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O ARRASTÃO

5 / abril / 2016

Por Sergio Pugliese


Os amigos da pelada, no Canaveral. Emir (em pé),  Flávio Bigode, Eduardinho, Albertão Ahmed e Vico.

Os amigos da pelada, no Canaveral. Emir (em pé),  Flávio Bigode, Eduardinho, Albertão Ahmed e Vico.

Ninguém suporta mais tanta violência na cidade. São arrastões, balas perdidas, brigas de trânsito, falta de respeito generalizada. Numa dessas resenhas, a equipe do Museu da Pelada ouviu uma história que poderia ter virado tragédia, mas se transformou num caso tipicamente carioca, envolvendo boleiros. 

O papo no carro era divertido. Também pudera, Albertão, Tico Tico e Shrek juntos garantem boas risadas, animam qualquer rodinha, prolongam qualquer conversa. Albertão estava mais afiado do que nunca!

– Se velocidade ganhasse jogo, o Bolt seria convocado para a seleção – implicou com Tico Tico, pontinha arisco.

De família árabe, Albertão Ahmed é craque, joga fácil e tem cacife para fazer suas críticas. Paraibano de Quipapá, Tico Tico poderia ter o estilo dos velhos pontas, tipo Mauricinho, Nilton Batata e Joãozinho, do Cruzeiro, porque dribla bem e chuta forte, mas falta o tempero. E o carioca Shrek….bem Shrek é um bom motorista e mesmo assim tem recebido multas além da conta. Quando Albertão iniciava mais uma frase de efeito, Shrek freou bruscamente.

– Ferrou, arrastão!!!!! – gritou Tico Tico, enquanto tentava esconder seu meio metro de corpo sob o banco do motorista.

– Dá uma ré rápida, ô roda presa – ordenou Albertão.

Shrek e Tico Tico deveriam funcionar como seguranças de Albertão, empresário de sucesso. Precavido, muitos carnês para pagar, ele ainda contava com duas outras feras, Serginho e Enágio, num carro na retaguarda.

– Como vou dar ré se esses dois pregos estão colados na minha traseira? – reclamou Shrek.

Em segundos, cinco homens cercaram os carros. Com fuzis e fisionomias apavorantes, mandaram todos descerem. Tico Tico preferiu esconder seu canivete sob o tapete do carro. Parecia que Albertão passara Super Bonder na carteira. Ela não desgrudava de sua axila por nada e precisou Enágio arrancá-la e entregá-la aos bandidos.

– Esquece Betão, não te pertence mais!

– De que lado você está, paraíba desalmado? – disparou Betão, fulo da vida.

Um dos homens chegou a apontar a arma para o empresário.

– Calma, rapaziada, esse homem é o nosso ganha pão!!! – suplicou Enágio, meio-campo estilo cachorro em mudança.

Os bandidos entraram no carro e sumiram na Avenida 24 de Maio. Era fim de tarde e Albertão ficou encarando o quarteto, cabisbaixo, trêmulo. De repente, lembrou-se de algo e gritou:

– PQP, meu tênis estava no carro!!! Meu tênis!!!! Meu tênis!!!! – berrava, enquanto sentava-se, desolado, ao meio-fio.

Os quatro sabiam da loucura do patrão pelo tênis Nike preto, 46, comprado em Madri, encaixe perfeito, difícil encontrar igual no Brasil. Só sob encomenda. E no dia seguinte, cedinho, ele tinha uma pelada apostada com Guido, estrela do Caldeirão do Albertão. Valia cerveja e churrasco. Foram para a delegacia com Albertão choramingando “meu tênis, meu tênis!”….. Ele não estava preocupado com o carrão, dinheiro e roupas levados pelos gatunos. O tempo o ensinou a dar valor às pequenas coisas da vida. Bon vivant, passara por altos e baixos, já havia sido o rei do Hippopotamus, aprontado na alta sociedade e perdido amigos na fase das vacas magras. Hoje, bem de vida, prefere curtir os filhos, a pelada e os pastéis do Bar do Adão, do parceiro Rominho.

– Hilux localizada no Méier!!!! – gritou um policial, no fundo da delegacia.

– Prenderam os safados? – quis saber Tico Tico.

– O que foi, virou macho agora projeto de pigmeu? – ironizou Albertão.

Voaram para o local!!!! Mas para desapontamento de Albertão, o par de tênis não estava na mala.

– Merda!!!!!!!!!! – gritou para espanto do policial.

Aquilo não ficaria assim e, dono de gráfica, levou todos para a empresa e mandou imprimir centenas de cartazes oferecendo recompensa a quem devolvesse o par de Nike.

– O Disque Denúncia não vai acreditar quando ouvir essa – resmungava Serginho enquanto colava um cartaz no poste.


Albertão Ahmed colando cartaz no poste

Albertão Ahmed colando cartaz no poste

Ligaram alguns engraçadinhos oferecendo Kichutes, Congas e um All Star de cada cor. A operação falhou. Albertão foi dormir triste, mas por outro lado percebeu que seus valores são outros, suas prioridades mudaram. No dia seguinte, de birra, jogou descalço e divertiu os amigos na resenha relembrando o caso e falando sobre sua única certeza na vida: precisa substituir com urgência os seguranças.    

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