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UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 7

28 / abril / 2023

por Eduardo Lamas Neiva

 Popó, pelo Ypiranga-BA, em jogo contra o Bahia, nos anos 30

Mussum faz o público se divertir e é muito aplaudido por todos. Sai cumprimentando todo mundo, a começar por João Sem Medo, Ceguinho Torcedor, Sobrenatural de Almeida e Idiota da Objetividade.

E o papo volta a rolar como a bola num gramado perfeito, na mesa dos quatro amigos, para deleite da plateia presente ao Além da Imaginação.

João Sem Medo: – Aproveitando a presença do grande Mussum, foi também na década de 20 que a bola brasileira passou a ser tratada com mais malemolência, ginga e bailado, com a entrada de mais negros em campo. Eu sempre falei que a África era o futuro do futebol. Os primeiros negros envergaram a camisa do Bangu, do Andarahy, dos times de fábrica e comércio. Mas quem ganhou a fama foi o Vasco da Gama, clube que lutou muito para ser aceito entre os grandes do futebol carioca. Fluminense, Botafogo e Flamengo não admitiam de forma alguma que negro vestisse suas camisas. O Vasco, como representante do comércio de secos e molhados, que tinha contato permanente com o público em geral, não fazia restrição alguma e surgiu como potência já em 1923. Se o clube cruzmaltino fizesse algum tipo de discriminação levaria o comércio de seus dirigentes à ruína. O mesmo acontecia com o Bangu, da Fábrica Bangu, e o Andarahy, da Fábrica Confiança. Além do Sírio Libanês e os clubes suburbanos.

Sobrenatural de Almeida: – Mas João, isso não aconteceu só no Rio, certo?

João Sem Medo: – Não, claro que não. Em São Paulo, o Palmeiras, time dos italianos, resistia. Era Palestra Itália ainda. O Paulistano, do Jardim Paulista, preferiu fechar o departamento de futebol a ter de aceitar preto no time. No Sul, o Grêmio era intransigente. O Inter não, tanto que o símbolo do time é o saci pererê. O mascote colorado só surgiu na década de 40, mas carrega a história do time gaúcho representante das camadas populares desde a fundação, em 1909.

Ceguinho Torcedor: – Ah, mas você é gremista de origem, João.

João Sem Medo: – Fui, mas essa é uma outra história, vem de uma rivalidade com meu irmão, Aristides, este sim, torcedor colorado. Quando a gente ia jogar bola ele dizia logo que era Inter, então eu era Grêmio.

Ceguinho Torcedor: – Essa rivalidade entre Grêmio e Inter é talvez a mais feroz do país.

João Sem Medo: – Acredito que seja sim, Ceguinho.

Garçom: – Então vamos aproveitar pra chamar o Teixeirinha, torcedor colorado, pra cantar o “Desafio do Grenal”.

Teixeirinha vai ao palco, aplaudido pela plateia.

Teixeirinha: – Obrigado, minha gente. Mas só um esclarecimento, eu sou gremista de coração. Canto como colorado na música que vou apresentar aqui, mas sempre torci pro Grêmio. Bom, feito o esclarecimento, vou pedir permissão pra fazer o dueto com a gravação da minha grande amiga Mary Terezinha, que ainda vive muito bem e logicamente não tem permissão pra vir aqui pessoalmente. É o “Desafio do Grenal”!

Todos aplaudem.

Teixeirinha: – Peço desculpas pelo “macacada” na letra em referência aos colorados. Eram outros tempos quando fiz a música, não quis ofender. Ela foi gravada originalmente no meu disco “Dorme Angelita”, lançado em 1968.

Garçom: – Muito obrigado, Teixeirinha.

João Sem Medo retoma o tema, como quem arma um contra-ataque veloz.

João Sem Medo: – A discriminação contra os negros existia no futebol de outros estados também. No Paraná, o Atlético e o Coritiba não aceitavam. Em Minas, Atlético e América; na Bahia, o Baiano Tênis, que fez o mesmo que o Paulistano, abandonou o futebol pra não ter de aceitar negro no time. Lá, o Vitória, primeiro clube a ser fundado só por brasileiros, começou em 1899 como clube de críquete. Depois, com a revolta dos baianos por só poderem, no máximo, devolver a bola pros ingleses nas partidas daquele esporte chatíssimo, o Rubro-Negro de Salvador começou a jogar o futebol já nos primeiros anos do século vinte.

Ceguinho Torcedor: – Naquela época o futebol já era muito popular na Bahia. Os jogos recebiam grandes plateias, já ao som de bandas de música e fanfarras. Lá era permitido.

Alguém na plateia: – A Bahia sempre foi uma festa!

Riso geral.

João Sem Medo: – Nas décadas de 20 e 30 o grande astro baiano era o negro Popó, chamado de “O Craque do Povo” e “O Terrível”. Ele jogou no Ypiranga e no Botafogo da Bahia e foi o principal jogador da seleção baiana campeã brasileira em 34, acabando com a hegemonia de Rio de Janeiro e São Paulo. Teve como grande companheiro um soldado da PM conhecido como Dois Lados.

Sobrenatural de Almeida: – Dois Lados?

João Sem Medo: – É, ele ganhou o apelido por ser magro demais.

Sobrenatural de Almeida: – Ele só tinha dois lados. Assombroso.

Garçom: – Foi feito em 2D.hahaha

A plateia ri também.

Idiota da Objetividade: – Dois Lados foi o herói do título baiano de 1920. Ele fez os dois gols da vitória de 2 a 1 sobre o Fluminense de Salvador e na comemoração teve seu pé direito banhado em champanhe.

João Sem Medo: – Mas depois quase ficou na miséria. A sorte é que fizeram uma campanha para ajudá-lo e ele conseguiu viver dignamente depois.

Ceguinho Torcedor: – O Ypiranga era um time abençoado. Além de ter Dois Lados e Popó, era o time de coração da Irmã Dulce, que era apaixonada por futebol.

João Sem Medo: – E também do meu camarada Jorge Amado. O nome do meu livro “Subterrâneos do Futebol”, lançado originalmente no início dos anos 60, é uma homenagem ao “Subterrâneos da liberdade”. Depois relançaram com o título “Histórias do futebol”. Não gostei, mas isso é outra história. Falávamos do Ypiranga…

Idiota da Objetividade: – Irmã Dulce, falecida em 1992 aos 77 anos, fez inúmeras obras de caridade na Bahia, foi beatificada em 2011 e se tornou a primeira santa católica do Brasil, em 2019, canonizada pelo papa Francisco com o título de Santa Dulce dos Pobres.

João Sem Medo: – No livro “Bahia de Todos os Santos”, Jorge Amado descreve os feitos do Popó no seu Ypiranga do coração.Inclusive, em Salvador, no bairro Engenho Velho da Federação, tem uma rua chamada Apolinário Santana, seu nome verdadeiro, em homenagem a ele.

Garçom: – Já que o assunto é o grande Ypiranga de Salvador, vou pôr aqui no nosso aparelho de som, um dos hinos do clube, o mais popular, de autoria  de Valter Queiróz.

Músico: – O Ypiranga tem outro hino, que é o oficial, de Milton Santarém e Walter Álvares. (clique aqui pra ouvir: 

Ceguinho Torcedor: – Em 1923, o meu Fluminense foi enfrentar o Ypiranga na Bahia e levou de 5 a 4. As manchetes berraram: “Popó 5 a 4 no Tricolor”. Ele fez todos os gols do time baiano. Depois disso, durante um bom tempo, toda vez que algum jogador se destacava contra o meu clube era logo apelidado de Popó.

Músico: – Uma quadrinha junina naquela época cantava: “Chuta, chuta, Popó chuta/Chuta por favor/Mela, mela, mela, mela/Mela e lá vai gol”. Melar significava driblar.

João Sem Medo: – Ele infelizmente morreu na miséria, pedindo esmolas, no início da década de 50 em frente ao estádio da Fonte Nova, recém-inaugurado na época. O Ypiranga era conhecido como o Time do Povo porque aceitava negros no seu time, um deles era o Popó. O Ypiranga só perdeu esse status quando surgiu o Bahia, em 31. Naquele tempo a questão do amadorismo e do profissionalismo estava dividindo o futebol no país. E o Vitória, que privilegiava os esportes olímpicos, acabou vendo o futuro arquirrival crescer muito e conquistar muitos títulos baianos.

Idiota da Objetividade: – Este ano conquistou o seu 50º título estadual. Enquanto o Vitória tem 29.

João Sem Medo: – E o primeiro título do Bahia foi logo em 1931 e, com o tempo, se tornou o maior detentor de títulos do estado. Ganhou até a primeira Taça Brasil, em 59, numa final contra o grande Santos. Não é pouca coisa.

Ceguinho Torcedor: – Não mesmo.

Sobrenatural de Almeida: – Assombroso aquele título do Bahia. Assombroso. Hahaha

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