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‘DE LOUCO E FELINO, TODO GOLEIRO TEM UM POUCO’

por André Felipe de Lima


“Comecei como o fazem todos, ou seja, correndo atrás de uma bola pelas ruas ou pelos campos de várzea. Até que um belo dia, lembro-me bem, pois tinha 10 anos de idade, houve um pênalti contra o nosso lado. Eu atuava na extrema direita, porém o nosso arqueiro abandonou o posto no momento da cobrança da falta. Como naquele jogo valia tudo, fui para o arco ver se conseguia defender. Um ‘grandão’, moreno, com um corpo bastante avantajado, correu e soltou um tremendo balaço de pé direito. Vi que a bola vinha como um foguete e, rapidamente, saltei de encontro à menina. Senti um impacto na cabeça e caí. Depois de ficar atordoado por uns instantes, voltei ao estado normal, em meio a abraços e vivas dos meus companheiros. Tinha defendido com uma cabeçada — aqui entre nós, sem querer… — rebatendo o couro para o meio do campo. Depois dessa, meteram-me na cabeça que eu devia ser goleiro.”

O ex-goleiro Luiz Moraes, o “Cabeção”, cujo apelido não poderia ser outro, nasceu em São Paulo, no dia 23 de agosto de 1930. No gol do Corinthians, na década de 1950, foi o grande rival do inesquecível Gylmar dos Santos Neves, que era exatamente um dia mais velho que ele. “Fiquei sendo Cabeção, simplesmente, e chego ao cúmulo de sentir estranheza quando alguém de chama de Luiz. Luiz Moraes, para mim, é um nome diferente e assume ares de importância”, declarou Cabeção, quando começava a despontar no time do Corinthians.

O pai, o português Adolfo, um mecânico e corintiano não muito convicto, pois não era muito fã do futebol, queria, contudo, vê-lo um dia jogador, mas a mãe, a brasileira Josefina, sempre se mostrou um pouco contrariada com o propósito. Como impedir, porém, o filho, que ainda bem pequeno, gritava pelos pulmões “Gol!!! Gol de Teleco”? Adolfo vaticinara: “Este diabinho ainda vai jogar no Corinthians”. Josefina argumentava que o futebol “não dá camisa” para ninguém, e que o mais sensato seria estudar para se defender dos imprevistos que a vida nos apresenta. Mas Adolfo insistiu em sua intuição.

Corria o ano de 1937, quando o pai pegou o menino pelo braço, vestiu-o com um terninho branco de marinheiro e rumou para o Parque São Jorge, santo chão corintiano. Queria fazer-lhe um mimo: mostrar, bem de perto, o ídolo Teleco. O menino tinha sete anos e, lógico, ficou extasiado porque não conhecera apenas Teleco, mas um panteão de craques. Lá estavam Jaú, Jango, Brandão, Filó Guarisi e Munhoz. Nunca vira uma bola genuinamente de couro até aquele inesquecível dia. No ano seguinte, Cabeção já era sócio do clube e do quadro infantil do Timão. “A gente entrava lá [no Parque São Jorge], brincava com eles [os jogadores], antigamente, quando era moleque, e eles pagavam [entradas para o cinema]… tinha o Cine São Jorge [hoje uma loja de calçados], na avenida Celso Garcia […] E esses jogadores antigos pagavam o cinema para nós. Segunda-feira, como era folga deles, eles, mais uns quatro ou cinco jogadores do juvenil, eles pagavam a entrada para a gente ir lá no cinema. Então, a gente conviveu muito com esses jogadores antigos e foi criando raízes dentro do clube”, declarou Cabeção em 2011, durante depoimento para o projeto Futebol, Memória e Patrimônio, do CPDOC/FGV.

Convivendo com cobras do futebol, Cabeção foi galgando, passo a passo, todas as categorias até chegar aos aspirantes, em 1946, sob o olhar clínico do treinador Dante Pietrobon, com quem tudo aprendeu no arco. Uma ascensão extraordinária para o orgulho de Adolfo e de Josefina, pais “corujas”, e claro, do tio Salvador Salerno, quem mais o incentivava, comparecendo, inclusive, aos treinos e até às peladas do “River Plate”, time de várzea onde Cabeção também despontava. E foi por conta desse “River Plate” que Cabeção foi agraciado com todo o uniforme do River Plate original, o famoso millionarios de Buenos Aires. Em 1947, o time argentino excursionou por São Paulo. Após um jogo preliminar no Pacaembu, defendendo o juvenil do Corinthians, Cabeção invadiu o vestiário do River e pediu aos gringos, na maior cara dura, um uniforme completo do time portenho. E os caras deram camisa, short, meião… Cabeção levou a melhor.

“O meu avô era italiano, mas era corintiano. Tinha esta diferença, porque, geralmente, o italiano era palmeirense, e o meu avô era corintiano e ajudou muito o Corinthians […] ele era cocheiro. Tinha uma carroça de aluguel. Carregou muita coisa para fazer o Corinthians que é hoje, que antigamente era do Sírio (O Esporte Clube Sírio foi o antigo dono do campo do Parque São Jorge, comprado pelo Corinthians em 1926 para a construção do histórico estádio). O Corinthians comprou e meu avô levava muita mercadoria e muita madeira para fazer o estádio […] terminar o campo de futebol. Torcia para o Corinthians. A minha avó, não sei, porque ela não falava. Minha mãe também não ligava. Meu pai, português, também não ligou muito para futebol. Eu tinha uns tios que jogavam na várzea. Estes me incentivaram muito. Torciam para o Corinthians, foram atletas do Esperia – antigo Esperia –, mas não eram muito ligados ao futebol.”

Até despontar entre os profissionais, Cabeção dividia o futebol com o estudo noturno e o emprego em uma loja próxima a sua casa. “Antigamente, só tinha escola na cidade [no Centro] […] Estudava à noite. Quando perdia o ônibus ou o bonde, tinha que ir a pé da Liberdade até o Parque São Jorge. Era uma caminhada muito violenta e de madrugada. Apesar de que, naquele tempo, não tinha tanto perigo, como tem hoje. Você ia sozinho… Não cheguei a me formar em nada. Mas fiz essas três fases do primário, ginásio e científico.”

O tempo passou e, em 1948, portanto um ano antes de ingressar no time profissional do Corinthians, Cabeção por pouco não seguiu para o Fluminense, que insistira em seu concurso. Foi o alerta para que os cartolas corintianos assinassem num rompante o primeiro contrato com o talentoso goleiro para mantê-lo no Parque São Jorge.

Como profissional, disputou 323 jogos e sofreu 419 gols. Subiu ao time principal em 1949, junto com Idário, Roberto e Luizinho. Apesar de ser revelado pelo time da “fazendinha”, Cabeção, que dizia se espelhar no goleiro Jurandyr, do Flamengo, ouvia do ídolo a frase “Goleiro de pé vale por dois. Goleiro deitado está morto”. Seguia-a sem questioná-la.

Cabeção peregrinou por vários clubes. Quase jogou pelo Porto, de Portugal, mas o Corinthians não quis vender seu passe. Mas a resistência dos cartolas duraria pouco. Sem espaço por conta da forma exuberante de Gylmar, deixou o Corinthians em 1954 e seguiu, por empréstimo, para o Bangu. No ano anterior, porém, já na reserva de Gylmar, para quem perdeu a posição em definitivo em 1952, Cabeção chegou a ser hostilizado pela torcida que até então era sua fã incondicional. Mesmo com Gylmar balançando no posto de titular após a goleada de 7 a 3 para a Portuguesa de Desportos, valendo pelo segundo turno do campeonato paulista de 51, Cabeção não conseguiu manter a unanimidade, embora suas atuações fossem impecáveis e a imprensa paulista continuava a exaltá-lo, especialmente após as defesas sensacionais na final do Torneio Rio-São Paulo de 54, que garantiu o magro placar de 1 a 0 contra o Palmeiras. Nem isso o segurou no Timão.

Após improdutiva passagem pelo Bangu, que defendeu apenas 14 vezes, Cabeção aportou, em 1955, na Portuguesa de Desportos — uma de seus principais momentos no futebol, ao lado de feras como Julinho Botelho, Pinga e Djalma Santos. Talvez o melhor time da história da Lusa, que teve Cabeção embaixo das traves na inesquecível conquista do torneio Rio-São Paulo de 55.

Finda a gratificante experiência na Portuguesa, Cabeção retornou ao Corinthians, em 1958. O regresso ao time de origem foi de idas e vindas, ou seja, em 1961 foi emprestado ao Comercial de Ribeiro Preto. Um relâmpago. Ficou apenas alguns meses e voltou ao Timão, no qual permaneceu até 1966. No final da carreira, defendeu o Juventus, do bairro paulistano Mooca, de 1967 a 1968, e a Portuguesa Santista, em 1969. Do futebol, ganhou o suficiente para investir em imóveis e a eterna reverência das torcidas corintiana e da Lusa.

Algumas lendas são conferidas a Cabeção, como a sua eficiência mais comum em jogos diurnos que noturnos. Mito ou não, isso não importa. Cabeção foi, sem dúvidas, um goleiro bastante regular. O que lhe valeu algumas convocações para a seleção brasileira, inclusive para a Copa do Mundo de 1954, na Suíça, onde foi reserva de Castilho e de Veludo, ambos do Fluminense, sem disputar sequer uma partida. Das atuações de Cabeção com a amarelinha, apenas uma vem à memória. A da vitória do Brasil sobre o Millionarios, da Colômbia, por 2 a 0, no Maracanã, pouco antes da Copa, na Suíça, no dia 9 de maio de 1954. Cabeção entrou no decorrer da partida no lugar de Veludo. Sua maior conquista com a camisa da seleção aconteceu na categoria de amadores, no campeonato pan-americano de 1949, no Chile, um time de jovens talentos que contava com Pinheiro [Fluminense], Vasconcelos [ex-Santos], Tovar [Botafogo] e Tite [ex-Flu e Santos].

Cabeção mantinha esperança de ir à Copa de 1958, mas um desentendimento com o técnico Flávio Costa, da Portuguesa, teria dificultado a convocação do goleiro. Discutiu asperamente com Costa após este culpá-lo pelos dois gols sofridos durante um empate com a Portuguesa Santista. No vestiário, Costa teria ameaçado bater no goleiro, que reagiu atirando uma chuteira contra o técnico. Costa, que era influente na antiga CBD, deixou a Portuguesa meses depois do episódio enquanto Cabeção sofreu uma severa suspensão. O famoso treinador retornou ao Rio de Janeiro e, como afirmou o goleiro, foi consultado pela CBD para avaliar os possíveis nomes para a Copa do Mundo de 1958, na Suécia. Com isso, suspeita Cabeção, seu nome foi definitivamente banido do escrete nacional.

Este não foi o único entrevero de Cabeção com treinadores tidos “casca grossa”. A antiga revista Cruzeiro publicou na década de 1950 aquele que teria sido o motivo da ida de Cabeção para o futebol carioca. O goleiro levou sua esposa ao médico Mário Augusto Isaías, este um apaixonado torcedor e dirigente da Lusa. A cartolagem do Corinthians teria visto no fato motivo bastante para afastá-lo do time. E o fizeram. Cabeção, logicamente indignado, disse que nunca mais vestiria a camisa do Corinthians. Acabou vestindo-a em outras duas fases, mas nunca escondeu a mágoa por este e outros casos relacionados à sua família e o Corinthians.

Muitos anos depois, ele explicou os bastidores do seu afastamento do Corinthians naquela ocasião: “Eles acharam que eu tinha me vendido em um jogo Corinthians X Portuguesa porque o médico da família da minha mulher era presidente da Portuguesa, e a minha mulher precisava ser operada com este médico. Então, eu cheguei pro Brandão, o treinador, e falei: ‘[Oswaldo] Brandão, a minha mulher vai ser operada pelo dr. Mário Augusto Isaías. Já estou avisando, porque nós vamos jogar com a Portuguesa, não quero encrenca’. ‘Não, tudo bem. Tudo bem. Ela pode operar, pode…’. Esse dr. Mário Augusto Isaías tinha salvado a minha sogra de uma hemorragia em casa. […] O jogo Corinthians X Portuguesa foi feito em um sábado.”


Na véspera dos jogos, o técnico Brandão costumava fazer reuniões com os jogadores e antecipar a escalação do time. Naquela sexta-feira ele não fez. Os jogadores ficaram “cabreiros”, como assinalou Cabeção. O treinador só falaria horas antes do jogo. Cabeção, embora titular há alguns jogos, ficara fora do jogo, dando lugar a Gylmar. “Saí do vestiário, nem troquei de roupa, fui ficar no alambrado. Chamei um diretor, falei: ‘Oh, enquanto o Brandão estiver aqui, eu não jogo mais aqui. Eu vou embora. Vocês podem me mandar para onde vocês quiserem, só que com o Brandão, eu não fico mais aqui’. Ele costumava fazer isso com outros jogadores, então ele quis fazer comigo. Fez comigo. E foi danado. Então, saiu publicado em todos os jornais aqui da capital, a carteira [de poupança] de quanto eu ganhava, quanto eu tinha de depósito. Se tinha algum depósito naquela data. Aí, eu me queimei. Me queimei, e falei que enquanto ele ficava aqui, enquanto ele era o treinador, eu ia embora. Fui para o Bangu. Era para ir para o Vasco porque o Barbosa estava terminado de jogar, o Vasco. O Silveirinha me convidou: ‘Vai jogar no Bangu’. E o time do Bangu era bom. E eles pagavam direito”, recordou Cabeção, com uma ponta de remorso, pois preferia ter ido para o Vasco.

O ídolo do Corinthians e da Lusa colecionou títulos pelos dois clubes. Foi campeão paulista em 1951, 52 — quando foi reserva de Gylmar — e 54, todas as conquistas com o Timão. Conquistou também o Rio-São Paulo em 1950, 53 e 54, com Corinthians, e em 55, com a Portuguesa de Desportos, consagrando-se como o jogador que mais edições conquistou do torneio interestadual.

Nos tempos em que defendia o Corinthians, era fã de Zizinho e adorava cinema, sobretudo filmes estrelados por Gary Cooper, Elizabeth Taylor, John Wayne, Jean Simons, Gace Kelly e Ann Miller. Dos atores nacionais, sempre gostou do Anselmo Duarte e da Eliane Lage. Dizia-se devoto de Nossa Senhora da Penha e jamais dispensava uma macarronada.

Quando se aposentou como jogador, imediatamente tornou-se técnico. Treinou categorias de base do Corinthians e conquistou títulos ao longo de 20 anos, período em que revelou grandes craques para o Corinthians, como o centroavante Casagrande, o lateral-esquerdo Waldimir e os goleiros Ronaldo, Solito e Rafael Cammarota.

Em 1981, o grande arqueiro concedeu uma entrevista ao jovem repórter Fausto Silva, que anos mais tarde se tornaria simplesmente o Faustão, um dos mais bem sucedidos apresentadores da televisão brasileira. Cabeção criticava o futebol de então, comparando-o com o de sua época: “Não é saudosismo, não. Mas há cinco anos que não vou a um estádio de futebol. Prefiro ver pela televisão. Sinceramente, não está valendo a pena. Reconheço que o passado não diz nada, cada um tem que viver a sua época, mas a qualidade do futebol caiu […] Tive mais alegrias do que tristezas no futebol. E as mágoas, eu procuro esquecê-las logo. Mas a minha maior alegria foi em 1949, quando fomos campeões do pan-americano de juvenis no Chile.”

Cabeção, neto de italiano [vejam só…] corintiano que cresceu e viveu seus melhores dias no bairro do Brás, bem pertinho do Parque São Jorge, casou-se e teve um filho, professor de Educação Física e campeão de natação, que aos 30 anos morreu vítima de uma grave doença no cérebro. Cabeção largou tudo, inclusive o futebol, para dedicar-se exclusivamente ao filho. Precisou de treze mil dólares para operará-lo no Hospital Albert Einstein, recorreu a cartolas do Corinthians, especialmente o principal deles, Wadih Helu, que alegaram não ter o dinheiro. Um amigo do filho de Cabeção é quem ajudou com a quantia. O rapaz operou, mas o resultado não foi satisfatório. Permaneceu por mais cinco anos em cadeira de rodas. A mágoa com o futebol e com o Corinthians foi grande. Fora esta a segunda grande decepção após o episódio com a esposa. Não quis mais saber do futebol. Um trauma na vida do grande goleiro do passado.

Cabeção foi o único filho de Adolfo e Josefina. A vida é simples e tranquila ao lado da esposa. “Hoje, só vivemos eu e a esposa. Mais ninguém. Tem os parentes, mas são distantes. Mas vamos levando essa vida. Agora, com 81 anos, então, é assistir jogos pela televisão, que é mais fácil do que vir no estádio. E esta é a minha vida, agora.”

Mas Cabeção faz falta aos estádios. Pudera os deuses torná-lo eternamente jovem para nunca mais deixa os gramados. Pudera as gerações que não o viram jogar se deliciarem com os saltos acrobáticos, as “pontes” memoráveis e as defesas com a mão trocada executadas com maestria pelo Cabeção. Nos tempos em que jogava, o eterno ídolo costumava dizer que “de louco e de felino, todo goleiro tem um pouco”. É verdade…

DNA RUBRO-NEGRO

por Paulo Oliveira


Quantos clubes de futebol brasileiros tiveram quatro irmãos defendendo suas cores em campo, sendo todos eles torcedores desse time? Essa conjunção rara ocorreu entre o final da década de 1950 e todos os anos 1960, no Esporte Clube Vitória. A família Gonçalves cedeu Kleber Bubu, Romenil, Itamar e Carlinhos e fez história no rubro-negro baiano.

Ontem, o zagueiro Kleber Bubu, 78 anos, foi sepultado no cemitério Campo Santo, no bairro da Federação, em Salvador (BA). Ele morreu de insuficiência respiratório após sofrer por 19 anos com sequelas de um acidente vascular cerebral.

Bubu iniciou a carreira com breve passagem pelo Bahia, mas logo foi para o time de seu coração. Teve três passagens pelo clube na década de 1960, tendo se tornado campeão do Torneio Início, em 1961, quando tinha 19 anos. A última atuação ocorreu em 1968

Jogou ainda pelos dois times rivais de Ribeirão Preto (SP): Comercial e Botafogo. De volta a Salvador, atuou, em final de carreira, pelo Botafogo BA e pelo Monte Líbano, extinta equipe do subúrbio ferroviário.

Dos quatro irmãos, o que mais se destacou foi o também zagueiro Romenil Arestides Gonçalves Filho, 76 anos, considerado o maior zagueiro da história do rubro-negro baiano, e o único dos Gonçalves ainda vivo. Ele começou no time reserva do Leão, enquanto o irmão Carlinhos era da equipe titular.

Adoentado, Romenil não compareceu ao enterro de Kleber Bubu, que deixa viúva, um filho – o jornalista Kleber Leal, torcedor apaixonado do Bahia – e duas filhas.

Já o centroavante Carlinhos Gonçalves iniciou a carreira na divisão de base do Vitória. Posteriormente, atuou pelo São Cristóvão (BA), América (RJ), Bonsucesso (RJ), Fluminense (RJ), Internacional (RS), Galícia (BA), Sergipe e Botafogo (BA).

Carlinhos estava consagrado quando chegou ao Bahia em 1969. Dois anos depois, fez história, marcando um gol de cabeça, mesmo com ela enfaixada após um choque com um adversário. E, em seguida, marcou o gol da virada sobre o Botafogo (BA), que deu o título estadual ao tricolor. O atacante morreu em 2005, aos 65 anos, de diabetes.

O quarto irmão, o ponta esquerda Itamar morreu em acidente de automóvel. A assessoria do Vitória informou desconhecer outro clube por onde ele tenha passado.


TIRO DE META, UMA JOGADA EM EXTINÇÃO?

por Victor Kingma


O futebol, o esporte mais praticado no mundo, e que no Brasil se tornou uma paixão nacional, é formado por inúmeras jogadas, amplamente conhecidas e apelidadas pelos seus aficionados. Não só aquelas que acontecem com a bola rolando, como o drible, o passe ou o lançamento, mas, também,aquelas onde a bola é colocada novamente em jogo após ultrapassar os limites do gramado, como o corner (escanteio), arremesso lateral ou tiro de meta. 

Uma dessas jogadas, das que mais acontecem durante as partidas, é o popular “TIRO DE META”, que é a reposição da bola ao campo de jogo quando ela sai pela linha de fundo tocada pelo adversário.

Ficou popularmente conhecida por esse nome pois, originariamente, consistia em um “tiro” longo e forte, executado de dentro da área e próximo da meta, geralmente pelo goleiro, na direção do ataque. 

No passado, como a maioria dos campos tinham dimensões reduzidas e os times costumavam jogar com quatro atacantes, essa jogada era mortal. 

Não era comum o goleiro sair jogando, então, ele não precisava ter muita habilidade com a bola nos pés, bastava ter um chute forte para bater os tiros de meta.

Hoje, com a evolução tática do futebol, os melhores times do mundo são aqueles que ficam mais tempo com a bola nos pés, e dão menos chutões, escola implantada e difundida principalmente pelo Barcelona, de Pepe Guardiola.

E essa mudança chegou também aos goleiros, que passaram a ser mais um jogador na armação das jogadas.

Assim, no futebol atual, não basta aos “guarda metas”, como eram conhecidos antigamente, serem verdadeiros paredões para defender com as mãos as bolas chutadas ou cabeceadas contra o seu gol mas,também, precisam ter habilidade para iniciar as jogadas com os pés. 

Ao contrário do “Tiro Livre” ou “Tiro de Canto”, o velho e bom “TIRO DE META”, na sua concepção original, é cada vez menos executado durante os jogos.  E se tornou uma jogada quase em extinção.

Manga

SEM LUVAS, MIL GLÓRIAS

por Paulo Escobar

Como sair do Uruguai sem antes encontrar aquele que parecia sumido, e por que não esquecido?

Antes da volta, um pedido foi feito pelo Museu da Pelada: encontrar um dos maiores goleiros que talvez tenha pisado terra brasileira. Ídolo de tantos clubes, fechou tantos gols e de tantas histórias, podemos dizer que Manga deu suas mãos pelo futebol, quebrou seus dedos, deixou sua vida muitas vezes nos Gramados.

Lembrado por torcedores do Botafogo, Inter, Grêmio e Operário no Brasil, mas esquecido pelas diretorias desses mesmos clubes, Manga é o exemplo clássico de como o Brasil trata seus ídolos e esquece sua história. Nosso goleiro não encontrou portas abertas no momento mais difícil de sua vida.

Foi no Uruguai, mais precisamente alguns torcedores do Nacional, que estenderam a mão. Médicos que o atendem ou o Sr. do mercadinho debaixo do prédio que os torcedores alugam pra ele e sua esposa Cecília. Talvez nesta que seja a missão da sobrevivência a qual ele enfrenta.

Talvez a defesa mais difícil de Manga seja a de sobreviver diante da triste realidade que enfrenta. Mas o futebol levanta pessoas e torcedores que lembram dos seus, e isso é o bonito do esporte, seus apaixonados que são o coração dos times.

Antes de sair, Manga me confessou um último sonho: entrar no Maracanã e ver seu Botafogo mais uma vez sentir o carinho da arquibancada e o grito do seu nome pela torcida da estrela solitária. E num abraço antes de me despedir, chorei com Manga, eu rubro-negro sonhando em ver sua alegria mais uma vez com a torcida do Botafogo.
 

 

DOVAL, DO RIO, MOÇAS E FESTAS

por André Felipe de Lima


“E de repente, não mais que de repente, saiu o gol tão sonhado. Uma cabeçada de Doval, maravilhosa cabeçada. Viva esse gringo, que persegue o gol com feroz obstinação!”. Frase tão elaborada, não partiria de qualquer torcedor. Somente Nelson Rodrigues para verter palavras tão bem alinhadas sobre um jogador, obviamente do Fluminense, sua paixão maior.

Mas o argentino Narciso Horacio Doval conquistou outra torcida antes da massa tricolor: a do Flamengo. Pelos dois clubes foi campeão estadual e jogou com algumas das melhores gerações de craques do futebol nacional. Vejam só: no Flamengo, teve ao lado Zico e Paulo Cézar Caju; no Fluminense, Rivellino, Carlos Alberto Torres, Pintinho, Edinho e o mesmo Paulo Cézar Caju, que o conhecia muito bem, no gramado e fora dele. Foram parceiraços. Doval era o “El loco” de Ipanema enquanto Caju, o jogador mais badalado, o mais cult da zona sul. Quem não queria tirar onda como eles?

Durante um jogo do Flamengo contra o América, em 1970, Doval aprendeu a amar definitivamente o futebol brasileiro e, especialmente, o Rio de Janeiro.

Como escreveu o saudoso repórter Fausto Neto, o jogo estava 0 a 0 até que Doval tomou a bola de Mareco, entrou pelo lado esquerdo da área e tocou-a no canto direito do goleiro. Um gol que garantiria a vitória e despertaria um monumental som emanado da arquibancada: “Doval! Doval! Doval!”.

“Eu tremi nas bases. Fiquei bobo. Nunca tinha ouvido 100 mil pessoas gritando meu nome […] Jogar no Flamengo é simplesmente fascinante. Esta história de que a camisa do Flamengo corre sozinha, dribla e faz gols é mais que uma história, é uma verdade. Conheço quase todo o mundo, joguei para grandes plateias, lá mesmo na Argentina a parada não é mole, mas o Maracanã em dia de Flamengo é o diabo […] A torcida rubro-negra é um milagre”.

Doval nunca se esqueceria daquele dia.

O craque argentino nasceu no dia 4 de janeiro de 1944, em Buenos Aires, e morreu de infarto — igual ao pai — no dia 12 de outubro de 1991, na mesma cidade. Começou a se sentir mal quando voltava da famosa boate Alvear, na capital portenha, após comemorar uma vitória do Flamengo na Supercopa da Libertadores sobre o Estudiantes de La Plata.

BRILHO NO SAN LORENZO

Com 13 anos de idade, Doval jogava as peladas como goleiro, mas como gostava de sair driblando, o colocaram no meio-campo para sossegá-lo. Depois, ao se profissionalizar, descobriram que o lourinho de olho azul era, na verdade, um senhor atacante.

O primeiro clube da carreira de Doval foi o San Lorenzo de Almagro. Estreou no clube argentino em 1962. Dividia-se entre os gramados e as passarelas. Reconhecidamente um homem bonito, Doval fora também manequim de uma casa de moda em Buenos Aires. Quando chegou ao Rubro-negro em 1969, indicado pelo técnico Tim, que o havia treinado na Argentina, receberia, em pouco tempo, convite para estrelar novela na TV. Preferiu manter-se nos gramados.


Logo no primeiro jogo, Doval, que atuava mais como ponta-direita, não conseguiu evitar a derrota para o Botafogo por 2 a 0, em 20 de abril. Dois anos depois retornou à Argentina, para o Huracán, por não aceitar cortar os cabelos e a barba, como queria o técnico Dorival Knippel, o “Yustrich”, que, apesar de tudo, dizia que Doval “conversava bem com a bola”.

Mas em 1972, o craque voltou à Gávea para ser campeão estadual e artilheiro, com 16 gols. Em 1974 não foi artilheiro, mas levantou novamente o troféu de campeão carioca ao lado de Zico, com quem formou excelente dupla na Gávea. Avesso às entrevistas, Doval foi um dos melhores parceiros de ataque de Zico. O que o Galinho sempre confirmou.

Deixou o Flamengo em 1976, após marcar 95 gols em 263 jogos. Estava na lista do “troca-troca” do Francisco Horta entre Flamengo e Fluminense. Doval seguiu, portanto, para a rua Álvaro Chaves, acompanhando o goleiro Renato e o lateral-esquerdo Rodrigues Neto.

No Tricolor, Doval foi campeão e artilheiro de 1976, com 20 gols anotados. Foi dele o gol do título, no último minuto da prorrogação, contra o Vasco. Um gol que Nelson Rodrigues , de forma prodigiosa, esmiuçou em sua coluna do jornal O Globo:

“Amigos, se o Fluminense ganhasse de 5 x 0 não teria a graça que teve o suspense pavoroso […] E de repente, não mais que de repente, como diz o poeta, saiu o gol tão sonhado, tão desejado. Foi uma cabeçada de Doval, maravilhosa cabeçada. Isso depois de 118 minutos de uma espera trágica. Uma multidão tensa pôde subir pelas paredes como lagartixas profissionais. Viva o gringo, o goleador nato e hereditário, que perseguia o gol com feroz obstinação […] e enfiou a cabeça para a mais doce e mais santa vitória da terra.”

Com o manto tricolor, Doval disputou 142 jogos e marcou 68 gols.

A dupla Fla-Flu marcou sua vida. Quando um lado o amava o outro procurava irritá-lo. E vice-versa. Mas jamais detestá-lo. Era amado pelos dois lados da arquibancada. Foi assim a passagem de Doval no Rio.

Durante um clássico entre os dois clubes, os tricolores gritavam da arquibancada: “Chincheiro, chincheiro…”. Doval, figura fácil na praia de Ipanema, era lembrado pelo bom futebol e pela fama — que ele nunca admitiu, mas também não negou — de ser chegado a um cigarro de maconha, o “barato” predileto da moçada que frequentava as dunas de Ipanema naqueles psicodélicos anos de 1970.


Fim de jogo, um repórter se aproximou de Doval e perguntou como o craque interpretava os gritos da torcida. Doval, com o seu indefectível portunhol, saiu-se com essa: “No compreendi nada! Yo comi la pelota e todos só gritavam pelo Tinteiro!!!”. Para quem não se recorda, Tinteiro era um lateral-esquerdo rubro-negro em campo. Pano rápido.

O argentino, que comemorava seus gols no Maracanã de punhos cerrados para a torcida da geral, na beira do fosso, parou de jogar em 1980, no San Lorenzo. Fez apenas uma partida pela seleção de seu país, em 1964. Dizem que foi banido do escrete por ter apalpado uma comissária de bordo quando a delegação portenha viajava para mais um compromisso.

Notívago contumaz, o “El Loco” — como Doval era conhecido na Argentina — fazia muito sucesso com as mulheres cariocas. Invariavelmente, ele era visto com algumas lindíssimas. O craque, tantas vezes campeão no Rio de Janeiro, sequer deu volta olímpica em sua terra natal. Doval foi, contudo, prodigioso no campo e no anedotário do futebol carioca.

Nos anos de 1970, durante um jogo, o locutor oficial do Maracanã anunciou que Doval acabara de morrer. O inusitado era a presença do craque no estádio. Para corrigir tamanha gafe, o intrépido locutor, com sua voz ressonante, emendou pior que o soneto: “O jogador Doval, que havia morrido, não morreu e está assistindo ao jogo.”

O jornalista Renato Maurício Prado define Doval como o “gringo mais carioca” que pisou os gramados do Rio. O craque morava no Hotel Vermont, na rua Visconde de Pirajá, em Ipanema, bairro no qual poderia ser visto de dia, na praia, disputando peladas, e de noite, boates mais badaladas da cidade. Em dias de festas de Momo, então… Doval era o Rio, e a cidade o reverenciava com toda justiça.