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ARREPENDIMENTOS

por Claudio Lovato Filho

Ontem o filho lhe perguntou:

– Pai, se você pudesse voltar no tempo, o que você não faria de novo?

– No futebol?

– É.

Ele não precisou pensar muito.

A cotovelada.

Até hoje, para tentar atenuar a culpa e o arrependimento, ele costuma dizer para si mesmo que foi uma ação instintiva, que ele na verdade estava apenas se protegendo de uma perseguição insistente, pelas costas, a perseguição de um jogador que todo mundo sabia que não economizava nas entradas violentas.

O cotovelaço deixou o adversário sem sentidos por vários minutos. Ele achou que tinha matado o colega de profissão. Desesperou-se, botou as mãos na cabeça enquanto era empurrado por jogadores do time rival e protegido por seus companheiros. Foram minutos em que ele não queria estar ali, em que não queria ser jogador de futebol.

Quando o jogador atingido começou a se mexer no gramado e recobrou os sentidos, ele, o agressor, já estava sentado no banco de reservas, encoberto (escondido) por alguns membros da comissão técnica, depois de ter sido expulso.

Passou algumas noites com dificuldade de pegar no sono, foi duramente criticado pela imprensa, e a situação só não ficou pior nos dias seguintes por causa da camaradagem que ligava os integrantes daquele grupo ao qual pertencia.

– E aí, pai, tem alguma coisa que você não faria de novo?

– Tem, sim, filho. Senta aqui que eu vou te contar.

O filho se sentou na cadeira ao lado, pronto para ouvir uma história que ele já conhecia. Mas ele queria ouvi-la do pai. Precisava ouvi-la do pai. E agora conseguiria isso, depois de passar muito tempo reunindo coragem para fazer a pergunta que fez.

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Dos arrependimentos que ele carrega pela vida, existe um que o tem perturbado muito nos últimos dias.

A discussão com o velho.

Aconteceu durante um jogo, à vista de todos.

Estádio cheio, o time perdendo, a torcida vaiando. Então, numa possibilidade de ligar um contra-ataque, ele errou o passe. O velho não era de dar show na área técnica, não era do tipo que tinha chilique, mas naquele momento algum fio deve ter encostado no outro dentro da cabeça dele. O velho esbravejou e ele retrucou. O velho rebateu e ele então xingou, ofendeu, dedo em riste. O velho se calou.

Hoje, muitos anos depois, as palavras que saíram de sua boca naquela briga têm voltado com frequência e ele sabe por quê: a doença do velho, a proximidade da morte do veterano treinador que o puxou da base e lhe deu todas as chances de que ele precisava para encontrar um lugar ao sol.

Ele ainda não sabe exatamente o que vai fazer. Pensa em visitá-lo no hospital, mas não sabe como seria recebido pelos familiares e amigos do velho. Aquele episódio envolveu humilhação. Ele sabe que terá que fazer alguma coisa enquanto ainda é tempo, porque esse arrependimento o está angustiando cada vez mais e ameaçando se tornar algo muito maior do que ele um dia imaginou que poderia ser.

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A esposa acha que foi um erro ter voltado.

– Nossa vida era tão boa lá.

Ela começou a falar essas coisas no dia em que os torcedores invadiram o Centro de Treinamento.

Mais tarde, com as ameaças pelas redes sociais, o discurso dela se acirrou.

– Não quero isso para as crianças. Não quero isso para nós.

Há alguns dias, quando chutaram o carro dele na saída do treino, ela deu o ultimato.

– Chega, né? Não tem dinheiro que pague isso!

Ele ainda tentou argumentar:

– Isso vai passar. É só a gente voltar a vencer.
Ao que ela respondeu:

– E depois, quando começar a perder de novo, vai voltar tudo? Vai voltar do mesmo jeito? Pior?

Ele sabia que não tinha como vencer aquele embate. Quando se tratava de argumentar com a mulher, a coisa costumava ser complicada. Ela tinha o hábito de estar sempre certa, ou quase sempre, como era o caso agora.

Uma pena, ele pensou. Uma pena ter que admitir que foi um erro ter voltado. Seu país não era mais seu, sua cidade não era mais sua, e a saudade que ele sentia era mais de um tempo do que de um lugar. Sim, foi um erro. Mas foi um erro que ele cometeu por ouvir o coração. Sendo assim, um erro que não tinha por que gerar arrependimento.

Honestamente, ele não se arrepende. Não deu certo, mas ele não se arrepende. A realidade sempre se impõe ao sonho. O bom é quando os dois convergem, mas isso não acontece toda hora.

É a vida.

DOALCEI CAMARGO – O LOCUTOR MAIS VIBRANTE DO BRASIL

por Elso Venâncio

No final dos anos 40 o jovem Doalcei Camargo chegou ao Rio de Janeiro para trabalhar na Rádio Globo, levado pelo irmão Wolner Camargo, também locutor esportivo. Recém-inaugurada, a emissora, que se tornaria a maior potência radiofônica do país, tinha Luiz Mendes na chefia de esportes.

Paulista de Itápolis, Doalcei rapidamente se destacou e acabou sendo contratado por Waldir Amaral, que comandava a Continental – a rádio “100% esportiva e informativa”. Passou ainda pela Tamoio, Guanabara, Tupi e Nacional até voltar à Rádio Globo para narrar a Copa de 1990, na Itália. Seu grande momento, no entanto, deu-se na Super Rádio Tupi, para onde chegou em 1965 e, por mais de 20 anos, tornou-se o grande líder e destaque do esporte.

Doalcei merecia um reconhecimento maior. Foi um monstro! Um dos maiores, talvez o maior do seu tempo. Narrava com uma velocidade impressionante para a época, num tempo em que o futebol carioca era bastante cadenciado. Vários amigos me diziam:

– Melhor locutor? Doalcei. Ouço a Tupi por causa dele…

– Não escuta Waldir e Curi?

– Não!

– E o ‘Garotinho’, na Nacional?

– Também não…

Era a época de ouro do Rádio! Os jogos não passavam pela televisão. O principal veículo era o Rádio!

Doalcei se destacava, ainda, por ser uma figura humana especial. Espiritualizado, kardecista convicto, querido por todos, era chamado de “Dodô” por seus amigos mais íntimos.

Na Rádio Globo, em 1993 fomos à Colômbia – ele, como narrador; eu, como repórter – cobrir o Flamengo em dois jogos válidos pela Libertadores. A delegação e os jornalistas eram orientados a não deixarem o motel. Sim, a hospedagem acontecia em um motel! Mas por medida de segurança, em Medellín. Afinal, Pablo Escobar, que seria assassinado ao fim daquele ano, era o todo-poderoso do país e mandava cocaína para o mundo todo.

Maurício Fonseca, hoje assessor de imprensa do Flamengo, enviou uma matéria que rendeu a seguinte matéria no jornal “O Globo”, no dia seguinte:

“Flamengo em motel na Colômbia”

Doalcei, preocupado, perdeu o sono:

– O que minha esposa e família vão pensar?

Nessa viagem, tive o prazer de apresentá-lo a Mauro Cezar Pereira, que representava o “Jornal do Brasil”. Emocionado, Mauro o abraçou:

– Estou diante do meu ídolo de infância e adolescência. Meu e do meu pai.

O Rádio, ao longo dos anos, nos aproximou desses gigantes da comunicação esportiva. Eles fizeram e ainda fazem parte das nossas emoções, das nossas vidas. Nomes como Jorge Curi, Waldir Amaral, Orlando Batista, Luiz Penido, Jota Santiago, Édson Mauro e o grande e eterno “Garotinho”, José Carlos Araújo, são imortais.

Doalcei Benedito Bueno de Camargo faleceu de infarto, aos 79 anos de idade, em seu apartamento no bairro das Laranjeiras, na fatídica madrugada de 29 de agosto de 2009. Deixou uma legião de fãs e amigos, mas entrou para a História como um dos maiores nomes de todos os tempos do Rádio, que completa um século de fundação este ano.

FUTEBOL É MOMENTO

::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::

Durante a minha caminhada pelo calçadão, um vendedor do quiosque me parou e perguntou: “PC, o Ganso não merecia estar no grupo que vai à Copa?”. Tenho visto muito esse debate e, na minha opinião, com certeza o camisa dez do Fluminense merecia a convocação!

Futebol é momento e o meia está em excelente fase, sendo essencial para o estilo de toque de bola do Fernando Diniz funcionar! É claro que ele não tem a velocidade e o preparo físico para aguentar os 90 minutos, mas poderia muito bem entrar no segundo tempo para dar um passe para um Neymar ou Raphinha, fazer uma tabela e sair na cara do gol.

Vale lembrar que, em 2010, Ganso e Neymar estavam em excelente fase no Santos, foram cotados para ir à Copa, mas Dunga não levou e deu no que deu! Resumindo, é um organizador que não temos no grupo atual da Seleção!

Outro jogador que está em grande fase, fazendo gol de todos os jeitos possíveis, é o Pedro! Convocação mais do que merecida e tenho certeza que também pode contribuir muito na Copa do Mundo, sobretudo em jogos mais truncados.

Sobre o Brasileirão, estou feliz com o sucesso do Cruzeiro, Grêmio e Bahia, que caminham a passos largos para retornar para o lugar que nunca deveriam ter saído! Apesar de estar na zona de classificação para a Série A, o Vasco não é um time regular e precisa abrir o olho porque o Londrina já está na cola!

Estive ontem no Engenhão e pude constatar que o Botafogo é um time totalmente desarrumado e sem solução! A única exceção é o Jefinho, um garoto rápido, driblador, que tem futuro, mas precisa aprimorar a finalização!

O lado bom de ir no estádio é que não preciso ouvir o novo vocabulário do futebol brasileiro, criado pelos analistas de computadores! Kkkkk

Pérolas da semana:

“A ligação direta faz o clube ter mais volume de jogo e ajuda a explorar mais o ala pela beirinha, que penetra por dentro da linha de cinco, faz o X1 com o falso nove e espeta o adversário na vertical”.

“Com um time encaixotado que briga pela segunda bola, o cão de guarda chapa na cara da bola para espaçar o campo e encontrar a profundidade pelos lados”.

Alô, geraldinos! Entenderam, lhufas?

O ÚLTIMO VOO DO CRAQUE

por Flávio M. Peres

“Ganso barbarizava com passes desconcertantes”, disse o Juca em “Tricolores fazem jogaço à brasileira” Fluminense x Fortaleza). É a última chance de Ganso estar em um grupo de seleção em Copa do Mundo.

Se em 2010, novinho e inexperiente, era uma unanimidade, por que, agora, experimentado, e tendo voltado a jogar grande futebol, não deveria estar lá?

Ainda que não seja titular, ainda que jogue somente segundos tempos contra times absolutamente retrancados, ele deveria ser uma alternativa (única e diferente) no grupo.

Imaginem esse sujeito municiando Raphinha e Neymar em um jogo com 10 jogadores; imaginem municiando Pedro, Raphinha e Neymar! O futebol arte é o DNA da maneira brasileira de jogar. Que coloque Danilo e Alex Sandro (mais seguros) nas laterais; que coloque Casemiro e Fred para protegerem o meio campo.

Casão já disse que amou o ataque da nova convocação. Há quem marque, há quem ataque, mas há quem dê passes magníficos para que a bola chegue até eles.

Uma coisa aprendemos em 1966: o nosso mais fantástico meia armador, Didi, melhor jogador Fifa da Copa de 58, bicampeão em 1962, fez uma falta danada, e, por melhor que fosse o ataque, a magia no meio campo fez falta e o time naufragou com Pelé e demais craques. Zagallo percebeu isso e encheu a Seleção de 70 de “Camisas 10”, para garantir que a genialidade de Pelé voltasse a brilhar plenamente.

Tite, chama o Ganso!!!

A TAÇA RIO DO AMERICA, 40 ANOS DEPOIS

por Paulo-Roberto Andel

Entre setembro e novembro de 1982, aconteceu a primeira edição do segundo turno do Campeonato Estadual do Rio de Janeiro com nova nomenclatura, batizado como Taça Rio. Começava uma nova era de charme que duraria vários anos, em contrapartida à consagrada Taça Guanabara, criada em 1965.

O futebol do Rio fervilhava. Os times possuíam muitos jogadores de qualidade, os clássicos eram sinônimo de Maracanã lotado. Apesar da natural disparidade de forças entre as grandes equipes e as de menor investimento, é correto dizer que todos os times da Primeira Divisão do Rio em 1982 tinham valor. Além dos chamados quatro grandes, brigavam America e Bangu, além do Campo Grande (campeão da Série B do Brasileirão naquele ano), o atrevido Bonsucesso e os sempre incômodos Americano e Volta Redonda. Até mesmo a Portuguesa, que fez uma campanha ruim, aprontou contra Fluminense e Flamengo, vencendo os dois clubes respectivamente por 2 a 1 e 3 a 2 – este, num jogo épico na Ilha do Governador.

Já consagrado na temporada pelo título do Torneio dos Campeões, que tem o peso de uma competição nacional, o America conseguiu apenas o sexto lugar na Taça Guanabara. Entretanto, reagiu no returno e marcou seu nome na história da Taça Rio como seu primeiro campeão, apesar de começar a jornada com uma derrota.

A campanha rubra na Taça Rio 1982:

America 1 x 3 Botafogo (Maracanã)
America 4 x 1 Volta Redonda (Wolney Braune)
Americano 0 x 1 America (Godofredo Cruz)
Bonsucesso 0 x 0 America (Moça Bonita)
America 2 x 0 Campo Grande (Wolney Braune)
Vasco 0 x 2 America (Maracanã)
Bangu 2 x 2 America (Maracanã)
Flamengo 0 x 2 America (Maracanã)
Portuguesa 1 x 3 America (Caio Martins)
America 5 x 0 Madureira (Wolney Braune)
Fluminense 2 x 4 America (Maracanã)

A Taça Rio deu ao America a oportunidade de disputar o título estadual de 1982 contra Flamengo (campeão da Taça Guanabara) e Vasco (time com a maior soma de pontos nos dois turnos do Campeonato Estadual do Rio de Janeiro), num triangular final. Duas derrotas por 1 a 0 alijaram o time do título esperado desde 1960, mas a bela campanha da Taça Rio é uma doce lembrança dos tempos em que o America era protagonista e admirado.

A vitoriosa campanha americana na Taça Rio contou com nomes como os de Gasperin, Chiquinho, Eve­raldo, Zedílson, Aírton, Pires, João Luís, Moreno, Gilberto, Luisinho Tombo, César, Serginho, Gilson, Donato, Jorginho, Adilson, Duílio e Elói, mais os treinadores Dudu e Edu.