Sávio
ANJO LOIRO DA GÁVEA
por Eduardo Lamas
Sávio é sem dúvida alguma um grande ídolo da torcida rubro-negra, mas se sente em dívida. Queria ter dado mais, muito mais ao Flamengo. No entanto, como negar que a sua tarefa, a de ser o primeiro ídolo do clube após o fim da carreira de Zico e Júnior, era hercúlea? Ainda mais numa época de muitas dívidas, gastos inconsequentes e falta de estrutura na Gávea. O Ninho do Urubu, só que de fácil acesso, festivo, festeiro, era lá.
No nosso papo, logo após ser entrevistado online por Zico, Sávio demonstrou uma certa tristeza por não ter conquistado mais títulos com a camisa rubro-negra. Porém, todos sabemos que nunca será esquecido pelos torcedores do seu clube de coração desde criança. Além do mais, o futebol foi muito generoso com o seu imenso talento, pois além das que viveu no Flamengo, teve ainda mais alegrias no exterior, especialmente na Espanha, no Real Madrid e contra o time da capital espanhola. E hoje, embora diga que não joga mais, até foge das peladas, continua atuando no futebol. Foi a sua empresa que intermediou a ida de Filipe Luis para o Flamengo, por exemplo.
Quem me informou que Sávio estava morando em Florianópolis foi o ex-repórter das TVs Manchete e Bandeirantes Edilson Campos, com quem tive o privilégio de trabalhar no Jornal dos Sports, entre 1990 e 91, e indicado por ele para substituí-lo no Lance Multimídia, na Quarta-Feira de Cinzas de 2001. Pensava eu que vivesse em Vitória ou Vila Velha o Anjo Louro da Gávea (peço perdão, mas sou carioca de tempos idos, quando não se usava o “loiro, loira” que para mim na juventude fazia parte do sotaque paulista). Desde o primeiro contato, por whatsapp, o craque foi receptivo e, após uma viagem que ele fez, marcamos a entrevista para o escritório de sua empresa num shopping da Ilha da Magia, no finzinho de outubro. Encontrei Sávio já não mais louro e agora cultivando uma barba escura, mas com a mesma simpatia e o sorriso dos tempos em que cativava os flamenguistas com seus dribles, passes perfeitos, gols, autógrafos e muita atenção aos fãs. E foi contando a sua história, desde Vila Velha (ES), onde começou, como tantos, nas peladas de rua e campinhos de terra batida. Como nos gramados mundo afora, sem fugir das divididas e das entradas mais duras dos adversários da vida.
A DEUS, MARILENE
por Marcos Eduardo Neves
Sócio desde criança, cresci vendo pra lá e pra cá uma moça no Flamengo. Tempos depois soube quem era. Chamavam-na o tempo todo, como se fosse uma super-heroína com poderes sobrenaturais para resolver o problema que fosse no clube. Seu nome, Marilene Dabus.
Há 9 meses nasceu nossa amizade. Amigo em comum, Ruy Castro me ligou pedindo para dar uma ajuda a ela, “resolver” o livro que Marilene escrevia. Entrei na casa dela sabendo quem ela era; a recíproca não era verdadeira. Rapidamente nos tornamos bons amigos. Ela não entendia como não me conheceu antes. Nem eu.
Não resolvi o livro dela porque até isso ela soube resolver sozinha. Só editei. Ajudei a escolher as fotos, revisei os capítulos, criamos a capa e selecionamos amigos queridos para tecerem os textos das orelhas e do prefácio, deixando nosso ídolo Zico para ser a cereja do bolo, reluzindo na quarta-capa.
Ela ansiava por ver sua história no papel. Pudera: seu legado é de tirar o chapéu. Mulher briosa, segura de si, enfrentou o status quo adentrando um mundo totalmente machista como o do futebol, nos anos 60. Surgiu em um programa de tevê e logo teve trajetória cinematográfica na reconstrução do clube do coração. Desbravadora, tornou-se a primeira repórter mulher do país.
Por problemas de saúde, não pôde comparecer ao lançamento da sua própria obra. Mas sua alma esteve presente na Gávea, na ocasião. Como bem escreveu Ruy Castro em sua coluna na Folha de São Paulo, mesmo ausente parecia que Marilene se encontrava por ali em alguma das tantas rodas de conversa que havia no salão nobre do Mais Querido.
Hoje despertei com o telefone acordadíssimo. O celular tocava sem parar; depois foi minha vez de ser tocado. A última notícia sobre a repórter veio com a força de um furo – quem dera que de reportagem – em meu coração jornalista. Marilene faleceu.
Só quem viveu perto dela compreende a doçura que havia por trás daquela mulher firme. Só quem recebeu seu sorriso e carinho entende a falta que a sua presença trará. A ficha apenas começa a cair.
A chuva que dos céus jorrou esta manhã mais pareceu lágrimas. Talvez o choro da nação rubro-negra, órfã da mais emblemática figura feminina da história do clube. Talvez o pranto alegre de Manicera, Zizinho, Flávio Costa, Dida, Doval, Rodrigues Neto, Cláudio Coutinho e outras feras que felizes a recebiam de braços abertos na Eternidade.
Definitivamente, Marilene não merecia passar o feriado de São Sebastião, data que enaltece a Cidade Maravilhosa, em um leito de hospital. Foi curtir o fim de semana prolongado, literalmente, com Deus e o mundo.
Ela, que ano passado vibrou tanto com a Libertadores, enfim libertou as suas. E amanhã, sábado, sua luz certamente irradiará a estreia do time no Carioca, no Maracanã. Estádio que responde como uma de suas três casas. Junto à Gávea e a última em que viveu, na Fonte da Saudade – por sinal, nome mais propício que este, a essa altura, não há.
O PRECONCEITO É QUE ESTÁ NOS ENFORCANDO
por Zé Roberto Padilha
Quando um médico, aos 36 anos, entra na sala de cirurgia para operar um parente nosso, rola um certo desconforto: “Mas não é muito novo?”. Um prefeito que nesta idade é eleito, o que vai ter é gente falando que ainda está verde para dirigir a sua cidade. Mas quando Fred, aos 36 anos, é cogitado a voltar a defender o Fluminense, tem torcedor que anda resmungando: “Mas não está velho?”
Fred está é no auge da sabedoria. Da colocação entre os zagueiros, da precisão de um arremate à gol, de um cabecear preciso e calculado. O que fizeram com ele no Cruzeiro foi covardia: os alas que deveriam abastecê-lo pelo alto estavam esgotados, caso de Egídio e Edílson. Pelo lado, a preguiça tomou conta de Thiago Neves e o Henrique e o Robinho nunca mais foram para dentro da grande área buscar uma segunda bola. Nem Aguero, Firmino e Cristiano Ronaldo seriam decisivos sem especialistas exercendo ao lado o quesito assistência. E se a bola não chega, como empurrá-la para o fundo das redes?
Fred tem um fundamento raro, e decisivo, para os que vestem a camisa nove: o tempo da bola pelo alto. Este é o cálculo mais complicado para os que, só de escanteios contra e a favor, precisam alcançá-la à exaustão antes dos adversário. Ele deve ter trocado, na infância e adolescência, o balancinho e o escorregador pela forca.
Forca é um objeto (foto) em extinção nas divisões de base. Se trata de um poste de madeira com uma bola de futebol fixada no topo com uma corda. A altura é calculada pelo tamanho do jogador, mas o sarrafo vai subindo nas mãos do preparador físico à medida que o tempo é encontrado. Todo clube que revelou um grande cabeceador tinha um: Fluminense tinha o Flávio, o Flamengo o Dionísio, o Botafogo o Fischer e o Vasco Roberto Dinamite. E o maior de todos, que parava no ponto mais alto sobre a área, como um beija-flor, era Dadá Maravilha, do Atlético Mineiro.
Depois que a tecnologia de ponta, o Padrão Fifa, aposentou a forca nas divisões de base, nem o artilheiro maior do país, por dois anos consecutivos, o Gabigol, aprendeu a cabecear. Imaginem o resto.
Sendo assim, seja bem-vindo, Fred. E traga uma mostra da forca do América-MG, onde foi revelado, e leve-a até Xerém. Quem sabe aqueles meninos que detestam desmanchar seus penteados percam um tempinho aprendendo o sublime prazer de encontrá-la acima da zaga adversária e postá-la dentro do gol para que todo tricolor seja feliz outra vez?
Moral da história: não é o Fred que está velho. O preconceito com a expectativa de vida, cada vez mais alta dos nossos raros e últimos ídolos, é que está nos enforcando.
O TRICOLOR TRICAMPEÃO
por Luis Filipe Chateaubriand
Em 1983, o tradicional Fluminense encontrava-se com pouco dinheiro, mas, mesmo assim, queria montar um time de futebol competitivo.
A diretoria, encabeçada pelo presidente Manoel Schwartz, conseguiu o seu intento.
Manteve ótimos jogadores “prata da casa”, como o excelente goleiro Paulo Vítor, o ótimo zagueiro Ricardo Gomes, o cerebral meia Delei e o ágil ponta esquerda Paulinho.
Entre 1982 e 1983, contratou jovens promessas a preços de ocasião, como o lateral direito Aldo, o jovem promissor lateral esquerdo Branco, o volante Jandir, o meia Leomir e o ponta esquerda Tato.
Enfim, foram contratados jogadores de algum sucesso, mas que não jogavam no privilegiado circuito São Paulo / Rio de Janeiro / Minas Gerais / Rio Grande do Sul, sendo mais baratos do que se jogassem nesses grandes centros, caso do “Casal 20”, Assis e Washington.
A estes se juntou o experiente Duílio, que já estava no clube.
Paulo Vítor; Aldo, Duílio, Ricardo Gomes e Branco; Jandir, Delei e Assis; Leomir, Washington e Tato. O ponta esquerda Paulinho era uma espécie de décimo segundo titular.
Time bom, bonito e barato, renderia ótimos frutos e seria aprovado pela torcida tricolor, conquistando o Campeonato Carioca de 1983.
Em 1984, as chegadas de jogadores como o craque paraguaio Romerito e o meia gaúcho Renê levaram o time a um patamar ainda mais elevado e, aproveitando-se de um Flamengo sem Zico (que estava na Itália) e de um Vasco da Gama que desfez o ótimo time de 1984, o tricolor carioca “deitou e rolou”: campeão brasileiro de 1984 e, principalmente, tri campeão carioca de 1983, 1984 e 1985.
Era a época que se dizia que no Rio de Janeiro, se falou em futebol, falou Fluminense.
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais 40 anos e é estudioso do calendário do futebol brasileiro e do futebol europeu. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.
OS INCRÍVEIS POMPEIA E VERMELHO, OS “ACROBATAS” DO FUTEBOL
por Victor Kingma
Nos início dos anos 60, o Bangu e o América tinham grandes times e vários craques desfilaram pelos gramados defendendo suas gloriosas camisas, como Djalma Dias, Leônidas e Amaro, pelo América e Zózimo, Roberto Pinto e Paulo Borges, pelo Bangu.
Entretanto, os saudosistas, como eu, devem se lembrar de dois jogadores, que, embora não fossem os astros das suas equipes, faziam a alegria das torcidas pelas acrobacias que faziam em campo: o goleiro americano Pompeia e o ponteiro banguense Vermelho.
Pompeia, que havia trabalhado em circo e sonhava um dia ser trapezista, era um espetáculo à parte com seus voos espetaculares, o, que, aliás, lhe rendeu o apelido de “Constellation”, aeronave famosa da época. Já o arisco ponteiro banguense tinha uma característica peculiar: cruzar as bolas e até bater escanteios, de letra. A torcida ia à loucura com as peripécias dos dois jogadores.
Certa vez, num jogo América e Botafogo, Pompeia foi fintado pelo endiabrado Mané Garrincha que partiu sozinho na direção ao gol para entrar com bola e tudo.
A torcida botafoguense se levantou para comemorar o gol, em mais uma diabrura do seu ponteiro, quando, inesperadamente, o elástico arqueiro do América deu um salto acrobático para trás e pegou a bola nos pés de Garrincha, em cima da linha.
Enquanto as torcidas dos dois times aplaudiam o lance, os dois artistas da bola se abraçavam, e, às gargalhadas, se divertiam pela jogada inusitada que acabavam de protagonizar.
Em outra oportunidade, acontecia no Rio o tradicional torneio início, evento com vários jogos de 20 minutos, que marcava o começo dos campeonatos regionais. Os times que venciam as partidas iam prosseguindo na competição.
Em um jogo do Bangu, toda vez que havia um escanteio em favor do time, a torcida em coro pedia para Vermelho efetuar a cobrança. Era uma festa no Maracanã.
De repente aconteceu um pênalti para a equipe banguense. O cobrador, Ocimar, se preparava para bater quando, assim que o juiz apitou, Vermelho tomou a frente e executou a cobrança, de letra, convertendo a penalidade, para delírio do público presente.
Nesse mesmo torneio, que não tinha tanto compromisso, pois servia para apresentar as novidades dos times para a temporada, Bangu e América se enfrentavam.
Quase no final do jogo acontece um corner a favor do Bangu. Vermelho bate de letra e executa mais uma vez a sua inusitada jogada. A bola vai no ângulo. O ponteiro parecia tentar um gol olímpico.
Pompéia, então, salta e faz mais um de seus voos acrobáticos para efetuar a defesa. Um detalhe: em vez de segurar a bola, como tinha feito em chutes de outros atacante, a espalma novamente para a linha de fundo, cedendo novo escanteio.
Talvez, lembrando dos tempos do circo, tenha pensado naquela hora que todos que estavam ali no “picadeiro” mereciam o replay daquela cena e das acrobacias que ele e o amigo Vermelho acabavam de executar. Valia a pena repetir.
Que saudade daqueles românticos tempos do futebol e de seus “palhaços” e “acrobatas” da bola!