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Pelada

OS MEXICANOS

por Sergio Pugliese

Brasileiros infiltrados na seleção mexicana desafiam Romário, Edmundo e Djalminha


O verbo inteirar é um velho conhecido dos peladeiros. E para a bola rolar, vale tudo! Quem nunca inteirou uma pelada com o cara do bar, com o churrasqueiro e até mesmo com o árbitro? Tudo bem, está valendo, mas o preparador físico Luiz Otávio abusou na ousadia. Em 2010, a seleção mexicana de Showbol foi convidada para um amistoso, no Maracanãzinho, contra o esquadrão brasileiro, com Romário, Edmundo, Djalminha & Cia. Casa cheia, transmissão de tevês, patrocinadores, imprensa em peso. Imperdível! Mas em cima da hora, dois jogadores mexicanos, Morales e Sol, tiveram problemas com o visto e apenas seis atletas viajaram. Como no Showbol são cinco na linha e alguns craques já tinham a idade avançada convinha ter pelo menos dois reservas.

— Foi aí que o Luiz Otávio teve a sacada de mestre e convocou dois brasileiros, eu e o Bacana — brincou Sergio Amato, o Morales.

O preparador físico Luiz Otávio há anos trabalha no México, mas tem uma legião de amigos no Brasil. Dois dias antes da partida precisava de dois “quebra-galhos”, desconhecidos e bons de bola, então ligou para Sergio Amato e Ricardo Baptista, o Bacana, dois cracaços. De cara, perguntou se a dupla admirava o futebol de Romário, Edmundo e Djalminha. Claro, a resposta foi sim. Depois, quis saber se já haviam jogado no Maracanãzinho. Não, de resposta. E por fim, largou a isca.

— Ele escalou o time comigo, Romário e outras estrelas. Não pensei duas vezes — lembrou o modelo Bacana.

À noite, na véspera, tudo acertado, Luiz Otávio abriu o jogo e determinou as regras. A primeira, os dois estavam proibidos de abrir a boca, pois a imprensa e os adversários não podiam saber da existência dos infiltrados. Segunda, eles só entrariam em casos extremos, pois a Fox mexicana transmitiria o amistoso e os torcedores não entenderiam nada, sem falar nos verdadeiros Morales e Sol. Tudo acertado, Bacana e Sergio “Fenômeno”, como é conhecido no futsal do Fluminense, acordaram cedo e foram para o hotel em Copacabana, onde a delegação estava concentrada.

— No vestiário, recebi a 10, de Sol. Que responsabilidade! — divertiu-se bacana.

O zagueiro Ricardo Rocha, um dos organizadores do Showbol, cumprimentou um por um e os dois apenas balançaram a cabeça. Num cantinho, Sergio “Fenômeno” ligou para a mulher Regina e os filhos Serginho e Hugo avisando sobre a transmissão. Também não esqueceu dos amigos da pelada, entre eles um repórter do Sportv, que na mesma hora ligou para o cinegrafista escalado pedindo “uma moral” nas imagens da dupla.

— Aparecemos mais do que os mexicanos — gabou-se Sergio “Fenômeno”.

No momento da apresentação dos jogadores, um mico. Quando o locutor chamou Morales, Sergio “Fenômeno” continuou imóvel e precisou Bacana falar “vaiiii, é você!!!”. Tudo discretamente. Depois, do banco de reservas, os dois babavam com o show do baixinho Romário, que distribuía ovinhos e dribles variados. No finzinho do primeiro tempo, Cabreras e Terrazas estavam exaustos e “Sol” e “Morales” foram acionados. O coração disparou e Luiz Otávio reforçou: “calados!!!”. Mas não deu. “Morales” discordou da marcação de um pênalti e partiu para cima do árbitro Oscar Roberto Godói falando cobras e lagartos em português.

— Ele não entendeu nada e me distanciei quando percebi a bobagem que havia feito — contou ele, que trabalha com tecnologia da informação, na UERJ.

Para piorar, na hora de bater o pênalti, “Sol” aproximou-se de Romário, rogou uma praga em português e entregou a nacionalidade, mas pediu: “não espalha…” . O baixinho riu, marcou mais um gol e a partida terminou em 9 x 6 para o Brasil. Na saída, crianças cercaram os craques e pediram as camisas autografadas. “La camisa no se puede, mas fotita, si”, dizia “Morales”. “Sol” distribuía autógrafos e Luiz Otávio empurrava os dois deslumbrados para longe do tumulto, principalmente dos jornalistas mexicanos.

— O mundo nos viu! — exagerou Bacana.

No fim de semana seguinte, Morales, que dizer Sergio “Fenômeno”, foi a Praia do Leme com a mulher. Na Barraca da Axé, alugou barraca, cadeiras e recebeu o número 171. Regina riu, imaginou a fama do maridão rompendo fronteiras. O infiltrado argumentou, blá, blá, blá, sugeriu a troca do número, mas a amada o arrastou pelo braço e disparou: “vem logo, Morales!”.

 

SANDRO GOLEADOR

por PC Guimarães


“Numa partida de futebol soçaite, no clube dos 30, o jornalista Armando Nogueira não dava a bola para ninguém, insistindo em dribles seguidos. E tanto driblou que acabou advertido por Garrincha, um dos participantes do jogo:

– Para de driblar, Armando!

– Logo você reclamando de quem dribla? – protestou o jornalista.

– Mas eu sei, né? retrucou Mané ainda na bronca. ” Sandro Moreyra)

 

A história abaixo foi contada pelo saudoso jornalista Villas-Boas Corrêa no Jornal do Brasil um dia após a morte de Sandro Moreyra e está reproduzida no livro “Sandro Moreyra – Um autor à procura de um personagem”. Era sobre um amigo de Sandro, “fanático por futebol, pelo espetáculo e pelo esporte”, que equipou o seu sítio em Correias, na serra do Rio, com “um campo cuidado, gramado impecável, refletores, vestiários.” Até que…

“O time da casa, treinando e jogando todo fim de semana, ganhou conjunto e fama, emplacando invencibilidade de mais de ano. Sandro Moreyra lá esteve para assistir a um dos jogos domingueiros contra time de fora. Aplaudiu a vitória, elogiou tudo mas, diante da invocação da invencibilidade, insinuou a provocação:


–  Tenho um time de amigos que ganha do de vocês.

Logo se acertou o desafio para o domingo seguinte, com apostas e feijoada.

“No outro domingo, época de férias dos jogadores, Sandro comparecia com o time dos amigos. Campo pequeno, time de cinco: goleiro, um zagueiro e três no ataque. A escalação do time de Sandro começava com Manga no gol, Nílton Santos de zagueiro e, na linha, Garrincha, Zizinho e o próprio Sandro, craque de praia e de peladas. Surpresa, tímidos protestos, Sandro justificando-se de que o time era exatamente formado por seus amigos. Com meia hora, o invicto amargava uma goleada de 13 a 0. Sandro, servido pelos amigos, foi o goleador.

A feijoada começou mais cedo.”


Se Sandro Moreyra estava mesmo com essa bola toda não ficou ninguém pra contar. Seu irmão João Paulo, poucos meses antes de morrer, me contou apenas que Sandro era atacante e ele era beque. Mas poucas vezes se cruzaram em campo. A julgar pelas fotos de Sandro com um companheiro não identificado no time do Ipase e na formação clássica no time de praia com os então jovens amigos João Saldanha e Sérgio Porto, até que levava pinta. O que ficou como sempre foram suas histórias. Logo cedo pendurou as chuteiras e trocou o calção pela sunga. Sua praia acabou sendo outra. A que sempre o manteve bronzeado durante os 365 dias do ano e as redações onde no início ia pouco e com o tempo se transformaram no seu lugar de fazer e de lazer.

Seus dois maiores gols que ficaram para a história foram suas duas filhas, Eugênia e Sandra, por quem era apaixonado. Muito mais do que pelo próprio Botafogo.

DA JANELA DO HOTEL NOVO MUNDO, PELÉ SE DELICIAVA COM PELADAS NO ATERRO

por André Felipe de Lima


(Foto: Reprodução)

Em outubro de 1969, o Brasil vivia a ansiedade por estar a meses do começo da Copa do Mundo, para a qual a seleção brasileira, ainda sob o comando do João Saldanha, preparava-se exaustivamente. Paralelamente a essa expectativa pelo “tri”, o carioca experimentava a deliciosa mobilização em torno do campeonato de pelada promovido pelo Jornal dos Sports. O Rio era uma festa. Ou melhor, o Aterro do Flamengo. Pelé, uma das “feras” do João “Sem medo”, também mostrava empolgação com o torneio de peladeiros e chegou a confessar ao repórter do saudoso JS a paixão pela pelada.

No dia 12 de julho, aniversário da eleição de Pelé como “Atleta do Século”, publicamos uma recordação bacana do maior camisa 10 de todos os tempos. Uma lembrança da época em que jogou peladas em Bauru e de quando se deliciava com as improvisadas peladas do Aterro bem antes de o JS institucionalizá-las. Com a palavra, o Rei:

“Quando o Santos se hospedou no Hotel Novo Mundo (no Flamengo) eu tive oportunidade de olhar da janela do apartamento algumas peladas jogadas no Parque do Flamengo. Mas eram peladas improvisadas na hora, alguns sem camisas, outros de camisetas, uns de camisas de clubes. Alguns usavam calções, mas outros arregaçavam as calças e entravam de qualquer maneira. Havia até quem entrasse de sapato e tudo. A fome de bola falava alto. A pelada é um negócio muito bacana. Às vezes me dá saudade daquele tempo que jogava nas ruas de Bauru, depois de tirar os costumeiros par ou ímpar para escolher o time (…) Não me lembro bem, mas tinha sete ou oito anos quando jogava no Sete de Setembro, um time infantil da rua Sete de Setembro, esquina da rua Rubens Arruda, em Bauru. Nas peladas, jogavam até 15 ou 16 de cada lado. Joguei também no Radium, atrás do campo do Noroeste, e só não disputei campeonato por este clube porque não tinha chuteira. Só mais tarde é que ganhei uma, com um bico de ferro na frente (…) Lá em Santos tem também um campeonato de pelada, na areia, que às vezes a TV transmite. Alguns jogos são muito bons.”

 

O BABA DO CHICO


No dia do aniversário de Chico Buarque, nada mais justo do que homenagearmos àquela que talvez seja a mais mítica pelada do Brasil, a do Politheama, time do artista, que há anos é jogada no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio de Janeiro.

De tão famosa que é, a pelada virou um lindo samba composto por Jerônimo Jardim e Paulinho Tapajós. A letra de “Campo do Chico (O Baba do Chico)” faz referência a toda atmosfera mágica que paira sobre as peladas de Chico e sua turma de feras.

Parabéns, Chico!! Que você possa jogar pelada por muitos anos ainda!!

DENTE DE LEITE

por Serginho5Bocas


A pelada estava pegando fogo literalmente, pois se dentro das “quatro linhas” e dois pares de chinelos no meio da rua, o bicho tava pegando entre os jogadores, fora dela, o calor era insuportável, com certeza mais de quarenta graus! Todos descalços, pés pequenos, mas protegidos por uma “capa” negra, produto forjado por milhares de horas jogadas sob sol escaldante e sobre uma superfície asfáltica pra lá de hostil, frente àquela molecada que se divertia, brincando de jogar bola.

Bola rolando de pé em pé, toque de prima, de letra, caneta, lençol, fintas e dribles acompanhados de sons de deslumbre da galera do time de fora, eis que após se livrar de um beque com um jogo de corpo, ficar de frente pro gol e preparar para o golpe fatal, repetido diversas vezes, igual comer uma goiaba roubada do pé, o nosso atacante, canhotinho e serelepe se desconcentra, e…

– Sééééééééééérgiooooooooo… vem almoçar, moleque – era o grito inconfundível da mãe do 5Bocas, chamando para comer!

Aquele deveria ser o quinto ou sexto e isso já gerava um prenúncio liquido e certo de que o próximo chamado seria de cocheira, ou se preferir no “ouvidinho”, com um cinto e fivela na mão e força nos braços para arranca-lo da pelada! Melhor ir embora logo, afinal, prudência e canja de galinha não faz mal a ninguém. 


O segundo da direita para a esquerda, Serginho5Bocas passou a infãncia jogando bola na rua com os amigos

Mas o que é dente de leite?

Era a bola e personagem principal de quase todas as nossas historias daquele maravilhoso intervalo de nossas vidas.

Nos sonhos dos meninos, que não tinham dinheiro para comprar uma bola oficial G-32 naquela longínqua década de 70, a companheira de borracha, bem menos pesada, era a solução possível e mais adequada para aquele período de escassez de recursos financeiros. Nossos pais agradeciam.

Pelada de rua, um monte de moleques com os pés descalços, dribles imitando os craques da seleção, jogadas de três dedos, passes de efeito, defesas milagrosas, enfim, um tesão do “karaiu”, imitando o que se ouvia dos trepidantes do rádio, já que jogo na TV era igual bolinho de bacalhau ou rabanada, só uma vez por ano e olhe lá.

Hoje, se pergunta a uma criança o que é dente de leite, com certeza não saberá a resposta certa! Talvez pense que são aqueles 20 dentinhos branquíssimos que depois serão substituídos por 32 de um adulto saudável.

Se a mesma pergunta fosse feita para um adulto peladeiro com mais de 45 anos, a resposta seria outra, completamente diferente. A resposta viria carregada de emoção e ele com certeza te diria que essa ou esse dente já foi muita coisa em sua vida e pode acreditar que é verdade

A “dente de leite” famosa era a bola branca, com “gomos” pretos pintados, toda de borracha, fabricada pela estrela, que tinha em sua superfície o desenho de um moleque chutando uma bola igualzinho a nós, era o suprassumo das peladas.


Naquela época não era fácil comprar uma bola “oficial”, então a saída para os pais era adquirir a genérica de borracha, mais leve, sem gomos, mas cheia de charme e com um nome pomposo.

Pessoalmente, tive muitas historias com essa bola. Tive sorte porque eu era (e ainda sou) louco por uma pelada e a bola dormia na minha casa. Minha mãe era a única da rua que aceitava ser a guardadora da “criança”. Uma bola dente de leite furada, que por esse motivo, ficou mais pesadinha e lembrava muito uma bola de futebol de salão, o nome antigo do futsal de hoje.


Como a bola ficava comigo, aproveitava e, sem saber o quanto me ajudava, treinava muito sozinho. Chutes contra a parede, embaixadinhas, chutes de efeito, de chapa, de peito de pé e aquela pratica constante com certeza me dava uma vantagem competitiva em relação aos outros colegas. Além de todo este treinamento empírico, também dormia com ela, literalmente, jogava sozinho na sala e os pés das cadeiras faziam as vezes das balizas, mas essa constância me trouxe uma marca indelével também.

Chutávamos a bola descalços numa rua de paralelepípedos durante horas e essa era a nossa rotina, impensável ficar de fora. Já ia pra escola pensando na volta e invariavelmente tinha o tampão do dedo arrancado, mas dava meu jeito de não ficar de fora do jogo! Botava um curativo e chutava com a outra perna, e foi numa dessas que fiquei pra sempre batendo com a perna esquerda e por isso sou canhoto no pé, acredite se quiser.

Hoje é bacana ver os malabarismos que aquela galera do “Freestyle” faz com a bola. No século XXI é comum o cara fazer “graça” com a bola enquanto uma câmera o filma pra postar na web, nos canais, nas redes sociais e aí o caminho natural é viralizar, curtiu?

O engraçado é que, naquele tempo, os valores eram um pouco diferentes para os peladeiros. Desdenhavam de quem era muito bom no controle de bola, costumavam dizer que o cara que fazia muita palhaçada com a redonda, geralmente não jogava nada quando o jogo era a vera. Mito ou verdade, ninguém queria comprovar na pratica e aí o único “luxo” que a gente se permitia era disputar a vaga na “linha de passes”, no “um toque” ou no “bobinho” pelo maior número de embaixadinhas que alguém fosse capaz de fazer e olhe lá.

Ô tempo bão, dos pés descalços, da rua de paralelepípedo, do gol feito de chinelos e de uma bola dente de leite novinha de presente de natal que assim que recebida e o saco de plástico era rasgado, ia quicando pra rua sorrindo de encontro aos nossos pés, para a gente chamá-la de “você” com muito carinho, como num passe de mágica…

Quantas saudades! E você?

Um forte abraço!