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O SÃO PAULO DE TODOS OS TEMPOS

por Luis Filipe Chateaubriand

No gol, Rogério Ceni, a um só tempo técnica e liderança.

Na lateral direita, Cafu, não à toa penta campeão mundial de seleções.

De zagueiro central, Roberto Dias, categoria extrema no desarme e ao sair jogando.

De quarto zagueiro, Dario Pereira, personalidade a toda prova.

Na lateral esquerda, Leonardo e todo o seu futebol dinâmico e Produtivo.

De volante, Silas e toda sua classe.

Na meia direita, Raí, união de técnica e capacidade física.

Na meia esquerda, Pedro Rocha, um turbilhão de possibilidades técnicas.

Na ponta direita, Müller e sua velocidade e agilidade consistentes.

De centroavante, Careca e sua mira certeira e mortal.

Na ponta esquerda, Canhoteiro, o Garrincha da esquerda.

Rogério Ceni; Cafu, Roberto Dias, Dario Pereira e Leonardo; Silas, Raí e Pedro Rocha; Müller, Careca e Canhoteiro.

E aí?

Vai encarar?

CARNAVAL E OUTRAS HISTÓRIAS

por Rubens Lemos

Andávamos em pequenos bandos sem destino pelas ruas do Tirol. De todos os moleques, eu respirava futebol por ser o único brinquedo permitido e havia decidido, comigo mesmo, fazer do velho Estádio Juvenal Lamartine meu refúgio. Quantas e quantas vezes fui até o JL apenas para contemplá-lo e imaginar as jogadas dos craques fundamentais de sua história.

Quando estava sozinho, ocupava a arquibancada sempre vazia do lado esquerdo da Tribuna de Honra para quem entrava pelo portão principal. Lá, me entregava a devaneios. Desenhava sonhos ouvindo na imaginação, a gritaria de torcedores ausentes nas jogadas dos ídolos de chuteiras penduradas ou mortos.

O início dos anos 1980 foi fundamental para mim. Aos 10 anos, comecei, de fato, a me descobrir. Era um corriqueiro, um trivial, alguém despercebido em qualquer aglomeração mínima. No deserto do estádio que parecia cemitério de glórias, me via aconchegado, encorajado pelos que ali brilharam e saíram da história para desaparecer na vida.

Então, praguejava os domingos de carnaval. Praguejava o carnaval inteiro que nos deixava, a mim, a minha avó, os meus irmãos e a minha mãe, ilhados na velha casa, cidadela de nossa sobrevivência. Muitos iam às praias, outros saíam em blocos de carnaval de elite, onde se agrupava a juventude aquinhoada da cidade.

Domingo de carnaval, o Juvenal Lamartine, sempre com uma pelada a compensar meu isolamento, também estava fechado. Acreditem, passava alguns longos minutos parado em frente à bilheteria quebrada em algum jogo dos anos 1960 até 1972, ano em que oficialmente o mundo da bola mudou-se de armas, bagagens, jogadores e torcedores para o Castelão, o colosso da Lagoa Nova, distante de onde morava.

O que fazer na monotonia de um carnaval sem sabor? Mexia no controle da televisão, desprezava a programação festiva e procurava algo para ler. Sei que me dedicava à antiga e majestosa Enciclopédia Barsa, pobre luxo consentido à nossa família de classe média abaixo da baixa.

Levado por alguns colegas de rua, mais conformados do que eu, saía desanimado para assistir os preparativos da juventude hoje na casa dos 60 anos em alegorias iguais. A diferença estava no desenho de cada bloco. Lembro-me de quatro: Saca-Rolha, Bakulejo, Ressaca e Puxa-Saco.

Era um movimento próximo ao tédio em que vivia. Os blocos circulavam pelo Tirol, invadiam casas de gente rica nos famosos assaltos e seguiam para o desembocar triunfal na suntuosa sede do América, na Avenida Rodrigues Alves, hoje um fantasma das noites intermináveis de folia.

Via alguns conhecidos nos blocos, cogitava acenar para eles, mas perguntava o motivo. Por que me comunicar com quem estava entregue à esbórnia? Dominado pelo álcool e substâncias proibidas como o Cheirinho da Loló, que chegou a matar do coração um jovem de 18 anos, jogador da seleção potiguar de voleibol.

Eles viviam um mundo e o meu planeta era outro, estava em recesso por quatro longos dias, que pareciam 400 para um garoto simplesmente fascinado pelo jogo de bola, da pior qualidade ao clássico ABC x América.

A rotina anual me cansava e minha tristeza surgia 10 dias antes. Até que uma tragédia sacudiu a cidade e silenciou as orquestras. Um ônibus foi jogado sobre uma pequena multidão na Avenida Rio Branco, matando 19 pessoas.

Mesmo com a dor multiplicada e o cheiro de morte empestando Natal, os mortos foram esquecidos e o carnaval de rua aconteceu naquele fatídico 1984, quando estava com 14 anos incompletos. A decisão de manter a festa me deu engulhos de revolta. As vitimas nem haviam esfriado e os vivos comemoravam numa demonstração clara de que quem morre, se estrepa.

Eram assim meus carnavais de adolescente. Mornos. Até que na quarta-feira de cinzas, reabriam o Juvenal Lamartine à noite para uma pelada da segunda divisão, para mim, o maior clássico do mundo.

Mamãe tentava proibir minha saída à noite, vovó avalizava (ela nunca deixou de estar comigo). Revia o futebol, na iluminação sombria do Juvenal Lamartine. Em silêncio, por dentro da alma, ali estava o carnaval só meu. Óbvio e, confesso, egoísta.

A BICICLETA (IM)PERFEITA DE PELÉ

por José Carlos Faria

A bicicleta é perfeita, congelada na fotografia, mas imperfeita na conclusão da jogada.

Esta é uma das mais famosas fotos do “Atleta do Século”, clicada pelo magistral Alberto Ferreira, para o Jornal do Brasil. É um dos ícones do jornalismo esportivo, em lance que Pelé parece flutuar, enquanto mantém os olhos fixos na bola. Mostra a beleza plástica do movimento do craque, o corpo paralelo ao gramado, a posição vertical da perna direita esticada após o chute, e de servir de apoio ao salto acrobático.

O jogo foi Brasil x Bélgica, realizado em 2 de junho de 1965, no Maracanã, numa quarta-feira à noite, com público de mais de 100 mil pagantes. A seleção brasileira venceu por 5×0, vingando-se da derrota vergonhosa por 5×1, imposta dois anos antes, em Bruxelas, pelos “belgicanos”. Assim se referiu aos nossos adversários, Mendonça Falcão, o folclórico presidente da Federação Paulista e chefe da delegação brasileira naquela excursão à Europa.

Estive presente no jogo, do qual só assisti ao segundo tempo. Eu e meus colegas do colégio ficamos presos num engarrafamento gigantesco e só conseguimos entrar no estádio, no intervalo da partida. Pelo menos não perdemos nenhum gol. Os três de Pelé, um de Flávio Minuano e outro de Rinaldo foram assinalados na segunda etapa.

Fui testemunha ocular da história de momentos marcantes da carreira do “Rei do Futebol”, no Maracanã – o “gol mil” contra o Vasco, em 1969, a sua despedida da seleção brasileira, em 1971, contra a Iugoslávia, assim como de gols antológicos. Em 1970, contra a Argentina, Brasil 2×1, cercado na meia-lua da grande área, ele encobriu o goleiro Cejas, adiantado na marca do pênalti, com um toque magistral. O gol único contra o Paraguai, que garantiu a ida ao México, para a conquista do tricampeonato, em jogo de maior público registrado no estádio (mais de 180 mil pagantes).

A imagem estilizada da bicicleta de Pelé foi reproduzida em adesivo de propaganda da Shell. No verso constava a assinatura de todas as “feras do Saldanha”, jogadores convocados para as eliminatórias da Copa de 1970.

A mesma imagem foi adotada como logomarca do Museu Pelé, inaugurado em Santos, em 2018. Na publicação do Facebook da instituição, consta: “A jogada registrada pelo fotógrafo Alberto Ferreira não resultou em gol, mas ficou conhecida como a ‘bicicleta perfeita’, um dos lances mais bonitos da história do futebol.

Pesquisei na internet imagens sobre o jogo e encontrei vídeo de pouco mais de dois minutos intitulado “Brasil 5×0 Bélgica – 02/06/1965 – O movimento da bicicleta perfeita”. Lá estava a jogada após o primeiro gol do Brasil. Pelé conduz a bola em direção à meia-lua da grande área e abre na ponta para Garrincha, que dribla o seu marcador para o fundo do campo e cruza para o meio da área. O Rei, situado próximo à marca do pênalti, se antecipa a Flavio Minuano, que ia matar a bola no peito. Pelé faz, então, como o título do vídeo, “o movimento da bicicleta perfeita”.

A finalização do lance, entretanto, é decepcionante. Pelé não pega bem na bola, que, em vez de ir em direção ao gol, sai paralela à linha da pequena área e é recolhida, com facilidade, por um zagueiro belga que sai jogando. A bicicleta é perfeita, portanto, estaticamente, congelada na fotografia, mas imperfeita na conclusão da jogada, que não apresentou perigo de gol.

MOZER, O “XERIFE” RUBRO NEGRO

por Luis Filipe Chateaubriand

José Carlos Nepomuceno Mozer foi um zagueiro que atuou no Flamengo, nos anos 1980.

Líder nato, formou com Leandro uma das melhores zagas de todos os tempos do clube rubro negro.

Mozer era técnico – sabia desarmar os atacantes adversários com o tempo de bola preciso e exato.

Mozer tinha raça – quando se fazia necessário, sabia impor respeito aos atacantes adversários, sabia “chegar junto”.

Com essas qualidades, foi jogador de Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1990 (também esteve próximo de disputar as Copa do Mundo de 1986 e 1994).

Quando saiu do Flamengo, em 1986, jogou por anos no Benfica de Lisboa e, em seguida, no Olympique de Marseille, tendo feito uma carreira internacional de sucesso.

Essa carreira permite que se possa afirmar: Mozer foi dos maiores zagueiros brasileiros de todos os tempos!

MOISÉS E O BLOCO DAS PIRANHAS

por Paulo-Roberto Andel

Em 1971, o Rio de Janeiro não podia ser considerado exatamente um mar da tranquilidade por vários motivos, mas tudo se acalmaria quando chegasse o Carnaval. E num amigável dia de treino no Vasco da Gama, no garboso estádio de São Januário, surgiu uma das maiores instituições de samba e futebol do país, criada por um dos maiores personagens da cidade, hoje pouco falado.

Nasceu o Bloco das Piranhas, idealizado pelo zagueiro vascaíno Moisés, com uma pegada polêmica e, ao mesmo tempo, popular: a formação contava com jogadores do futebol carioca, todos devidamente vestidos de mulher e com toda a vaidade que o carisma feminino exige.

O bloco passou a desfilar em Madureira e, por conta da popularidade de seus integrantes, logo arrastou uma multidão pelo bairro. Moisés, embora nascido na cidade de Resende-RJ, era o arquétipo do carioca, com sua irreverência, bom humor, malandragem e cultura – quem já viu suas entrevistas sabe que praticava um português perfeito e elegante. Com seu carisma, o zagueiro logo trouxe uma turma da pesada do futebol, ligada ao Vasco: o volante Alcir Portela, o zagueirão Joel Santana e o artilheiro Dé O Aranha. Em pouquíssimo tempo os jogadores de todos os times começaram a aderir ao desfile, que só sofreu um desfalque forte uma única vez, em 1975, quando os jogadores do Fluminense passaram o sábado de Carnaval no Maracanã por um motivo nobre: a apoteótica estreia de Rivellino diante do Corinthians, numa goleada por 4 a 1. Outros personagens marcantes do bloco foram os saudosos Manguito e Perivaldo, respectivamente zagueiro do Flamengo e lateral direito de Botafogo, Bangu e Seleção Brasileira, e os ativíssimos Brito (campeão mundial em 1970), Vanderlei Luxemburgo e Zé Roberto Padilha.

Até o final dos anos 1990, o Bloco das Piranhas foi um sucesso absoluto, mas acabou não renovando o quadro de jogadores – muitos surgidos estavam mais ligados nos desfiles da Sapucaí – e então encerrou suas atividades. Mas durante duas décadas e meia ele foi um símbolo glorioso do Carnaval do Rio, onde jogadores acostumados a estrelar manchetes e jogar no Maracanã para mais de 100 mil pagantes, eram simplesmente divertidas e simpáticas transformistas que levavam a alegria do futebol para a maior festa popular do Brasil. A cada ano, o Bloco e seus personagens são rememorados, mostrando a força de sua representação.

Moisés, o responsável por toda aquela farra, foi um símbolo de carioquice e jogou em muitos dos principais clubes brasileiros, encerrando sua carreira no Bangu e, por isso mesmo, vivendo um Carnaval à parte sob a liderança de ninguém menos do que Castor de Andrade, um personagem que desafia definições. Apesar de sua fama de durão e de suas frases de efeito, como “Zagueiro que se preza não ganha o prêmio Belford Duarte”, foi bom jogador e depois teve tudo para ser um excelente treinador, mas recebeu menos chances do que deveria. Homem do futebol, do samba e da praia, Moisés ainda merece o devido reconhecimento como uma das personalidades mais marcantes de seu tempo.

@pauloandel