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DIÁLOGOS BOTAFOGUENSES

por Wesley Machado

Vejo uma ligação perdida da minha mãe Ezilane, ligo de volta, meu pai Fernando atende.

– Temos de ganhar – ele sempre diz em dia de jogo do nosso Botafogo.

O hino que Seedorf quis mudar afirma:

– Não podes perder, perder para ninguém.

O botafoguense é um calejado e por vezes se contentou com um empate.

– Não podes perder.

Então empatar pode?

Para o realista que é meu pai, não.

– Em casa temos de ganhar.

Esta é uma lição que aprendi com ele.

Em 2023 a confiança era tanta que meu pai sonhou que seríamos campeões.

Meu amigo de mais de 15 anos, jornalista Hugo Soares, gravou uma matéria com minha família botafoguense.

No final do ano o título não veio.

Mas em tempos de curtidas, curtimos o momento.

Nas lideranças em algumas rodadas em 2024, evitei o:

– Segue o líder.

Conforme pregava Tiquinho em 2023 e Júnior Santos assimilou em 2024:

– Pezinho no chão.

Por falar no nosso artilheiro Júnior Santos, desfalque no jogo desta quarta-feira contra o Bragantino, este foi mais um dos assuntos da minha conversa com meu pai.

– Sem Júnior Santos…

Conversa que reproduzi com Hugo, que vestia a linda camisa do título da Série B de 2021, o recomeço do Botafogo na era SAF.

Hugo responde:

– Não podemos depender só de um jogador.

E continua:

– Eduardo precisa aparecer mais.

E não é que Eduardo apareceu?

Foi o autor dos dois gols da virada contra o time da Red Bull.

Em uma semana que começou com uma hora na cadeira do dentista para fazer um canal, os sofrimentos e as dores de ser Botafogo foram amenizados com uma alegria proporcionada por uma vitória como esta.

Agora é dormir satisfeito e sonhar:

– E se o Botafogo for campeão…

“UMA COISA JOGADA COM MÚSICA” – CAPÍTULO 68

por Eduardo Lamas Neiva

Após a música ser acompanhada com atenção por todos e até aplaudida em direção a Pelé, o compositor, João Sem Medo retoma a pelota pra voltar a falar das semifinais da Copa de 70.

João Sem Medo: – Como vocês devem estar lembrados, acertei os vencedores das semifinais. Nos quatorze prognósticos dados, acertei oito dos vencedores da primeira fase, três dos quatro vencedores das quartas – cometi o erro na partida entre Uruguai e União Soviética, e acertei os dois finalistas, Brasil e Itália.

Idiota da Objetividade: – A Itália derrotou a Alemanha Ocidental, por 4 a 3, num dos jogos mais emocionantes de todos os tempos. A partida terminou empatada em 1 a 1 no tempo normal, com os alemães empatando aos 47 minutos do segundo tempo. Na prorrogação, a Alemanha virou, a Itália empatou e fez 3 a 2, mas os alemães voltaram a empatar, até que os italianos conseguiram a vitória com gol de Rivera, aos 5 minutos do segundo tempo da prorrogação.

Ceguinho Torcedor: – Emocionante foi a vitória do Brasil. Havia em nós uma chaga já velha, senil chaga. A vitória sobre o Uruguai a tapou, não restou nem a cicatriz. E milhões de homens, mulheres e crianças beijaram a nossa doce bandeira. Os idiotas da objetividade (aponta pro Idiota da Objetividade) rosnaram: “É ridículo beijar a bandeira!”

Idiota da Objetividade: – Protesto!

Ceguinho Torcedor: – Protesto negado! Não faz mal. Vamos assumir, nobremente, o nosso ridículo. Cada povo, cada homem tem sua dimensão de ridículo. Preservemos o nosso.

Garçom: – Os críticos, os que vaiaram a seleção, deviam estar se rasgando, né, “seu” Ceguinho?

Ceguinho Torcedor: – As hienas, os abutres, os urubus…

Garçom: – O urubu nada tem com isso, “seu” Ceguinho…

Ceguinho Torcedor: – Ah, os entendidos deveriam ter mudado de ofício, imediatamente. Por que não se tornaram bombeiros hidráulicos? Deviam entender mais de desentupir pia, do que de futebol.

Idiota da Objetividade: – E na final, como todos sabem, o Brasil derrotou a Itália, por 4 a 1, com gols de Pelé, Gérson, Jairzinho e Carlos Alberto. Como primeira seleção a conquistar o tricampeonato mundial, o Brasil ficou com a posse definitiva da Taça Jules Rimet.

Sobrenatural de Almeida: – E o Médici não perdeu tempo e estampou em todas as manchetes: “Ninguém segura este país!”.

João Sem Medo: – Foi mesmo difícil segurar a sanha de tantas torturas e mortes nas mãos do governo dele.

Ceguinho Torcedor: – Raríssimos acreditavam no Brasil, amigos. Um deles era o presidente, que me dizia: “Vamos ganhar, vamos ganhar”. Na véspera deu o seu palpite certeiro: “Brasil 4 a 1”.

Zé Ary, percebendo que o papo penetrava na área perigosa, cortou a bola e saiu tocando rápido pra aliviar a pressão.

Garçom: – Senhores, senhores, todos aqui, aquele futebol maravilhoso merece ser visto e revisto por muitos e muitos anos, não é mesmo?

Ninguém discorda. Muito pelo contrário.

Garçom: – Vamos, então, ao telão, pra revermos todos os 19 gols da seleção de 70. Vamos lá!

All of Brazil’s 1970 World Cup Goals | Pele, Jairzinho & more! (youtube.com)

Todos ficam extasiados com o vídeo como se fosse a primeira vez que viam aqueles lances.

Músico: – O vídeo é da Fifa, com imagens perfeitas, mas a entidade não se dignou a dar os créditos da ótima música instrumental de fundo, que combina perfeitamente com aquelas jogadas e os gols. Mas descobri: a música se chama “Sambafunk”, do Drumagick, formado por uma dupla de DJs de São Paulo, JrDeep e Guilherme Lopes.

Garçom: – Ah, maravilha, Angenor! Vamos, então, voltar ao nosso papo…

Ceguinho Torcedor, mais rápido que coelhinho de desenho animado, retoma a pelota.

Ceguinho Torcedor: – Amigos, glória eterna aos tricampeões mundiais.

O povo do bar “Além da Imaginação” faz um alvoroço.

Garçom: – Foi um carnaval em junho! Foi muito difícil segurar tanta emoção e alegria naquele dia. Bebi todas!

Ceguinho Torcedor: – Foi a mais bela vitória do futebol mundial em todos os tempos. Desde o Paraíso, jamais houve um futebol como o nosso. Os entendidos diziam que éramos quase uns pernas de pau, quase uns cabeças de bagre. Se Napoleão tivesse sofrido as vaias que flagelaram o escrete não ganharia nem batalhas de soldadinhos de chumbo. Eu me lembro do dia em que o João Saldanha foi chamado para técnico do escrete. Tivemos uma conversa de terreno baldio. E me dizia o João: “Vamos ganhar de qualquer maneira! O caneco é nosso!”

João Sem Medo: – A nossa vibração e a minha, em particular, foi pela vitória da arte, que continua sendo, dentre as mais variadas concepções do futebol moderno, a verdadeira razão de encherem os estádios e a identificação mais sólida e decisiva do futebol do Brasil.

Ceguinho Torcedor: – Cada gol dos nossos era uma preciosidade. A cabeçada de Pelé, na abertura da contagem, foi algo de inconcebível. Ele subiu, leve, quase alado, e enfiou no canto. Vocês podem não acreditar, mas eu vi. Nunca uma seleção fez, na história do futebol, uma jornada tão perfeita como o Brasil em 70.

Garçom: – Aquele time foi o melhor que vi jogar. Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gérson e Pelé; Jairzinho, Tostão e Rivelino. Ainda tinha Paulo Cesar Caju, Marco Antônio, Roberto Miranda, Edu… Vamos ouvir “Pra frente Brasil”, do Miguel Gustavo, que é o hino daquela grande conquista.

Garçom: – Toda vez que ouço essa música fico arrepiado de emoção.

Músico: – Amigos, posso me meter nesta conversa?

João Sem Medo: – Claro, por favor.

Músico: – É que como sabia que hoje aqui o assunto ia ser a História do futebol brasileiro, copiei num papel duas citações belíssimas de grandes nomes internacionais sobre aquela seleção de 70, que pra mim só pode ser comparada com a de 58. O cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, que era um apaixonado por futebol e dizem que jogava muito bem, escreveu o seguinte: “Se o drible e o gol são o momento individualista-poético do futebol, o futebol brasileiro é, portanto, um futebol de poesia. Sem fazer distinção de valor, mas em sentido puramente técnico, no México, em 70, a prosa estetizante italiana foi batida pela poesia brasileira”.

Todos aplaudem, inclusive Pelé, Félix, Carlos Alberto Torres, Zagallo, Everaldo.

Garçom: – Tem mais uma, gente.

Músico: – É, Zé Ary, tem outra citação bem bonita também, do historiador britânico Eric Hobsbawm, que escreveu o seguinte no livro “A era dos extremos – o breve século XX”: “Ninguém que tenha visto jogar a seleção brasileira de 1970 poderia negar ao futebol a condição de arte”.

Todos aplaudem, mais uma vez, e festejam todos os campeões mundiais pelo Brasil presentes ao bar “Além da Imaginação”, cantando “Pra frente Brasil”. 

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Um gol desse não se perde!

REFORMA DO CALENDÁRIO DO FUTEBOL BRASILEIRO – ADEQUAÇÃO AO CALENDÁRIO EUROPEU

por Luis Filipe Chateaubriand

Vemos, tristemente, que o Campeonato Brasileiro não foi interrompido para a realização da Copa América.

Com isso, o Campeonato Brasileiro ficou desfalcado de nada menos do que 32 jogadores.
Isso mesmo: a principal competição de futebol do país está sendo jogada sem 32 de seus principais jogadores.

O Flamengo, por exemplo, perdeu cinco jogadores para a Copa América.

Assim como o Palmeiras perdeu três jogadores, o Atlético Mineiro perdeu três jogadores, o Internacional perdeu três jogadores, e assim por diante.

Simplesmente, não cabe, em um futebol dito profissional, competições de seleções e relevantes competições de clubes serem jogadas ao mesmo tempo.

E qual a solução, então?

Simples!

A adequação do calendário do futebol brasileiro ao calendário do futebol europeu.

Significa ter pré-temporada em Julho, temporada oficial regular de clubes de Agosto a Maio e férias em Junho – a temporada deve ir de Julho de um ano até Junho do ano seguinte.

Isso resolveria inteiramente o problema, com a Copa América, a Copa do Mundo e torneios de seleções não coincidindo com as competições de clubes.

Simples assim.

E, como diria o meu amigo Sergio Pugliese, estamos conversados!

130 ANOS DE REBELDIA

por Pedro Barcelos

A briga do Botafogo contra esquemas de apostas esportivas não começou com John Textor. Pelo contrário, essa batalha deu origem ao primeiro Botafogo.

No final do século XIX, as apostas no remo (esporte mais popular da época) aumentaram consideravelmente, gerando cotações bizarras e resultados esportivos duvidosos. Nessa época, alguns atletas do Clube Guanabarense cansaram das jogatinas e, liderados por Luiz Caldas (também conhecido como “Almirante”), fundaram o Grupo de Regatas Botafogo, em 1891.

Além de combater as práticas antidesportivas, esse coletivo também era bastante politizado, fazendo forte oposição ao governo de Floriano Peixoto. Ou seja, o clube praticamente virou uma célula rebelde. Quando a Revolta da Armada começou, alguns sócios eram figuras importantes do confronto e as atividades do grupo precisaram ser interrompidas.

Alguns ficaram foragidos, mas outros não tiveram a mesma sorte. Luiz Caldas foi preso e faleceu poucos meses depois, em 25 de junho de 1894.

Quase uma semana depois, em 1º de julho, como resposta ao falecimento de seu líder, os sócios do grupo se reuniram e fundaram o Club de Regatas Botafogo. Além de concretizar o desejo do Almirante, isso também melhorou a estrutura organizacional da entidade.

O clube idealizado por Luiz Caldas deu certo. O Botafogo está prestes a completar 130 anos de história, é o único clube brasileiro campeão nos três séculos e é o primeiro campeão nacional, contando todas as modalidades. Em Olimpíadas, são mais de 70 convocações, sendo que 7 atletas alvinegros estarão em Paris nesse ano.

Talvez a forma que John Textor encontrou para batalhar contra as “bets” não seja a mais eficaz, mas isso só o tempo dirá. Porém, uma coisa é certa: um pouco de rebeldia nunca fez mal a ninguém, muito menos ao Botafogo.

A DOIS PASSOS DO PARAÍSO

por Zé Roberto Padilha

Muitos carregam dentro de si noções diferentes do paraíso que sonham alcançar. Claro que todos queremos ser felizes, saudáveis, queridos, amados e ricos. Porém, no fundo, tem um projeto, uma mulher, uma viagem, um mandato que vai lhe dar um gostinho único de realização pessoal.

Algo que foi crescendo dentro de sua formação e ganhando proporções de desejo absoluto acima do objeto comum cobiçado pela maioria dos mortais. Quando comecei minha carreira de treinador de futebol, em Xerém, esse paraíso foi se formatando enquanto comandei, por oito anos, quatro clubes.

Para mim, o paraíso seria alcançar a equipe profissional do Fluminense. Se alcancei como jogador, por que não? Para isso, percorri, desde os infantis, todos os caminhos para obter licitamente tal oportunidade.

E ela surgiu quando Edinho, então técnico dos profissionais, perdeu a decisão carioca de 1993, para o Vasco, em uma quarta-feira à noite, no Maracanã. Antes de partir, virou para mim, então técnico do Juniores, e disse:

– Agora é com você, parceiro!

Como o presidente do clube, Arnaldo Santiago, nada declarava. Perguntei ao supervisor, Roberto Alvarenga, o que faria.

– Você vem pela manhã e dá o treino. Deve ficar como interino até o clube resolver.

Claro que não consegui dormir direito. Estava próximo do Paraíso e domingo tinha jogo com o Palmeiras pelo Torneio Rio São Paulo. E passei a noite idealizando o time que levaria a campo. A novidade seria entregar a camisa 10 ao Nilberto, irmão do Nelio e do Gilberto, que estava arrebentando no Juniores.

Não tomei remédios para dormir, mas merecia uns três. Lembrava das inúmeras vezes que deixava Três Rios no ônibus das 5h30, descia na entrada de Xerém, esperava o ônibus tricolor chegar, dava o treino, voltava com eles para as Laranjeiras, fazia relatório e voltava no Salutaris das 14h30.

Não foram dois dias. Foram quatro anos. No fim, encontrava um amigo na Rodoviária Novo Rio e quando ele perguntava se estava indo ou chegando tinha que olhar o bilhete.

Enfim, tomei meu café e às 9h entrava pelo portão da Rua Álvaro Chaves, 41, mais nervoso e inseguro do que naquela manhã de 1968, aos dezesseis anos, quando cheguei para fazer testes nos infanto-juvenis. Naquela ocasião, só dependia de mim. Nesta outra, não havia bolas ou chuteiras à disposição para defender meu lugar no meu time de coração.

Fui entrando e logo uma leva de jornalistas passou por mim. Apenas me acenaram, não pararam. Totalmente sem graça, procurei refúgio e consolo na rouparia. Ximbica, meu amigo, contou tudo. E me consolou.

– Liga não, Zé, o Nelsinho é muito amigo do Arnaldo. Você terá outras oportunidades!

Poucas vezes retornei à minha cidade triste daquele jeito. Pela janela do ônibus, mesmo diante da beleza da serra de Petrópolis, não entendia porque me negaram aquela oportunidade, mesmo que fosse interino, como tantos, por uma partida.

Poderia perder para o Palmeiras e retornar ao Juniores, mas perderia para o resultado, que é o que define nossa permanência no cargo, jamais por desconhecimento de causa.

Nas duas horas em que passei dentro do ônibus, fui acompanhado pelo meu anjo de guarda. Só ele poderia conceder-me aqueles momentos de paz e reflexão diante das explicações que desrespeitosamente não me deram.

– Por que deixaram o Edinho citar meu nome à imprensa? Por que o Arnoldo Santiago deixou-me viver uma noite de sonhos estragados?

E cá entre nós, ninguém era mais tricolor do que eu, tinha mais tesão para merecer aquela oportunidade.

Chegando em casa, mal deu tempo de ser consolado pela minha esposa.

– Levanta a cabeça! Como treinador da base, vai ter outras chances. Cai treinador todo dia! – dizia ela, porque o telefone tocou. Do outro lado da linha Roberto Alvarenga nos deu o tiro de misericórdia.

Nelsinho exigiu que seu filho, Nelsinho Batista, trabalhasse com ele. E dirigindo os Juniores. Não havia apenas perdido a chance e de alcançar a equipe profissional, estava demitido do clube. A terra cedeu e levou, naquela manhã esquecível de maio de 1993, meus sonhos quando estava apenas a dois passos do paraíso.