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LAPSO

por Eliezer Cunha


Algo me soa estranho. Algo não me parece normal. Algo ficou para trás. Algo foge à regra histórica do nosso futebol. Agora me pergunto e exclamo, o que será? Já não sinto mais o clamor popular para a conquista de mais uma Copa do Mundo. Não mais percebo do povo essa necessidade de superação através do futebol, onde, no passado, era algo atenuante para os nossos problemas diários. Da mídia futebolística percebo acanhamento e conformismo, dos dirigentes uma inoperância absoluta com os atuais resultados. E lá se vão anos sem uma conquista do mundial de seleções, parece que 2002 foi ontem? É, o tempo passa muito rápido.

Quando estávamos prestes a conquistar o mundial de 94, após longos 24 anos sem título, parecia uma eternidade obscura. Haviam cobranças vindas de todas as partes, principalmente por parte da mídia pelo vácuo de 24 anos sem tal conquista. Perguntávamos sempre, por que e como?  Até que em 1994 Romário, Bebeto e CIA conquistaram o feito. Na Copa seguinte. 1998, logramos novamente a final e acabamos perdendo para a anfitriã França e para o inusitado acontecimento com nossa maior estrela. Veio 2002 e com uma equipe muito bem armada e com valores individuais culminando em seus respectivos auges da carreira conquistamos novamente a taça.

Subsequente vem à geração dos “meninos promissores” possíveis arrebatadores de nosso futebol arte, endeusados pelas mídias nacionais e, assistimos Kaká, Robinho, Luís Fabiano, etc., inoperantes frente a tal expressivo evento mundial e suas respectivas seleções, até que culminou com o escândalo maior que nosso futebol podia ter registrado, inacreditável há algumas décadas atrás, uma goleada estrondosa numa Copa, dentro de nossa própria casa.

Teria sido a pá de cal que nos faltava para percebermos que estamos muito atrás das médias seleções, teria sido a forma mais eloquente de nos mostrarmos que precisamos agir fazer algo?

Aos torcedores esperança, as tradições respeito, a mídia análise imparcial e aos comandantes a honra verde e amarela.

O GESTO NOBRE DE UM CRAQUE APRESENTOU AO MUNDO UM GÊNIO DA BOLA

por Victor Kingma


Suécia, 1958. O Brasil chegou para a sexta Copa do Mundo com uma equipe totalmente renovada, após a tragédia de 1950 e a participação apagada em 1954, na Suíça.

No time que estreou contra a Áustria, na vitória por 3 x 0, apenas dois titulares da Copa anterior estavam em campo: o lateral esquerdo Nilton Santos e o meia Didi.

Outros remanescentes eram o goleiro Castilho, o lateral Djalma Santos, antigos titulares, e o zagueiro Mauro.

Outro jogador, que certamente seria titular absoluto, não estava no grupo que foi para a Suécia: o ponta direita Julinho Botelho.

O atacante da Portuguesa de Desportos tinha sido o melhor jogador da seleção na  Copa anterior, na qual o Brasil foi desclassificado nas quartas de final pela poderosa seleção da Hungria.    

Fez dois gols nas três partidas que o Brasil disputou, inclusive o segundo na famosa batalha contra os húngaros, quando a seleção perdeu por 4 x 2.  

Após se destacar no mundial, foi vendido para a Fiorentina, da Itália, onde brilhou intensamente, sendo considerado até hoje o melhor jogador da história do clube.

Naquele tempo não era comum convocar jogadores que não atuavam no Brasil mas, mesmo assim, o técnico Vicente Feola e a comissão técnica da seleção, impressionados com as notícias que vinham da Europa, o comunicou de que seria convocado.

Julinho, então, com a fidalguia que sempre o acompanhou por toda a carreira, declinou do convite para defender a seleção, argumentando que embora sentisse muito honrado pela lembrança, não serio justo tomar o lugar de um companheiro que  jogava no país.

Em seu lugar, então, foi chamado um jogador que, apesar de algumas limitações físicas, que causava certa preocupação em relação ao confronto contra os fortes marcadores europeus, vinha se destacando no Botafogo.

Assim, na relação final dos convocados para a Copa, na ponta direita, com a ausência de Júlio Botelho, astro da Fiorentina, estava escrito:

Joel Antônio Martins (Joel), do Flamengo, e Manoel Francisco dos Santos (Garrincha), do Botafogo.

Com o mundial em curso, o Brasil havia vencido a  Áustria,  por  3  x  0,   na estreia e empatado com a Inglaterra por 0 x 0 na segunda partida.

As atuações não empolgavam e o fantasma de nova desclassificação passou a preocupar os dirigentes.

Mudanças precisavam ser feitas na equipe, até porque na terceira e decisiva partida da fase de classificação a seleção ia enfrentar a União Soviética, conhecida pelos métodos científicos de preparação e com total estudo das características de cada jogador adversário.

Assim, naquele 15 de junho de 1958, na partida contra a URSS, o mundo do futebol foi apresentado oficialmente a um dos maiores fenômenos e o maior driblador que o futebol já teve.

Escalado na ponta direita, em substituição ao aplicado Joel, Garrincha fazia sua estreia na seleção.

Tinha a seu lado no ataque, o menino Pelé, então com 17 anos, que também estreava, Vavá e Zagallo.

Bastaram poucos minutos de jogo para o futebol estudado e cientifico dos soviéticos se desmoronar diante das diabruras que aquele desconhecido jogador, de pernas tortas, aprontava em cima dos seus atônicos marcadores.

Debaixo das traves, o lendário Lev Yashin, o melhor goleiro do mundo, incrédulo ao que estava assistindo, gritava desesperado para seus defensores: atenção, cuidado, não deixem passar!

Muitos estudiosos consideram que aquele início avassalador de jogo, protagonizado por Garrincha, foram os três minutos mais espetaculares da história do futebol.

O Brasil venceu por 2 x 0, gols de Vavá, e prosseguiu na campanha que o levaria a conquistar pela primeira vez o campeonato mundial de futebol.

O gesto nobre de Julinho ao abrir mão de sua convocação acabou por apresentar ao mundo um dos maiores gênios da bola.

A CLASSE DO MEIO DE CAMPO TRICOLOR

por Luis Filipe Chateaubriand


Wanderley Alves de Oliveira, o Deley, era a classe em forma de jogador de futebol. Engenheiro e arquiteto do jogo do Fluminense, sabia fazer o adversário “passar um dobrado” em suas mãos, ou melhor, em seus pés.

O plano era simples, mas genial: ao dar campo ao adversário, o tricolor fazia com que este se sentisse como a dominar o jogo. No entanto, esse domínio era apenas aparente, falso, pois o sistema defensivo era sólido.

Ao se sentir a dominar o jogo, o adversário atacava de forma sôfrega. E se descuidava na defesa. Era a hora de Deley entrar em ação, com lançamentos perfeitos para seus colegas Assis, Washington, Tato, Romerito, Branco, Aldo e companhia, em meio a uma defesa oponente desarrumada, desorientada, perturbada.

Era fatal!

Dizem que Sun Tzu, um general e filósofo chinês que teria vivido cerca de 2500 anos antes de Cristo, teria deixado escritos que nominavam as estratégias para vencer as guerras – que foram denominados “A Arte da Guerra”.

Deley parecia ter os ensinamentos de “A Arte da Guerra”, adaptados para o futebol, gravados em sua memória. Era o general, o artífice, o engenheiro e arquiteto da vitória.

Uma vez, assistindo a um documentário sobre o mítico Fla x Flu de 1983, aquele que o Assis fez o gol no último minuto, assisti ao Deley falar: 

– Quando eu vi o Assis, aquela gazela, correndo pela direita, eu sabia que tinha que colocar a bola para ele entre o Junior e o Mozer, para que ele pudesse fazer o gol.

O documentário, então, mostra o lance: Deley coloca a bola, em um lançamento de uns 50 metros, exatamente entre Junior e Mozer; Assis recebe limpa e toca por baixo, na saída de Raul.

Na primeira metade dos anos 1980, a torcida tricolor não tinha dúvidas: falou em general do time, falou em Deley!

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!

30 ANOS DE UMA COPA INJUSTIÇADA

por Mário Moreira


Nestes dias em que comemoramos o cinquentenário do tricampeonato mundial no México, na melhor Copa do Mundo da história, gostaria aqui de propor o resgate daquela que o senso comum aponta como a pior de todas as Copas – a de menor média de gols, paradigma do futebol de resultados, verdadeiro Patinho Feio da competição: Itália-90.

Mas, já sabemos, toda unanimidade é burra. Vítima da uma injustiça histórica, o Mundial italiano teve, sim, muitos momentos de ótimo futebol, drama, grandes surpresas e uma penca de partidas de antologia. O patinho, afinal, não é tão feio quanto o pintam.

A começar pela campeã. Não hesito em dizer que, na história da Copa Fifa – os 12 Mundiais realizados a partir de 1974, ano em que comecei a acompanhar futebol -, a Alemanha Ocidental de 1990 foi a equipe que melhor jogou, entre as que levantaram a taça. A seleção treinada pelo Kaiser Franz Beckenbauer era muito forte técnica e coletivamente, cheia de grandes jogadores e capaz de ser competitiva e dar show ao mesmo tempo. No papel, a mítica Alemanha de 74 era até melhor: Maier, Vogts, Breitner, Overath, Gerd Müller, além do próprio Kaiser… Mas os alemães jogaram em 90 mais do que em 74, quando saíram vaiados nos três primeiros jogos e só começaram a evoluir na metade da competição, até a indiscutível vitória final sobre o Carrossel Holandês. E nunca é demais lembrar: futebol se joga no campo, não no papel.

A verdade é que Matthäus, Brehme, Klinsmann e companhia deram espetáculo, e de alta qualidade, nos campos da Itália. Não por coincidência, a Alemanha pleiteou, como cabeça-de-chave, ficar no Grupo C para mandar seus jogos em Milão, onde o já citado trio desfilava sua categoria pela Internazionale, campeã italiana um ano antes. Pois foi ali, no estádio San Siro, nas três partidas da primeira fase e ainda nas oitavas e nas quartas-de-final, que os alemães jogaram de longe o melhor futebol do torneio, com exibições mais do que convincentes e que os levariam à semifinal em Turim e à finalíssima em Roma.

Como sempre, havia quatro ou cinco favoritos ao título. A Itália, pela tradição, pelo elenco e sobretudo por atuar em casa, talvez fosse a maior. Além da Alemanha, o Brasil – que vinha de conquistar a Copa América no ano anterior – e a Holanda de Gullit, Rijkaard e Van Basten, campeã europeia em 88, completavam o quarteto principal. A Argentina, então campeã mundial, mas com Diego Maradona fora de forma, corria por fora.

Das cinco, só a Alemanha justificou plenamente as previsões, com a Itália num distante segundo plano. À medida que o torneio avançava, poucos duvidavam que as duas fariam o confronto final. Mas os italianos, que tinham uma equipe forte, mas nem tanto, trataram de atirar por terra as previsões ao perderem nos pênaltis a semifinal para os argentinos.

A Alemanha, por sua vez, tratou de mostrar serviço. Logo de cara, goleou por 4 a 1 a boa seleção iugoslava, com uma atuação de gala do meia e capitão Lothar Matthäus, autor de dois golaços da entrada da área – o segundo, após uma arrancada irresistível desde o próprio campo. Estreia exuberante. O jogo seguinte, contra um rival fraco, serviu para confirmar a impressão inicial: 5 a 1 sobre os Emirados Árabes. Matthäus fez outro de fora da área.

Os alemães sofreram um tropeço no terceiro jogo, quando, já quase classificados, empataram em 1 a 1 com a Colômbia. Mas quem viu sabe que foi uma baita partida. Os colombianos precisavam do empate para se classificar e endureceram as coisas, à base de muita habilidade. Os gols saíram no final do segundo tempo: o rápido e driblador ponta Littbarski para a Alemanha aos 43 minutos, Rincón para a Colômbia nos acréscimos. Os alemães passaram em primeiro no grupo, já com pinta de grandes favoritos.


O confronto seguinte, contra a Holanda, ainda no San Siro, foi talvez o melhor jogo da Copa. Além da rivalidade histórica, a partida continha um antagonismo particular: os três maiores craques holandeses (Gullit, Van Basten e Rijkaard) atuavam pelo Milan, rival da Inter. Seria quase um clássico local. Seria também um repeteco da semifinal da Eurocopa de 88, quando a Holanda venceu por 2 a 1, de virada. Mais promissor, impossível. E a partida confirmou todas as expectativas. Os holandeses, vindos de três empates na primeira fase, finalmente decidiram mostrar o que sabiam, embora Gullit tivesse problemas físicos. A expulsão, na metade do primeiro tempo, de Rijkaard e do ótimo atacante alemão Völler acirrou ainda mais a tensão. A Alemanha, sempre mais perigosa, se impôs no segundo tempo, com belos gols do atacante Klinsmann e do lateral-esquerdo Brehme, contra um de Koeman, de pênalti, no final. Mais uma exibição de gala de Matthäus e outra grande vitória, que colocou os alemães definitivamente na rota do título.

No jogo seguinte, contra a Tcheco-Eslováquia pelas quartas-de-final, mais uma ótima exibição e uma classificação tranquila: 1 a 0, gol de Matthäus, de pênalti. Os alemães dominaram amplamente o jogo, criaram várias oportunidades e não foram ameaçados.

Enquanto a Alemanha nadava de braçada, os demais favoritos penavam. O Brasil, após três vitórias magras sobre Suécia, Costa Rica e Escócia na primeira fase, parou na Argentina em sua melhor exibição na Copa, com amplo domínio sobre os hermanos e várias chances perdidas, incluindo três que bateram na trave. Mas futebol é bola na rede, e Maradona impôs seu talento driblando três brasileiros e deixando Caniggia livre para fazer o gol da vitória. Outro confronto dramático. O Brasil deixava a Copa nas oitavas, sua pior campanha desde 66, sepultando temporariamente a Era Dunga, preconizada pelo técnico Sebastião Lazaroni.


Já os argentinos, após uma primeira fase sofrível – e uma derrota traumática  para Camarões no jogo de abertura da Copa -, ganharam novo alento com a vitória e acabaram passando depois às semifinais ao bater a Iugoslávia nos pênaltis. Aos trancos e barrancos, a Argentina chegava a mais uma semifinal.

Dos favoritos iniciais, restava a Itália. Com três vitórias sem brilho (e uma mãozinha da arbitragem) na primeira fase, a Azzurra teve dificuldades nas oitavas e nas quartas, contra Uruguai e Irlanda. Mas a tradicional força defensiva e os gols do desajeitado centroavante Totò Schillacci levaram a equipe adiante para uma histórica semifinal com a Argentina.

Faltava o adversário da Alemanha, papel que caberia à Inglaterra. Os ingleses se imporiam em duas disputas sensacionais até o confronto com os alemães. Depois de uma primeira fase insossa, com dois empates e uma vitória, a Inglaterra encarou nas oitavas a boa seleção belga. A partida, emocionante, foi dominada pela Bélgica, que mandou duas bolas na trave – uma delas num chute espetacular do talentoso meia Scifo. O 0 a 0 levou o jogo para uma prorrogação dramática. No último lance, o ótimo e irascível meia inglês Gascoigne levantou a bola na área e o atacante Platt acertou um voleio no ângulo, decidindo a parada.

O adversário seguinte da Inglaterra seria a surpreendente seleção de Camarões, primeiro país africano a chegar às quartas-de-final de um Mundial. Após a vitória inicial contra a Argentina, os camaroneses derrotaram a Romênia com dois gols do veterano centroavante Roger Milla, que entrava sempre no segundo tempo, e se classificaram em primeiro lugar no grupo. Nas oitavas, eliminaram a Colômbia com mais dois de Milla, o segundo deles após roubar a bola do excêntrico goleiro René Higuita, que tentara driblá-lo na intermediária.


Não sem razão, Inglaterra x Camarões costuma ser o jogo mais lembrado daquela Copa. Partida épica, para ficar no chavão. Um confronto entre a tradição e a zebra, entre o futebol pragmático e previsível dos ingleses e o jogo de ginga e habilidade dos camaroneses. Platt abriu o placar no primeiro tempo, mas Camarões se agigantou no segundo e produziu os 45 minutos mais empolgantes do torneio. Com um vasto repertório de dribles, tabelas e muita disposição, os Leões Indomáveis empataram num pênalti sofrido por Milla e viraram com Ekeké, ao receber passe de Milla (sempre ele) e tocar por cobertura na saída do goleiro Shilton. Já no final do jogo, o sempre perigoso atacante inglês Gary Lineker, artiheiro da Copa anterior, empatou de pênalti. Mais uma prorrogação, novo gol de pênalti de Lineker, e a Inglaterra chegava à sua primeira semifinal desde o título de 1966. Já Camarões deixava a Copa como a grande surpresa do Mundial e a seleção de futebol mais alegre da competição.

O último grande drama do torneio se daria na semifinal entre Itália e Argentina. Não bastasse o peso das duas camisas, a partida ocorreria no estádio San Paolo, casa do Napoli, que acabara de faturar seu segundo scudetto sob a liderança de Maradona. O gênio argentino tratou de aproveitar o fato para instigar o dissenso entre os torcedores locais, que se dividiram entre a paixão clubística e o amor às cores nacionais. Ele apelou inclusive ao sentimento de desprezo de que são vítimas os italianos do sul pobre e agrário por parte dos italianos do norte rico e industrializado.

É difícil saber se isso pesou, mas a seleção italiana, que até então só havia jogado em Roma, claramente tremeu. Embora Schillaci tenha feito 1 a 0 aos 17 minutos, a Itália parecia nervosa. A Argentina cozinhou a partida e começou a se impor na base da manha e da experiência. Na metade do segundo tempo, Caniggia igualou o placar de cabeça, numa saída em falso do goleiro Zenga, até então invicto na Copa. O empate enervou ainda mais os italianos e inflou os argentinos. O confronto ficou dramático. A Argentina, mesmo inferior, conseguiu levar o jogo para a prorrogação. O duelo acabou sendo definido nos pênaltis, e aí brilhou a estrela do goleiro Goycochea, que começara o torneio na reserva e entrara no segundo jogo, após o titular, Pumpido, fraturar a perna. Ele defendeu duas cobranças e colocou os argentinos na segunda final consecutiva contra a Alemanha.

A outra semifinal foi até uma boa partida, mas os alemães, menos inspirados que nos outros jogos, só conseguiram eliminar os ingleses nos pênaltis. No tempo normal, Brehme, de falta, e Lineker fizeram os gols. A Alemanha estava em mais uma final, a terceira seguida.


Alguém poderá dizer que a decisão da Copa de 90, no dia 8 de julho, foi a mais sem graça da história dos Mundiais, e eu estarei fortemente inclinado a concordar. Porque só uma equipe jogou – ou melhor, tentou. Os alemães tomaram a iniciativa e correram atrás da vitória o tempo todo, mas tiveram uma atuação pouco inspirada e enfrentaram dificuldade para criar chances de gol. Os argentinos nem ameaçaram – sua única finalização foi numa falta no primeiro tempo, que Maradona cobrou por cima do travessão, sem perigo. A Copa terminou decidida num pênalti duvidoso aos 40 minutos do segundo tempo, convertido pelo excelente Brehme – um dos raros jogadores realmente ambidestros que vi jogar, capaz de bater faltas com o pé esquerdo e pênaltis com o direito.

A Alemanha chegava ao tricampeonato em viés de baixa, é verdade. Mas o brilho mostrado nas cinco primeiras atuações não deixa dúvida de que se tratava de uma grande campeã. A taça acabou em excelentes mãos.

À Itália coube o consolo do terceiro lugar e do artilheiro do torneio, Schillaci, com seis gols. O atacante ganhou também a Bola de Ouro, numa evidente patriotada dos jornalistas italianos, maioria na cobertura da competição. Matthäus, o verdadeiro melhor da Copa (pouco à frente de Brehme), levou a de Prata, e Maradona, a de Bronze.

Se uma Copa do Mundo se limitasse à primeira fase, eu talvez concordasse que o Mundial de 90 foi o mais fraco de todos. Mas a fase de mata-mata registrou confrontos tão intensos e de tão boa qualidade que só alguém insensível às emoções do esporte pode menosprezá-lo. Quem não concorda, que (re)veja as partidas citadas. Com certeza, terá uma bela surpresa.

PELÉ, RIVELLINO E ZICO NA SELEÇÃO: O MUNDIALITO DE MASTERS

por André Luiz Pereira Nunes


O falecimento de Luciano do Valle, histórico narrador televisivo, significou a perda de um dos maiores incentivadores do esporte no nosso país. Para quem não sabe, Luciano detém uma coleção imensa de grandes narrações, como a Copa do Mundo de 1982, os títulos de Emerson Fittipaldi na Fórmula 1, as 500 Milhas de Indianápolis de 1989 e o Mundial de Clubes de 2000. Era o narrador principal da TV Globo até o começo da década de 1980, quando saiu para transformar a Bandeirantes no Canal do Esporte. 

Graças aos seus esforços, algumas modalidades como vôlei, sinuca, boxe, futebol americano e a Fórmula Indy ganhariam destaque nas tardes de domingo. Como promotor, conseguiu lotar o Maracanã para uma partida de vôlei entre Brasil e União Soviética. Trouxe para o país as transmissões da NBA e da NFL e ainda ajudou a popularizar o futebol feminino. Luciano do Valle tem ainda bastante influência nos primeiros campeonatos europeus veiculados pela televisão brasileira. Vale recordar as memoráveis transmissões do campeonato italiano nas manhãs de domingo.

Porém, uma outra grande sacada do locutor foi a de promover a Seleção Brasileira de Masters, inicialmente concebida como de Seniors. A ideia teria surgido no início dos anos 80 quando ele e alguns amigos discutiam acerca do baixo nível do futebol brasileiro. Junto a empresários, o locutor lançou, em 1987, a Copa Pelé, que contava com ex-craques de cinco seleções campeãs do mundo até então: Brasil, Argentina, Uruguai, Alemanha Ocidental e Itália. 

Mas não só seriam ídolos brasileiros que topariam participar do torneio, realizado em São Paulo. Uwe Seeler, Paul Breitner, Gerd Müller, Giacinto Facchetti e Roberto Boninsegna estiveram entre os convidados para o deleite de milhares de espectadores que lotaram as arquibancadas. O Rei do Futebol, entretanto, só atuou na primeira partida contra a Itália. Na decisão do torneio, a Seleção, comandada por Luciano, acabou sendo derrotada por 1 a 0 pela Argentina, de Babington, Brindisi e Oscar Más. O carrasco naquele ‘pequeno Pacaembunazo’ foi Darío Felman, atacante que havia acabado de encerrar a carreira após ser ídolo de Boca Júniors, Gimnasia e Valência.

A edição seguinte contou também com a participação da Inglaterra, passando a ter todos os seis campeões mundiais. O Brasil finalmente conseguiu levantar a taça ao bater na decisão o Uruguai por 4 a 2, com três gols de Claudio Adão e outro de Rivelino. Já em 1990, uma edição especial foi nomeada ‘Copa do Craque’ ou ‘Copa Zico’. Mais uma vez a Seleção venceu com sobras o torneio com direito a show do Galinho de Quintino, Rivelino, Serginho e Éder na final contra a Holanda: 5 a 0, no placar.

Em 1991, Luciano do Valle conduziria o escrete canarinho ao tricampeonato. Luís Pereira, Vladimir, Batista, Mário Sérgio, Zenon, Rivelino, Roberto Dinamite, Rocha e Jaime de Almeida eram alguns dos destaques da equipe. O Brasil derrotou, na decisão, a Argentina, de Mário Kempes e Hugo Gatti, por 2 a 1, com um gol decisivo de Zico, aos 42 minutos do segundo tempo. Posteriormente, a International Federation of  Master Football se encarregaria de organizar mais duas edições do torneio, nos Estados Unidos, sem o mesmo apelo, embora com mais um título da Seleção. 

Se o projeto fosse reativado, poderíamos, quem sabe, ver em campo craques como Bebeto, Romário, Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho trazendo mais alegrias para os torcedores brasileiros. Quem pôde assistir a algum momento da Seleção Brasileira de Masters, jamais se esquecerá da magia a qual cada vez menos encontramos nos dias de hoje.