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‘FIO MARAVILHA, NÓS GOSTAMOS DE VOCÊ’

por André Felipe de Lima


“E novamente ele chegou com inspiração, com muito amor e emoção, com explosão… Sacudindo a torcida aos 33 minutos do segundo tempo, depois de fazer uma jogada celestial…”. João Batista de Sales, que ficaria conhecido como Fio Maravilha, ganhou dimensão nacional através destes versos da música de Jorge Ben Jor e de sua incomparável, digamos, “beleza”. Com dentes excessivamente proeminentes e um tanto desengonçado em alguns lances dentro do campo, Fio marcou sua época. Desde Garrincha que os torcedores do Maracanã não se divertiam tanto. O atacante, filho de Valdemiro e Maria, nasceu no dia 19 de janeiro de 1945, na cidade de Conselheiro Pena, em Minas Gerais, chegou ao Flamengo em 1966 e criou forte vínculo com a torcida. Longe de ser um craque, era veloz e estava sempre bem colocado, além disso, costumava marcar gols, como em um Fla-Flu, realizado no dia 16 de dezembro de 1967.

“Um dia recebi uma carta de torcedor do Fluminense que só não me chamava de santo. Dizia o diabo. Eu até tremi, de raiva. Mas o azar foi dele. No domingo a gente ia jogar contra o Fluminense. Aimoré [Aymoré Moreira] era o técnico do Flamengo. Pedi para jogar e ele me escalou. Ganhamos de 4 a 1. Fiz dois gols e dei os passes para os outros [Reyes e Dionísio, com Rinaldo descontando para o Flu]. Estava uma fera. Sabem o que aconteceu depois? O mesmo torcedor escreveu pedindo clemência, que eu esquecesse tudo. O gozado é que daquele dia em diante quase nunca perdi do Fluminense. Jogo com o Flu é bicho certo.”

Fio vem de uma família de jogadores de futebol. Teve quatro irmãos jogadores: Michila, Nino, Luís Carlos e Germano, este o mais famoso, que manteve relacionamento com uma condessa italiana e após casar-se com ela, contra a vontade da família da jovem, foi defender o Milan. Teve uma infância pobre, com privações e com falta de uma alimentação adequada o que causou contusões musculares recorrentes durante os treinamentos. Isso acabava impedindo que o jogador tivesse uma boa sequência de jogos pelo Flamengo. Também tinha graves problemas dentários e acabou ganhando uma alcunha um pouco cruel dos amigos, Fio Vampiro.

Bonito, definitivamente Fio não era. Mas foi um dos jogadores do Flamengo que mais cartas recebia de fãs chamando-o de “lindo” e, algumas delas, propondo-lhe casamento, como escreveu, em 1970, Fausto Neto. “Adoro o Fio. Acho-o um cara genial e tenho por ele uma grande paixão”, contou Tânia Regina da Costa, que à época tinha 17 anos. No quarto da menina havia dezenas de recortes de jornais e revistas e fotos… tudo sobre Fio, evidentemente.

Depoimento da jovem Maricéa da Costa Sales, que contava apenas 14 anos nos áureos tempos de Fio, foi ainda mais intenso. “Há um ano que o amo secretamente. Quase morri de emoção quando recebi a primeira resposta de uma carta que escrevi. Nela, Fio me retribuía dois beijos muito carinhosos.”

No dia 15 de janeiro de 1972, Fio se tornaria eterno aos inspirar os versos de um poeta da Música Popular Brasileira. Na arquibancada do ‘Maraca’, durante uma partida do Torneio Internacional de Verão entre o Mengão e o Benfica, Jorge Ben Jor acompanhava a torcida, que pede a entrada do folclórico atacante. Fio substituiu Arílson e marcou o gol da vitória, que o compositor assim descreveu: “Tabelou, driblou dois zagueiros, deu um toque driblou o goleiro… Só não entrou com bola e tudo porque teve humildade em gol… foi um gol de classe onde ele mostrou sua malícia e sua raça… foi um gol de anjo, um verdadeiro gol de placa que a magnética agradecida assim cantava…”. Naquele mesmo ano, Fio ajudou o clube a sagrar-se campeão carioca.

Em 1973, depois de sua saída do Flamengo o jogador se envolveu em uma grande polêmica ao escutar os conselhos de um amigo advogado e processar o músico pedindo direitos autorais sobre a composição. Derrotado, o jogador teve que pagar os custos do processo e os honorários do advogado de Ben Jor. E pior: levou a fama de ingrato e mau caráter. A música mudou de nome, agora chama-se “Filho Maravilha”, porém o refrão que a galera canta mesmo é: “Fio Maravilha, nós gostamos de você… Fio Maravilha, faz mais um pra gente ver…”

O humorista Cláudio Besserman Viana, o Bussunda, integrante do grupo Casseta & Planeta, que faleceu em decorrência de um infarto durante a Copa de 2006, era um flamenguista de primeira linha. Durante uma entrevista concedida ao jornalista Juan Saavedra revelou o motivo: “Fui num Fla x Flu no ‘Maraca’, me arrepiei com a torcida e com a atuação do Fio Maravilha e, graças a Deus, virei Mengão até morrer”. Porém o craque do humor também condenou a atitude do ídolo: “Fiquei muito decepcionado com o processo que ele moveu contra o Jorge Ben Jor. Mas serei eternamente agradecido por ele ter me ajudado a ser rubro-negro.”

Em terras tupiniquins, Fio Maravilha defendeu Paysandu, Ceub de Brasília, Desportiva Capixaba e São Cristóvão. A partir daí, Fio resolveu apostar as fichas no soccer, como os americanos chamam o futebol. Transferiu-se para o New York Eagles e, em seguida, para o Monte Belo Panthers. Em 1979, defendendo o San Francisco Mercury, resolveu que era hora de pendurar as chuteiras. Apaixonado pela cidade resolveu ficar de vez no Tio Sam.

Como não conseguiu fazer um bom pé de meia, que lhe garantisse tranquilidade após o fim da carreira, Fio teve que batalhar por um emprego. Hoje, o ex-atacante do Fla é entregador de pizzas e integrado à cultura esportiva local, curtindo o futebol americano e o beisebol.

Fio pode ter deixado o futebol para traz, mas enquanto Jorge Ben Jor entoar os versos da música que o consagrou seu nome será lembrado, principalmente pela galera do Mengão.

Sávio

ANJO LOIRO DA GÁVEA

por Eduardo Lamas

Sávio é sem dúvida alguma um grande ídolo da torcida rubro-negra, mas se sente em dívida. Queria ter dado mais, muito mais ao Flamengo. No entanto, como negar que a sua tarefa, a de ser o primeiro ídolo do clube após o fim da carreira de Zico e Júnior, era hercúlea? Ainda mais numa época de muitas dívidas, gastos inconsequentes e falta de estrutura na Gávea. O Ninho do Urubu, só que de fácil acesso, festivo, festeiro, era lá.


No nosso papo, logo após ser entrevistado online por Zico, Sávio demonstrou uma certa tristeza por não ter conquistado mais títulos com a camisa rubro-negra. Porém, todos sabemos que nunca será esquecido pelos torcedores do seu clube de coração desde criança. Além do mais, o futebol foi muito generoso com o seu imenso talento, pois além das que viveu no Flamengo, teve ainda mais alegrias no exterior, especialmente na Espanha, no Real Madrid e contra o time da capital espanhola. E hoje, embora diga que não joga mais, até foge das peladas, continua atuando no futebol. Foi a sua empresa que intermediou a ida de Filipe Luis para o Flamengo, por exemplo.

Quem me informou que Sávio estava morando em Florianópolis foi o ex-repórter das TVs Manchete e Bandeirantes Edilson Campos, com quem tive o privilégio de trabalhar no Jornal dos Sports, entre 1990 e 91, e indicado por ele para substituí-lo no Lance Multimídia, na Quarta-Feira de Cinzas de 2001. Pensava eu que vivesse em Vitória ou Vila Velha o Anjo Louro da Gávea (peço perdão, mas sou carioca de tempos idos, quando não se usava o “loiro, loira” que para mim na juventude fazia parte do sotaque paulista). Desde o primeiro contato, por whatsapp, o craque foi receptivo e, após uma viagem que ele fez, marcamos a entrevista para o escritório de sua empresa num shopping da Ilha da Magia, no finzinho de outubro. Encontrei Sávio já não mais louro e agora cultivando uma barba escura, mas com a mesma simpatia e o sorriso dos tempos em que cativava os flamenguistas com seus dribles, passes perfeitos, gols, autógrafos e muita atenção aos fãs. E foi contando a sua história, desde Vila Velha (ES), onde começou, como tantos, nas peladas de rua e campinhos de terra batida. Como nos gramados mundo afora, sem fugir das divididas e das entradas mais duras dos adversários da vida.

A DEUS, MARILENE

por Marcos Eduardo Neves


Sócio desde criança, cresci vendo pra lá e pra cá uma moça no Flamengo. Tempos depois soube quem era. Chamavam-na o tempo todo, como se fosse uma super-heroína com poderes sobrenaturais para resolver o problema que fosse no clube. Seu nome, Marilene Dabus.

Há 9 meses nasceu nossa amizade. Amigo em comum, Ruy Castro me ligou pedindo para dar uma ajuda a ela, “resolver” o livro que Marilene escrevia. Entrei na casa dela sabendo quem ela era; a recíproca não era verdadeira. Rapidamente nos tornamos bons amigos. Ela não entendia como não me conheceu antes. Nem eu.

Não resolvi o livro dela porque até isso ela soube resolver sozinha. Só editei. Ajudei a escolher as fotos, revisei os capítulos, criamos a capa e selecionamos amigos queridos para tecerem os textos das orelhas e do prefácio, deixando nosso ídolo Zico para ser a cereja do bolo, reluzindo na quarta-capa.

Ela ansiava por ver sua história no papel. Pudera: seu legado é de tirar o chapéu. Mulher briosa, segura de si, enfrentou o status quo adentrando um mundo totalmente machista como o do futebol, nos anos 60. Surgiu em um programa de tevê e logo teve trajetória cinematográfica na reconstrução do clube do coração. Desbravadora, tornou-se a primeira repórter mulher do país.

Por problemas de saúde, não pôde comparecer ao lançamento da sua própria obra. Mas sua alma esteve presente na Gávea, na ocasião. Como bem escreveu Ruy Castro em sua coluna na Folha de São Paulo, mesmo ausente parecia que Marilene se encontrava por ali em alguma das tantas rodas de conversa que havia no salão nobre do Mais Querido.

Hoje despertei com o telefone acordadíssimo. O celular tocava sem parar; depois foi minha vez de ser tocado. A última notícia sobre a repórter veio com a força de um furo – quem dera que de reportagem – em meu coração jornalista. Marilene faleceu.


Só quem viveu perto dela compreende a doçura que havia por trás daquela mulher firme. Só quem recebeu seu sorriso e carinho entende a falta que a sua presença trará. A ficha apenas começa a cair.

A chuva que dos céus jorrou esta manhã mais pareceu lágrimas. Talvez o choro da nação rubro-negra, órfã da mais emblemática figura feminina da história do clube. Talvez o pranto alegre de Manicera, Zizinho, Flávio Costa, Dida, Doval, Rodrigues Neto, Cláudio Coutinho e outras feras que felizes a recebiam de braços abertos na Eternidade.

Definitivamente, Marilene não merecia passar o feriado de São Sebastião, data que enaltece a Cidade Maravilhosa, em um leito de hospital. Foi curtir o fim de semana prolongado, literalmente, com Deus e o mundo.

Ela, que ano passado vibrou tanto com a Libertadores, enfim libertou as suas. E amanhã, sábado, sua luz certamente irradiará a estreia do time no Carioca, no Maracanã. Estádio que responde como uma de suas três casas. Junto à Gávea e a última em que viveu, na Fonte da Saudade – por sinal, nome mais propício que este, a essa altura, não há.

O PRECONCEITO É QUE ESTÁ NOS ENFORCANDO

por Zé Roberto Padilha


Quando um médico, aos 36 anos, entra na sala de cirurgia para operar um parente nosso, rola um certo desconforto: “Mas não é muito novo?”. Um prefeito que nesta idade é eleito, o que vai ter é gente falando que ainda está verde para dirigir a sua cidade. Mas quando Fred, aos 36 anos, é cogitado a voltar a defender o Fluminense, tem torcedor que anda resmungando: “Mas não está velho?”

Fred está é no auge da sabedoria. Da colocação entre os zagueiros, da precisão de um arremate à gol, de um cabecear preciso e calculado. O que fizeram com ele no Cruzeiro foi covardia: os alas que deveriam abastecê-lo pelo alto estavam esgotados, caso de Egídio e Edílson. Pelo lado, a preguiça tomou conta de Thiago Neves e o Henrique e o Robinho nunca mais foram para dentro da grande área buscar uma segunda bola. Nem Aguero, Firmino e Cristiano Ronaldo seriam decisivos sem especialistas exercendo ao lado o quesito assistência. E se a bola não chega, como empurrá-la para o fundo das redes?

Fred tem um fundamento raro, e decisivo, para os que vestem a camisa nove: o tempo da bola pelo alto. Este é o cálculo mais complicado para os que, só de escanteios contra e a favor, precisam alcançá-la à exaustão antes dos adversário. Ele deve ter trocado, na infância e adolescência, o balancinho e o escorregador pela forca.


Forca é um objeto (foto) em extinção nas divisões de base. Se trata de um poste de madeira com uma bola de futebol fixada no topo com uma corda. A altura é calculada pelo tamanho do jogador, mas o sarrafo vai subindo nas mãos do preparador físico à medida que o tempo é encontrado. Todo clube que revelou um grande cabeceador tinha um: Fluminense tinha o Flávio, o Flamengo o Dionísio, o Botafogo o Fischer e o Vasco Roberto Dinamite. E o maior de todos, que parava no ponto mais alto sobre a área, como um beija-flor, era Dadá Maravilha, do Atlético Mineiro.

Depois que a tecnologia de ponta, o Padrão Fifa, aposentou a forca nas divisões de base, nem o artilheiro maior do país, por dois anos consecutivos, o Gabigol, aprendeu a cabecear. Imaginem o resto.

Sendo assim, seja bem-vindo, Fred. E traga uma mostra da forca do América-MG, onde foi revelado, e leve-a até Xerém. Quem sabe aqueles meninos que detestam desmanchar seus penteados percam um tempinho aprendendo o sublime prazer de encontrá-la acima da zaga adversária e postá-la dentro do gol para que todo tricolor seja feliz outra vez?

Moral da história: não é o Fred que está velho. O preconceito com a expectativa de vida, cada vez mais alta dos nossos raros e últimos ídolos, é que está nos enforcando.

O TRICOLOR TRICAMPEÃO

por Luis Filipe Chateaubriand 


Em 1983, o tradicional Fluminense encontrava-se com pouco dinheiro, mas, mesmo assim, queria montar um time de futebol competitivo. 

A diretoria, encabeçada pelo presidente Manoel Schwartz, conseguiu o seu intento.

Manteve ótimos jogadores “prata da casa”, como o excelente goleiro Paulo Vítor, o ótimo zagueiro Ricardo Gomes, o cerebral meia Delei e o ágil ponta esquerda Paulinho. 

Entre 1982 e 1983, contratou jovens promessas a preços de ocasião, como o lateral direito Aldo, o jovem promissor lateral esquerdo Branco, o volante Jandir, o meia Leomir e o ponta esquerda Tato. 

Enfim, foram contratados jogadores de algum sucesso, mas que não jogavam no privilegiado circuito São Paulo / Rio de Janeiro / Minas Gerais / Rio Grande do Sul, sendo mais baratos do que se jogassem nesses grandes centros, caso do “Casal 20”, Assis e Washington. 

A estes se juntou o experiente Duílio, que já estava no clube. 

Paulo Vítor; Aldo, Duílio, Ricardo Gomes e Branco; Jandir, Delei e Assis; Leomir, Washington e Tato. O ponta esquerda Paulinho era uma espécie de décimo segundo titular. 

Time bom, bonito e barato, renderia ótimos frutos e seria aprovado pela torcida tricolor, conquistando o Campeonato Carioca de 1983. 

Em 1984, as chegadas de jogadores como o craque paraguaio Romerito e o meia gaúcho Renê levaram o time a um patamar ainda mais elevado e, aproveitando-se de um Flamengo sem Zico (que estava na Itália) e de um Vasco da Gama que desfez o ótimo time de 1984, o tricolor carioca “deitou e rolou”: campeão brasileiro de 1984 e, principalmente, tri campeão carioca de 1983, 1984 e 1985.  

Era a época que se dizia que no Rio de Janeiro, se falou em futebol, falou Fluminense.

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais 40 anos e é  estudioso do calendário do futebol brasileiro e do futebol europeu. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.