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“UMA COISA JOGADA COM MÚSICA” – CAPÍTULO 22

11 / agosto / 2023

por Eduardo Lamas Neiva

Após uma leve dispersada da turma após o “Futebol no inferno”, João Sem Medo retoma a pelota e provoca Sobrenatural de Almeida.

João Sem Medo: – Ô, Almeida, você conta é muita história, viu. Quer saber, se macumba ganhasse jogo, Campeonato Baiano terminava empatado.

Sobrenatural de Almeida: – Tá tirando sarro comigo, João? Não tenho nada com macumba, nem religião nenhuma, não. Meu papo é futebol, mas também não visto a camisa de nenhum time, sou democrático. Tem gente que acha que causo tragédias, mas não tem nada dissoInfluencio apenas nos resultados de campo. De vez em quando, de vez em quando… desvio uma bola, sopro algo no ouvido do árbitro, desloco traves, coisas deste tipo. Se chamam de tragédia, é culpa da imprensa.

Idiota da Objetividade: – Sempre a imprensa é a culpada.

João Sem Medo: – Às vezes é mesmo, inventa muita coisa pra vender jornal.

Garçom: – Enquanto há jornal. Hoje, “seu” João, a imprensa luta por audiência e cliques, na internet.

João Sem Medo: – No meu tempo, já existia isso, não isso de cliques, mas a busca dos jornais por leitores e de audiência das rádios e TVs. E nisso se inventava muita coisa.

Ceguinho Torcedor: – Sou da imprensa anterior ao copy desk. Quando Pompeu de Sousa trouxe pro Brasil o que se fazia nos Estados Unidos, o copy desk, os nossos jornais foram atacados de uma doença grave: a objetividade. Daí para o Idiota da Objetividade seria um passo.

Idiota da Objetividade: – Sou cria do Pompeu com muito orgulho, Ceguinho. A objetividade é fundamental no jornalismo.

Garçom: – Não vamos discutir, amigos… Olha, aproveitando a deixa, vamos homenagear o criador destes nossos amigos aqui.

Ceguinho Torcedor: – Gostei! “Sou do tempo em que até os canalhas choravam”.

Sobrenatural de Almeida dá mais uma gargalhada satânica.

Garçom: – Esta música do Zeca Baleiro se chama “Meu nome é Nelson Rodrigues”.

Após a homenagem a Nelson Rodrigues, João Sem Medo retoma a pelota.

João Sem Medo: – Meus amigos, vou contar uma história que ilustra bem esse debate do Ceguinho com o Idiota. É sobre o jornalismo no rádio… Foi em 1958, quando o Botafogo voltou de uma excursão ao México e à América Central. Guiomar, mulher do Didi, estava fula da vida com ele, por causa da visita que os jogadores do Botafogo fizeram a uma vedete famosa no México. A foto foi publicada nos jornais daqui e ela não queria saber se Didi tinha culpa no cartório ou não e partiu pro Aeroporto do Galeão pra matar o marido de pancada. O crioulo voltou branco na viagem. Peguei o Didi e fomos pro clube, onde já estavam Amauri e Quarentinha, que tinham ido buscar a bagagem deles. Logo veio o rádio-repórter Vitorino Vieira com um gravador. Ele disse que não teve tempo de ir ao aeroporto, então pediu pra fazer as entrevistas ali mesmo. Até aí tudo bem, mas ele viu um empregado do Botafogo e pediu um ventilador. O empregado trouxe, ele começou a falar: “Caríssimos ouvintes, bom dia! Aqui fala Vitorino Vieira, desde o Aeroporto do Galeão, para cobrir a chegada do Botafogo de Futebol e Regatas. Madrugamos aqui para satisfazer nossos ouvintes”.

O povo do bar não se aguenta de rir. João Sem Medo prossegue.

João Sem Medo: – Ele ligou o ventilador bem perto do microfone e continuou: “Estão ouvindo o ronco dos motores do avião? Já estão descendo os jogadores. Saltaram Didi, Quarentinha, Amauri e o treinador João Saldanha, que vêm ao nosso microfone”. Fizemos a entrevista “desde o Aeroporto do Galeão”, mas Vitorino queria mais: “Didi agora está abraçando e beijando dona Guiomar, sua esposa”. E estalou um beijo junto do microfone.

Todos caem na gargalhada.

João Sem Medo: – Depois o repórter ainda se gabou que era bárbaro em sonoplastia e lascou outro favor, pedindo pra bancarmos os jogadores do Vasco, que estavam chegando ao Santos Dumont, de Belo Horizonte, onde tinham enfrentado o Atlético. E ligou de novo o microfone: “Senhores e senhoras, a vida do repórter de rádio é dura, viu. De madrugada estávamos falando do Aeroporto do Galeão com a chegada do Botafogo. Agora, estamos falando desde o Aeroporto Santos Dumont, com a chegada do Vasco da Gama”. E aí entrevistou o Amauri como sendo Almir, que tinha feito o gol do Vasco no empate em Belo Horizonte, eu fingi que era o Pinga; o Quarentinha bancou o Sabará, e o Didi, que já estava assustado, sumiu.

Garçom (rindo mais que todo mundo): – Sensacional!

Ceguinho Torcedor: – Quem diria, Didi, o Príncipe Etíope de Rancho, numa situação dessa.

João Sem Medo: – Jogava uma barbaridade. Meu amigo Neném Prancha tem uma boa definição sobre como Didi jogava. Como é, mesmo, Neném?

Numa mesa próxima, Neném Prancha levanta a voz.

Neném Prancha: – Didi jogava bola como quem chupa laranja, com muito carinho.

Didi: – Obrigado, minha gente. Mas essa história que o João contou já resolvi há muito tempo com a Guiomar. Não é, meu bem?

Didi dá um beijo em Guiomar e todos sorriem e aplaudem o casal.

Músico: – Com todo o respeito ao ilustre casal, até porque ficou tudo bem, mas a dona Guiomar ficou achando que o seu Didi tinha abusado da regra 3?

Risada geral e a banda toca um trecho de “Regra Três”, de Toquinho e Vinícius de Moraes.

Fim do Capítulo 22

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1 Comentário

  1. José Luiz

    Simplesmente genial!

    Responder

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