cheias de long necks, rindo e conversando, salvando um pouco a imagem perturbadora que o Centro agora tem, de lugar abandonado e vazio. Do outro lado, o gourmetizado Amarelinho também tem sua turma. A partir daí, desolação. Não, na Santa Luzia tem um churrasquinho onde brota gente – e garotas bonitas paca.

Ainda a Pedro Lessa. Quem diria que ali existiu um império de música por anos, com CDs espetaculares e muita movimentação? As bancas de metal continuam lá, completamente vazias. Há três anos, acho, ou menos, comprei um Morphine importado, a banda de rock jazz “sujo”, underground, liderada pelo antológico Mark Sandman, que morreu em pleno palco se apresentando. Aquelas bancas metálicas vendiam sonhos: rock, jazz, bossa nova, sambas da antiga. Tudo passou. Ainda bem que tenho minha lojinha.

Depois da turma bebericando, uns dez metros adiante, havia um garotinho, provavelmente filho de alguém ali. Dez anos de idade. Baixinho, magriço, vestindo uma camisa 9 amarela em algodão, bem longe das marcas oficiais. Será que era uma camisa da Seleção? Não sei. Um garotinho de menos de um metro e meio, de bermuda e chinelos, com sua bola de futebol azul escura. Ele e mais ninguém. Dava uns passinhos, chutava a bola num muro da rua, ele voltava e repetia, depois tabelava. Tudo sozinho, ele e mais ninguém.

Eu me identifico porque apesar de já ter 56 anos de idade, nunca deixei de ser um garoto de dez no melhor que isso pode oferecer. Futebol, lanche, descanso e tudo, coisas que a gente vivencia quando criança da melhor maneira possível, e que carrega para sempre.

Eu tinha dez anos em 1978 e o futebol me deixava louco: queria jogar na praia, na vila perto de casa, queria ouvir futebol na Rádio Globo, juntar figurinhas, jogar botão e esperava ansiosamente pela revista Placar toda semana – ela trazia escudinhos que você podia recortar para ornamentar seus botões.

O menino e sua bola azul. Ele toca para o fundo de um gol imaginário, faz da Pedro Lessa um Maracanã que ninguém vê. Comemora sozinho, não há torcida nem abraços, sou o único e silencioso espectador. Mesmo sozinho, ele se diverte. Um garoto com sua bola de futebol pode ser o mais feliz do mundo. É o que ele faz ali e me comove – é que eu também era daquele jeito dele quando eu tinha futuro. Lembro de tanta coisa em instantes: quem fui, o que sonhei e vivi. Chutei muita bola sozinho na vila, bem em frente ao colégio onde estudei, entre confusões, de 1977 a 1980.

[Pensei em oferecer meus serviços de ex-bom jogador ao garoto, mas desisti.

Sigo a caminho do evento. Estou prestes a atravessar a rua México. Olho para trás novamente e, enquanto a Banca do André dita a festa do pedaço, o futebol continua vencendo. É o menino solitário em seu mundo particular, tabelando e jogando. Sozinho, ele tem o Maracanã e o Morumbi. Não importa quem não está, mas sim o que virá. Continuo voltando 45 anos no tempo, quando eu sonhava em ter uma bola adidas Tango, até hoje a mais linda de todos. E sonhava em ter alguém para jogar dupla de praia domingo. E ficava horas e horas na praia. É por isso que entendo a nobreza daquele jovem magriço, porque mesmo com 70 quilos a mais, o futebol tem sido meu remédio, oxigênio do dia a dia, alívio contra as piores causas.

Sigo para o evento, o tempo não para. O garotinho, meu amigo desconhecido, insiste nas tabelas com o muro. Ele joga por ele e por mim, sem saber. O futebol insiste, e isso enche meu coração de esperança.

@pauloandel