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SANTIFICADO

19 / setembro / 2017

por Rubens Lemos


Felizes eram os meninos santistas, hoje vovôs de suspensório, cheios de netos para ouvir milagres verdadeiros. Como devem ter sido tranquilos os sonos de véspera dos garotos praianos, dos sábados para os domingos de clássicos por longos anos, especialmente entre 1957 e 1974, na era de um rapaz que primeiro chamaram de Bilé, depois Pelé.

O Santos de Pelé é a minha crença eterna de que o futebol e a magia nasceram enamorados. Nada quanto o Santos representou o Brasil de alto astral, os bons tempos de Juscelino na presidência, Bossa Nova se revelando, samba de morro encantando a nobreza, tropicalismo aflorando. Até à ditadura o Santos maravilhoso resistiu.

Aquele Santos que me faz pedir para ser mais velho de papel passado, mais antigo do que a minha alma perdida em algum jogo de ternura do Canal 100, cinco minutos mais importantes para mim do que qualquer filme já assistido em tela dos extintos cinemas Rio Grande, Rex e Nordeste. na Natal antiga.

O Canal 100 transmitia em big close as jogadas dos grandes catedráticos do gramado e arrepiava pela trilha musical Na Cadência do Samba e a emoção do grito aberto do povo e da expressão em delírio ou pranto do torcedor nas sociais, arquibancadas e gerais, tempo de 100, 150 mil pessoas nos principais duelos.

Meu primeiro contato com o Santos. Canal 100 reprisa, em comemoração aos 15 anos do primeiro título Intercontinental (hoje Mundial de Clubes), o filme sobre o massacre de Lisboa. Em pleno Estádio da Luz.

Energia que me encantou, de coração vascaíno firme, mas admirado com as jogadas felinas de um ataque de panteras, formado por cinco, todos em direção ao gol. Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, apenas um branco, Pepe, um canhão na ponta-esquerda.


Descobri em cinco minutos que era verdade: nunca, enquanto o mundo fosse habitado por seres em carne e osso, pecadores, sensíveis às tentações mundanas e veniais, mortais e sepultáveis, houve ou haveria uma linha atacante igual aquela tropa de cinco malabaristas.

O Benfica de Eusébio, a Pantera Negra, excelente jogador, um dos tantos que sonharam ser melhores que a Sua Majestade de Três Corações, filho de Dondinho e Dona Celeste, foi humilhado numa das maiores exibições de uma equipe desde que iniciada a contagem do tempo após a morte de Jesus Cristo.


Pelé driblando, Pelé bailando, Pelé enfiando duas vezes a bola entre as canetas do marcador, Pelé tabelando na canela dos portugueses, Pelé fazendo gol, oferecendo gol, Coutinho fuzilando o goleiro, Dorval, meio arqueado de ombro, correndo em ziguezague e servindo à maior parceria entre dois homens ofensivos de que se foi noticiada desde a carta de Pero Vaz de Caminha.

Vou alargando parágrafos e me revendo na cadeira do cinema lotado pois era comédia dos Trapalhões em seguida ao Canal 100. O Santos enfiou 5×2 no Benfica e, aos 7 anos de idade em 1977, jurava que futebol era o que estava acostumado a ver no estádio e pela TV. Futebol era. Sobrenatural sagrado era o Santos.

O Santos foi o único time brasileiro que atravessou o tempo com um condutor que não lhe fez perder a graça. O Santos embrião da máquina do final dos anos 1950, com Pelé e Pagão, o grande ídolo de Chico Buarque de Holanda.

O Santos da década de 1960, com Pelé e Coutinho, depois Pelé e Toninho, o Santos de até o título dividido (injustamente) com a Portuguesa de Desportos em 1973, nos pênaltis mal contados pelo árbitro Armando Marques. Ali era o Santos de Pelé e Edu.

Quem nunca foi Santos, um dia gostou de ter sido. No meu caso, no filme Pelé Eterno, mais que uma sentença histórica e perfeita sobre a obviedade de um jogador inigualável, o álbum em movimento de um time espetacular.


O Vasco sofreu muito. Problema não. O Corinthians apanhou muito mais, com requintes de sadismo. O Flamengo chegou a tomar de 8×1 em pleno Maracanã. Em 1958, num sinal extraterreno, Pelé fez 58 gols no Campeonato Paulista.

O Santos cedeu jogadores simbólicos para o tricampeonato mundial do Brasil. Pelé 1958, Pelé 1962 (show interrompido), Pelé 1970 (ingresso à mitologia). Zito, o termômetro discreto e eficiente do bicampeonato.


Mauro, capitão na classe e no grito. Mengálvio, em pleno auge, o reserva conformado de Didi. Carlos Alberto e Clodoaldo, emblemáticos na final contra a Itália em 1970, até os sombreros mexicanos pedindo autógrafos no Estádio Azteca.

Aquele Santos está acima do racional, do lógico. Suas camisas brancas assombraram e maravilharam o mundo, pararam guerras, expulsaram juízes. O Santos, tão singular, se alguém pesquisar, vem do Primeiro Testamento.

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