O PRECONCEITO É QUE ESTÁ NOS ENFORCANDO
por Zé Roberto Padilha
Quando um médico, aos 36 anos, entra na sala de cirurgia para operar um parente nosso, rola um certo desconforto: “Mas não é muito novo?”. Um prefeito que nesta idade é eleito, o que vai ter é gente falando que ainda está verde para dirigir a sua cidade. Mas quando Fred, aos 36 anos, é cogitado a voltar a defender o Fluminense, tem torcedor que anda resmungando: “Mas não está velho?”
Fred está é no auge da sabedoria. Da colocação entre os zagueiros, da precisão de um arremate à gol, de um cabecear preciso e calculado. O que fizeram com ele no Cruzeiro foi covardia: os alas que deveriam abastecê-lo pelo alto estavam esgotados, caso de Egídio e Edílson. Pelo lado, a preguiça tomou conta de Thiago Neves e o Henrique e o Robinho nunca mais foram para dentro da grande área buscar uma segunda bola. Nem Aguero, Firmino e Cristiano Ronaldo seriam decisivos sem especialistas exercendo ao lado o quesito assistência. E se a bola não chega, como empurrá-la para o fundo das redes?
Fred tem um fundamento raro, e decisivo, para os que vestem a camisa nove: o tempo da bola pelo alto. Este é o cálculo mais complicado para os que, só de escanteios contra e a favor, precisam alcançá-la à exaustão antes dos adversário. Ele deve ter trocado, na infância e adolescência, o balancinho e o escorregador pela forca.
Forca é um objeto (foto) em extinção nas divisões de base. Se trata de um poste de madeira com uma bola de futebol fixada no topo com uma corda. A altura é calculada pelo tamanho do jogador, mas o sarrafo vai subindo nas mãos do preparador físico à medida que o tempo é encontrado. Todo clube que revelou um grande cabeceador tinha um: Fluminense tinha o Flávio, o Flamengo o Dionísio, o Botafogo o Fischer e o Vasco Roberto Dinamite. E o maior de todos, que parava no ponto mais alto sobre a área, como um beija-flor, era Dadá Maravilha, do Atlético Mineiro.
Depois que a tecnologia de ponta, o Padrão Fifa, aposentou a forca nas divisões de base, nem o artilheiro maior do país, por dois anos consecutivos, o Gabigol, aprendeu a cabecear. Imaginem o resto.
Sendo assim, seja bem-vindo, Fred. E traga uma mostra da forca do América-MG, onde foi revelado, e leve-a até Xerém. Quem sabe aqueles meninos que detestam desmanchar seus penteados percam um tempinho aprendendo o sublime prazer de encontrá-la acima da zaga adversária e postá-la dentro do gol para que todo tricolor seja feliz outra vez?
Moral da história: não é o Fred que está velho. O preconceito com a expectativa de vida, cada vez mais alta dos nossos raros e últimos ídolos, é que está nos enforcando.
O TRICOLOR TRICAMPEÃO
por Luis Filipe Chateaubriand
Em 1983, o tradicional Fluminense encontrava-se com pouco dinheiro, mas, mesmo assim, queria montar um time de futebol competitivo.
A diretoria, encabeçada pelo presidente Manoel Schwartz, conseguiu o seu intento.
Manteve ótimos jogadores “prata da casa”, como o excelente goleiro Paulo Vítor, o ótimo zagueiro Ricardo Gomes, o cerebral meia Delei e o ágil ponta esquerda Paulinho.
Entre 1982 e 1983, contratou jovens promessas a preços de ocasião, como o lateral direito Aldo, o jovem promissor lateral esquerdo Branco, o volante Jandir, o meia Leomir e o ponta esquerda Tato.
Enfim, foram contratados jogadores de algum sucesso, mas que não jogavam no privilegiado circuito São Paulo / Rio de Janeiro / Minas Gerais / Rio Grande do Sul, sendo mais baratos do que se jogassem nesses grandes centros, caso do “Casal 20”, Assis e Washington.
A estes se juntou o experiente Duílio, que já estava no clube.
Paulo Vítor; Aldo, Duílio, Ricardo Gomes e Branco; Jandir, Delei e Assis; Leomir, Washington e Tato. O ponta esquerda Paulinho era uma espécie de décimo segundo titular.
Time bom, bonito e barato, renderia ótimos frutos e seria aprovado pela torcida tricolor, conquistando o Campeonato Carioca de 1983.
Em 1984, as chegadas de jogadores como o craque paraguaio Romerito e o meia gaúcho Renê levaram o time a um patamar ainda mais elevado e, aproveitando-se de um Flamengo sem Zico (que estava na Itália) e de um Vasco da Gama que desfez o ótimo time de 1984, o tricolor carioca “deitou e rolou”: campeão brasileiro de 1984 e, principalmente, tri campeão carioca de 1983, 1984 e 1985.
Era a época que se dizia que no Rio de Janeiro, se falou em futebol, falou Fluminense.
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais 40 anos e é estudioso do calendário do futebol brasileiro e do futebol europeu. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.
OS INCRÍVEIS POMPEIA E VERMELHO, OS “ACROBATAS” DO FUTEBOL
por Victor Kingma
Nos início dos anos 60, o Bangu e o América tinham grandes times e vários craques desfilaram pelos gramados defendendo suas gloriosas camisas, como Djalma Dias, Leônidas e Amaro, pelo América e Zózimo, Roberto Pinto e Paulo Borges, pelo Bangu.
Entretanto, os saudosistas, como eu, devem se lembrar de dois jogadores, que, embora não fossem os astros das suas equipes, faziam a alegria das torcidas pelas acrobacias que faziam em campo: o goleiro americano Pompeia e o ponteiro banguense Vermelho.
Pompeia, que havia trabalhado em circo e sonhava um dia ser trapezista, era um espetáculo à parte com seus voos espetaculares, o, que, aliás, lhe rendeu o apelido de “Constellation”, aeronave famosa da época. Já o arisco ponteiro banguense tinha uma característica peculiar: cruzar as bolas e até bater escanteios, de letra. A torcida ia à loucura com as peripécias dos dois jogadores.
Certa vez, num jogo América e Botafogo, Pompeia foi fintado pelo endiabrado Mané Garrincha que partiu sozinho na direção ao gol para entrar com bola e tudo.
A torcida botafoguense se levantou para comemorar o gol, em mais uma diabrura do seu ponteiro, quando, inesperadamente, o elástico arqueiro do América deu um salto acrobático para trás e pegou a bola nos pés de Garrincha, em cima da linha.
Enquanto as torcidas dos dois times aplaudiam o lance, os dois artistas da bola se abraçavam, e, às gargalhadas, se divertiam pela jogada inusitada que acabavam de protagonizar.
Em outra oportunidade, acontecia no Rio o tradicional torneio início, evento com vários jogos de 20 minutos, que marcava o começo dos campeonatos regionais. Os times que venciam as partidas iam prosseguindo na competição.
Em um jogo do Bangu, toda vez que havia um escanteio em favor do time, a torcida em coro pedia para Vermelho efetuar a cobrança. Era uma festa no Maracanã.
De repente aconteceu um pênalti para a equipe banguense. O cobrador, Ocimar, se preparava para bater quando, assim que o juiz apitou, Vermelho tomou a frente e executou a cobrança, de letra, convertendo a penalidade, para delírio do público presente.
Nesse mesmo torneio, que não tinha tanto compromisso, pois servia para apresentar as novidades dos times para a temporada, Bangu e América se enfrentavam.
Quase no final do jogo acontece um corner a favor do Bangu. Vermelho bate de letra e executa mais uma vez a sua inusitada jogada. A bola vai no ângulo. O ponteiro parecia tentar um gol olímpico.
Pompéia, então, salta e faz mais um de seus voos acrobáticos para efetuar a defesa. Um detalhe: em vez de segurar a bola, como tinha feito em chutes de outros atacante, a espalma novamente para a linha de fundo, cedendo novo escanteio.
Talvez, lembrando dos tempos do circo, tenha pensado naquela hora que todos que estavam ali no “picadeiro” mereciam o replay daquela cena e das acrobacias que ele e o amigo Vermelho acabavam de executar. Valia a pena repetir.
Que saudade daqueles românticos tempos do futebol e de seus “palhaços” e “acrobatas” da bola!
PRO DIA NASCER FELIZ
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Por mais que tente é muito difícil não comparar os dias atuais com os de minha época. Por exemplo, tenho assistido a algumas partidas da Copinha e tem uma garotada boa de bola, mas com uma soberba fora do comum. Fazem gol e correm para a câmera dizendo “eu sou fo…” e gostam de tirar onda quando pegam um time bem mais fraco. O caráter também se constrói dentro de campo e é uma das funções do treinador.
Estava gostando do Fluminense, mas foi desclassificado justamente por achar que venceria a partida quando bem entendesse. Fui conferir o nome do técnico e não conhecia. Lembrei de Pinheiro, que faria aniversário segunda-feira passada e foi uma grande referência para a meninada tricolor. Para vocês terem uma ideia, Pinheiro foi auxiliar de Didi e subiu para o time profissional nomes como Pintinho, Edinho, Zé Roberto, Erivelto, Cléber, Edevaldo e o saudoso Gílson Gênio, que mais tarde também faria um belo trabalho na base.
Também não sei quem são os treinadores de Vasco, São Paulo e Palmeiras. O do Corinthians é o Coelho, ex-jogador. Insisto que a base deva ser treinada por quem entende de bola e não por especialistas em preparação física e estatísticas, mas não vou mais uma vez bater nessa tecla. Apenas me lembrei de Pinheiro, profissional raro, talentosíssimo e querido por todos, apenas boas lembranças, podem ficar tranquilos.
Escrevo emocionado com algumas mensagens carinhosas recebidas no Face, uma delas de Anizio Machado. Ele contou que, em 1976, foi jogar no Pinheiro, de Curitiba, e ganhou o apelido de Caju justamente por imitar o meu estilo. Servir de inspiração é sempre muito bom e adorei saber mesmo anos depois.
Em seguida, me contam que Hélio Costa, botafoguense fanático que me pediu para autografar uma camisa do Glorioso, havia morrido, mas levara com ele, como parte do corpo e lembrança eterna, o manto sagrado do Fogão. A paixão dos torcedores acaricia nossa alma e acalenta nosso coração. Me deixem chorar, por favor!
Outro gesto bacana foi do cantor Frejat, que me convidou para o seu show. Garanti presença, mas não fui. À noite, em casa, me ligaram para dizer que Frejat havia falado de mim, mais do que isso, havia pedido para que me reverenciassem quando me encontrassem na rua. Agradeci e chorei, mas era felicidade. Frejat, para quem não sabe, é bom de bola, lateral direito de qualidade, e um de seus grandes parceiros musicais é Mauro Santa Cecília, botafoguense roxo. Me arrependi de não ter ido, mas sozinho, no apartamento, cantarolei “Pro dia nascer feliz” em sua homenagem, obra-prima dele e Cazuza, poeta que não se encontra mais nessa empobrecida e devastada MPB.
“Todo dia a insônia me convence que o céu faz tudo ficar infinito e que a solidão é pretensão de quem fica”. Lindo demais! E a canção finaliza com uma espécie de mantra que carrego comigo e faz muita gente me considerar ranzinza e arrogante… ”nadando contra a corrente só para exercitar”. Viva Frejat! Viva a boa música! Viva o futebol-arte! E se isso é nostalgia que viva a nostalgia!
PATROCÍNIO SE NEGA?
por Idel Halfen
O anúncio do patrocínio da rede varejista Havan ao Vasco da Gama provocou nas redes sociais uma discussão que julgo bastante emblemática, principalmente a título de reflexão sobre as relações das empresas com o esporte.
A ala que se posiciona contra alega que o dono da empresa tem posições extremadas em defesa da direita, fato que guarda certa incoerência com as tradições populares do clube patrocinado.
Ora, inicialmente é preciso ficar claro que a pessoa jurídica não pode ser confundida com a pessoa física, ou seja, mesmo sendo a empresa de um dono a marca é outra, e como tal deve ter vida própria.
Claro que há o risco da contaminação, contudo essa avaliação requer análises menos rasas do que as que estão sendo feitas pelos ditos especialistas.
Um bom parâmetro que contribuiria nessa decisão pode vir do próprio resultado das lojas, isto é, se a participação de mercado da mesma está sofrendo com o jeito “extravagante” do seu dono, isso sem falar nas pesquisas de mercado para avaliação de eventual rejeição.
Já a discussão que coloca o clube como um bastião das tradições populares não me parece razoável pois o futebol é um esporte popular, não sendo o atributo popularidade um monopólio deste ou daquele clube, portanto, a eventual busca por se posicionar desta maneira contraria o princípio básico do posicionamento: ser diferente na mente dos públicos-alvos.
Confrontando os opositores do patrocínio estão os que defendem a iniciativa com a alegação de que o clube precisa de dinheiro e, dessa forma, não pode recusar nenhum tipo de verba. Argumento que, no meu mode ver, reforça a imoral frase de que os fins justificam os meios e sobre a qual discordo veementemente.
Por mais que se necessite de dinheiro, é preciso pensar no longo prazo, ou seja, de nada adianta receber uma verba significativa hoje se houver um risco considerável de a base de torcedores não aumentar de forma sustentável.
Ressalto que falo em tese e não em relação ao caso da Havan.
Feitas as devidas argumentações, teria tudo para terminar o artigo sem uma posição definitiva sobre o tema, visto faltarem pesquisas e informações sobre o patrocínio, inclusive em relação aos valores. Entretanto, a declaração do dono da empresa ao anunciar a parceria: “Quero dizer para todos os vascaínos que em 2020 vai ter um patrocínio da Havan aqui. Está confirmado. É um presente de ano novo para todos os vascaínos. Obrigado”, me faz tender a ser contra a iniciativa, na medida em que o empresário interpreta o patrocínio como um presente, ou seja, está fazendo um favor para os torcedores e não pensando no retorno que as partes poderão auferir, demonstrando claramente que não enxerga o esporte como uma ferramenta de marketing.