A VOZ DO CORAÇÃO
por Zé Roberto Padilha

Quem se joga nas profundezas das relações, das que prosperam, das que são recolhidas, sabem do que estou falando. Os que molham só o pezinho, os amantes de superfície não vão alcançar a sua profundidade.
Falo sobre os segredos daquele órgão que vive a desafiar a razão. O mesmo que contraria o senso comum e invade a contramão onde transitam todas as certezas. E estacionam todas as opiniões.
A Arlindo Cruz foi concedida a graça de traduzir, em versos, prosa e samba os segredos do coração. Esse mesmo, o teimoso, que não escuta ninguém e faz da gente zumbis que transitam pela noite de braços dados com a solidão.
Arlindo olhava pra lua é não via o astro que brilhava, ele via a luz que mantinha acesa o que restou do romantismo. Sua sensibilidade foi capaz de nos tornar cúmplices do inusitado. Reféns do imponderável.
Foi nas suas músicas que encontramos as explicações que nos mantinham acolhidos, felizes e agradecidos por saber que não estávamos sozinhos por mais fria que fosse a madrugada.
A arte tem disso, ameniza frustrações, potencializa aspirações e nos leva a deslizar nas pistas escorregadias desta coisa linda, única, conhecida por vida.
E ela acaba de perder um pouco da sua graça, muito da sua ternura quando deixa escapar quem mais a entendia. Quem melhor a traduzia.
Descanse em paz meu ídolo.
AO MESTRE COM CARINHO
por Zé Roberto Padilha

Alguém precisa contar para Carlos Ancelotti o que João Saldanha, treinador da Seleção Brasileira, fez para que o Brasil conquistasse o tricampeonato. Algo inédito e corajoso.
Pela primeira vez um técnico teve a ousadia de levar ao mundial a prática comum de um treinador de peladas. Aqueles que escalam os melhores jogadores e eles mesmo que criem um sistema tático. Não que um sistema tatico se sobreponha, se coloque acima e sacrifique um dos melhores.
Enquanto muitos gostariam de ver a camisa 9 com Dario, artilheiro do Brasil e com o carisma que agradava ao regime militar, João Saldanha não abriu mão de levar a campo os melhores jogadores em atividade no país.
E escalou um ataque com os quatro camisas 10 que reinavam em seus clubes. Jairzinho, do Botafogo, Tostão, do Cruzeiro, Rivelino, do Corinthians e Pelé, do Santos. E disse: “Se virem!:
Jairzinho foi para uma ponta, Rivelino precisou se adaptar a outra, Tostão deu um passo à frente e Pelé…bem, ninguém seria capaz de mexer o seu trono de lugar.
Todos marcaram gols durante a Copa do Mundo e tivemos, graças a sua coragem, o maior ataque de todos os tempos.
Alguém precisa contar essa passagem para Carlos Ancelotti. Quem sabe ele pare de procurar em Richarlison, Igor Jesus e outros valorosos centroavantes, a solução para a camisa 9. E a entregue ao nosso maior craque, Neymar.
Tostão, na ocasião, também não gostou de deixar a 10, da criação, para ser o 9, da finalização. Como todos os 10, precisavam de uma referência à sua frente para criar espaços para desenvolver sua arte. Muito menos, Rivelino, o Garoto do Parque, convidado a ocupar uma ponta. Mas logo se adaptaram porque a arte circulava por todos os pés.
Neymar não pode estar de fora da seleção. E se a seleção não pode contar mais com o Neymar que deixou o Santos, melhor se adaptar ao que voltou ao Santos.
Com menos pernas, para circular, mas com todo o domínio do mundo para ser o maior pivô de todos os tempos.
O nosso camisa 9 da próxima Copa do Mundo já está em campo. Falta apenas contar para o italiano quem foi o jornalista, que se tornou treinador, que teve o bom gosto de não deixar de fora da seleção nenhum craque.
“Se virem!” E eles meteram 4×1 na decisão contra a Itália.
SAMBA RUBRO-NEGRO
por Elso Venâncio

Gigante compositor, Wilson Batista é bastante mencionado por ter integrado a boemia da Lapa e por conta da sua polêmica com Noel Rosa, de quem foi rival na música, na malandragem e em conquistas amorosas. Mas o que vamos evidenciar hoje é a sua paixão pelo Flamengo, clube que homenageou em várias canções. Em uma delas, chamou o parceiro Jorge de Castro para dar ênfase ao bicampeonato carioca de 1953 e 1954, que viraria tri em 1955. Assim nasceu o “Samba Rubro-Negro”:
“Flamengo joga amanhã, eu vou pra lá /
Vai haver mais um baile no Maracanã! /
O mais querido tem Rubens, Dequinha e Pavão /
Eu já rezei pra São Jorge, pro Mengo ser campeão”.
O sucesso explodiu no Carnaval de 1955, ano em que o Flamengo sagrou-se o primeiro tricampeão da história do Maracanã. O time, comandado pelo lendário técnico paraguaio Fleitas Solich, chegou ao título vencendo o America por 4 a 1, com quatro gols de Dida na final. Era a consagração do próprio Dida e do também craque Evaristo de Macedo como ídolos eternos do clube de maior torcida do Brasil.
Durante o longo Campeonato Carioca, que começou em agosto de 1955 e só terminou em abril do ano seguinte, o então presidente do Flamengo, Gilberto Cardoso, sofreu um infarto. O fato ocorreu por conta de uma partida decisiva no basquete, em que Guguta fez a cesta da vitória sobre o Sírio e Libanês, no Maracanãzinho, garantindo ao clube da Gávea o pentacampeonato estadual da modalidade. Gilberto ainda chegou a ser atendido em um pronto-socorro, mas não resistiu aos impactos da emoção.
Palco do título rubro-negro com ares de tragédia, o ginásio do Maracanãzinho passou a se chamar Gilberto Cardoso após o ocorrido. Outra homenagem foi feita pela torcida do Flamengo meses mais tarde, quando se confirmou o tricampeonato no futebol. Empolgada, a Nação saiu direto do Maracanã para o Cemitério São João Batista, comemorando o título no túmulo do histórico presidente.
Cantado em bares e cabarés, o “Samba Rubro-Negro” migrou para as arquibancadas. Seu refrão soa forte: “Pode chover, pode o sol me queimar / Que eu vou pra ver a Charanga do Jaime tocar / Flamengo! Flamengo! Tua glória é lutar”, no que o baiano Jayme de Carvalho, pioneiro na criação de torcidas organizadas, completava com um verso do hino oficial: “Flamengo! Flamengo! Campeão de terra e mar”.
Clube brasileiro mais homenageado com músicas, o Flamengo possui dois hinos. O oficial foi composto por Paulo Magalhães, em 1932, enquanto o mais popular, do verso “Uma vez Flamengo, sempre Flamengo”, teve autoria de Lamartine Babo, em 1945.
Ao longo da história, o “Samba Rubro-Negro” de Wilson Batista teve vários intérpretes, entre eles Gilberto Gil. Também ganhou outras versões, como a de João Nogueira, que caiu no gosto da galera no final dos anos 1970. Para homenagear a equipe liderada por Zico, que em 1981 chegaria ao título mundial, João alterou a letra do samba, trocando os nomes de Rubens, Dequinha e Pavão pelos de Zico, Adílio e Adão. Recentemente, o filho Diogo Nogueira, que herda do pai a paixão pelo Flamengo, fez o mesmo para homenagear o time de 2019. Na sua versão, a letra passou a ter Gabigol, Bruno Henrique e Arão.
Wilson Batista nasceu em 3 julho de 1913, em Campos dos Goytacazes, mesma cidade de Gilberto Cardoso. É ídolo de Paulinho da Viola, que o considera um dos nomes mais importantes da música brasileira. Faleceu em 1968, aos 55 anos, no Rio de Janeiro, deixando um extenso legado e mais de 550 composições, incluindo o famoso “Samba Rubro-Negro”.
ZÉ SÉRGIO, O ÚLTIMO “ABRIDOR” DE DEFESAS PELAS PONTAS DO FUTEBOL BRASILEIRO
Por Marcos Vinicius Cabral
Edição: Ari Lopes

“Vai estudar, menino! Quero te ver formado em Engenharia ou Medicina na faculdade”, diziam os seus pais Sérgio e Guaraciaba toda vez que viam Zezinho caminhando à procura de um campinho com a bola Rivelino (bola de plástico, chamada dente de leite, fabricado pela Trol nos anos 70) debaixo do braço.
Português, Matemática, Geografia ou História na sala de aula não eram as disciplinas preferidas pelo menino. Ele preferia estudar e treinar os ‘elásticos’, os dribles curtos, e as bombas com o pé-esquerdo que fazia questão de assistir com o professor e primo Rivellino, nas aulas de futebol de salão do Esporte Clube Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo.
Atento, Zé Sérgio era um aluno aplicado. Na verdade, desde cedo o que ele queria era imitar o primo famoso e ser no futebol um craque como ele, aplaudido pela multidão que lotava os estádios de São Paulo, principalmente o Morumbi, o Pacaembu e o Parque São Jorge, nas noites de quartas feiras e domingos nos jogos do Corinthians.
“Era fominha. Meu negócio era jogar bola e chegar perto do que o Riva foi”, relembra José Sérgio Presti, conhecido como Zé Sérgio, um dos pontas mais maravilhosos do futebol brasileiro.
Aos 13 anos, o que Zé Sérgio aprendia com o primo do bigode mais famoso do Parque São Jorge, colocava em prática no futebol de salão no Esporte Clube Banespa. Estamos no ano de 1970, quando a Seleção Brasileira, dirigida por Zagallo, e considerado o maior Escrete Canarinho da história, conquistou o tricampeonato da Copa do Mundo, no México.
A história e os números mostram que Zé Sérgio foi um dos mais habilidosos pontas do futebol brasileiro.Gracas a Deus e aos deuses da tecnologia, quem é da geração pós 1980, e não teve o prazer de vê-lo jogar, pode comprovar o que falo nos arquivos do YouTube e outros arquivos de internet. Zé Sérgio foi eleito o melhor jogador do Brasil em 1980, quando craques como Zico, Roberto Dinamite, Reinaldo, Falcão e Cia desfilavam seus talentos pelos gramados do Brasil a fora. Devastador com a bola nos pés e seus dribles sobre os laterais, o camisa 11 do São Paulo abria defesas consideradas inexpugnáveis.
Leandro, ex-lateral do Flamengo e seleção brasileira, agradece a Deus por não tê-lo enfrentado.”Zé Sérgio foi o melhor ponta-esquerda da minha geração. Driblava para dentro e para fora com a mesma intensidade e categoria. Forte, atrevido, não tinha medo de cara feia. O Telê Santana gostava muito dele e se não fosse a contusão séria que teve no braço, certamente estaria conosco na Copa do Mundo de 82. Graças a Deus que não encarei a fera”, brinca.
Já Luís Carlos Winck, ídolo do Internacional, não teve a mesma sorte. O ex-camisa 2 do Beira-Rio relembra os confrontos com o ponteiro. Para ele, que quase jogou no Vasco com Zé Sérgio, era difícil marcá-lo, já que o drible que ele dava podia ser para qualquer lado com a mesma eficiência.
“Zé Sérgio foi um dos grandes pontas do futebol brasileiro. Era rápido e driblava com muita qualidade, tanto para a direita, quanto para a esquerda. Tive o prazer de enfrentá-lo quando jogou pelo São Paulo e era complicado para nós. Era um futebol mais romântico na nossa época e os times, a maioria deles, recheados de craques. Zé foi um ponto fora da curva”, recorda.
Embora tenha surgido no hiato de Paulo Cézar Caju e Dirceu – jogadores que usaram a camisa 11 nas respectivas copas de 74 e 78 – Zé Sérgio merecia atenção especial dos treinadores.
Para Cláudio Coutinho (1939-1981), a célebre frase de Nelson Rodrigues (1912-1980) que diz que “Toda unanimidade é burra”, fazia sentido. Tanto que ele não via Zé Sérgio como titular no escrete canarinho, em 78, na Argentina. Atuar ao lado do primo Rivellino com a Amarelinha, não passou de um sonho, que Coutinho não permitiu.
Por sua vez, Telê Santana (1931-2006) sabia que Zé Sérgio na ponta esquerda, com Junior de lateral, formariam uma dupla respeitável e temida. Titular no lugar de Éder naquele timaço de 82? Só os treinamentos poderiam responder.
No entanto, o certo é que nesse tabuleiro de peças que é o futebol, o ponteiro são-paulino foi convocado.
Desde que surgiu e buscava de certa forma se descolar da fama de ser o primo sai de Rivellino, Zé Sérgio cortou um dobrado. A rotina de treinamentos, exaustivos, o levava ao limite. A má sorte nas contusões que tanto o prejudicaria na carreira, fazia congestionar os olhos com lágrimas. Era preciso ser forte para não sucumbir à depressão.
“Eu lutava com unhas e dentes para me livrar daquele estigma de ser primo do Riva. Tinha que ser mais eu, se quisesse progredir no futebol”, contou ao Museu da Pelada.
Estrela do título do Paulistão de 77 pelo São Paulo, o que Zé Sérgio queria, de verdade, era fechar os olhos, lembrar dos passeios que fazia com o cão Scooby, dos torcedores tricolores levantando das arquibancadas toda vez que recebia a bola partindo para cima dos marcadores e das conversas mantidas com o primo Rivellino. A paz, buscada pelo ex-camisa 11 do São Paulo e do Santos (trocado por Pita), sempre esteve distante nos momentos mais tensos da carreira.
RODADA DE FOGO
por Elso Venâncio

Durante o jogo contra o Fortaleza, na Neo Química Arena, a fiel torcida corintiana gritava: “É quarta-feira! É quarta-feira”. Em seguida, fazia gestos e gritos ofensivos ao Palmeiras, arquirrival e adversário do Corinthians nas oitavas de final da Copa do Brasil. Torcedores e clubes envolvidos na competição pouco se importaram com a rodada do Campeonato Brasileiro no último fim de semana. Nos bares, nas ruas e nos estádios, já eram discutidos assuntos relacionados às partidas decisivas de amanhã e quinta-feira, valendo vagas nas quartas de final da competição nacional simultânea.
Entre os confrontos das oitavas de final, chamam a atenção os clássicos Palmeiras x Corinthians e Atlético Mineiro x Flamengo, pela rivalidade existente e a força popular dos clubes envolvidos. Destes quatro, apenas o Flamengo decidiu não poupar seus principais destaques no jogo do fim de semana. Isso porque o técnico Filipe Luis já tinha ido na contramão na partida da última quinta-feira contra o Galo, colocando uma equipe alternativa na derrota por 1 a 0, no Maracanã. Também promoveu a entrada de contratados sem ritmo de jogo, fato que se repetiu contra o Ceará. Agora, a disputa será dramática em Belo Horizonte, pois o clube mineiro entrará em campo com a vantagem do empate para se classificar.
Ainda sobre o jogo de domingo, a demora do técnico rubro-negro para surgir na entrevista coletiva indicava a sua preocupação. Depois de não ter ido bem contra o Atlético Mineiro, o Flamengo também não teve um bom desempenho contra o Ceará. Até saiu em vantagem no primeiro tempo, mas fez um segundo tempo ruim, jogando fechado no Castelão. A liderança do Campeonato Brasileiro se manteve com o empate por 1 a 1, mas é inegável a queda de rendimento da equipe nas últimas partidas.
No dérbi paulista, a vantagem do empate é do Corinthians, que enxerga o confronto com o Palmeiras como oportunidade para afastar a sua interminável crise administrativa. Também amanhã, o Botafogo vai a Bragança Paulista com dois gols de vantagem sobre o perigoso Red Bull Bragantino. O Fluminense, por sua vez, receberá o Internacional no Maracanã, podendo empatar para seguir na Copa do Brasil. O São Paulo é outro que tem tudo para avançar na disputa, pois fez 2 a 1 diante do Athletico Paranaense, no Morumbi, e está em franca ascensão. Da mesma forma o Bahia, que venceu o Retrô por 3 a 2, na Arena Fonte Nova, e é favorito a se classificar em Pernambuco.
Sobre os jogos de quinta-feira, o Vasco tem obrigação de vencer o CSA em São Januário, depois do 0 a 0 na partida de ida, enquanto o Cruzeiro viaja com o favoritismo para Maceió, mesmo tendo empatado em 0 a 0 com o CRB no Mineirão.
Resultados à parte, dá para notar que o torcedor gosta de emoção, gosta dos jogos eliminatórios. O Brasileirão se tornou uma longa e cansativa ladainha; uma competição sem final. Você apoiaria a volta do mata- mata ao Campeonato Brasileiro?