UMA GRANDE PARTIDA
por Zé Roberto Padilha
Dá gosto ver o River Plate jogar. Realizam o Tic Tac do Guardiola com talento e a criatividade sul/americana. O domínio de bola é algo para ser aplaudido de pé. Uma equipe para sentar no sofá, pegar uma taça de vinho e apreciar. Já haviam feito uma grande final contra o Flamengo, como perderam, esqueceram o tanto que jogaram.
Dá gosto torcer pelo Fluminense! Sem o entrosamento dos vice-campeões da Libertadores, o time se superou em campo. E com a entrada do Cazares, equilibrou a partida e alcançou com justiça o empate.
Valeu a pena esperar oito anos para provar, ao mundo da bola, que o Fluminense tem a camisa que combina com as competições charmosas como a Libertadores da América.
Fico pensando se nosso time tocasse a bola daquele jeito, invertesse as jogadas e desse o bote coletivo para neutralizar cada jogada. Seria até covardia. E eles viajaram pensando que se tivessem o Fred no seu ataque, sua maior posse de bola se refletiria no placar.
Eles, que rodeiam às suas vítimas, e as desnorteiam com a bola rondando de pé em pé, felizmente não têm um matador. Se tivessem, seria até covardia.
Enfim, covardia mesmo seria Fluminense e River Plate saírem derrotados enquanto nós, amantes do futebol, ganhávamos de presente um grande espetáculo.
Se até o juiz teve uma atuação de gala, restaria ao futebol, caso falasse, como esporte, arte e entretenimento, agradecer a todos pelo respeito com que o trataram.
AS DECISÕES POR PRORROGAÇÃO E PÊNALTI
por Luis Filipe Chateaubriand
Quando, em determinado certame, dois clubes disputam a mesma vaga, ou então o título, muitas vezes recorre-se a prorrogação ou pênaltis para que de desenlace a igualdade e resolva-se a situação.
Dois métodos, ao nosso ver, inadequados.
Prorrogação significa colocar atletas que estavam adequados para disputar uma partida de 90 minutos para disputarem 120 minutos.
O desgaste é inevitável e a queda de rendimento, também – acarretando acentuada queda de nível do espetáculo.
Decidir por pênaltis tem o inconveniente de criar “vilões” ao se encerrar a disputa, pois o jogador que desperdiça o pênalti decisivo não é perdoado pela torcida de seu clube – que, imediatamente, começa a lhe demonstrar desapreço.
O futebol, como esporte coletivo que é, não deve estimular essa cultura de criar culpados por desclassificações ou perdas de títulos.
Mas, sem prorrogação ou pênaltis, como decidir a classificação ou o título entre dois clubes empatados?
Basta estabelecer o seguinte: no caso de jogo único, um dos dois clubes tem a vantagem do empate; no caso de dois jogos (ida e volta), um dos dois clubes joga com a vantagem de dois empates ou de uma vitória e uma derrota pelo mesmo saldo de gols.
Em ambas as hipóteses, o clube que joga com a vantagem é ou o que fez melhor campanha na fase anterior do certame ou, se não há fase anterior do certame, o melhor colocado no ranking do certame.
Outra hipótese, em caso de jogo único, é se fazer um sorteio entre os dois clubes e o clube que ganhar o sorteio decide se quer mando de campo ou vantagem do empate, com o trunfo preterido ficando para o clube que perdeu o sorteio.
Outra hipótese, em caso de dois jogos (ida e volta), é se fazer um sorteio entre os dois clubes e o clube que ganhar o sorteio decide se quer mando de campo do segundo jogo ou vantagem de dois empates ou uma vitória e uma derrota pelo mesmo saldo de gols, com o trunfo preterido ficando para o clube que perdeu o sorteio.
Há metodologias, portanto, que podem ser substitutivas às cansativas prorrogações e às afeitas a gerar “vilões” cobranças de pênaltis!
SAMBAS E ADÃO
por Rubens Lemos
Ser filho de boêmio idealista me fez bem e mal. O lado ruim é a eterna crença na espécie humana que acabou com a vida de quem herdei o sentimentalismo. A boa é gostar de futebol e samba.
Adoro samba! Samba de verdade, samba de quintal, de raiz, de versejadores, de quem produz aos repiques e tamborins soando, melodias e não ladainhas dos caipiras que fingem fazer música para quem ouve com controle de qualidade abaixo de zero. Tipo madame de salto alto.
O samba é povão, é intuição, é suavidade, é adoração. O repertório que conheci nas mesas de um velho bar de Natal, que já não existe, o Café Nice.
Aprendi a gostar de Paulinho da Viola, com o Pagode do Vavá, onde a plebe prova do feijão da Vicentina e sabe que a coisa é divina!
Onde me apresentaram à obra de Martinho da Vila para dela nunca mais me separar. Há um samba-enredo, chamado Gbala, no Templo da Criação que se fez hino em minhas idas ao estádio Castelão para ver jogar o ABC, meu time no Rio Grande do Norte.
A batucada apitava e eu entrava, cheio de cerveja, no trecho especial da letra, motivador da vitória do meu time: “Gbala, resgatar, salvar, e a criança, é a esperança de Oxalá, Gbala, resgatar salvar, a criança é a esperança, de Oxalá, vamos sonhar”.
Martinho da Vila e Paulinho da Viola, por absoluto bom gosto, são ilustres vascaínos. Martinho da Vila cantando Pequeno Burguês e meu coração saltitando na bateria dos clássicos contra o Flamengo.
A delicadeza de Paulinho da Viola confessava seu amor que determinei ser pelo Vasco: “Meu coração tem manias de amor, amor não é fácil de achar, a marca dos meus desenganos ficou, ficou, só um amor pode apagar”. O Castelão foi um estádio que passou em minha vida, cometo o plágio, cheio de nostalgia.
Dou pausa no teclado. Dou uma tamborilada na mesa porque é hora de me emocionar, mesmo e bastante. É quando o bafo da massa batia no meu rosto magro enquanto Dudé, nosso cheiroso Rei da Bateria, puxava Simone em O Amanhã, nada mais lindo na minha relação bola e pagode.
Cinco cervejas depois, repetia que a cigana leu o meu destino, eu sonhei, bola de cristal, jogo de búzios, cartomante eu sempre perguntei (nunca obtive resposta), o que será o amanhã? Como vai ser o meu destino? Já desfolhei (nunca desfiz uma flor), o malmequer, primeiro amor, de um menino”.
O meu destino, já dizia Simone para eu aprender, será como Deus quiser. Uma tarde, meu destino foi vibrar com um gol de Sérgio China (ABC), no minuto final da prorrogação em 1993.
Numa festinha de interior, perguntei a uma mocinha quem ela apreciava cantando: “Fabio Júino”. Assim mesmo, Júino. Antes que ela puxasse o assunto da novela mexicana do SBT, encerrei o papo. A única produção de primeira linhagem de Fábio Júnior foi a estonteante filha Cléo Pires.
Chato, sempre, aos acordes sambistas, preferi jogadores de classe, de ginga de passarela de carnaval de escola carioca. Meus centroavantes preferidos eram Roberto Dinamite, que, na área era um Coutinho do Santos. Reinaldo do Galo, Careca, Tostão, Bebeto e o melhor da eternidade, Romário.
O mais injustiçado entre todos os atacantes do meu tempo: o negro elegante Cláudio Adão, estrofe de categoria acompanhada por um bom violão.
Porte majestoso, Cláudio Adão jogou com Pelé, Zico, Roberto Dinamite, fez carreira-solo e era magnífico. Jamais convocado para a seleção brasileira. Nível Copa do Mundo.
Seleção que recebeu Casagrande Serginho Chulapa, Nunes, Hulk, Jô e Grafite, aberrações iguais às bandas de forró de obtusas e indistintas classes. Cláudio Adão merece Cartola. Deixe-o ir andar, procurar, rir para não chorar.
BARBOSA E GARRINCHA
por Leymir Moraes
Os clichês podem apontar Barbosa e Garrincha como personagens antagônicos, um exemplifica o êxtase e a expressão máxima do fundamento mais divertido do jogo, o drible. Garrincha é o maior encantador da história do futebol, sem nunca ter sido um atleta na concepção do termo.
O outro é o atleta dedicado, o multicampeão obscurecido pela nefasta e determinante tarde de 16 de julho de 1950. Sua carreira enfrentou a maior injustiça do futebol mundial, um surto coletivo de frustrações nacionais direcionados a si de forma impiedosa.
Os mais inocentes vivem inúmeros carnavais sem nunca perceber seu quinhão de tristeza, o carnaval como o futebol tem um pé na ilusão e na magia, e outro no drama e na aspereza. Barbosa e Garrincha são personagens emblemáticos que compõem esse ciclo.
Garrincha é um Rei Momo esbelto que posterga a devolução das chaves por 10 anos, de 53 a 63 ele mistura os limites entre fantasia e jogo. Garrincha é um bailarino, Garrincha é um jogador, Garrincha é um redentor? Garrincha é tudo isso, e ninguém poderia com justiça maior ser reconhecido como Alegria do Povo.
Mané é o Rei despojado, alma de criança, sorriso de moleque, é o Rei por direito divino e acaso. O soberano perfeito que nunca percebeu seu reinado.
Barbosa é um rei diferente, majestoso em cada detalhe, das muitas personagens do futebol ninguém teve sua elegância e fidalguia. Barbosa é ao mesmo tempo a lei áurea, a abolição e a justiça racial no gol da seleção brasileira.
O Homem de Borracha, o antigo ponta esquerda do Comercial de SP, o maior goleiro entre todos do seu amado Vasco da Gama, e um dos maiores da seleção em seus gigantescos 1,70 m de altura, sofre em(por?) sua pele um rosário de pesadas injustiças.
Se Garrincha reina despercebido, Barbosa carregou durante a vida o peso de sua coroa de espinhos. Barbosa é o Rei necessário, o que ensina com seus feitos e suas injustas chagas.
Barbosa teve paz, alegria e suporte fora de campo, aquele que uma nação tentou em vão destruir teve em sua querida Clotilde uma intransponível muralha. SClotilde a companheira de toda uma vida, Tereza Borba a quem amou como filha e foi amado como pai, junto a torcida Vascaína, foram seus apoios para que vivesse bem e partisse sereno. O majestoso Barbosa teve o maior prêmio que um homem pode ter, foi amado de perto até seu último minuto nesse mundo.
Garrincha que ao lado de Pelé é o maior de todos que já chutaram uma bola, teve um percurso diferente de Barbosa. Do mundo do futebol ele teve tudo e mesmo com suas pernas arqueadas sustentou “sozinho” o peso de uma Copa do Mundo, ninguém em mundial algum jogou como Garrincha em 62.
Mané, o resumo perfeito da alegria no campo de jogo, teve um final conturbado frente ao único adversário capaz de pará-lo, as perplexidades da vida e seu fardo.
Não lhe faltou o amor da família, não lhe faltou o reconhecimento do povo e nunca faltou a devoção da torcida do Botafogo, ainda assim Garrincha, a alegria do povo, parte cedo e amargurado aos 49 anos de idade.
Um carregou o rosário de expiações dentro de campo e outro fora dele. Parece completamente inverossímil, mas mesmo os melhores jogadores de futebol são compostos de carne, osso e alma, e nesse particular igual a todos nós meros mortais. É injusto, pode ser? Mas é como é a vida.
Garrincha nunca foi só alegria, como Barbosa não foi só tristeza, o carnaval e o futebol são assim um pé na ilusão e na magia, e outro no drama e na aspereza.
Dois homens eternos, dois dos arquitetos do amor do povo brasileiro pelo esporte que explica e expõe no seu melhor e no seu pior, parte da identidade nacional.
Os queridos e eternos Barbosa e Garrincha são o ciclo perfeito de dor e alegria que representa o palco iluminado e o bastidor solitário do futebol.
Dois gigantes que descansam sob seus imensos legados, Manoel Francisco dos Santos e Moacir Barbosa Nascimento, a quem sou profundamente grato de nascer após a eles e ser sabedor de suas fantásticas histórias!
Títulos Barbosa:
Vasco da Gama
Campeonato Sul-Americano de Campeões: 1948
Campeonato Carioca: 1945, 1947, 1949, 1950, 1952 e 1958
Torneio Início do Campeonato Carioca: 1948
Torneio Rio-São Paulo: 1958
Torneio Municipal de Futebol do Rio de Janeiro: 1947, 1948
Torneio Quadrangular do Rio: 1953
Torneio de Santiago do Chile: 1953
Torneio Octogonal Rivadavia Corrêa Meyer: 1953
Santa Cruz
Torneio Início de Pernambuco: 1956
Seleção Brasileira
Copa Roca: 1945
Copa Rio Branco: 1947, 1950
Copa América: 1949
Individual
Terceiro Melhor Goleiro Brasileiro do Século XX
Títulos Garrincha:
Torneio Quadrangular Interestadual: 1954
Taça Brasil-Colômbia: 1954
Torneio Internacional da Costa Rica: 1961
Torneio Pentagonal do México: 1962
Copa Ibero-Americana: 1964
Torneio Rio-São Paulo: 1962, 1964
Taça dos Campeões Estaduais Rio-São Paulo: 1961
Campeonato Carioca: 1957, 1961, 1962
Torneio Início: 1961, 1962, 1963
Corinthians
Torneio Rio-São Paulo: 1966
Copa Cidade de Turim: 1966
Seleção Brasileira
Copa do Mundo FIFA: 1958, 1962
Taça Bernardo O’Higgins: 1955, 1959 e 1961
Taça Oswaldo Cruz: 1958, 1961 e 1962
Superclássico das Américas: 1960
Prêmios individuais
Melhor jogador da decisão da Copa Interstadual de Clubes: 1962
Melhor jogador do Campeonato Carioca: 1957, 1961 e 1962
Bola de Ouro da Copa do Mundo da FIFA: 1962
Equipa das estrelas da Copa do Mundo da FIFA: 1958, 1962
Segundo Maior jogador Brasileiro do Século XX IFFHS (1999)
Quarto Maior jogador Sul-americano do Século XX IFFHS (1999)
Oitavo Maior jogador do Mundo do Século XX IFFHS 1999
Décimo Terceiro Maior jogador do século XX pela revista – France football: 1999
Vigésimo Maior jogador do século XX pela revista Inglesa World Soccer: 2000
Sétimo Maior Jogador do Século XX pelo Grande Júri FIFA (2000)
Seleção de Futebol do Século XX
Bola de Ouro Dream Team: Melhor Ponta Direito da História – segundo esquadrão
SOBRE TRAUMAS, SERRAS E TRAGÉDIAS
por Zé Roberto Padilha
De vez em quando, acordo de madrugada com aquele barulho. Deve ser o mesmo que minha gata, a Liz, levanta suas orelhas quando chove muito. Ela, outra sobrevivente, foi resgatada daquela tragédia na Serra de Itaipava em 2010.
No caso dela, choveu tanto que as encostas foram cedendo e saíram cobrindo de lama casas, resorts, animais e moradores. No meu, foi durante a inauguração do Estádio Serra Dourada, entre Fluminense x Goiás. Por lá, uma patada atômica desferiu uma bomba para cima de mim.
Pelo tamanho, ficava no primeiro pau para desviar a bola, mas o corner batido pelo Gil foi bem alto. A zaga rebateu e Rivelino, que ficava fora da área esperando um rebote, pegou de primeira.
O míssil veio na velocidade da luz, passou a 2 cm da minha cabeça, explodiu na trave e voltou quase na intermediária. Não deu tempo nem de desviar, muito menos sair do lugar.
As pernas travaram, só ouvia as súplicas do Zé Mário diante do contra ataque do time da casa: “Volta, Zé!!”. Certas noites, quatro décadas depois, elas mal reagem para sair da cama, quanto mais voltar no dia para marcar.
Até hoje, geólogos e marceneiros estudam as causas das tragédias. Da Serra de Itaipava, cujas encostas ruíram, no Serra Dourada, onde a trave balança até hoje. Enquanto picólogos tentam explicar a minha e a Liz continua apenas recebendo, durante os temporais, afagos e carinho, quando levanto elevo as mãos para os céus e agradeço muito.
Porque foi apenas por 2 cm que escapei.