NA PELADA DA FIRMA NASCE UM ÍDOLO OU O GIVANILDO DO SANTINHA
por André Felipe de Lima
“Eu não acreditava que pudesse jogar futebol profissional. Disputava minhas peladas com o pessoal da firma, aos sábados, e só. Nunca passara por um clube. Foi nessa época que meu patrão, o Paulo Duarte, resolveu me levar para o juvenil do Santa Cruz, onde era diretor. Passei a treinar de manhã e a trabalhar à tarde. Depois de dois meses de treinos, vi que aquilo não era para mim. Já havia desistido, quando um diretor telefonou para a agência, pedindo que eu voltasse para ganhar 70 cruzeiros por mês. Mas logo fiz 20 anos, estourei a idade de juvenil e fiquei entre os profissionais. Nem entrava em coletivo. O treinador, seu Gradim, me pedia paciência e no dia 31 de março de 1969 – Como esquecer? – lançou-me desde o início num amistoso com o Bahia – na ponta-esquerda. Ganhamos de 5 a 2 – 5 a 0 no primeiro tempo – e só saí quando vim para o Corinthians. Ninguém entendeu, porque não me conheciam. Eu era uma figura misteriosa até para os jornais da cidade. Quem é esse Givanildo? – perguntavam. Que nome é esse? Fácil: sou o mais velho dos sete filhos de uma família com nomes que começam com a letra gê. Tem a Gessé, o Genival, a Girlene, o Gervásio, o Gilberto e a Gedolva. Afinal, em 71, com as contusões do Zito e do Osvaldo, o Duque me puxou para a posição em que estou hoje. Como nunca imaginara um negócio desses, ficava pensando. Precisava agarrar a oportunidade com unhas e dentes. No futebol, os jogadores vêm de famílias humildes, sem conforto, da classe média para baixo, não é? Então, era a minha chance na vida. Como iria perdê-la? Levei o negócio muito a sério. Tinha que ganhar dinheiro, construir meu patrimônio. No começo, queria ficar por lá. Vir para o Sul era coisa fora dos meus planos. Passei a ter vontade por volta de 74 para poder chegar à Seleção. E depois pela idade, pela rotina do clube, pela vontade de aparecer num centro maior e, não nego, pelos 15% da transferência. (…) Meu futebol é de dois toque, dificilmente dou três. tem jogador que gosta do drible. Eu só driblo se não tem outro jeito. Prefiro passar logo a bola. E aí acusam de não criar jogadas. Não sou é de enfeitar, o que é diferente.”
Esse depoimento faz parte de uma extensa entrevista de Givanildo ao gigante repórter Carlos Maranhão, da revista Placar. Um papo muito bacana que aconteceu em 1977, quando o craque pernambucano brilhava no Corinthians, do técnico Osvaldo Brandão.
Como ele mesmo se autodefinia, Givanildo não era realmente de enfeitar em campo, mas foi, sem dúvida, um dos melhores volantes do futebol brasileiro na década de 1970 e o melhor da história do Santa Cruz, do querido “Santinha”.
Givanildo, um grande ídolo que nasceu no dia 8 de agosto de 1948.
‘NÃO HOUVE ANTES DE ZITO, NÃO EXISTE DEPOIS DELE’
por André Felipe de Lima
Pelé pegou a pelota, driblou um, driblou dois, três e ficou cara a cara com o goleiro Mão de Onça, do Juventus. A torcida se levantou na arquibancada. Gol certo do Santos, mas Pelé perdera o gol feito. Enfeitara a jogada para atender a uma equipe de cinegrafistas postada atrás do gol e pronta para capturar as cenas mais plásticas para o filme da vida do Rei. Inconformado, o líder do time, o volante Zito, correu na direção de Pelé e sem parcimônia apontou-lhe o dedo no rosto: “Chega de palhaçada, crioulo! Vamos jogar sério!”. Um humilde e titubeante Pelé respondeu: “Mas, Zito, estamos ganhando de 2 a 0, e eu…”. Zito sequer esperou o Rei completar a desculpa: “Não quero saber de quanto estamos ganhando. Trate de jogar sério e marcar quantos gols puder”.
Pelé abaixou a cabeça e acatou a ordem do Zito. Não havia no time quem não acatasse. Zito foi o maior líder que o Santos teve e um dos maiores ídolos da história do futebol brasileiro. Fazia na seleção brasileira o mesmo que na Vila Belmiro. Todos ouviam. Deu tão certo o estilo que o Brasil, com Zito em campo, conquistou duas Copas do Mundo (1958 e 62).
Ganhar era pouco para Zito. Ele sabia que seus times eram poderosos. Exigia marcadores elásticos. Goleadas inigualáveis. Recordes de gols. Pepe, o segundo maior artilheiro da história do Santos, foi um dos que temia as homéricas broncas do Zito. Assim o descreveu o maior ponta-esquerda alvinegro de todos os tempos: “Zito chegava a ser cruel. Seus gritos eram ainda mais fortes e marcados pelo desprezo.”
Para Zito, raça jamais foi sinônimo de violência, mas gritava à beça também com os juízes. Acabou expulso algumas vezes. Umas trinta, talvez. Foi com esse estilo, digamos, viril ao extremo, que marcou uma época de ouro no clube que defendeu de 1952 a 1968. “Não houve antes de Zito, não existe depois dele. Não existe agora e ninguém sabe quando aparecerá um estimulador de time, um transmissor de ânimo, um orientador tão hábil e tão enérgico, um comunicador de tão absoluto equilíbrio”, escreveu sobre ele o cronista e santista fanático Adriano De Vaney.
Zito levantou uma penca de troféus. Além das duas Copa do Mundo (1958 e 1962), ajudou ao Santos nas conquistas do Mundial Interclubes (1962 e 1963); da Taça Libertadores da América (1962 e 1963); do Campeonato Paulista (1955, 1956, 1958, 1960, 1961, 1962, 1964, 1965, 1967 e 1968); da Taça Brasil (1961, 1962, 1963, 1964 e 1965) e do Torneio Rio-São Paulo (1959, 1963 e 1964).
Mas um fato curioso marcou a vida desse ídolo santista, como o próprio Zito declarou a Bernardo Buarque de Hollanda e a José Paulo Florenzano, em entrevista para o projeto Futebol, Memória e Patrimônio, da FGV: “Não tinha outro jeito, tinha que acompanhar pelo rádio. Engraçado que a gente pegava mais o Rio do que São Paulo, e eu era palmeirense naquela época, garoto, garoto escolhia: “eu sou palmeirense, sou são paulino, sou isso, aquilo”, na época eu era palmeirense, coube para mim, não é? Mas depois você vai crescendo, vai mudando”. E Zito mudou muito. Tornou-se um dos santistas mais convictos e juramentados. Igual a ele, jamais.
Hoje, dia 8 de agosto, o inesquecível José Eli de Miranda, o incomparável Zito, faria anos.
O ZAGUEIRO BUFÃO E A GINGA DO MENINO VOODOO CHILD
por Marcelo Mendez
(Foto Ilustrativa: Check)
Sábado de futebol, inverno chegando em mim e eu, em doces lembranças que iam da luz que vem de um par de olhos azuis e uns sons de Jimi Hendrix, me vi na beira do campo do São Paulinho do Parque Novo Oratório em Santo André, vendo um daqueles jogos que nada mais vale, além apenas de ser lúdico.
Uma autêntica pelada de várzea, com times que se juntam em um sábado a tarde para nada além de bater uma bolinha, comer uma carne e beber uma cerveja. O jogo, portanto, era aquilo que o ludismo poderia propiciar. As favas com os fatos. Estão lá as caneladas, mas, o coração tem que se sobrepor ante o olho para efeitos poéticos.
Com essa premissa na cabeça, nada esperava. Eis que então a bola encontra o camisa 11 do time de vermelho. Sim, esqueçam essas groselhada de FIFAs, Federações e afins. Essa pelada era entre o time de vermelho e o time de branco e azul. O time de branco e azul tinha lá pelo lado do campo um zagueiro daqueles que só a várzea pode nos dar. Grisalho, meio duro de cintura, pançudo, caneleiro clássico a exibir as travas de sua chuteira ainda preta. Foi babando pra cima do menino camisa 11 de vermelho.
Nesse momento, com a ginga de um milhão de gafieiras, o menino camisa 11 de vermelho lhe aplicou muito mais que um drible. A bola que passou por entre as pernas do zagueiro bufão do time branco era uma privação de sentidos! Uma afirmação de fé! Uma afronta à razão!
Meus caros, aquilo não foi um drible; foi uma esculhambação!
Não contente o menino prosseguiu. Atrasou o passo, esperou o botinudo voltar e então lhe rabiscou em dribles coloridos de todas as formas possíveis e principalmente, inimagináveis. E como gran finale, parou a bola, olhou pra cara do sujeito e colocou a pelota para fora pela linha lateral, apontando pro cara e dizendo:
– Da onde veio esses dribles vai vir mais. Bate o lateral aí que você vai sair daqui zonzo…
Rapaz… O zagueiro do time branco então passou a vociferar pragas em cima do menino camisa 11 de vermelho que nem ligou. Saiu vitorioso da picardia e prometendo mais. Nesse momento, no meu ipod Jimi Hendrix tocava “Voodoo Child” com uma letra que dizia o seguinte:
– Uma Criança Vodoo que te rouba um doce, mas, devolve qualquer dia desses – perfeita definição:
O menino é um escândalo!
Dribla para satisfazer sua sanha hedonista, para lavar a alma do cronista ávido por arte, esculacha zagueiros para o deleite de fãs sazonais de sábado à tarde. Com ele o que mais importa é a brincadeira. É a chance que o moleque tem de ser grande. De subverter a ordem dos “sérios”, de mandar as favas os “Objetivos” e os “Planejamentos dos Pofexô” dos bancos de reserva. Aquele menino camisa 11 de vermelho é a chance do torcedor de “não estar nem aí”, de não ligar para a miséria da “busca pelos três pontos da tabela”, de deixar pra lá todo o resto das obviedades que infestam o dia a dia do nosso futebol. E mais:
Ele é nossa chance de fazer com que o as coisas se revolucionem por um viés muito mais maneiro e mais transado que as caretices que se apresentam por aí. Ele dribla, ele esculacha, ele sorri, ele tira onda, ele faz o zagueiro bufão cheio de ódio comer terra e babar. Ele joga por nós!
Em um dos dribles que aplicou no botinudo, eu sorri e ele viu. No outro, tomou uma pernada e riu de novo. Na seqüência, deu outra caneta e olhou para mim:
– Essa caneta foi para você, barbudo!
Com um sorriso, o agradeci! Era meu doce sendo devolvido…
VELUDO QUERIA UM FILHO CENTROAVANTE. NÃO DEU TEMPO
por André Felipe de Lima
O bairro da Saúde, na zona portuária do Rio, presencia hoje merecida revitalização. Foi lá, nos tempos em que foi reduto da boemia e da malandragem carioca, em que nasceu no dia 7 de agosto de 1930 o cidadão Caetano Silva, que anos depois ficaria conhecido como Veludo, apelido que recebeu em 1947 do escritor e imortal da Academia Brasileira das Letras Otávio Faria. Foi com o mesmo apelido que se consagrou no futebol brasileiro, especialmente no Fluminense. Foi, sem dúvidas, mesmo sendo a “sombra” do magistral Castilho, um dos melhores goleiros da história do Tricolor. Tanto é verdade que o seu talento, mesmo sendo reserva de Castilho, garantiu-o na seleção brasileira que embarcou para a Suíça, sede da Copa do Mundo de 1954. “Não ganhei nada com o futebol, apenas injúrias”, lamentava-se no final da carreira. A amargura teve começo, meio e fim. Era, portanto, justificada por uma vida muito difícil antes mesmo de o futebol entrar em sua vida.
Veludo perdera o pai ainda bem pequeno e teve, ainda adolescente, de trabalhar na estiva para sustentar a mãe, dona Joana, e os irmãos Jerônimo, Paulo Roberto, Neusa e Júlia. Ora carregava sacos mais pesados que o próprio corpo, ora era o goleiro titular do Harmonia, time de peladeiros da Saúde. Na final do campeonato de peladas do bairro, contra o Atilia, um camarada conhecido como “Espanhol” insistiu para que Veludo fosse com ele às Laranjeiras para um teste. Veludo foi. Newton Cardoso, que era o técnico dos juvenis, gostou dele. Ficou por lá mesmo.
Orgulhava-se apenas do filho Anselmo Perdomo Silva. Jamais da carreira. Tinha verdadeira paixão pelo menino. “Quero ser jogador do Flamengo”, dizia o garoto para o pai. “Seja centroavante, meu filho. A posição de goleiro não é mole”, aconselhava sabiamente Veludo.
A vida sorriu marota para o grande goleiro. E isso é verdade. Viveu o céu e o inferno. Negro, sofreu com o preconceito. Superava isso com a bravura nos gramados. Um genuíno herói. Fora dele, era sempre muito mais difícil lidar com os graves e hipócritas desníveis sociais. Jamais soube lidar com esse injusto e imoral desafio, que representa o racismo.
Igualmente grande escritor como Otávio Faria, Luis Fernando Veríssimo esboçou uma digressão sobre o racismo de que fora vítima Veludo: “Cresci ouvindo dizer que o melhor goleiro do Brasil era Veludo. Reserva do Castilho no Fluminense e tão bom que era reserva do Castilho na seleção. Só não era o titular, diziam, porque era negro […] estereótipos racistas sobre agilidade e elasticidade até favoreciam uma tese inversa, a de que o negro mais confiável do que o branco no gol. Mas quando o Barbosa deixou passar aquela bola de Ghiggia, em 50, o preconceito, até então disfarçado, endureceu e virou superstição.”
Veludo sofreu talvez até mais que Barbosa com racismo tupiniquim. Mergulhou em profunda depressão no começo dos anos de 1960. Decidiu abandonar tudo em 1963, quando jogava no Renascença, de Belo Horizonte. Didi e João Saldanha chegaram a convidá-lo para treinar no Botafogo. Mas era tarde demais. Veludo fora engolido pela atormentada alma.
O amado filho jamais teve tempo de responder ao pai em que posição decidira efetivamente jogar. Veludo, vítima da diabetes, acentuada por conta do alcoolismo, não resistiu. Castilho, de quem foi grande amigo, presidia a Fundação Garantia do Atleta Profissional (Fugap). Ajudou-o com internações e o acompanhou até o fim, em outubro de 1970.
Partira Veludo para o andar de cima. Mas deixou uma história singular. Foi um ídolo, e como todos os grandes, merecidamente amado e injustamente odiado. Um gigante do futebol e uma personagem singular que nem mesmo o mais trágico dos poetas ousaria entortar a prosódia ao decantá-lo em prosa e verso. Veludo tem história.
OS NOVOS LIBERTADORES DA AMÉRICA
por Zé Roberto Padilha
Zé Roberto Padilha
Mal acordei e o WhatsApp disparou: “Caiu!”. Logo abaixo, efeito cascata, centenas de compartilhamentos assinavam abaixo: “Estava insustentável!”. “Burro!”. Se vivêssemos em um país sério, a queda seria do presidente da república. Passou a perna no interino, escalou mal seus ministros e comprou meio time para se manter no cargo. Mas quem caiu foi Zé Ricardo, o técnico do Flamengo. Sua culpa? Trabalhar num país cujos homens torcem mais por sua nação do que a defendem como cidadãos. Michel Temer está firme no cargo – e um cara do bem, honesto e trabalhador perdeu o seu.
Saí para comprar o pão e os garis aceleravam suas vassouras em euforia. Varriam o lixo como retirassem todo e qualquer resquício daquele seu treinador. “Aonde já se viu, Diego e Everton Ribeiro juntos?” Pouco estavam interessados em saber que a escalação do Gedell Vieira ao lado da mala de Rocha Loures ajudou a comprar a reforma trabalhista, cuja terceirização irá ameaçar a estabilidade por eles alcançada no concurso mais concorrido do estado.
“Finalmente, que venha o Wanderley!”. Wanderley Luxemburgo, outro cara do bem, já garantiu o seu futuro. Será que com a reforma da previdência nossos valorosos garis não sabem que vão varrer ruas até os 85 anos para alcançar a sua?
O Brasil voltou recentemente a ocupar a zona do rebaixamento no quadro da Fome da ONU. De que importa? O que vale mesmo é o Flamengo ficar entre os quatro que vão à Libertadores. Para alcançá-la, são capazes de encher um ninho de urubu num domingo de praia e deixar completamente vazios os palcos de luta e resistência como a Avenida Copacabana e a Paulista.
Antes, os libertadores da América tinham sobrenomes como Bolívar, Martin, L’Overture, Guevara, Guimarães e irmão do Henfil. Hoje, a liberdade é buscada de uma forma tão imbecil que enforcamos inocentes a céu aberto – e nos calamos dentro de casa e damos folga às nossas panelas diante dos culpados.
Bom dia, Brasil. Num passe de injustiça, a bandeira de Mello foi erguida nesta segunda-feira após a derrota para o Vitória. Só mesmo em um lugar onde Michel Temer continua e Zé Ricardo perde o seu lugar é que toda vitória significa uma derrota. E assim será enquanto não erguermos outras bandeiras de luta. E levarmos o nosso próprio país a sério.