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VOZES DA BOLA: ENTREVISTA BOBÔ

17 / agosto / 2020


Quando ouviu pela primeira vez os versos “Quem não amou a elegância sutil de Bobô?” – um dos refrões da música ‘Reconvexo’, composta por Caetano Veloso em 1989 e interpretada por Maria Bethânia -, Raimundo Nonato Tavares da Silva, quase não acreditou. 

O apelido, que ganhara ainda na infância, por conta da irmã bebê, que não conseguia pronunciar seu nome, era eternizado pelo compositor baiano, no mesmo ano em que ele se eternizava como ídolo do Esporte Clube Bahia.

O Raimundinho, como também era chamado quando moleque, correndo atrás da bola nos campos de várzea da cidade de  Senhor do Bonfim, pediu para ser ‘beliscado’, sem acreditar na homenagem.

Assim como teve que, ele mesmo se ‘beliscar’ várias vezes, até ver o seu apelido improvável para o nome de um jogador de futebol, ovacionado pela torcida do Tricolor da Bahia. 

Mas nem sempre foi assim. Sete anos antes, quando ele atuava pela Catuanse-BA, e o time enfrentou o América-RJ, no Maracanã, em jogo válido pela Taça de Prata de 1982 (segunda divisão nacional), o apelido Bobô foi motivo de chacota.

Na ocasião, o repórter e comentarista Washington Rodrigues, então na ‘Rádio Globo’, não conteve a gargalhada: “O time baiano tem até Bobó”, debochou o radialista, fazendo alusão do prato típico baiano ao craque da camisa 7.

Pobre Apolinho, que tempos depois teria que se ‘beliscar’ ao ter que aplaudir a elegância’ e a  qualidade técnica do franzino e habilidoso Bobô.

O filho de Florisvaldo Tavares da Silva, o Seu Flori, e Antonieta, a Dona Tieta, se transformou num dos maiores ídolos da história do Bahia, chegou à Seleção  jogando num time do Nordeste, fato raro na história futebolística do país.

Em meio à pandemia de coronavírus, nosso quinto personagem é Bobô, que isolado em sua ‘terrinha’, conversou por telefone com o Museu da Pelada e deu seu depoimento para a série ‘Vozes da Bola’.

Por Marcos Vinicius Cabral

Como foi o seu início de carreira?


Como profissional foi na Catuense-BA, aos 17 anos, e no amador em Senhor do Bonfim, onde nasci, jogando o campeonato intermunicipal. Competição muito importante, quando eu tinha 14 anos. Foi a primeira oportunidade que tive no futebol, e que me levou para jogar por quatro anos na Catuense, de Lagoinhas.

É verdade que você adorava jogar com a camisa 8 e se sentia desconfortável jogando com outros números?

É verdade. Eu sempre gostei de jogar com a camisa 8, mas é claro que isso foi com o passar do tempo. No início mesmo de carreira, no primeiro clube que joguei profissionalmente, eu jogava com a camisa 7, na Catuense. No segundo ano de profissional, na mesma Catuense, aí sim, jogando mais por dentro como meia-direita, escolhi a número 8. De lá pra cá, nos clubes em que passei, sempre pedia para usá-la. Com exceção de um ou outro clube, que já tinha o número definido. Mas a camisa 8 era um número simbólico para mim e até hoje fazem essa referência do número comigo.

Quem foi sua grande inspiração no futebol?

Eu tive dois grandes jogadores como referências no passado: Zico e Careca. O Careca, que jogou no Guarani, e depois no São Paulo, era um meia-direita, grande jogador, qualidade técnica muito grande, eu adorava vê-lo em campo, além de ter sido  inspirador. O outro foi o Zico, que é referência para todo mundo, não só como atleta, mas também como cidadão. O Zico passava coisas boas para todos, além de jogar muita bola. Para mim, especialmente, era referência como jogador e com seu comportamento dentro e fora de campo. Esses dois foram minhas maiores referências no futebol.

Quantos gols você fez em toda sua carreira?

Eu acho que fiz quase 300 gols, segundo uma estatística feita por uma pessoa aqui na Bahia. É bom lembrar que comecei a jogar profissionalmente com 17 anos e esses gols são daí pra frente. Nessa estatística, não entram os gols na base, que eu não fiz.

Qual a importância de Evaristo na conquista do Brasileirão prlo Bahia em 1988 e como foi trabalhar com ele?

O Evaristo foi um dos grandes responsáveis pela conquista de 88. Não só do título em si, mas também da montagem da equipe. O Bahia era um time que veio montado de 86, 87 e 88, mas quando o Evaristo chegou em 87, ele mudou a forma de jogar da equipe, mexeu em algumas peças do time e ousou na forma de jogar. Tornou a equipe agressiva e que jogava um futebol veloz, alegre e para frente. O Bahia se prevalecia do conceito de futebol adotado pelo nosso treinador. O Evaristo foi um grande técnico, particularmente, um dos mais  importantes do futebol brasileiro. Nós sabemos muito da sua importância naquela conquista e sabemos o quanto não foi fácil assumir o Bahia, no Nordeste, ganhar de todo mundo e se tornar  campeão. Foi em um momento difícil, porque pouco se pagava aos treinadores, ainda mais times menores ou do Nordeste, mas ganhamos graças ao grande trabalho dele e da comissão técnica.Tenho um orgulho muito grande de ter convivido com ele, além de ser um amigo.

Em 1988 você estava em grande fase e ganhou o prêmio da Bola de Prata. Foi o melhor ano da sua carreira?

O ano de 88 foi muito importante para mim. Além de ganhar o título de campeão Brasileiro, ganhei a Bola de Prata e fui escolhido pela ABCD (Associação Brasileira de Cronistas Desportivos) como o melhor jogador daquele ano. Isso me levou a ser convocado para a Seleção Brasileira. Não tenho dúvida alguma de que foi um grande ano e vivi um grande momento na carreira. Quando você tem a oportunidade de conquistar um título Brasileiro, jogando por um clube do Nordeste e se destacar, obviamente, a gente tem que estar agradecido também.

Depois você passou por São Paulo, Flamengo, Fluminense, Corinthians e Internacional, antes de voltar ao Bahia e encerrar a carreira. O que não deu certo nesses outros clubes?

Depois do Bahia eu joguei no São Paulo, e lá fiquei dois anos. Tive a felicidade de ser campeão Paulista em 89, mesmo ano em que pelo Bahia, meses antes, havia sido campeão Brasileiro. Estranho, né? Mas são coisas desse calendário maluco do futebol brasileiro. Em 89, por pouco, não conquistei três títulos no mesmo ano, já que me tornaria campeão Brasileiro por dois clubes diferentes: Bahia em fevereiro e São Paulo em dezembro, mas enfrentei o Vasco na decisão de 89, e fomos derrotados por 1 a 0, gol de Sorato, no Morumbi. Com o Flamengo fui campeão da primeira Copa do Brasil, depois, em 90, ganhei a Taça Guanabara com o Fluminense… enfim, tive o privilégio de disputar títulos que eu considero importantes. Mas tive dificuldades em alguns desses clubes em que joguei, em função até das lesões musculares que me acompanharam na carreira. Mas tive carinho por todos eles e o Fluminense, em especial, porque meu pai era torcedor e quando era vivo, me convenceu a ir jogar lá, quando saí do São Paulo. Não me arrependo e gostei muito em ter passado esse período nas Laranjeiras, em um clube maravilhoso. Já no rival, o Flamengo, joguei pouco tempo é verdade, apenas seis meses, mas foi uma fase bem interessante antes de voltar para São Paulo e ir para o Corinthians e depois Internacional. Então, em todos eles eu tive momentos felizes. Depois, voltei para encerrar a carreira no Bahia, porque eu queria que fosse no clube. Estava com 34 anos e em virtude das lesões, cirurgias, acabei precocemente parando. 

Por que você, Charles e Zé Carlos passaram a ser convocados para a Seleção Brasileira, mas não tiveram muitas chances com Sebastião Lazaroni?

Eu tive três com (Sebastião) Lazaroni, mas foi um ano difícil, pois naquela época, chegar à Seleção já era muito difícil, sobretudo jogando em um clube do Nordeste. Na verdade, se convocava mais jogadores do Sul e Sudeste, né? Nesse ano, nós fomos um pouco mais ousados e o Bahia foi o melhor time do futebol brasileiro, sagrando-se campeão e a CBF, tinha por obrigação convocar alguns jogadores do nosso time. Eu tive essa chance em algumas oportunidades, e o Charles e Zé Carlos, também. Mas falaram oportunidades maiores naquele ano e acho que nós três poderíamos ter ao menos, jogado uma Copa América. Infelizmente, ele (Sebastião Lazaroni) já havia definido o grupo que iria disputar a competição. Disputei alguns jogos que antecederam a Copa América, em amistosos, contra o Peru, o Paraguai, enfim… mas ele já havia definido o grupo que disputaria a Copa América e desse grupo, 80, 90% ria para a Copa do Mundo da Itália, em 1990.

Caetano Veloso, célebre torcedor tricolor, eternizou a ‘elegância’ de Bobô no futebol, na música ‘Reconvexo’. Como foi virar música do compositor baiano?

Pois é. Isso é uma honra muito grande para mim ser cantado em versos por Caetano Veloso, numa música linda por sinal, a ‘Reconvexo’. Até hoje é um sucesso na voz de Maria Bethânia. Brinco, dizendo que estou imortal por conta dessa música e dessa homenagem que ele fez. Sou muito grato e algumas vezes estive com ele e agradeci por esse momento, essa grande homenagem. É claro que a gente fica orgulhoso com isso, afinal de contas, estou sendo homenageado por Maria Bethânia numa composição de Caetano Veloso. Aproveito essa entrevista para agradecer aos dois, mais uma vez, por eu ser imortal (risos).

O canal SporTV reprisou  jogo do Bahia contra o Fluminense, pela semifinal do Campeonato Brasileiro de 1988. Na sua opinião, foi um dos jogos mais difíceis na caminhada ao título do Campeonato Brasileiro?

Foi bacana lembrar de 31 anos atrás, e confesso, não me lembrava muito dos lances, porque foi na íntegra, ou seja, os 90 minutos. Assisti ao jogo e foram jogos difíceis, né? Esses contra o Fluminense foi muito complicado para a gente, mas não acho que tenha sido os mais difícil. Fizemos dois jogos contra o Fluminense no Rio, um no Maracanã, que foi 0 a 0, e poderíamos até ter vencido esse jogo e fomos muito bem, e no segundo, começamos perdendo e viramos. Mas eu acho que o jogo contra o Sport-PE, eu considero o mais difícil pela rivalidade do Nordeste. Foi 1 a 1 lá em Recife e aqui 0 a 0, indo para prorrogação até. Nos classificamos para enfrentar o Fluminense na semifinal nessa prorrogação contra o  Sport-PE. O jogo contra o Fluminense foi legal porque teve o maior público da história da Fonte Nova, com 110 mil pagantes.

Queria que falasse um pouco sobre o ‘Dignidade dos Ídolos’. Como foi criado e qual o objetivo do programa?


O ‘Dignidade dos Ídolos’ é um projeto criado pelo presidente do Bahia, Guilherme Bellintani. Na época, ele me convidou e achei espetacular, porque era algo que entendia que tinha que acontecer um dia e espero que os demais clubes copiem Mas, não só fazer uma festa de comemoração de um título importante ou reunir os ex-atletas. A gente sabe que a maioria dos jogadores de futebol, independente de ter passado por grandes clubes, não ganhou dinheiro suficiente para ter uma estabilidade financeira. Os jogadores do passado precisam de apoio e quando o ‘Dignidade dos Ídolos’ foi criado, para nós, ex-jogadores, foi muito bacana. Hoje, esse projeto beneficia seis ex-atletas, como o Zanata, que mora no Rio, o Maílson, que infelizmente está acamado. Atualmente, esses jogadores precisam desse auxílio, que é um salário mensal, e é um reconhecimento do clube pelo trabalho desses ex-atletas. O bacana foi que eles ganharam não só uma placa ou aplausos, mas tiveram de volta a dignidade, já que esses caras destinaram uma boa parte de suas vidas ao clube e construíram uma história bonita. Eu acho que essa reciprocidade é difícil acontecer nos outros clubes, mas no Bahia está acontecendo. Eu, particularmente, tenho muito orgulho, de alguma maneira ter feito parte disso, em reconhecer esses ex-atletas em um debate com o presidente do Esporte Clube Bahia.

Defina Bobô?

Não sei dizer exatamente. Talvez um cara persistente, talvez vitorioso na carreira, onde sou grato ao futebol como falei, pois tive a felicidade de jogar em alguns clubes importantes no Brasil e neles ser campeão. Eu acho, que isso na realidade, acaba de uma maneira dando credibilidade a uma carreira de dezessete anos. Então, poderia definir a pergunta, nas oportunidades que tive na maioria dos clubes, em que aproveitei muito bem. De alguma forma, fui recíproco com essas oportunidades.

Qual o gol mais importante que você fez na carreira?

Eu tive a felicidade de marcar alguns gols importantes pelo Bahia, e, sobretudo no Campeonato Brasileiro. Não só no de 88, mas no meu primeiro ano de clube. Em 86 ganhei uma placa na Fonte Nova, com o gol mais bonito do estádio. Em 87, 88, nos jogos finais, esses gols, óbvio, ajudaram muito o Bahia a ser campeão Brasileiro. Realmente foi um título espetacular.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?


Esse isolamento tem sido difícil para todo mundo, ou seja, ficar isolado não é bom. Ficar sem poder cumprimentar, conversar, e abraçar as pessoas, não é legal. São mais de quatro meses desse isolamento social, e é claro que, o início foi mais fácil do que tem sido agora, mas está dando para levar. Acho que é a única maneira ainda que temos de superar esse vírus e manter esse isolamento social. Sair, só se for extremamente importante, usar máscara e álcool em gel sempre. Eu tenho feito isso mas na expectativa da gente  voltar ao nosso ‘novo normal’.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?

O primeiro jogo que eu fiz no Maracanã, foi jogando pelo Bahia, na década de 1980. É um estádio maravilhoso e sempre foi referência no Brasil e no mundo. Todo atleta tinha dois desejos: vestir a camisa da Seleção Brasileira e jogar no Maracanã! Mas todos os jogos que fiz, jogando pelo Bahia, depois São Paulo, Flamengo e Fluminense, são jogos que tenho na lembrança e, sobretudo, quando joguei no Campeonato Carioca, nos Fla-Flus por exemplo, é inesquecível. Tive o privilégio de jogar no estádio, jogar e fazer gol em Fla-Flus, e isso, marca muito, ainda mais sabendo a importância do clássico no futebol brasileiro.

No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para o Bobô?

Essa data é especial na vida de quem joga futebol ou já jogou. O futebol representa muito na vida de todos e na minha em especial, porque essa estrutura que eu tenho hoje, como cidadão, eu credito muito ao futebol. Esse 19 de julho, que se comemorou o Dia Nacional do Futebol, representa muito e sou muito agradecido. Sempre faço questão de dizer em entrevistas que o futebol me projetou e o que ele me proporcionou, seja não só estabilidade financeira, que isso eu não tenho, pois continuo trabalhando, mas sobretudo, na condição de fazer com que você conhecesse pessoas, cultura, lugares, jogar nos maiores clubes do futebol brasileiro e cheguei à Seleção. Inclusive, virei ídolo de uma geração, e isso para mim, é motivo de orgulho e agradecimento. Obrigado ao futebol e graças a Deus, por ter me dado o dom de ter jogado futebol e o que ele me proporcionou como cidadão. Agradeço aos clubes por onde joguei e aos ex-companheiros.

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