Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Geral

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA RENATO PÉ MURCHO


Nas peladas no campo do Buenópolis Futebol Clube ou na rua ao lado da Paróquia Imaculada Conceição de Morungaba, era comum o pequeno Nato fechar os olhos, e em seu imaginário, ouvir o locutor Fiori Gigliotti (1928-2006), da Rádio Bandeirantes, narrar um gol seu.

Carlos Renato Frederico nasceu na cidade de Morungaba, região metropolitana de Campinas, situada sopé da Serra das Cabras. Era um adolescente de 16 anos que amava Os The Beatles e o Palmeiras, clube de coração em que tentou a sorte nas peneiras. Aprovado na Academia, desistiu em virtude da distância e esforço do seu pai, José Frederico, falecido em 2018, que sempre o acompanhava nos treinos perto da Rodovia Anhanguera. Mas foi a 26 quilometros da pacada Morungaba que Renato, em Campinas, que Renato chegou ao futebol profissional. Chegou ao Estádio Brinco de Ouro da Princesa em outubro de 1974. Passados 11 meses, Renato vestiu a camisa verde, não do Palmeiras, mas do Bugre, pela primeira vez.

Mas, se a primeira vez é inesquecível, o que dizer do primeiro (e único) título brasileiro conquistado três anos depois, em 1978, ao lado de Neneca, Mauro, Gomes, Édson e Miranda; Capitão, Zenon; Careca e Bozó? Era um time que jogava por música, e Renato, com a camisa 8, ao lado de Zenon, ambos eram os responsáveis pela jogadas de criação. No time dirigido por Carlos Alberto Silva, Renato não acanhou-se por causa da pouca idade e foi o terceiro jogador a mais fazer gols naquela campanha memorável do título do Guarani.

Inteligente e com uma visão de jogo privilegiada, Renato unia elegância à incansabilidade dentro de campo, pilares de sustentação para ir longe na carreira e poder assim chegar à seleção brasileira. Seus dribles insinuantes e seus passes certeiros, levavam artilheiros a consagração. Foi assim com Careca no Guarani, e dois anos depois, com Serginho Chulapa quando o centroavante detonou o Santos após aproveitar o passe do ‘Pé Murcho’.

Mesmo com motivos de sobra para ser o camisa 10 de Telê Santana (1931-2006), foi à Copa do Mundo de 1982, na Espanha, como síntese de um grande jogador. Qualidades para jogar aquela Copa do Mundo na terra de Salvador Dali (1904-1989) e Pablo Picasso (1881-1973), gênios da pintura, ele tinha à sua frente, nada mais, nada menos que Zico, seu companheiro de quarto no Hotel Parador de Carmona, na capital da Andaluzía. Sócrates era outro jogador que Renato tinha companhia nas resenhas mais particulares na concentração.


E Renato, o menino que fechava os olhos nas peladas, pode enfim, realizar algo muito maior que seu sonho de menino que era escutar no rádio o conceituado locutor esportivo Gigliotti narrar seus gols com seu bordão marcante: “é gol, é gol, é gol! Goooooooooool, Renato, o moooooooço de Morungaba”.

O Vozes da Bola desta semana é com aquele apelidado por Juninho Fonseca como ‘Pé Murcho’, mas que nos momentos decisivos, não murchava. Renato jogou também no Japão defendendo as cores do Yokohama Marinos e Kashiwa Reisol. No Brasil, destacou-se no Guarani, São Paulo e Atlético-MG. No Rio de Janeiro, vestiu a camisa do Botafogo em 1985 e fez parte de um time que arrastava um jejum longo sem títulos que teria um fim em 1989. Jogou na Ponte Preta e Taubaté. Na seleção brasileira, esteve presente entre 1979 e 1987.

Por Marcos Vinicius Cabral

Edição: Fabio Lacerda

Você é um ex-jogador que não teve a base ou os fundamentos aperfeiçoados no futsal, e aos 16 anos, foi treinar no seu time de coração. Como foi a experiência e o motivo, se é que existe, do não aproveitamento?

Joguei algumas partidas de futebol de salão, mas no fundo sempre gostei mesmo era jogar futebol de campo. Mas essa história da dispensa não procede. Na verdade, eu nunca fui dispensado do Palmeiras. Eu treinava às terças e quintas, levado por meu pai. Treinava, mas não tive oportunidade nos três meses que estive neste processo. Nem amistosos eu era aproveitado. Surgiu a oportunidade de fazer um teste no Guarani. Foi convidado pelo senhor Adaílton Ladeira e não pensei duas vezes. Fui para Campinas, mostrei meu futebol e fui aprovado. Graças a Deus, eu não tive essa decepção da dispensa.

Em 1978, sob o comando de Carlos Alberto Silva, e ao lado de Zé Carlos e Zenon, você era peça de um meio de campo de respeito mesmo tão jovem. Quais as melhores recordações de ser campeão brasileiro por um time fora da capital?

Falar daquela equipe de 1978 é muito gostoso. Tive a honra de jogar com Zé Carlos e Zenon e acho que tivemos um bom desempenho que acabou ajudando o Guarani a conquistar grandes vitórias. Claro, que o Careca foi importante também, mas essa façanha de conquistar um título importante, como era o Campeonato Brasileiro, ajudou profissionalmente a todos daquele grupo. Eu acho que todos tiveram a oportunidade de sair e fazer sua vida no futebol. Ser um time do interior e conquistar como a gente conquistou me dá um orgulho imenso, cara! Eu fui o único jogador daquele timaço que jogou todas as partidas e isso eu guardo com muito carinho no meu coração.


No primeiro semestre de 1980, você chegou ao Morumbi e viveu sua melhor fase na carreira ganhando um Brasileiro e um bicampeonato paulista que o credenciaram a fazer parte do elenco da Copa do Mundo de 1982 e jogar a Copa América no ano seguinte como titular. Mesmo no auge você saiu do São Paulo e veio para o Botafogo? Qual o mistério desta saída mesmo estando em alta no São Paulo?

O São Paulo Futebol Clube teve um momento importante na minha vida profissional. Já era um jogador amadurecido e comecei a fazer partidas boas. Não demorou muito para ser convocado novamente por Telê Santana para as Eliminatórias. No fundo, a saída do São Paulo para o Botafogo foi devido ao Cilinho tentar fazer uma reformulação naquele grupo no final de 1984. E eu fui um dos escolhidos. Mas demonstrei dentro do campo que eu tinha condições, sim, de permanecer no time e até como titular com ele. Mas o tempo foi passando e quando me apresentei no começo de 1985, o Cilinho me colocou para treinar, em separado, e isso é até bom contar para que os torcedores do São Paulo saibam. Insatisfeito, fui ao presidente do clube e perguntei se ele poderia me emprestar para o Corinthians, Santos ou Palmeiras, mas sua resposta foi um sonoro não. Foi nesse período que chegou o Botafogo, me ofereceu uma condição boa, o time possuia excelentes jogadores em seu plantel. Chegar ao Rio de Janeiro, em 1985, jogar em um grande time e tentar ir à Copa do Mundo de 86 era o meu objetivo. Mas infelizmente não foi bom para mim.

Revelação e decisivo no Guarani, ídolo e decisivo no São Paulo e grande articulador e quase decisivo no Atlético Mineiro, e reserva de luxo de Zico na Copa do Mundo de 1982. Você havia chegado à Espanha com dois títulos brasileiros. Deu água na boca estar no grupo, mas não ter jogado nenhuma das partidas?

Eu me preparei tecnicamente e fisicamente para quando surgisse a oportunidade em ficar no banco de reservas, tivesse alguma oportunidade de jogar um pouco a Copa do Mundo. Eu sei que o nível era muito alto com jogadores do meio de campo da seleção de 1982, como Toninho Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico. E por coincidência, eu fui companheiro de quarto na primeira fase em Sevilha, com o Zico. Lembro que depois do segundo jogo contra a Escócia, eu perguntei para o Zico se ele poderia me deixar jogar uns 10 minutos eu entrar um pouco em um jogo daquela Copa do Mundo. A resposta dele foi que ele não ia pedir para sair em nenhum jogo pois o seu objetivo era ser artilheiro da Copa e campeão do mundo. Foi então que caiu a ficha e eu fiquei sabendo que dificilmente eu jogaria, pois era reserva dele. Mas todos ali tinham em mente ser campeões e tinham também objetivos pessoais. Não culpo o Zico por isso, até porque, eu era seu reserva e só poderia entrar em seu lugar caso o treinador optasse. Mas que eu queria estar em campo naquela Copa do Mundo, eu queria (risos).


Na Copa, seus companheiros de quartos foram Zico e Sócrates. Como foi a convivência? Pode nos contar alguma história?

História eu não lembro. Na primeira fase, ficamos na cidade de Sevilla e fiquei no quarto com o Zico, um cara sensacional e um grande jogador, um dos melhores que vi. Depois, na segunda fase, em Barcelona, fiquei com o Sócrates. Lembro que os quartos do hotel eram grandes e havia uma antessala, onde, às vezes, o “Magrão” se reunia com o Pedrinho, Juninho e a galera que gostava de jogar um baralho e conversar. Eu participei algumas vezes e sempre quieto, gostava de dormir cedo. Não era muito de ficar junto com ele. Mas o Sócrates foi uma pessoa muito inteligente, cracaço de bola, era nosso capitão e a gente tinha por ele um enorme carinho e respeito.

Há uma história que diz que o ‘Pé Murcho’, foi um apelido dado por Sócrates e não por Juninho Fonseca, como muitos dizem. Embora o apelido não lhe agradasse, você reconheceu a deficiência. Foi então que passou a treinar finalizações?

Tenho que defender o Sócrates nessa, pois quem me deu esse apelido foi o Juninho Fonseca. O motivo? Até hoje não sei. Talvez seja pela rivalidade entre Guarani e Ponte Preta, mas acho que foi uma brincadeira. Mas a revista Placar fez uma matéria com os apelidos de todos os 22 jogadores do Brasil na Copa do Mundo e eu não tinha apelido nenhum. Aí, o Juninho resolveu me apelidar. Mas o negócio foi pegando porque eu era um jogador que fazia poucos gols de fora da área e eu comecei a trabalhar mais finalizações. Mas esse ‘Pé Murcho’ em alguns momentos me atrapalhou na carreira, pois não é fácil ser jogador de futebol com um apelido desses. Mas graças a Deus melhorei muito na época do São Paulo, e hoje, quando alguém me chama de ‘Pé Murcho’, aceito numa boa.

Voltando à Seleção de 82, na sua opinião, o Brasil não ganhou aquela Copa do Mundo por quê?

O Brasil não ganhou aquela Copa do Mundo porque errou três vezes e isso é crucial numa competição de tiro curto. Vale frisar que antes de assistir pela segunda vez a partida contra a Itália, eu sempre falava que havia sido uma fatalidade do futebol, mas analisando friamente, não foi. O Brasil não chegou às semifinais porque no jogo contra os italianos a nossa seleção errou três vezes que originaram os gols. E isso foi fundamental para que o Brasil perdesse aquele jogo. A Itália fez 1 a 0 e o Brasil foi lá e empatou com um gol do Sócrates, em uma linda jogada do Zico. Tomou o segundo, depois de um erro do Cerezo, e em seguida, empatou também, em uma linda jogada de ultrapassagem do Cerezo que levou a marcação de três italianos e o Falcão teve o gol para bater bem na bola e fazer o 2 a 2. E no terceiro gol deles houve erro também, pois todos os jogadores do Brasil estavam dentro da área, o que era coisa rara até então. Foram esses os erros que acabaram sendo fatais para que o Brasil fosse desclassificado na Copa do Mundo de 1982.


E falando em Botafogo-RJ, por que não deu certo?

Eu tinha certeza que na minha chegada ao Botafogo a gente ia fazer uma boa campanha na Campeonato Brasileiro e conquistar o Carioca. No primeiro trimestre as coisas funcionaram bem, estrutura de clube grande, como era no Guarani e São Paulo, mas depois disso o negócio ficou esquisito. Comecei a perceber graves sinais de uma total crise financeira no clube. Os treinamentos Marechal Hermes num total abandono, uma inadequada estrutura nos juniores, uma relação conflituosa no elenco com sintomas evidentes de desunião dos jogadores e essa experiência me abalou bastante. Acabei desfocando minha parte física e técnica e isso me prejudicou no Botafogo. Era 1985, o Telê (Santana) começou a convocar para as eliminatórias e nesse período que não pude ser o Renato de antes acabei não sendo aproveitado. Tanto que eu fiquei no Botafogo um ano apenas e cheguei, em janeiro de 1986, ao Atlético Mineiro.

Seu renascimento começou a partir de 1986, negociado com o Atlético Mineiro, onde conquistou três títulos estaduais. Como foi jogar no Galo?

A minha ida para o Atlético Mineiro se deu na volta das minhas férias quando estava concentrado com o Botafogo em Três Rios. Um diretor de futebol chegou para mim e falou que eu deveria sair do Rio de Janeiro, pois as coisas ficariam difíceis no Glorioso e se eu gostaria de jogar no Galo. Eu disse sim, e acabei indo. Essa ida para Minas Gerais acabou sendo importantíssima para mim, porque ao chegar no clube eu revi alguns jogadores de seleção brasileira, e era uma outra estrutura, sem querer desmerecer o Botafogo. No entanto, era só cuidar da parte física que eu ia voltar a jogar e ser o Renato do Guarani, da Seleção e do São Paulo. Mas o Atlético Mineiro era um grande clube, e realmente, foram três anos e meio bons. Tão bons que acabei voltando em dois amistosos para a Seleção Brasileira. Por pouco, bem pouco mesmo, não fizemos duas finais de Campeonato Brasileiro, já que tínhamos time para isso. Até hoje, guardo no coração esse clube muito importante na minha vida profissional.

É verdade que teve um Atlético Mineiro x Minas, em que você fez três gols em três minutos?

É verdade. Esse jogo do Campeonato Mineiro foi, se não estou enganado, em 8 de maio de 1988, em Boa Esperança. Consegui fazer três gols em menos de três minutos, mas o que vale é a súmula do árbitro. Foi um jogo bom e uma coisa marcante na minha vida. Lembro que vencíamos o jogo por 4 a 1 e, de repente, fiz três gols. E teve uma curiosidade nesse jogo que foi a tentativa de fazer uma jogada plástica sobre o zagueiro adversário, um sujeito muito forte que virou e falou para mim: “Ué, não está contente não, quer fazer mais gol? Na próxima, se vier de gracinha, vou te dar uma porrada”, disse enfezado (risos). Fiquei na minha, era final de jogo, mas esse feito foi uma marca que acho que ninguém bateu até hoje. Será que alguém que for ler essa entrevista vai saber responder essa pergunta: algum jogador de futebol, seja daqui do Brasil ou lá de fora, conseguiu a façanha de fazer três gols em três minutos? Tá lançado o desafio (risos).


Em 1989, você levou o Nissan Motors, atual Yokohama F. Marinos, ao título do Campeonato Japonês, sendo artilheiro e eleito para a seleção do torneio. Permaneceu lá até 1992, disputando a temporada inaugural da J-League pelo Kashiwa Reysol. Como foi jogar na terra do Sol Nascente?

Eu tive a oportunidade de jogar no Japão em 1989, na Nissan Motors, por meio do Oscar, zagueiro, que havia ido para lá em 1987, como jogador e virou treinador em seguida. Lembro que ele acabou me levando e foi importante para minha vida profissional e para minha família. Enfrentamos dificuldades de adaptação, a língua, os costumes, e não foi fácil, mas em relação a jogar fui muito bem. Fui campeão e duas vezes artilheiro do Campeonato Japonês. Em quatro anos e meio que passei no Japão, disputei quatro finais, ganhei três e uma perdi nos pênaltis. Foi uma passagem maravilhosa em um país totalmente diferente do nossos costumes. Tive uma passagem de seis meses no Kashiwa Reysol tendo uma contusão no joelho e joguei muito pouco. Voltei ao Brasil para me recuperar e terminar minha carreira com dignidade. E graças a Deus isso aconteceu.

Veteraníssimo, defendeu ainda a Ponte Preta e o Taubaté, onde se aposentou. Que balanço você faz da carreira?

Voltei para o Brasil por causa de problemas no joelho e minha recuperação foi feita na clínica do Dr. Nivaldo Baldo, em Campinas. O Oscar havia acabado de acertar para ser treinador do Guarani, coincidentemente, na clínica do Dr. Nivaldo Baldo. Ele aproveitou para falar com o Beto Zini sobre a possibilidade de me autorizar fazer alguns coletivos para adquirir ritmo de jogo, visto que eu estava fazendo a recuperação física em sua clínica há três meses. Como ele não autorizou, o Dr. Nivaldo ligou para a Ponte Preta, explicou a situação e eu pude fazer esse coletivo. Porque é importante falar disso? A Ponte Preta abriu as portas para que eu pudesse voltar a jogar futebol e provar para o médico japonês que disse que eu estava acabado para o futebol e andaria de muletas. Mesmo aos 36 anos voltei a jogar futebol e agradeço muito a Ponte Preta em duas passagens por lá, em 1994 e 1996. Já o Taubaté surgiu por meio do jornalista Sérgio Baklanos, falecido em 1999, que pediu para eu auxiliar o treinador que era novo, e assim eu fiz por um tempo, tanto que o meu último gol como profissional foi contra o Atlético de Sorocaba. O balanço que faço da minha carreira é de realização de um sonho. Foi o máximo para mim jogar em grandes clubes do futebol brasileiro, no exterior, ganhar títulos e ser reconhecido como ídolo.

Quem foi seu ídolo no futebol?

Leivinha. Primeiro por ser de família palmeirense, e segundo, por ter um estilo bonito de jogar com a camisa 8. Tive apenas uma oportunidade de conversar com ele quando eu estava chegando no São Paulo e ele saindo. Eu disse o quanto gostava dele. E lembro que comentei que gostaria de vencer no futebol assim como ele.

Quem foram seus melhores treinadores?

Adaílton Ladeira, Carlos Alberto Silva e Telê Santana. Foram três treinadores excepcionais e que foram importantíssimos na minha carreira. O Ladeira me ensinou muito na base e nos profissionais quando tinha apenas 17 anos. O Carlos Alberto Silva, no Guarani, no título inesquecível de 1978 e depois no São Paulo, clubes em que me dirigiu e extraiu o melhor de mim a ponto de ter me levado as duas últimas vezes para a seleção brasileira quando também jogava pelo Atlético Mineiro. E o Telê que, além de convocar-me para participar das Eliminatórias da Copa do Mundo de 1982, ajudou-me a conquistar uma Bola de Prata em 1987, jogando como centroavante numa posição que não era a minha no Atlético Mineiro.


Você jogou numa época em que cada clube tinha um camisa 10 que causava medo nos adversários. Quem foi o maior camisa 10 do futebol?

O maior camisa 10 na seleção brasileira que eu vi foi o Zico. Sem duvidas. Já em clubes, principalmente, nos que joguei como Guarani e Atlético Mineiro foi o Zenon. Foi um privilégio jogar ao seu lado, me dei muito bem com o estilo de jogo dele e com uma facilidade impressionante de jogar futebol. Para mim esses dois camisas 10 foram os melhores que vi jogar.

O que o futebol significou para o Renato ‘Pé Murcho’?

A realização de um sonho de criança e uma profissão na vida. Nada melhor do que você fazer o que gosta, e em cima disso, treinar, se profissionalizar e conquistar as coisas em etapas.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao Coronavírus?

O início do isolamento social foi difícil para todos. Eu e a Jane, minha mulher, procuramos ajudar um ao outro caminhando juntos. Já no trabalho, as coisas melhoraram e estamos tomando todos os cuidados para não sermos surpreendidos com esse vírus. Seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde e evitando toques ou abraços aqui em Morungaba, onde coordeno o sub-11 e sub-13, e em Campinas, onde coordeno o sub-17 e sub-20. Esperamos ansiosos pela normalização do convívio social.

Defina Renato ‘Pé Murcho’ em uma única palavra?

Um sonhador realizado na profissão.

MARQUE O TEMPO: EDSON MAURO NA ÁREA

por Paulo-Roberto Andel


Foto: Marcelo Tabach

Deitado em minha cama, a mesma onde nasci e onde meus pais morreram. Antigamente a cabeceira era de palhinha, até que a minha mãe trocou por compensado. Ficou bom. Quando eu era bem pequeno, a cama era gigantesca, mas continuo gostando hoje e não a troco por nenhuma dos vários hotéis onde já me hospedei.

Tarde de sábado, o Fluminense vai jogar com o Sport no começo da noite. Nada de TV, internet, tempo real. O velho radinho não funciona mais, há muito tempo, mas mexo no celular e acho a Rádio Globo. Eu só quero o som do jogo.

Não tem mais radinho, nem 1220, nem Rua do Russell, 434, Glória. Não tem mais rampa da UERJ, arquibancada de cimento, uhhhhhhh trepidando a marquise. Agora não tem nem público, paciência. Vamos ao FM, 98,1.

A voz inconfundível de Edson Mauro na narração.

Eu o conheci há mais de 40 anos. Adorei seu jeito divertido de narrar. Para completar, o Fluminense venceu e achei que o locutor deu sorte ao Flu. Nos clássicos, eram Jorge Curi e Waldyr Amaral, nos outros jogos era Edson Mauro, co-mu-ni-caaan-do. Meu Flu de Miranda, Tadeu, Edinho e Carlinhos. Tinha China, Perivaldo e Mendonça. Catinha, Roberto e Zandonaide. Luisinho Lemos e Renato. Té. Anapolina.

Cantarele e Mazzaropi todo mundo conhece. Meus goleiros são Leite, Gato Félix e Jurandir. E Ernâni. Braulino também. Jair Bragança! Borrachinha! Zé Carlos!

Edson Mauro com sua voz cristalina, impactante e eterna. O jogo vai começar. Volto a ter dez anos de idade, sonho com meus pais conversando por perto, lá vai o Fluminense de 1978 no radinho que o smartphone ajuda a reavivar. Certa vez o Edson esteve presente numa homenagem do Cinefoot, o fabuloso festival de cinema de futebol. Foi a única vez que o vi, mas tive vergonha de cumprimentá-lo: falar com ídolos não é fácil.

Procuro por defesas de Wendell. Ataques de Miranda, o Trésor brasileiro. Quem se lembra de Marius Trésor? Um zagueirão, cracaço francês que influenciou muita gente, de Mozer a Aldair. Será que vai ter Cléber e Pintinho? Doce ilusão, os tempos são outros.

E o Sport? Não tem País, nem Marião, nem Denô, que era um terror e nos venceu naquele tempo.

O primeiro tempo acabou meio chocho, com o Rubro-Negro tendo um jogador expulso. Zero a zero. Sonho com aquele copo gelado de Coca-Cola espumosa vendida pelos astronautas da arquibancada. O cachorro quente. Não há nada. Meu único tesouro da infância é a voz inconfundível de Edson Mauro, acompanhado por meu querido amigo Rafael Marques, que sabe tudo e vi começando em rádio, agora um comentarista consagrado. Rafael é mais suave e polido do que o velho herói João Saldanha, que teria esculhambado o Fluminense neste jogo.

Olho para o teto e sonho com o velho placar de lâmpadas do Maracanã, informando os jogos da Loteria Esportiva e do Campeonato Carioca.

Volta o jogo e Edson Mauro segue a narração simpática de sempre. Algo me lembra de uma canção de Gil: “sempre rindo e sempre cantando”. E dá sorte para o Flu, eu tenho certeza disso porque tenho dez anos de idade. Minha certeza infantil atesta que um narrador pode decidir as partidas para o meu time. Você entende o jogo direitinho quando ele é o narrador.

O jogo é fraco no rádio, tudo bem. Na TV e no Whatsapp ele fica bem pior. As mensagens não param. Sigo concentrado porque Edson Mauro não vai me trair e há de narrar um grande gol do Flu, até que a fantasia senta na cadeira dos fatos e pimba: 1 a 0. Gol, grande gol, meu amor.

Estou com os pés no estrado da cama. Bem que minha mãe podia apertar meu pé direito e dizer “Pequenininhoooo”. Era bom demais, tão bom que choro.

O Sport não tem Roberto nem Denô no ataque, a derrota de 1980 e 1981 não se repetirá, nem Maracanã é: estamos no Nilton Santos, casa do Botafogo, lugar de sorte do Fluminense.

O radinho simulado ainda tem sua magia. As mensagens não param. Edson Mauro com sua voz imperial atravessa as décadas. Impecável desde os tempos de Alberto Rodrigues, Danilo Bahia e Antônio Porto. Simmmm, Portooooooo!

Saudades de ouvir “Su-derjjjjj in-formaaa”. Victorio Gutemberg, nunca mais. O rapaz do Maracanã atual grita muito.

No fim do jogo o valente Sport pressiona mas não chega. É o Flu de uma vitória magrinha, humilde, um golzinho e o narrador infalível conta mais uma vitória tricolor. Tem sido assim nos últimos 40 anos.


Heber Roberto Lopes encerra o jogo. As luzes do Maracanã não se apagam. Eu vejo Rubens Galaxe, eu vejo Robertinho e Silvinho do outro lado, ele que era tão nosso. O meu time todo de branco numa paz monumental, juro que era assim e que saíamos felizes ao descer a rampa do Bellini. Antes, o velho placar de lâmpadas escrevia “Boa noite” e tínhamos a sensação do dever cumprido, pouco importando se foi uma vitória ou não. Agora estamos no Nilton Santos, não há público nem placar de lâmpadas, mas o futebol resiste.

Acontece um estalo. A fantasia acabou. Pulo dos 10 para os 52 anos. Estou sozinho no quarto, sem pai nem mãe, sem irmão nem esposa, mas meu time venceu o jogo e eu trocaria tudo para poder voltar a 1979 ou 1980, quando meu mundo era não tirar nota vermelha, jogar bola na praia de Copacabana, na vila, em frente ao shopping center e jogar botão debaixo da escada rolante com Augusto, Luis, Marcelinho e Chapecó.

É sábado à noite. Sou eternamente agradecido a Edson Mauro. Ele é trilha sonora da minha vida. A voz do jogo, o som do gol, a diversão: bingo! Quando ele conta as histórias de uma partida, meus pais são imortais conversando da sala. Não acredito que já se foram quarenta anos: tudo é brevidade. Soube que o America empatou à tarde, vou torcer muito por Deola e Richarlyson, o filho do Lela.

Quarta-feira que vem tem outro jogo. Tudo recomeça nesse eterno presente em que vivemos. Marque o tempo.

O tempo.

_Em memória do lateral direito Carlos Alberto Barbosa._

@pauloandel

PELÉ E O FUTEBOL BRASILEIRO MERECEM RESPEITO

por Paulo-Roberto Andel


Vivemos tempos estranhos, onde volta e meia há quem queira reescrever a História, com as mais variadas intenções.

Conversando com meu amigo Marcelo Lessa, discutimos sobre as seleções mundiais de futebol de todos os tempos, divulgadas por publicações realizadas. E, fato mais recente, sobre as tentativas midiáticas de fazer com que craques como Cristiano Ronaldo e Lionel Messi sejam “superiores” a Pelé. Entre aspas mesmo, pois simplesmente não faz sentido.

Numa bela sacada de meu amigo, que a imprensa europeia, sempre engasgada com o fato do trono do futebol pertencer ao Brasil – não por hoje, mas pelo conjunto da obra -, tente promover a diminuição do tamanho dos nossos feitos, é explicável ainda que injustificável. Agora, duro de entender é quando os brasileiros caem em tal esparrela.

Bem antes de colocar as cinco estrelas no peito, a Seleção Brasileira já tinha posições respeitáveis no mundo do futebol, vide as Copas de 1938 e 1950. A derrota para o Uruguai, transformada exageradamente em desgraça nacional, levou muitos brasileiros ao suicídio – um fato silenciado pelos tempos -, quando na verdade tínhamos um timaço com jogadores espetaculares. E quando chegou o fim dos anos 1950, aí o Brasil não deixou barato: virou o jogo para cima de Uruguai e Itália, ambos bicampeões mundiais, conquistou três Copas em quatro disputadas e arrebatou para sempre a Taça Jules Rimet – ao menos simbolicamente, já que a mesma acabou surrupiada da sede da CBF.

Entre os anos 1950 e 1970, há uma era de absoluto predomínio do futebol brasileiro. Basta dizer que depois do tri no México, nossos grandes desastres foram um quarto lugar em 1974 e um terceiro em 1978, este sob circunstâncias já muito discutidas da partida Argentina 6 x 0 Peru. Em duas décadas e meia, quando o Brasil não foi supremo, esteve entre os melhores do mundo.

Tivemos uma safra de jogadores que nenhum país conseguiu, mesmo quando venceu uma Copa do Mundo. São tantos e tantos nomes que fica difícil listar, mas uma coisa é certa: num Olimpo de craques fantásticos, brilhou o nome de Pelé. Num tempo de equipes brasileiras com cinco, seis, sete craques em campo, ele conseguiu o título de Rei do Futebol e, já aposentado, de Atleta do Século XX. Atleta, concorrendo com monstros de todas as modalidades esportivas.


No mundo atual, o marketing é uma ferramenta fundamental para o aumento das arrecadações e, no futebol, isso não seria diferente. Assim, CR7 e Messi precisam ser exaltados à enésima potência, imortalizados, falados o tempo todo. Não existe dúvidas de que estão entre os maiores jogadores do século XXI. O problema acontece quando, para valorizá-los ao máximo, é preciso diminuir a imagem não somente de Pelé, mas a de Garrincha, Didi, Nilton Santos e de todo o futebol brasileiro.

Cada vez mais, somos reféns do capitalismo global, que fortalece algumas equipes européias e tira do Brasil seus melhores jogadores, às vezes com 19 ou 18 anos de idade. Não temos tempo para ter ídolos – as promessas se vão até mesmo sem ter jogado no time principal. Isso já nos coloca em franca desvantagem. Agora, querer apagar a História e reescrever os fatos é uma canalhice que os brasileiros não devem ou, ao menos, não deveriam referendar.

Para louvar Messi, Cristiano, Lewandowski ou qualquer outra fera do futebol mundial, não é preciso diminuir a figura de Pelé. Seus números e feitos estão disponíveis com facilidade no Google e no YouTube. Quem tiver preguiça de ler, basta ver. Não são fake news, está tudo lá. Números assombrosos, títulos incontáveis, partidas monstruosas. Para quem tem dúvidas sobre a genialidade de Pelé, basta consultar a lista dos maiores artilheiros da história do Santos: praticamente todos jogaram ao lado do Rei e, muitas vezes, receberam passes açucarados do camisa 10 para marcarem seus gols. Não é exagero dizer que, além dos mil e duzentos e tantos gols, Pelé deu passes para outros mil.

Os brasileiros precisam parar de fazer o jogo internacional de demolição da importância do nosso futebol no mundo.

Não está em jogo falar sobre a vida pessoal dos craques. Se estivesse, teríamos problemas no debate. Pelé, envolvido em situação polêmica com o rompimento com sua filha falecida, é pior do que CR7, que respondeu a processo por acusação de estupro? Ou de Messi, condenado por sonegação fiscal? Precisamos falar de Neymar? Essa vai ser a régua de avaliação? Não.

O futebol brasileiro vive a maior crise de identidade de sua história. Outrora famoso pela qualidade e talento, tem ficado cada vez mais medíocre pela opção da parte física acima de tudo. Os 7 a 1 de 2014 ainda doem no queixo, mas é inaceitável que os brasileiros diminuam o valor de jogadores que, décadas atrás levaram ao mundo inteiro o nosso nome como símbolo de vitória.


Pelé, Garrincha, Didi, Nilton Santos, Vavá, Rivellino, Gerson, Paulo Cezar Lima, Carlos Alberto Torres, Gilmar, Félix e tantos outros nomes escreveram as páginas de ouro do futebol no mundo. Anos depois, foram sucedidos por Bebeto, Romário, Rivaldo, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e outros – vivemos um outro ciclo entre 1994 e 2002, disputando três finais de Copas do Mundo e vencendo duas. O que dizer de tantos craques que tiveram chances reduzidas ou até mesmo nenhuma na Seleção Brasileira? A lista é imensa. De cara, Ademir da Guia, Dicá, Aílton Lira, Afonsinho, Carpeggiani, Cláudio Adão, Reinaldo, Zé Sérgio, Deley, Andrade, Geovani, Mauricinho, Robertinho, Enéas, Neto, Edmundo, Marcelinho Carioca. Mais no passado, Evaristo de Macedo, Dida, Canhoteiro, Zózimo, Marco Antônio, Edu, Coutinho, Pepe. No século XXI, Felipe, Roger, Alex. Se pararmos para fazer uma lista séria de 1958 para cá, passaremos de cem nomes com facilidade. Até aqui, não falei da Copa de 1982 e nem precisava: apesar de nosso “péssimo” quinto lugar, ali estavam alguns dos maiores jogadores da era moderna, com um time falado até hoje.

Pelé fez oitenta anos. É um ser humano, não Deus. Todos os que o viram jogar ficaram embasbacados. É assustador pensar que, com todo o seu talento inigualável, ele se divertia em peladas jogando como goleiro – e ainda defendendo pênaltis em jogos profissionais! Há sessenta anos ele é uma personalidade nas vidas brasileiras e mundial. Não se sabe de um único episódio público onde ele possa ter sido grosseiro ou deselegante – pelo contrário: nunca reagiu aos milhões de impropérios que sempre ouviu. Nunca se viu aspereza em suas declarações. Nunca faltou com o respeito aos brasileiros. Não preciso ter alinhamento político algum com Pelé para respeitá-lo como o maior jogador de futebol de todos os tempos, o Atleta do Século XX, o paradigma do futebol que todos os jogadores a seguir buscaram, nem monstros supremos como o já saudoso Diego Maradona, feras como Michel Platini, Zinedine Zidane, Johann Cruyff, Rummenigge, Matthaus e mais uma velha lista telefônica inteira.

Para finalizar, gostaria de contar uma pequena história sobre Pelé fora do campo, porque não adianta brigar com os fatos que ele construiu dentro das quatro linhas, ao menos para quem pretenda ser levado a sério. Meu amigo Marcelo Lessa, que inspirou esse texto, por muitos anos foi vizinho de Altair, prócer multicampeão do Fluminense e campeão mundial em 1962 no Chile. Altair teve uma linda filha que acabou falecendo jovem, vítima de leucemia. Ela teve um tratamento prolongado e caro, com medicações importadas regulamente, caríssimas, que o lateral não tinha como arcar financeiramente. Nunca se disse uma linha sobre o assunto, mas Altair nunca escondeu de ninguém que o tratamento de sua filha, que permitiu sua sobrevida, foi custeado integralmente e importado por Pelé. Apesar dos apedrejamentos e cancelamentos nas redes sociais, o Rei marcou golaços fora do campo também.

Ainda há tempo. Vamos respeitar os jogadores que ergueram o nome do nosso país frente ao mundo. Vamos respeitar Pelé. Vamos respeitar Garrincha. Vamos respeitar Didi e Nilton Santos. Carlos Alberto Torres. Vamos respeitar Félix. Não precisamos desprezá-los para admirar os craques das novas gerações, nem rasgar a História para justificar investimentos de marketing. Vamos respeitar os fatos, os dados, os campeões, o futebol brasileiro que já nos orgulhou muito.

@pauloandel

CRITÉRIOS DE ARBITRAGEM

por André Luiz Pereira Nunes


Houve um tempo em que o quadro de árbitros do Campeonato Carioca era formado por elementos indicados pelos clubes então filiados à Liga Metropolitana de Desportos Atléticos. Ainda que os times tivessem a primazia de escolha, a escalação de juízes, embora em comum acordo, se tornava um verdadeiro nó cego. Não raro, eram necessários três dias para a escolha de um juiz. Quando as agremiações não chegavam a um consenso, o encontro ficava sem árbitro. Fazia-se então a chamada “pescaria” pelas arquibancadas. As agremiações apresentavam vários nomes de cavalheiros que iam assistir ao cotejo e, quando não chegavam a um acordo, ocorria então um sorteio.

Um saudoso cronista acabou sendo vítima desse rudimentar critério de escalação. Certa feita, o ilustre Zé de São Januário estava no campo do Vila Isabel, onde se localizava o antigo Jardim Zoológico, para assistir a uma partida entre a equipe local e o Sport Club Mangueira. O juiz não havia comparecido. O presidente do Vila Isabel, Alberto Silvares, pediu então ao jornalista para que dirigisse a disputa. Ele gentilmente aceitou. Ainda que o jogo tivesse terminado em empate, a diretoria do time mandante, nada satisfeita, resolveu entregar o juiz às feras. Não às do zoológico, mas às que se encontravam na entrada. As manifestações de simpatia foram de tal natureza, que muitos adeptos do Vila Isabel, não tendo flores para jogar, atiraram pedras e guarda-chuvas no pobre cronista e dublê de árbitro por um dia. Dos braços da multidão, o infeliz foi parar na ambulância.

Anos depois, dada a grave situação da arbitragem, os clubes passaram a ser responsáveis pela atuação das partidas. Extinguindo-se o quadro, os times tiveram que indicar nomes. Para exemplificar melhor, em um jogo entre Flamengo e Botafogo, o Vasco poderia ser obrigado a fornecer juízes. Esses nomes tanto poderiam ser conhecidos do público, como serem ilustres desconhecidos. Essa fórmula logicamente fracassou. Na época do comum acordo, todos concordavam antes do jogo, mas no final do encontro o que prevalecia era o desacordo com o árbitro. 

Atualmente dispomos da tecnologia e de profissionais preparados e dedicados à função de arbitrar jogos de futebol. Porém, nada disso ao longo do tempo parece ter surtido algum efeito prático. Em 9 de janeiro, a partida entre Sport e Palmeiras, a qual terminou com a vitória dos paulistas por 1 a 0, deu o que falar mesmo após o apito final. Isso porque, aos 49 minutos da etapa final, o juiz Dyorgines José Padovani de Andrade assinalou um penal a favor dos mandantes. Contudo, após a intervenção do VAR e a ida ao monitor, a penalidade acabou anulada.

Após a partida, Augusto Caldas, diretor de futebol do clube pernambucano, insinuou que Botafogo e Vasco, dupla carioca que briga contra o rebaixamento, está sendo ajudada.

Além da insinuação, o dirigente detonou a comissão de arbitragem e o árbitro de vídeo.

– Fico imaginando onde a comissão de arbitragem e o VAR vão parar. É escandaloso. Essa falta de respeito com o Sport e com os times nordestinos nos deixa imaginar a proteção que se tem com esses clubes do Rio. No momento em que Botafogo e Vasco estão na zona, tudo começou a acontecer de uma forma no mínimo estranha, insinuou.

Thiago Neves, um dos atletas mais experientes do Sport, utilizou as redes sociais para   demonstrar sua insatisfação. O meia escreveu: ‘Seguimos sendo roubados’. Além do dirigente e do meia, o técnico Jair Ventura também criticou a decisão da arbitragem. Em entrevista coletiva, afirmou que não era a primeira vez que erravam contra o Sport, mas se conteve por conta, como ele mesmo afirmou temer, da possibilidade de ser denunciado ao STJD.

– Não é a primeira vez. Daqui a pouco, o campeonato vai passando, faltam nove jogos, agora, depois que acaba, ninguém vai lembrar dos pontos que foram tirados da gente. É triste, porque a gente trabalha para caramba. Vou seguir, ainda, sem falar de arbitragem. Posso pegar um gancho. Eu estou pendurado, não posso nem falar com o juiz. Estou com dois cartões e eu não posso largar minha equipe”, lamentou. 

FOGO!

por Paulo Roberto Melo


Em 1979, com 13 anos, eu enfrentava alguns desafios. Pelo menos um deles de ordem pessoal: lutava para me aceitar como pessoa. Fisicamente as coisas não iam muito bem. A balança se tornara minha inimiga número 1, teimando em mostrar, através da subida impiedosa dos seus ponteiros, que eu não era mais aquele menino “fofinho” ou o garoto “forte” que alguns familiares e conhecidos carinhosamente ainda me chamavam. A dura realidade se evidenciava sobretudo na minha barriga e nas minhas bochechas. Sim, eu era…gordo! 

Era assim que me chamavam no colégio. Depois de estudar minha infância toda em colégios públicos, fui matriculado em uma escola particular, Essa mudança foi particularmente dura comigo. Vim de um colégio pequeno, em que todos me conheciam pelo nome, para um onde eu não era ninguém, ou pior do que isso.  Em dois anos, na nova escola, eu só escutei o meu nome ser pronunciado no momento da chamada. Fora isso, eu era o “gordão” ou o “gordinho”, dependendo da afinidade de quem se referia a mim. Mas, no geral, eu era mesmo o “gordo”.

Há algo interessante sobre esses apelidos jocosos. Os que se dizem entendidos no assunto costumam, falar que não se deve ligar para o apelido que quando a pessoa se importa, aí sim o apelido pega. Ok, mas isso é muito cruel. Os catedráticos em apelido certamente não sofreram esse tipo de perseguição, possivelmente estavam do outro lado, se não colocando apelidos, pelo menos incentivando o seu uso, ou não dariam uma recomendação tão simplista. Afinal, em qual página desse manual sobre apelidos, está escrito a forma de não ligar para um chamamento que ignora o seu nome e exalta uma característica no seu corpo, da qual você não gosta – especialmente quando se tem apenas 13 anos?

Agora, como afirmam os mais sábios, não há nada que esteja tão ruim que não possa piorar. Pois bem, em paralelo com meu peso, eu ainda sofria de uma miopia galopante, que me obrigava a usar óculos com lentes muito grossas, que, precisavam, para serem sustentadas, de uma armação igualmente grossa e pesada. Não, não era fácil ter 13 anos em 1979, tendo um apetite voraz, sendo míope e estudando num colégio de burgueses onde ninguém sequer sabia o meu nome. 

Outro desafio, este de ordem familiar, era lutar para ficar acordado depois das 22h, a fim de poder ver a programação noturna da TV. Com poucas opções de canais, a TV Globo, com suas novelas (Saramandaia, Nina, etc) séries americanas (Kojak, As Panteras, etc) era a emissora preferida para uma programação, digamos, mais adulta. Mas é claro, isso não me era permitido. Definitivamente, ser o temporão, caçula de dois irmãos, com pais não tão jovens, era um desafio difícil de ser vencido.

No futebol, como torcedor, eu também tinha meus desafios. O principal deles, era ver o Flamengo perder! Sim, desde que o Rondinelli, na final de 1978, subiu para cabecear e dar o título de campeão carioca ao Flamengo, o clube da Gávea ganhava de todos. As péssimas administrações de Vasco, Fluminense e Botafogo haviam enfraquecido os times, enquanto o time rubro-negro se fortalecia para ficar marcado na história com sua melhor geração. Assim, em 1979 ( como seria pelos próximos três anos) o time a ser batido era o Flamengo.

Todas as conversas no colégio, principalmente na segunda-feira, giravam em torno desse assunto. Fiz amizade com alguns pobres coitados, tão rejeitados quanto eu e, juntos, representávamos os quatro grandes clubes do Rio de Janeiro. O Marcelo tinha orelhas de abano e era Flamengo, o Mauro, era incrivelmente feio e torcia pelo Botafogo, o Ricardo, ruivo e sardento era Fluminense e eu… – gordo e quatro olho… vascaíno, claro. As nossas conversas invariavelmente giravam em torno de meninas que nunca conquistaríamos e do bom e velho futebol, abrigo confortável dos mais desafortunados.

Quando falei acima que o Flamengo ganhava de todos, eu não usei de sentido figurado para me expressar. Desde outubro de 1978, o Flamengo não perdia, somando 52 partidas de invencibilidade! Assim, ganhar do Flamengo, nessa época, podia ser comparado a conquistar um título.

Na primeira semana de junho de 1979, em plena disputa da Taça Guanabara, o assunto era o clássico entre Flamengo e Botafogo, que se realizaria no domingo. O jogo tinha um ingrediente a mais: de setembro de 1977 a julho de 1978, o Botafogo também teve uma série de 52 partidas invictas, sendo derrotado pelo Grêmio.

Dessa forma, o jogo do dia 3 de junho de 1979 era uma decisão. Se o Flamengo ganhasse ou empatasse, passava o Botafogo em número de partidas invictas. Por isso, a vitória do Glorioso era importantíssima, para quebrar a invencibilidade rubro-negra e dar a todos nós assunto para algumas semanas.

Mas a semana havia começado mal para o Botafogo. O goleiro titular, Zé Carlos, havia sofrido um acidente e quem vinha jogando era o reserva, Ubirajara. Acontece que o Ubirajara se machucou e quem iria para o jogo era o terceiro goleiro, um certo Borrachinha. Certamente, essa notícia deu à torcida do Flamengo a certeza de que um terceiro goleiro não conseguiria parar o poderoso esquadrão rubro negro, formado por Tita, Claudio Adão, Júlio César, Zico e cia. 

No domingo, mais de 100 mil pessoas lotavam o maior do mundo para ver o clássico da invencibilidade. Como todo jogo cercado de expectativa, esse começou tenso e estudado. Mas logo aos 9 minutos, o jogador do Botafogo, Renato Sá, aproveitou uma bola rebatida da defesa e tocou no cantinho do goleiro Raul. Botafogo 1×0! Refeito do susto de um gol sofrido no início da partida, o Flamengo se lançou todo ao ataque.

Pelo velho Spica, o radinho de pilha do meu pai, eu escutava Jorge Curi e Waldir Amaral narrarem o bombardeio à meta botafoguense. O gol de empate parecia uma questão de tempo –  mas aquela tarde estava reservada para consagrar outro atleta, não o rei Zico nem algum dos seus companheiros. Com o nome de um improvável filho de super-herói, o goleiro Borrachinha pegou tudo nesse jogo e, garantiu a vitória do time de General Severiano, interrompendo a sequência de partidas invictas do Flamengo.

Um detalhe curioso desse jogo, é que o Renato Sá, autor do gol da vitória, também ajudara a quebrar a longa invencibilidade do Botafogo, dois anos antes, jogando pelo Grêmio, quando marcou dois gols.

Como complemento do grande domingo de derrota do rival, consegui junto ao conselho familiar a graça de poder ficar acordado até mais tarde, para ver o videoteipe do jogo, que começaria perto da meia – noite, na TV Bandeirantes.

Com todos dormindo, sozinho na sala e no mundo, longe dos meus problemas, eu experimentei naquela hora uma sensação diferente. Foi assim, feliz, relaxado, me sentindo adulto, que com todos dormindo, eu escutei a voz do Paulo Stein, começar a narrar o jogo, já pensando nas gozações que faria pela manhã no colégio, com meu único colega rubro-negro.

Mal o jogo havia começado, ouvi, um grito forte, vindo da rua: “Fogo!” Sorri, compreendendo a alegria do torcedor alvinegro. Novo grito: “Fogo!” Dessa vez, eu achei um pouco de exagero, principalmente pelo adiantado da hora. O terceiro grito de, “Fogo!”, me fez levantar do sofá, desconfiado e ir até a janela para conferir aquela súbita alegria botafoguense.

Quando cheguei à janela, ao mesmo tempo vi uma grande labareda tremeluzindo à minha frente e senti um forte calor nas paredes do apartamento. Algumas pessoas, do outro lado da calçada, sinalizavam, nervosamente, apontando na direção do nosso edifício.

Corri para chamar meus pais e meus irmãos, e saímos todos do prédio. O incêndio era em uma loja de tecidos, que ficava ao lado da portaria do prédio, e as chamas rugiam, subindo de forma assustadora. Alguns minutos depois, os bombeiros chegaram, e o fogo enfim foi controlado.

Quando voltamos para casa, meu pai botou suas mãos em meu rosto e me disse:

– Que bom que você estava acordado!

Fui dormir radiante de felicidade naquela noite, com a certeza de que os desafios se apresentam em nossas vidas, para testar o quanto somos fortes e o quanto estamos preparados para enfrentá-los. E tinha no meu peito de adolescente a forte convicção, de que, em algum lugar do Rio de Janeiro, o Borrachinha experimentava o mesmo sentimento.