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Dorval

MEU AMIGO DORVAL ENTRA NO TÚNEL DA VIDA PARA FICAR SEMPRE NA MEMÓRIA GERAL

por Washington Luiz de Araújo


Recebi a notícia logo pela manhã do amigo, jornalista e cineasta José Carlos Asbeg. O primeiro nome do filho que não tive partiu fisicamente pelo túnel da vida.  Dorval Mengalvio Coutinho Pelé e Pepe seria nome do meu filho.

Minha companheira, Carmola, sempre perguntava “e se fosse mulher?”. “Simples, – respondia eu – Vila Belmiro”. E ela respirava aliviada dizendo: Imagine eu correndo atrás do garoto pela rua: Dorval Mengalvio Coutinho Pelé e Pepe larga esta bola e vem pra casa….

E o Dorval partiu, mas ficou.

Dorval que tive o prazer de ser amigo.

Dorval que ia nos meus aniversários, sempre levando uma camisa do Santos autografada.

Dorval que todo Natal enviava um cartão com sua imagem posando com uma bola num gramado da vida ou da Vila, vestindo o imaculado uniforme branco. Neste ano, acho que não teve condições de envi-alo.

Dorval que não era de beber muito, mas bebia uns copinhos de cerveja.

Dorval muitas vezes calado, observador, mas que falava e muito quando perguntado e quando entendia que o que foi questionado merecia uma boa resposta. Caso contrário, Dorval lacônico.

Dorval cujo nome me acostumei a ouvir quando criança na cabeceira da cama de meu pai e de minha mãe pelo rádio, nos jogos lendários do Santos.

Dorval que me arrepiou todo ao vê-lo presencialmente pela primeira vez e que me arrepiava quando telefonava.

Dorval que era certo encontra-lo nos jogos do Peixe na Vila ou no Pacaembu.

Dorval com quem falei no meio da pandemia por telefone e que me passou uma imagem de quem estava meio de saco cheio de tudo., reclamando de dores, acho que algumas delas na alma.

Dorval que amava o Santos como nenhum outro craque amou.

Dorval que não vi jogar profissionalmente, mas que me embalou os sonhos de criança.

Dorval seria o primeiro nome do filho que não tive, mas foi o primeiro nome do amigo craque de afetividade.

Grande Dorval, você sempre será escalado no time de todos os tempos do Santos Futebol Clube.

Dorval você não se foi neste túnel da vida, pois sempre estará no campo de nossas melhores memórias.

Dorval, um craque de sempre!

Em Tempo: Dorval que foi incumbido de mostrar Santos a um garoto que chegou na Vila do meio para o final da década de 50. Ele fez com que as saudades do menino se arrefecessem, levando-o a uma pensão onde moravam outros craques. Lá o menino começou a se sentir em casa e ver Santos como a sua Bauru. O menino? Edson Arantes do Nascimento, o Pelé.

ENGRAXATE QUE VIROU ÍDOLO DO SANTOS

por André Felipe de Lima


Ponta-direita do timaço do Santos da década de 1960, Dorval Rodrigues jogava com Coutinho, Pelé, Mengálvio e Pepe no ataque mais famoso da Vila Belmiro. O craque nasceu no dia 26 de fevereiro de 1935, em Porto Alegre, e marcou 198 gols nas 612 partidas em que vestiu a camisa santista. Uma performance que o lista como o sexto maior artilheiro do clube.

Em sua cidade natal, Dorval trabalhava como engraxate. Aos 13 anos, fundou um time de futebol amador, o Esporte Clube XV de Novembro, mas foi nos juvenis do Grêmio que sentiu o gosto inicial de jogar futebol para valer. O treinador Mendes Ribeiro descobriu a posição ideal para o jovem: a ponta-direita. E nela, Dorval construiria sua brilhante carreira. Só chegaria ao profissionalismo com 20 anos de idade, no Grêmio Esportivo Força e Luz. Destacou-se e foi convocado para a seleção gaúcha. Habilidoso e driblador, como eram os ponteiros “das antigas”, Dorval chamou a atenção de Flamengo e, em seguida, do Corinthians, mas ambos os clubes desistiram da contratação em cima da hora. O motivo nunca fora explicado. Mas o destino é sempre surpreendente na vida de todos. Dorval era um predestinado. Num dia do ano de 1956, Arnaldo Figueiredo, cartola do Força e Luz, empresário de Dorval, conversou com o diretor do Departamento Profissional do Santos, Antônio dos Santos, e ambos selaram o destino de Dorval. O rapaz, dali em diante, seria jogador do Santos, que recrutava na mesma época outro jovem bom de bola conhecido como Pelé.


Os dirigentes santistas gostaram de Dorval, mas consideraram-no inexperiente e o rapaz acabou tendo o passe emprestado ao Juventus da Mooca para se adaptar ao futebol paulista, mas o estágio durou apenas três meses. O ponta-direita jogou tanto que retornou à Vila Belmiro. E como titular ao desbancar Alfredinho. Em 1958, conquistou o campeonato paulista. Mas a consagração viria em 1962, quando ajudou o Santos a levantar uma penca de troféus. Dorval e o Alvinegro foram campeões paulista, da Taça Brasil, da Libertadores da América e do Mundial Interclubes, cujo jogo decisivo foi marcado por uma goleada de 5 a 2 do Santos sobre o Benfica, na casa dos portugueses. “Quando chegamos a Lisboa para jogar, eles já estavam vendendo ingressos para a terceira partida. Acharam que ganhariam da gente no segundo jogo, mas deram azar. Perdemos muitos gols no Maracanã e isso não aconteceu em Portugal. Quando abriram os olhos, já estávamos ganhando por 4 a 0”.

O show de títulos daquele Santos se repetiu no ano seguinte e, lógico, tendo Dorval como ponta-direita bicampeão da Libertadores e do Mundial, com o Milan de “vítima da vez” na inesquecível final no Maracanã, em que Almir Pernambuquinho jogou no lugar de Pelé e calou os craques milaneses, entre os quais Trappattoni, Cesare Maldini e o “possesso” Amarildo.

Em 1964, Dorval, Batista e Luís Cláudio tiveram os passes negociados com Racing, da Argentina, mas o clube portenho deu um calote e todos voltaram ao Santos. Dorval permaneceu na Vila até 1967, quando o Palmeiras o acolheu. No Parque Antarctica, o ponta jogou com Ademir da Guia, Dudu e Djalma Santos, mas em apenas 20 partidas. O mesmo Djalma, que aceitou proposta do Atlético Paranaense em 1968, abriu portas para vários jogadores em fim de carreira fazerem história no futebol do Paraná. Dorval foi um deles. O ex-craque do Santos esteve no time que recuperou a auto-estima do Furacão após a conquista do campeonato estadual de 1970. Além de Dorval, estavam naquele elenco Bellini, Zé Roberto, Nilson “Bocão” Borges e Sicupira.

Ponta de grandes recursos técnicos, Dorval também notabilizou-se pelo temperamento impulsivo. Nunca gostou de brincadeiras. Vários foram os relatos de desavenças com companheiros e até dirigentes. O jeito rude não foi, porém, motivo para que não gostassem dele.


Dorval raramente figurava na seleção brasileira. O motivo: ser contemporâneo de Garrincha, do Botafogo, e de Joel, do Flamengo. Poderia ter ido ao Chile, para a Copa de 1962, mas o treinador Aymoré Moreira optou por Jair da Costa, então ponteiro da Portuguesa de Desportos, que brilharia depois na Internazionale de Milão.

Pela seleção, Dorval fez 13 partidas, o que o deixava frustrado, já que colegas como Coutinho, Mengálvio, Pepe e Pelé frequentavam com mais assiduidade as listas de convocação. “Na época do Mundial, eu e o Garrincha éramos os melhores pontas do país, mas só ele foi convocado. O Mané era fantástico e ninguém tiraria ele do time, mas mesmo assim eu queria ir para um Mundial”, disse, referindo-se à Copa de 1962, no Chile. E houve um dia em que Dorval teve de parar Garrincha. Ou, pelo menos, tentar. Em 1961, contra o Botafogo, Dalmo foi expulso e Dorval teve que se deslocar para a lateral-esquerda, numa época em que não eram permitidas substituições durante o jogo. Dorval afirmava que foi tão rápido quanto Garrincha e que conhecia cada drible que ele aplicava. E deve ter se saído bem mesmo na ingrata função de marcador de Mané porque o jogo terminou 3 a 1 para o Santos.

Dorval era boêmio e “pé-de-valsa” inveterado. O que não o constrangia porque a boemia fazia parte do universo futebolístico. Exatamente como acontece hoje, mas como uma pequena diferença: não era vista como algo que impedisse o jogador de atuar bem pelo seu time. Dorval dava provas disso.


O Santos era celeiro de craques e também… de piadistas. Pepe, um deles, garante Dorval. Por conta das andanças dele na noite, Pepe brincou com o notívago Dorval ao inventar que o craque levou para a pista de dança um travesti, confundindo-o com uma mulher. Dorval garante que tudo não passou de uma “mentira” da grossa do Pepe. Na verdade, os dois pontas, os maiores que o Santos já teve, eram grandes amigos. Quem o acompanhava nas noitadas eram Coutinho e Tite. Já Pelé, devido à fama exacerbada, era mais recluso.

O final de carreira lhe pregou peças. Algumas desagradáveis, como o dia em que foi barrado na porta do estádio da Vila Belmiro, no final dos anos de 1960, como cita Ivan Cavalcante Proença, recuperando diálogo que Dorval teve com o ponteiro do clube santista:

— Você não pode entrar — gritou o porteiro do Santos.
— Você é que não pode me barrar — gritou o jogador.
— Quem é você? — perguntou o porteiro.
— Sou Dorval, Já dei muitas vitórias a esse time.
— Mas só entra com carteira de sócio.
— Pois vou entrar no peito.
O craque entrou, mas depois de encarar uma fila e comprar um ingresso.

Revoltado, Dorval recordou a história:“Enquanto a gente está no time faz o que quer, mas quando está de fora nem os porteiros nos conhecem mais. Se soubesse o que iria encontrar ao deixar o futebol cuidado melhor, aprendendo uma outra coisa, mas como só vivi no futebol até hoje, a minha única distração é ir aos estádios ver o Santos jogar”.

Queixava-se — como narrou Proença — do esquecimento de Jair Rosa Pinto, que o convidou para trabalhar no Olaria, no final dos anos de 1960, mas o ignorava, deixando o jogador em situação indefinida no Rio de Janeiro. Dorval dormiu alguns dias na casa de Almir, de Ruço e de outros amigos que moravam na cidade até por tudo em pratos limpos com Jair. Quando conseguiu uma reunião com ele e o presidente do Olaria, Jair teria saído pela porta dos fundos sem atendê-lo. “No mesmo instante voltei para Santos”.

Dorval temia pelo futuro. Estava sem dinheiro e com dívidas de um bar que mantinha com o sogro. Aguardava uma proposta do Canadá.

Nada foi adiante. Ficou pelo Brasil mesmo.

Defendeu o Atlético Paranaense e, em 1971, quando deixou Curitiba, atuou por seis meses no Valência, da Venezuela, e na volta jogou pelo Saad, ao lado dos ex-companheiros Coutinho e Joel, para encerrar a carreira em 1972. Anos depois, tornou-se técnico de divisões de base.

O futebol lhe deu fama e dinheiro. Investiu em imóveis, mas perdeu tudo. O ídolo santista foi treinador da escolinha de futebol do Centro Esportivo do Jabaquara, localizado em uma região bastante pobre de São Paulo. O projeto, bancado pela Prefeitura de São Paulo, tinha o intuito de afastar menores carentes do tráfico de drogas e das ruas. Na época em que Dorval se esforçava nesse projeto, a então prefeita Marta Suplicy, alegando não ter verba, encerrou o programa social e demitiu todos os profissionais envolvidos com as escolinhas, entre eles Dorval.

Ídolo dos torcedores da velha guarda, mas já não tão lembrado pelos mais jovens, que idolatram Robinho, Neymar e Ganso, Dorval não explorou tanto a sua imagem como deveria. Na década de 1960, a Coca-Cola estampou as imagens dele, de Pelé e Coutinho em uma propaganda. Pelé teria embolsado 25 milhões de cruzeiros na época e Dorval apenas 4 mil. Somente muitos anos depois, o ex-jogador moveria uma ação judicial para requerer cerca de 6 milhões pelo uso de sua imagem.

Dorval é um altruísta. Essa é a verdade. Craque de alma limpa, que sempre trabalhou voluntariamente em programas sociais no Jardim Jabaquara e também se preocupa em resgatar a memória dele e de outros craques do passado ao decidir tocar uma cooperativa de ex-jogadores da capital paulista.