COPAS SIMULTÂNEAS
::::::::: por Paulo Cézar Caju :::::::::
Para os que dizem que só reclamo, estou muito feliz que a Copa Africana de Nações voltou a tevê aberta depois de 12 anos. Reunindo 24 seleções do continentes, é uma mini Copa do Mundo e a atual edição reúne estrelas de gigantes europeus, como o egípcio Salah, o senegalês Mané, o argelino Mahrez. o gabonês Aubameyang e por aí vai..
Sempre fui fã do futebol africano e poderia ser ainda mais se a maioria dos craques não mudassem a nacionalidade em busca de mais visibilidade. Marius Trésor, Thierry Henry, Zinedine Zidane, Lilian Thuram, Karim Benza, Patrick Vieira e Youri Djorkaeff são alguns deles. Para se ter noção, 14 dos 23 jogadores campeões mundiais em 2018 pela França têm origens africanas. Precisa dizer algo mais? No fim de semana, acompanhei Camarões x Burkina Faso e Etiópia x Cabo Verde, dois jogos muito disputados! Gostei do que vi!
Simultaneamente à Copa Africana, estou acompanhando a Copinha! Vocês lembram-se da corrida do ouro, em Serra Pelada? O futebol virou isso, escancaradamente isso, um garimpo sem disfarces. Tenho assistido alguns jogos e, infelizmente, o nível é abaixo da crítica. Claro, nota-se alguns meninos talentosos, mas com falhas grosseiras em fundamentos básicos. A impressão é que quando um talento é descoberto todos os cuidados voltam-se exclusivamente para ele, a salvação da lavoura. O resto é figuração. Dá o pulo do gato quem tiver o empresário mais influente, a rede de relacionamentos mais ampla. Se tiver dupla cidadania, ótimo, valoriza, facilita!
Vi alguns jovens recém-promovidos da base do Vasco serem dispensados. Estão sendo substituídos por atletas mais rodados e experientes. Tantos anos sendo treinados, alguns desde os cinco anos no clube, investimento financeiro e psicológico….será que o descarte é a melhor saída? Na verdade, isso é um gol contra da própria comissão técnica que reconhece sua péssima formação.
Os clubes precisam vender algum diamante para pagarem suas dívidas e negociam a preço de banana para Noruega, Tailândia, Islândia. A Copinha é uma vitrine, mas é o limite para saber se vai ou racha. A máquina precisa rodar, os cifrões precisam circular e os boletos, as contas e as multas rescisórias se acumulam sobre a mesa dos dirigentes. A garotada é negociada cada vez mais cedo. Quem correr mais, literalmente, vence. Antigamente, os diamantes eram lapidados por mestres nessa arte. Ser treinado por um Didi tinha o seu valor, mas as folhas secas não caem mais das árvores, o violino de Carlinhos não tem mais cordas, as referências apagaram-se da história.
Sempre que vejo a Copinha lembro de meu início e das histórias que ouvia sobre a Escolinha do Neca, de Célio de Souza e de tantos outros formadores. Hoje, vejo gerações serem perdidas por falta de profissionais que consigam observar o talento individual de cada um, as posições em que melhor se encaixam, o detalhe que faz a diferença. O futebol não pode ser dominado por aventureiros e garimpeiros sedentos e, sim, por lapidadores experientes, que são especialistas em nos brindar com arte.
Para facilitar a vida dos geraldinos, resolvi simplificar o linguajar! Na minha geração, “ligação direta” se chamava bicão pra frente! A “primeira linha” de quatro era na verdade lateral-direito, beque central, quarto-zagueiro e lateral-esquerdo. Protegida por um volante, a “segunda linha” era composta por ponta-direita, meia-direita, meia-esquerda e ponta-esquerda. Na frente, o centroavante era o responsável por balançar as redes! A rede nunca teve bochechas, era ângulo, assim como a bola só tem gomos e não orelha ou cara! Pra que dificultar?
COMEÇA UMA NOVA BATALHA PARA ROBERTO DINAMITE
por André Luiz Pereira Nunes
Todos infelizmente fomos surpreendidos pela notícia desfavorável de que o ídolo Roberto Dinamite, 67 anos, está acometido por alguns tumores no intestino e, que após passar por uma cirurgia de desobstrução do órgão, fará sessões de quimioterapia.
Trata-se, portanto, de uma novidade que ninguém gostaria de escrever, muito menos de ler. O fato é que todos somos feitos de carne e osso. Nobres e plebeus. Estrelas e anônimos. Ricos e pobres. Jornalistas e leitores. Celebridades e anônimos. Nos acostumamos a enxergar os maiores vultos da música, televisão ou do esporte como deuses. Seres infalíveis ou imortais. Ledo engano. São pessoas como nós. A diferença é que as nossas vitórias não são enaltecidas nem sequer comemoradas. Os ídolos representam suas bandeiras e carregam as massas em suas glórias.
Maior ídolo da história do Vasco, tendo ainda passagem marcante pela Seleção Brasileira na Copa de 78, como titular, e na de 82, como reserva, Roberto Dinamite é o maior artilheiro e atleta com mais jogos na história do Gigante da Colina. É também o maior goleador do Campeonato Brasileiro, do Estadual do Rio de Janeiro e do magnífico e imponente estádio de São Januário. Além disso, foi presidente do Vasco entre 2008 e 2014, período que não lhe trouxe glórias, mas muitos dissabores.
Porém, a batalha agora não será contra times ou seleções. O adversário dessa vez é invisível, silencioso e sorrateiro. Não avisa quando, como e onde irá atacar. Há quem creia que é fruto da nossa própria constituição celular, que de forma indiscriminada, começa a se multiplicar defeituosamente.
A revelação de Roberto Dinamite trouxe duas mensagens de apoio. Apenas Vasco e Fluminense postaram, através das redes sociais, desejos de pronta recuperação. Provavelmente outros escritos virão.
Roberto, contudo, não estará só. Além do indispensável aconchego da família, contará com as boas vibrações irmanadas pela imensa nação vascaína e por todos aqueles que o respeitam, visto que escreveu com méritos um capítulo inteiro da história do futebol brasileiro.
Força, Dinamite! Estamos com você!
DINAMITE COMOVENTE
por Rubens Lemos
Creia, amigo leitor: ser emocional até a medula me mantém vivo. A herança existencial do meu velho pai foi a prioridade ao sentimento em desprezo à frieza insípida de números e pragmatismos. Então, a notícia veio ao cair da tarde do domingo, o que, para os prisioneiros das oscilações da alma, foi, como sempre, fatal.
Roberto Dinamite, com o destemor dos guerreiros de talento e fibra, abria o peito para dizer que estava com câncer. Tumor diagnosticado, ele magro e abatido na aparência, firme na certeza de que a luta será maior do que vencer zagueiros excepcionais do nível de Edinho e Ricardo Gomes do Fluminense, de Aldair e Mozer do Flamengo, de Gotardo e Mauro Galvão nos idos do Botafogo.
Roberto Dinamite foi a cara e a coragem do Vasco. Hoje, o Vasco é uma caricatura distante da grandeza épica de um artilheiro de sorriso triste e volúpia insaciável. De gols raçudos e magníficos, como o do chapéu em Osmar Guarnelli, zagueiro do Botafogo em 1976. Roberto Dinamite dominou no peito, deu um toque por cima de Osmar, que caiu sentado.
Roberto Dinamite fuzilou de sem-pulo, o arremate letal fulminando o goleiro Wendell antes de a bola tocar no chão. O Vasco vencia o Botafogo, ou melhor, Roberto Dinamite garantia a vitória no segundo final. É o gol mais reprisado da TV brasileira de tão lindo, um cartaz hoje digital da beleza do velho Maracanã do povo, do Maracanã das gerais, de favelados e desdentados, cuja invisibilidade social dava luz aos seus corpos mal vestidos pela luz de um artilheiro imortal.
Imortal. Roberto Dinamite é imortal. É o homem acima da lenda. Sempre afável, sorridente, solícito, é o sujeito tímido que me deu um autógrafo à beira da piscina do hotel Ducal, quando a seleção brasileira de Telê Santana enfrentou a Alemanha Oriental no Estádio Castelão, início de 1982. Ele, acolhedor, eu, trêmulo. A timidez do craque e a alegria infinita do moleque magro e apaixonado. Por Roberto Dinamite.
Saber Roberto Dinamite doente, dói. Vê-lo disposto a enfrentar a quimioterapia, atenua a tristeza. Ler as mensagens de Geovani – que venceu o mesmo problema com fé, obstinação e a força solidária de Roberto Dinamite, de Júnior, tantos companheiros e adversários, sacode o espírito para a guerra desigual.
Um ídolo é, na imaginação do fã, um íntimo, um amigo maior que os outros, uma arma contra as emboscadas da vida. Por isso, que chorar, chorei mesmo quando Zico apareceu e desejou, com sua integridade acima de duelos clubísticos, o apoio renovador de esperanças.
Zico é uma instituição de genialidade similar ao caráter límpido. Rivalizava – em campo -, com Roberto Dinamite nos clássicos que chegaram a 174 mil pagantes no campeonato carioca de 1976, ambos no auge. Fora dos gramados, amigo de Roberto Dinamite. Zico está em campo, na partida mais difícil do camisa 10 do Vasco vitorioso.
A dor de Roberto Dinamite é a dor de minha geração. Estamos envelhecendo, nós, mais novos que ele – tem 67 anos -, padecendo no obituário avassalador de todos os dias.
Minha geração aprendeu que ídolo é aquele herói que não padece, salva o menino em desvantagem no placar, num gol de falta, de cabeça ou de voleio, bem no fim do jogo, que recomeça com Roberto Dinamite amado e o amor é um senhor antídoto contra o calvário da saúde. Roberto Dinamite vai vencer. Com gol narrado por José Carlos Araújo, o Garotinho.
CHICO, DO VASCO, 100 ANOS
por André Felipe de Lima
Os gaúchos não se destacam apenas pela garra e pelo espírito combativo — muito pelo contrário — se as gerações mais novas deleitaram-se com a habilidade de um Ronaldinho Gaúcho, outras podem dar testemunhos de um craque gerado no sul. Chico, que era destro e iniciou a carreira como ponta-direita, foi ponta-esquerda do Vasco e daquele escrete da Copa de 1950, que tinha nada menos que seis titulares oriundos do time de São Januário. Era o Expresso do Vasco. Tinha todas as qualidades de um craque, com técnica, velocidade, drible fácil e chutes potentes e certeiros, com ambas as pernas. E, claro, a tal raça comum aos gaúchos: apanhou de sabre dos policiais argentinos na briga generalizada do Sul-Americano de 1946, em Buenos Aires, depois de revidar uma entrada maldosa de um zagueiro argentino. Naquela partida, teria um gol legítimo anulado pela arbitragem, que alegou impedimento. Marcou quatro gols na Copa de 50. Atuou no Vasco de dezembro de 1942 a 53.
Francisco Aramburu, o grande Chico, faria 100 anos neste dia 7 de janeiro de 2022. Ele nasceu em 1922, em Uruguaiana, e travava duelos memoráveis com Biguá, lateral do Flamengo, paranaense de Irati, no time rubro-negro desde 1941. Pareciam ferrenhos inimigos, mas atuaram juntos nas seleções carioca e brasileira. Em São Januário, o Vasco recebia o Flamengo, que tentava o “tetra”. Com o placar apontando 1 a 1, aos 43 do 2º tempo, Biguá ficou de costas para o gol, espreitando o que Chico faria, e Lelé bateu para o gol. A bola bateu na trave, na nuca de Biguá e entrou no gol. O lateral caiu chorando, ainda tonto com a pancada.
“A própria torcida do Vasco não festejou o gol com muita alegria, em respeito ao drama que eu vivia. E a primeira mão que se ergueu para me ajudar foi a do meu grande adversário, Chico. Ele me levantou, me abraçou com carinho, me consolou.” Respeito comum a outro futebol, de outro tempo, confirmado pelo depoimento de Chico: “Eu fui lá ajudá-lo, disse-lhe que erguesse a cabeça, porque ele não tinha culpa nenhuma. A dor de Biguá me feria. Naquele momento, chorei junto com ele. Naquela época o futebol tinha rivalidade dentro do campo, assim mesmo, se respeitando os adversários”. Biguá, grande amigo de Chico, morreu em 9 de fevereiro de 1989.
Chico também defendeu o Ferrocarril, de Uruguaiana, de 1939 a 41, e Grêmio, de 1941 a 43, antes do Vasco da Gama, pelo qual foi campeão carioca em 1945, 47, 49, 50 e 52, e campeão do primeiro Sul-Americano de clubes, pelo Vasco, em 1948. Jogou pela seleção na Copa contra a Iugoslávia, em 1º de julho de 1950, Suécia, no dia 9, Espanha, no dia 13, e Uruguai, no dia 16, a grande final.
Como todos os craques que estiveram em campo naquele Brasil e Uruguai de 16 de julho de 1950, no Maracanã, Chico sofreu e… denunciou. Ele confidenciou ao repórter Geneton Moraes Neto que o técnico Flávio Costa assumiu a responsabilidade pela derrota ao pedir ao lateral Bigode que mudasse o seu estilo [viril] de jogar. “Nosso treinador disse a Bigode que exigia disciplina. Se houvesse derrota com indisciplina, o indisciplinado seria o responsável. Se houvesse derrota com disciplina, ele, o treinador, seria o culpado. Bigode, então, modificou o estilo de jogo”, confirmou o ponta, que “pressentiu”, logo após o Brasil fazer 1 a 0, que, caso ele, Chico, não “parasse” Obdúlio Varela, o jogo estaria perdido. Pediu apoio a Ademir de Menezes e a Zizinho e ouviu dos dois que deveria seguir a recomendação de Flávio Costa.
O mesmo Bigode — descreveu Chico, sem citá-lo nominalmente à Geneton — levou um tapa de Obdúlio, o que todos os outros jogadores do escrete negaram: “Não posso deixar de dizer, porque vi: um jogador do Brasil levou um tapa de Obdúlio Varela. Por que ele diz que não levou, eu não sei. Mas levou, eu vi. Aliás, Obdúlio deu um cascudo. Os uruguaios tinham essa maldade. Davam um tapa, davam soco e cuspiam. Depois, diziam que estavam acariciando. Mas nunca admiti essa carícia comigo. Eu estava próximo do lance quando tudo aconteceu. Cheguei a pedir a Obdúlio Varela que fizesse comigo.”
Chico também cita um fator extracampo como aditivo para o fiasco diante dos uruguaios: a divisão do dinheiro que se obteria com a venda do lustre de cristal, conquistado por Jair Rosa Pinto, por ser considerado o melhor em campo em um dos jogos da seleção naquela Copa. Chico reclamou de barriga cheia porque saiu do Mundial com um terreno por ter feito um dos gols da campanha do Brasil. Outros jogadores ficaram a ver navios, sobretudo os da defesa. Os propalados terrenos eram concedidos apenas aos atacantes.
Pela seleção brasileira, Chico entrou em campo 21 vezes, conquistando 12 vitórias, 3 empates e marcando 8 gols. Encerrou a carreira em 1953, no Flamengo, e, durante muitos anos trabalhou como corretor autônomo de seguros.
Um dos melhores pontas da história do Vasco, Chico, morreu no dia 1º de outubro de 1997, no Rio de Janeiro.
OBDULIO VARELA, O CAUDILHO URUGUAIO
por Elso Venâncio
Obdulio Jacinto Muiños Varela é um “Deus” para o futebol uruguaio. “El Jefe Negro” foi o principal responsável pelo pesadelo que atormentou o futebol brasileiro, derrotado no dia 16 de julho de 1950 em plena final de Copa do Mundo disputada no recém-inaugurado Maracanã.
O “Caudilho de Nervos de Aço”, como era chamado, disputou dois Mundiais e nunca perdeu um jogo sequer defendendo a “Celeste”. Em 1954, na Suíça, a desclassificação, diante da poderosa Hungria de Puskas, aconteceu após o líder uruguaio se contundir.
Era volante, número 5, e sua garra, força e amor à camisa o transformaram em mito nacional. Uma espécie de sinônimo da seleção de seu país.
Nelson Rodrigues escrevia:
“Obdulio ganhou do nosso escrete no grito e no dedo na cara.”
A vitória do Uruguai de virada, 2 a 1, diante de uma multidão que jamais será reunida novamente em um estádio esportivo, representa a maior zebra da história do futebol. O próprio Obdulio disse, quando recebeu a taça das mãos do presidente da Fifa, Jules Rimet, que em 100 jogos disputados entre ambas as equipes o Brasil venceria 99. O dirigente, sem esconder sua surpresa, declarou que realmente tudo o que aconteceu ao longo do Mundial já era previsto, menos a derrota dos donos da casa.
Prefeito do Rio de Janeiro, o general Mendes de Moraes discursara antes de a bola rolar:
“Brasileiros, vós que sereis campeões; vós que não tendes rivais no planeta… cumpri minha palavra construindo este estádio. Cumpram agora o seu dever, ganhando a Copa do Mundo!”
Curiosamente, o carrasco brasileiro achava que, aos 32 anos de idade, estava velho. Não atendia às convocações. Sequer queria vir ao Brasil. Foi necessária a intervenção pessoal do presidente do país, Luís Batlle Berres. Em troca, Varela pediu um emprego público. Com o título, conseguiu colocações especiais para todos os companheiros.
– Temos que pelear!!! – Varela gritava no vestiário. E urinava nos jornais que apontavam o Brasil como campeão.
– Pelear, pelear!!! – o grito ecoava pelos corredores do Maior do Mundo.
Na entrada em campo, ordenou:
– Ninguém olha pra arquibancada. O jogo é no campo.
Deu certo: 0 a 0 no primeiro tempo, com direito a um tapa de leve dado em Bigode, após falta violenta cometida pelo lateral brasileiro. Esse tapa, na lenda do futebol, acabaria virando bofetada.
O Brasil jogava pelo empate e tinha marcado 21 gols em cinco jogos. Apenas Ademir Menezes, o “Queixada”, pernambucano ídolo do “Expresso da Vitória”, timaço do Vasco que servira como base para a seleção nacional, fez nove.
Friaça abre o placar no início do segundo tempo. Obdulio coloca a bola embaixo do braço e caminha até o bandeirinha. Depois chama o árbitro inglês, George Reader, para conversar. A torcida brasileira, temendo a anulação, para de comemorar. Na verdade, o uruguaio queria esfriar o jogo. O gol, contudo, foi confirmado.
Aos 21 minutos, Schiaffino empata. Treze minutos depois, Ghiggia promove um silêncio sepulcral no Maracanã, àquela altura tomado por mais de 200 mil pessoas. No final, Brasil nocauteado no campo e na arquibancada.
Zizinho, craque brasileiro que era o ídolo de Pelé, disse que ao chegar em casa, após o jogo, encontrou todo mundo chorando. Teve que falar duro, para não enlouquecer. As noites seguintes foram terríveis. Não conseguia dormir, tinha pesadelos, acordava espantado. Os lances da tragédia não saíam da cabeça. Os pais apontavam para ele na rua e diziam aos filhos:
– Aquele ali é o Zizinho, da Copa.
O próprio, porém, pensava:
– Sim, sou Zizinho, Um perdedor.
Tempos se passam e a Rádio Globo fazia uma tarde esportiva aos sábados. Início dos anos 90, estou no estúdio como âncora e toca o telefone interno. O porteiro me diz que um ex-jogador uruguaio pedia para conhecer a rádio. Desço e me deparo com um senhor alto, mulato, de cabeça e pescoço enormes, um pouco corcunda, cabelos crespos e brancos, que se apresenta sorrindo, educadamente:
– Sou Obdulio Varela.
Eu estava diante do grande carrasco do futebol brasileiro, causador da maior depressão nacional provocada por um jogo. Levei-o ao estúdio e ele concordou em bater um papo ao vivo. Disse que às vezes, em Montevidéu, sintonizava à noite na Rádio Globo para ouvir notícias do nosso futebol. Era amigo de Zizinho e, sempre que vinha ao Rio, os dois se encontravam para por o papo em dia e falar da vida.
Gostava, sim, de mandar, de gritar, de ser capitão. Mas não sabia o porquê.
– Eu dei somente um empurrão no Bigode. Preferiram dizer que o agredi.
Tinha mágoa dos dirigentes, que, segundo ele, sempre usaram os jogadores e o futebol. Pedia maior participação dos atletas profissionais nas decisões. Ele, que em 1948 liderou uma greve, paralisando o Campeonato Uruguaio. A Argentina logo copiaria o movimento.
Varela se hospedava no Hotel Paysandu sempre que vinha ao Rio. No mesmo local a delegação uruguaia se concentrou durante a Copa de 50.
Obdulio revelou que havia uma ordem para ninguém sair do hotel após o jogo. Porém, ele chamou o massagista para tomar umas cervejinhas e caminhou pela Rua Paissandu – não foi a Copacabana, como dizem – e dobrou na Senador Vergueiro. Perto da Praça José de Alencar, entrou em um restaurante e percebeu muita gente aos prantos. Ficou meio sem jeito, preocupado com alguma reação intempestiva, já que não demorou a ser reconhecido. Silêncio por alguns segundos. Em seguida, aplaudido por alguns, se comoveu. Esboçou um choro, que tentou conter a todo custo. Mas ninguém foi agressivo com ele.
Pelo contrário. Comeu e bebeu até se embriagar. E de graça. Foi um dos últimos a deixar o local. Ali, segundo ele, nasceu uma profunda paixão pelo Rio e por nosso futebol.
O Hotel Paysandu, que ficava na esquina da Praia do Flamengo com a rua Paissandu, foi fechado há um ano. Ele serviu também de concentração para a seleção brasileira entre o final dos anos 50 e meados dos 60. Atualmente retrofit, lançará aparts no mercado carioca. Já Obdulio faleceu em 2 de agosto de 1996. Mas seguirá sendo imortal na História do esporte.