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Leandro Ginane

CONFLITO DE GERAÇÕES

por Leandro Ginane

No final da Copa do Mundo de 94, quando Brasil e Itália estavam enfileirados prestes a entrar em campo, há uma cena em que o camisa onze da seleção brasileira, o baixinho Romário, é filmado em primeiro plano com a fisionomia séria e determinada de quem seria tetra campeão mundial, enquanto era observado ao fundo por um Roberto Baggio agitado e que em certo momento cruza os braços como se estivesse intimidado com a presença daquele gigante da pequena área.

Foi uma cena marcante, daquela que seria uma das Copas mais emocionantes para o povo brasileiro, pois há apenas dois meses o Brasil havia perdido um dos maiores ídolos da sua história, o lendário Ayrton Senna. A perda deste grande ídolo e o fato de estar vinte e quatro anos sem vencer uma Copa do Mundo, trouxe um clima ainda mais especial para aquela final. Mas nada parecia abalar o marrento camisa onze brasileiro, que mantinha seu olhar no horizonte sob a atenção do adversário, que parecia pressentir o destino final daquele jogo.


Vinte e quatro anos depois, na Copa do Mundo da Russia, a grande esperança brasileira é o camisa dez Neymar. Apenas dois anos a menos do que o Romário em 1994, Neymar carrega a responsabilidade de ser o craque que levará a seleção brasileira ao seu sexto título.
No entanto, ao soar o apito final do segundo jogo da Copa do Mundo da Rússia, selando a vitória brasileira sobre a fraca Costa Rica por dois a zero, a principal aposta da seleção brasileira desabou. Inconsolável, sentou no gramado e aos prantos foi abraçado por companheiros e adversários. Uma cena até certo ponto triste, de quem ainda parece despreparado e imaturo, e sente o peso de carregar a responsabilidade de ser a grande estrela da seleção.


Não é a primeira vez que um jogador brasileiro tem este comportamento. Em 2014, foi a vez do zagueiro capitão do time ter a mesma reação ao final de uma disputa de pênaltis nas oitavas de final da Copa do Mundo, onde o Brasil saiu vencedor. Estes episódios mostram o quanto é necessário uma reflexão mais profunda sobre o que mudou entre essas gerações de craques.

Naturalmente, há entre elas diferenças que vão além das quatro linhas. Mas há uma questão central que certamente aumenta as nuances dessas diferenças, trata-se da elitização do futebol brasileiro e como consequência o afastamento do povo dos estádios de futebol. Neymar é um astro do entretenimento e Romário, era um jogador de futebol.


Todas as ações do atual camisa dez da seleção possuem interesses financeiros intrínsecos e parece que não há mais improviso, a fuga da concentração, o futevôlei na praia.

A nova geração de jogadores é blindada por assessores e quando a vida real cobra seu preço, eles não suportam a realidade e desabam. Romário era real e Neymar pode se tornar uma vítima vulnerável de um show midiático. Não surpreenderá se o craque da camisa 10 tomar o segundo cartão amarelo no próximo jogo e não participar das oitavas de final da Copa da Rússia, como fez o zagueiro capitão há quatro anos atrás.

 

DESPEDIDA

por Leandro Ginane


A bola estava prestes a rolar e, com os olhos fixos no campo, o menino sentia a pulsação do seu coração subindo pela garganta. Estava ansioso para entrar no campo de terra batida, em São Gonçalo.

O juiz apitou, a bola rolou e aquele menino de sorriso largo jogou como se fosse a última vez. Depois daquele jogo, sua vida mudaria. Assinou contrato com apenas dez anos com o clube de coração. Saiu de São Gonçalo. Foi para a Gávea. Saiu da arquibancada e foi para o campo. Estava no lugar que sempre sonhou.

Sua ascensão foi meteórica. Conquistou as crianças e os velhos. Vestiu a amarelinha, ganhou tudo que disputou e seis anos depois assinou contrato com um grande clube na Europa. Viveu cada segundo intensamente, jogando por amor. Se despediu como ídolo no maior palco do mundo, diante da Maior Torcida do Mundo que o acolheu desde a chegada e gritava seu nome.


O sorriso largo deu lugar às lágrimas e com ele desabou a Nação. Sua vontade era ficar. Com apenas dezessete anos vai desbravar o mundo, sem a dança do passinho e o rubro-negro que o consagrou.

Boa sorte, Vinícius! A Nação estará aqui torcendo e esperando sua volta.

MARACA E FLAMENGO: TRADIÇÃO DE PAI PARA FILHO

por Leandro Ginane


Nasci em 1970 na Pavuna, bairro pobre do Rio de Janeiro. Já com oito anos pude presenciar, nos ombros do meu pai Juca, um dos momentos mais emocionantes da minha vida. Eram 41 minutos do segundo tempo, Zico bateu o escanteio e Rondinelli fez de cabeça o gol que fez do Flamengo campeão carioca e criou uma das maiores escritas do futebol. O Flamengo vencendo o Vasco em finais.

Cresci tendo o Maracanã como a minha maior diversão. Aos domingos, em dia de jogo e céu azul com pipas colorindo, o clima da partida já rondava meu bairro desde cedo. O papo nos bares e nas esquinas era o grande clássico que aconteceria logo mais no Maraca. Acordava cedo, ansioso colocava o manto sagrado e esperava o momento do meu pai nos levar ao estádio de trem. O caminho até lá era uma farra. Trem abarrotado, alegria que poucas vezes via meu pai sentir.

Ele levava toda a molecada da região. Eram nove moleques, eu, meu pai e seu amigo Bororó. A ansiedade me consumia a cada estação que passava. A tradição de levar os filhos ao templo sagrado do futebol na Pavuna passava de pai para filho. As histórias do Maraca se disseminavam no bairro como se o Estádio batizado de Mario Filho tivesse vida. Muitos vizinhos mais velhos presenciaram a final da Copa de 1950, outros tantos estavam no jogo do Brasil contra o Uruguai nas Eliminatórias para a Copa de 1994, as histórias que ouvia só aumentavam o meu fascínio pelo Maior Estádio do Mundo.


E talvez por isso, cresci com aquele sonho tradicional de todos que gostam de futebol aqui na área: ter um filho homem para poder leva-lo ao Maracanã. Casei com 21 anos e quando tinha 22, ele nasceu. Seu nome: Arthur. Em homenagem ao maior jogador que vi jogar, o Zico.

Já com dois anos, levei Arthur e meu pai Juca – agora era eu quem o levava – para ver a final do Campeonato Brasileiro de 1992. Flamengo e Botafogo. Primeiro jogo, com mais de cem mil pessoas o Fla venceu por 3 a 0 em um jogo inesquecível de Leovegildo Lins Gama Junior, nosso Maestro.

No segundo jogo, com mais de cento e vinte mil pessoas, minutos antes de o jogo começar parte da arquibancada cedeu a alguns torcedores caíram da arquibancada. Um helicóptero desceu no gramado para resgatar vítimas. Três pessoas morreram, entre elas um amigo de infância. Em um gesto de companheirismo, torcedores amarraram uma faixa de tecido para servir como proteção para os torcedores que ficaram naquela parte da arquibancada. Arthur e o velho Juca se assustaram e queriam sair do estádio. Nós estávamos ao lado do que aconteceu e vimos tudo de perto. Mas apesar do clima de tensão, consegui acalmá-los e continuamos no estádio. Logo em seguida, o Mais Querido entrou em campo e a festa começou.

Mesmo com o que havia acontecido, a Nação mostrou sua força e não parou de cantar o jogo todo. Poucas vezes vi algo parecido no estádio e creio que tenha sido em homenagem aos que caíram e não puderam ver o jogo. Essa energia da arquibancada parece ter sido um incentivo a mais para o Flamengo em campo, que naquele dia com poucos minutos do segundo tempo já aplicava 2 a 0 no Botafogo. Final de jogo: 2 a 2. Festa na favela. Flamengo Pentacampeão Brasileiro. Arthur com dois anos conhecera a Nação e o que nós éramos capazes de fazer nas arquibancadas, cadeiras e geral do Maracanã.

De lá pra cá, a cada reforma que o Maraca passava, ficávamos eu, meu filho e meu querido pai, já com oitenta anos, apreensivos com a data da reabertura do estádio para que voltássemos à nossa maior diversão. A nossa segunda casa.

Mas a cada volta ao estádio, mais eu ficava assustado com o que via. Menos lugares, ingressos limitados e muita violência. Porém nada foi igual ao que aconteceu na última reforma que o Maracanã passou. A transformação em arena para a Copa do Mundo no Brasil fez o Maracanã sucumbir junto com sua colossal marquise de cimento. O que fizeram com o estádio foi um golpe fatal em todos nós que crescemos ouvindo a mística do templo sagrado do futebol.

Desde então, Arthur e eu não conseguimos mais ir aos jogos do Flamengo. Ele, hoje com vinte e quatro anos, e eu, com quarenta e quatro, não conseguimos mais acompanhar nosso time como sempre fizemos desde que ele nascera. De certa forma, fico feliz que o velho Juca não esteja mais entre nós para ver o que fizeram com o seu Maraca e com o nosso Flamengo, o time do povo, da favela, que em dia de jogo inundava as ruas do Rio de Janeiro e as arquibancadas. Tenho receio pelo que pode acontecer com a identidade do nosso Flamengo. Rico nos cofres e pobre nas arquibancadas.

Espero que a tradição se mantenha viva e que junto com Arthur e meu neto Júnior, possamos desfrutar de mais um domingo de festa com a Nação. SRN.

Tomás (Nome que o velho Juca me deu em homenagem ao Zizinho).