Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

DOVAL, DO RIO, MOÇAS E FESTAS

4 / janeiro / 2020

por André Felipe de Lima


“E de repente, não mais que de repente, saiu o gol tão sonhado. Uma cabeçada de Doval, maravilhosa cabeçada. Viva esse gringo, que persegue o gol com feroz obstinação!”. Frase tão elaborada, não partiria de qualquer torcedor. Somente Nelson Rodrigues para verter palavras tão bem alinhadas sobre um jogador, obviamente do Fluminense, sua paixão maior.

Mas o argentino Narciso Horacio Doval conquistou outra torcida antes da massa tricolor: a do Flamengo. Pelos dois clubes foi campeão estadual e jogou com algumas das melhores gerações de craques do futebol nacional. Vejam só: no Flamengo, teve ao lado Zico e Paulo Cézar Caju; no Fluminense, Rivellino, Carlos Alberto Torres, Pintinho, Edinho e o mesmo Paulo Cézar Caju, que o conhecia muito bem, no gramado e fora dele. Foram parceiraços. Doval era o “El loco” de Ipanema enquanto Caju, o jogador mais badalado, o mais cult da zona sul. Quem não queria tirar onda como eles?

Durante um jogo do Flamengo contra o América, em 1970, Doval aprendeu a amar definitivamente o futebol brasileiro e, especialmente, o Rio de Janeiro.

Como escreveu o saudoso repórter Fausto Neto, o jogo estava 0 a 0 até que Doval tomou a bola de Mareco, entrou pelo lado esquerdo da área e tocou-a no canto direito do goleiro. Um gol que garantiria a vitória e despertaria um monumental som emanado da arquibancada: “Doval! Doval! Doval!”.

“Eu tremi nas bases. Fiquei bobo. Nunca tinha ouvido 100 mil pessoas gritando meu nome […] Jogar no Flamengo é simplesmente fascinante. Esta história de que a camisa do Flamengo corre sozinha, dribla e faz gols é mais que uma história, é uma verdade. Conheço quase todo o mundo, joguei para grandes plateias, lá mesmo na Argentina a parada não é mole, mas o Maracanã em dia de Flamengo é o diabo […] A torcida rubro-negra é um milagre”.

Doval nunca se esqueceria daquele dia.

O craque argentino nasceu no dia 4 de janeiro de 1944, em Buenos Aires, e morreu de infarto — igual ao pai — no dia 12 de outubro de 1991, na mesma cidade. Começou a se sentir mal quando voltava da famosa boate Alvear, na capital portenha, após comemorar uma vitória do Flamengo na Supercopa da Libertadores sobre o Estudiantes de La Plata.

BRILHO NO SAN LORENZO

Com 13 anos de idade, Doval jogava as peladas como goleiro, mas como gostava de sair driblando, o colocaram no meio-campo para sossegá-lo. Depois, ao se profissionalizar, descobriram que o lourinho de olho azul era, na verdade, um senhor atacante.

O primeiro clube da carreira de Doval foi o San Lorenzo de Almagro. Estreou no clube argentino em 1962. Dividia-se entre os gramados e as passarelas. Reconhecidamente um homem bonito, Doval fora também manequim de uma casa de moda em Buenos Aires. Quando chegou ao Rubro-negro em 1969, indicado pelo técnico Tim, que o havia treinado na Argentina, receberia, em pouco tempo, convite para estrelar novela na TV. Preferiu manter-se nos gramados.


Logo no primeiro jogo, Doval, que atuava mais como ponta-direita, não conseguiu evitar a derrota para o Botafogo por 2 a 0, em 20 de abril. Dois anos depois retornou à Argentina, para o Huracán, por não aceitar cortar os cabelos e a barba, como queria o técnico Dorival Knippel, o “Yustrich”, que, apesar de tudo, dizia que Doval “conversava bem com a bola”.

Mas em 1972, o craque voltou à Gávea para ser campeão estadual e artilheiro, com 16 gols. Em 1974 não foi artilheiro, mas levantou novamente o troféu de campeão carioca ao lado de Zico, com quem formou excelente dupla na Gávea. Avesso às entrevistas, Doval foi um dos melhores parceiros de ataque de Zico. O que o Galinho sempre confirmou.

Deixou o Flamengo em 1976, após marcar 95 gols em 263 jogos. Estava na lista do “troca-troca” do Francisco Horta entre Flamengo e Fluminense. Doval seguiu, portanto, para a rua Álvaro Chaves, acompanhando o goleiro Renato e o lateral-esquerdo Rodrigues Neto.

No Tricolor, Doval foi campeão e artilheiro de 1976, com 20 gols anotados. Foi dele o gol do título, no último minuto da prorrogação, contra o Vasco. Um gol que Nelson Rodrigues , de forma prodigiosa, esmiuçou em sua coluna do jornal O Globo:

“Amigos, se o Fluminense ganhasse de 5 x 0 não teria a graça que teve o suspense pavoroso […] E de repente, não mais que de repente, como diz o poeta, saiu o gol tão sonhado, tão desejado. Foi uma cabeçada de Doval, maravilhosa cabeçada. Isso depois de 118 minutos de uma espera trágica. Uma multidão tensa pôde subir pelas paredes como lagartixas profissionais. Viva o gringo, o goleador nato e hereditário, que perseguia o gol com feroz obstinação […] e enfiou a cabeça para a mais doce e mais santa vitória da terra.”

Com o manto tricolor, Doval disputou 142 jogos e marcou 68 gols.

A dupla Fla-Flu marcou sua vida. Quando um lado o amava o outro procurava irritá-lo. E vice-versa. Mas jamais detestá-lo. Era amado pelos dois lados da arquibancada. Foi assim a passagem de Doval no Rio.

Durante um clássico entre os dois clubes, os tricolores gritavam da arquibancada: “Chincheiro, chincheiro…”. Doval, figura fácil na praia de Ipanema, era lembrado pelo bom futebol e pela fama — que ele nunca admitiu, mas também não negou — de ser chegado a um cigarro de maconha, o “barato” predileto da moçada que frequentava as dunas de Ipanema naqueles psicodélicos anos de 1970.


Fim de jogo, um repórter se aproximou de Doval e perguntou como o craque interpretava os gritos da torcida. Doval, com o seu indefectível portunhol, saiu-se com essa: “No compreendi nada! Yo comi la pelota e todos só gritavam pelo Tinteiro!!!”. Para quem não se recorda, Tinteiro era um lateral-esquerdo rubro-negro em campo. Pano rápido.

O argentino, que comemorava seus gols no Maracanã de punhos cerrados para a torcida da geral, na beira do fosso, parou de jogar em 1980, no San Lorenzo. Fez apenas uma partida pela seleção de seu país, em 1964. Dizem que foi banido do escrete por ter apalpado uma comissária de bordo quando a delegação portenha viajava para mais um compromisso.

Notívago contumaz, o “El Loco” — como Doval era conhecido na Argentina — fazia muito sucesso com as mulheres cariocas. Invariavelmente, ele era visto com algumas lindíssimas. O craque, tantas vezes campeão no Rio de Janeiro, sequer deu volta olímpica em sua terra natal. Doval foi, contudo, prodigioso no campo e no anedotário do futebol carioca.

Nos anos de 1970, durante um jogo, o locutor oficial do Maracanã anunciou que Doval acabara de morrer. O inusitado era a presença do craque no estádio. Para corrigir tamanha gafe, o intrépido locutor, com sua voz ressonante, emendou pior que o soneto: “O jogador Doval, que havia morrido, não morreu e está assistindo ao jogo.”

O jornalista Renato Maurício Prado define Doval como o “gringo mais carioca” que pisou os gramados do Rio. O craque morava no Hotel Vermont, na rua Visconde de Pirajá, em Ipanema, bairro no qual poderia ser visto de dia, na praia, disputando peladas, e de noite, boates mais badaladas da cidade. Em dias de festas de Momo, então… Doval era o Rio, e a cidade o reverenciava com toda justiça.

TAGS:

3 Comentários

  1. Manoel Roberto Maciel

    Para mim Doval foi um craque, e nào esquecerei jamais, aqueles 5×2 no Fluminense, em 1972, ainda tenho o jornal, O Globo, daquele ano.

    Responder
    • Celso Xavier

      Sou torcedor apaixonado do Flamengo. Não tive a rica oportunidade de ver Doval jogar com a Camisa Preta e Vermelho como era chamado à época. Muita raça é técnica. Tive sim a oportunidade de conhecer o Narciso Doval nas praias de Ipanema precisamente na Rua Vinícius de Morais. Adora ficar vendo as mulheres, na ocasião tive a sorte de conhecer belas mulheres nesse local. O Doval ficava alucinado olhando, mas não falava nenhuma palavra em português. Bons tempos..

      Responder
  2. Celso Xavier

    Sou torcedor apaixonado do Flamengo. Não tive a rica oportunidade de ver Doval jogar com a Camisa Preta e Vermelho como era chamado à época. Muita raça é técnica. Tive sim a oportunidade de conhecer o Narciso Doval nas praias de Ipanema precisamente na Rua Vinícius de Morais. Adora ficar vendo as mulheres, na ocasião tive a sorte de conhecer belas mulheres nesse local. O Doval ficava alucinado olhando, mas não falava nenhuma palavra em português. Bons tempos..

    Responder

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *