O AMIGO DE MARINHO CHAGAS
por Rubens Lemos

Os apresentadores do Jornal Nacional, Cid Moreira e Sérgio Chapelin, fizeram o suspense habitual dos anúncios de convocações da seleção brasileira naquela noite de 10 de maio de 1973.
A massa de olhos grudados nas raras TVs em cores esperava a novela Cavalo de Aço, na qual o herói Rodrigo, vivido pelo ator Tarcísio Meira, lutava contra as injustiças cometidas pelo latifundiário Max, personagem interpretado pelo veterano Ziembinski e pelo amor da fazendeira Miranda, na pele de Glória Menezes.
Transmissões que paravam o país na trama assinada por Walter Avancini. Havia, no entanto, a expectativa pela confirmação das especulações sobre mudanças estruturais do técnico Zagallo no escrete canarinho, diante da luz radiosa do tricampeonato de 1970. Do Tri, estavam fora da seleção, o goleiro Félix, o zagueiro Brito, o lateral-esquerdo Everaldo, os gênios Gerson e Tostão e o Rei Pelé.
Um ano antes, a seleção penou para ganhar a Mini-Copa, torneio sem graça em que a vitória na decisão sobre Portugal aconteceu somente aos 43 minutos do segundo tempo em cabeçada de Jairzinho que fez – de verdade ou não -, o General de plantão no Poder, Garrastazu Médici, se deixar filmar e fotografar com um lencinho no rosto, em aparente sinceridade no choro. Portugal atuara no então novíssimo Estádio Castelo Branco em Natal, com direito a show do astro Eusébio.
Zagallo buscava novos nomes e, passava das 21 horas, o público vibrou em Natal e pipocaram os foguetões com a presença na lista do jovem camisa 6 Marinho Chagas, garotão precocemente ídolo do Botafogo (RJ). Marinho Chagas começava a saga que o consagraria na Copa do Mundo de 1974, da qual sairia melhor do planeta em sua posição.
Os bares de Natal lotaram com os cabeludos e donos de potentes jubas black power comentando a presença do loiro suburbano natalense na seleção. O último potiguar convocado fora Dequinha, do Flamengo, nascido em Mossoró e presente na Copa de 1954.
Muitos confundem Lula, ponta-esquerda do Fluminense e do Internacional como potiguar. Nunca foi. Nasceu em Pernambuco e veio morar em Natal, de onde saiu aos 18 anos para brilhar no Sudeste.
Pernambucano também era o goleiro Wendell Lucena Ramalho, 26 anos, titular do Botafogo e melhor amigo de Marinho Chagas no Rio de Janeiro. Quando Marinho chegou no Náutico, Wendell já estava no alvinegro e foi seu anfitrião e cicerone, dois cabras da peste vitoriosos no palheiro da bola nacional.
Wendell e Marinho Chagas se apresentaram juntos ao técnico Zagallo numa seleção que faria um jogo contra a Bolívia no Maracanã, goleada brasileira por 5x0, antes de longa excursão pela África, Europa e Leste Europeu.
Marinho Chagas não teve a menor dificuldade em barrar o refinado Marco Antônio, do Fluminense, exuberante na técnica, frágil emocionalmente. Tanto que perdeu a posição na campanha do tricampeonato para o esforçado Everaldo, do Grêmio.
Wendell criou uma crise quando Zagallo definiu revezamento entre ele, o intocável e insuportável Leão e o discreto Renato, do Flamengo. Leão sempre saiu mal do gol, defeito que Wendell nunca teve, atento aos cruzamentos e melhor posicionado na grande área.
Marinho Chagas e o seu amigo nordestino se deram bem. Ou quase. Ambos figuraram na relação dos 22 convocados, divulgada a 18 de fevereiro de 1974.
Wendell foi o titular na vitória de 1×0 sobre a Tchecoslováquia no Maracanã, gol de Marinho Chagas. Além de Clodoaldo, o esguio goleiro ficou fora do mundial por contusão e Leão, conhecedor da afinidade entre os dois botafoguenses, passou a perseguir Marinho Chagas.
Do Botafogo, em 1977, Marinho Chagas e Wendell partiram para o que restava da Máquina Tricolor do Fluminense, sem Rodrigues Neto, Gil, Paulo César Caju e Dirceu.
Marinho Chagas, brilhante, seguiu ao Cosmos de Nova York. Wendell jogou em vários clubes, seguro, mas desmotivado. Treinador de goleiros no Tetra 1994, Wendell morreu subitamente na segunda-feira . Aos 74 anos. Marinho Chagas lhe abriu as portas do campo dos sonhos, onde não existe discriminação nem derrota.
O FANTÁSTICO MUNDO DOS ESCUDOS
por Paulo-Roberto Andel

Anos atrás, quando tive a oportunidade ímpar de entrevistar Gilberto Gil, ele me disse da fascinação que tinha ao preparar seu jogo de botões com o escudo do Fluminense, motivo de sua paixão pelo clube. Depois pensei bastante e cheguei à mesma conclusão: não sei quando me tornei tricolor, mas eu já adorava o escudo do Flu. Curioso é que a afeição de Gil pelo time do Bahia vinha dos ídolos e não primordialmente do escudo, tais como o ágil ponta Marito e o goleiro Lessa. E eu, que sempre gostei do escudo do Bahia, logo cedo colecionei botões de galalite do clube.
Paixão, paixão mesmo, sempre foi só uma – o Fluzão -, mas gosto de escudos de times desde criança. Duas situações foram decisivas para isso.
A primeira quando passei a fazer as apostas de meu pai na loteria, algo em torno de 1978. Eu mal tinha dez anos de idade, mas fazia os jogos para ele. Vibrava quando me pedia para que fosse apostar, vejam vocês como é ser criança: eu torcia para que tivesse muita gente na fila de apostas, só para ficar vendo a parede da agência lotérica com calma. Era abarrotada por escudinhos de ponta a ponta. Eu adorava. Foi na parede da loteria, que pertencia ao Seu Carlos e funcionou por muitos anos no Shopping dos Antiquários, em Copacabana, que vi pela primeira vez o CSA, o Sampaio Correia, o Guarany de Sobral, o América do Recife e tantos outros times.
A segunda, quando passei a ler a revista Placar semanalmente. Além de ter tudo sobre futebol, ela sempre disponibilizou cartelas de escudinhos para os botões, que você recortava e colava. Na seção de cartas, volta e meia alguém pedia “Publiquem o escudo do Chuteirense”. A Placar atendia todo mundo sem falta. Tempos depois, a revista disponibilizou um álbum com os grandes clubes do mundo, cujas fotos eram os próprios escudos dos clubes. Imagine descobri-los num tempo sem internet e que por vários motivos, não eram publicados em nenhum outro lugar.
Tive uma decepção quando descobri que, nos anos 1970/80, vários times europeus não usavam o escudo do time em suas camisas de jogo. Como era possível? Pois é, mas com o tempo isso acabou, felizmente.
Já experimentou passar por uma banca de jornal de antigamente, daquelas que vendem jornais, revistas e miscelânea? Invariavelmente tem uma parede de adesivos e, claro, os escudos de times de futebol estão presentes.
Ver os escudinhos passeando no antigo placar eletrônico do Maracanã era um barato para qualquer criança, não somente dos times tradicionais mas também das equipes que raramente jogavam por aqui. O antigo Campeonato Brasileiro, com dezenas de times, favorecia essas descobertas, assim como é hoje nas fases iniciais da Copa do Brasil.
Curiosamente, eu não tenho uma coleção de escudos, exceto pelos meus times de botão. Adoro olhar tabelas antigas e atuais de campeonatos de todos os tipos. A Sul-americana é um barato porque volta e meia traz algumas equipes quase desconhecidas no Brasil – e, claro, tem sempre um escudo novo. O Google é um oceano de escudos.
Outra fonte para minha diversão é meu amigo Kleber Monteiro, grande escritor de futebol que faz um trabalho excepcional com camisas e livretos de clubes extintos. É fascinante ver escudos de times que nunca vi em ação, que já não existem mas, de algum modo, escreveram páginas da história. É um poço sem fundo de descobertas. Imagine o futebol do Rio nos anos 1910 e 1920, com a febre da formação de times e campos espalhados por toda a capital da República? Quantos e quantos times, quantas e quantas narrativas?
Por trás de cada escudo há vida, construção e luta, há dedicação e história. Tanto faz se é de um time de grande porte ou humílimo, se está em plena forma ou se foi extinto, se é familiar a milhões ou desconhecido: cada escudo traz uma referência própria, até mesmo quando foi claramente inspirado em outro. Se um dia tivermos uma exposição sobre escudos de times brasileiros, por exemplo, ali estará não apenas uma representação do esporte que tanto amamos, mas também um desenho da nossa própria vida brasileira desde o início do século XX.
Eu amo todos os escudinhos.
@pauloandel
VALORIZAÇÃO DA CERA
:::::::: por Paulo Cézar Caju :::::::

Sei que já abordei o tema aqui algumas vezes, mas rodada após rodada os jogadores parecem mais descarados. O tempo de bola rolando está cada vez menor e os árbitros não fazem nada para se impor. A cada falta, forma-se uma roda de reclamação, a cada defesa, são minutos perdidos de atendimento médico destinado ao goleiro. Os treinadores, que deveriam dar o exemplo, vivem xingando na beira do campo e às vezes até orientam os jogadores a caírem para ganhar tempo. O pior de tudo é que esse é um problema mundial e o futebol está cada dia mais valorizado.
Na minha época, modéstia à parte, a gente dava show de verdade, a bola rolava quase o tempo todo e o reconhecimento era mínimo. Como exemplo, posso citar o Fusquinha que ganhei de premiação após o histórico tri mundial.
Hoje, abro o jornal e leio que Mbappé renovou com o PSG por não sei quantos milhões de euros e o maior salário da história. Acho que foi a melhor decisão possível para o atacante, não só pela questão financeira, mas também por estar em seu país em ano de Copa Mundo. Além disso, ele é muito jovem e terá tempo para respirar novos ares no futuro.
Por fim, gostaria de parabenizar o Guardiola pelo título inglês. Podem falar o que quiser, que ele foi eliminado da Champions, mas é impressionante a capacidade dele de jogar um futebol coletivo, sem medo do adversário. Foi assim no Barcelona, no Bayern de Munique e agora no Manchester City.
O campeonato inglês é o mais disputado do mundo, com craques de todos os continentes, o Liverpool quase não desperdiça pontos e levantar esse caneco não é para qualquer um. Nos últimos cinco anos, foram quatro conquistas de Guardiola pelo City. Se analisar a carreira toda, foram 10 ligas conquistadas em 13 temporadas de trabalho. Precisar dizer algo mais? É hoje, sem dúvidas, o melhor treinador do mundo!
Pérolas da semana:
“Para baixar a marcação e flutuar no 4-5-1, o treinador mandou o time abrir a caixa de ferramentas, evitando o perigo, e conseguiu fazer o atacante dar uma chapada banana e guardar a bola na casinha”.
“Com leitura de posicionamento, jogando pela ala direita, o jogador de beirinha tenta uma infiltração mecânica ofensiva, mordendo o tempo inteiro e revezando com o falso 9 para aproveitar a bola espetada”.
FOTOGRAFIAS
por Claudio Lovato Filho

Retiro da parede o quadro com a foto.
Nós quatro rindo para a câmera, abraçados, vestindo nossas camisas preferidas, prontos para a festa ou para guerra. Tarde de jogo, dia de estádio. Há muito tempo.
Um de nós já se foi deste mundo. Outro foi morar longe, em outro continente. Os outros dois continuam indo juntos aos jogos do time até hoje (quando o problema de coluna de um deles não impede que isso aconteça).
O que se foi era o mais engraçado e também o mais invocado.
O que foi morar no exterior era o mais quieto, mas o mais fanático.
Os dois que ficaram assumiram o papel de guardiões das lembranças de todos eles.
Resta falar do autor da foto, aquele que um dia nos convenceu de que precisávamos nos manter sempre unidos, porque assim tinha que ser com irmãos, assim tinha que ser na família; aquele que, pouco tempo depois de fazer a foto, foi aplicar sua experiência e suas ideias de pai em outro lugar, com outra família.
Ele se jogou para trás na cadeira e ficou olhando para a tela do computador.
A foto do time parecia um quadro impressionista, com ele ocupando a terceira posição, de pé, a partir da esquerda.
Sabia que nunca iria conseguir se libertar daquela imagem, do significado daquela imagem.
Às vezes achava que sua vida havia se encerrado ali, com aquele time, naquela temporada, há mais de 30 anos.
Olhava para aqueles rostos e se lembrava de personalidades e episódios. Os líderes e os seguidores; os rebeldes e os cordatos; os gozadores e os introspectivos; os agregadores e os individualistas; os reclamões e os positivos. Seus companheiros.
No canto direito, de pé, sério como sempre, o velho dava a impressão de que tinha sido forçado a participar da foto. Não que se sentisse desconfortável entre os jogadores. Ao contrário. Ele apenas achava que os jogadores deveriam ser os protagonistas, e somente os jogadores. Seu papel, ele dizia, era indicar caminhos e, quando preciso, assumir culpas. O velho defendia seus jogadores como se aquilo sempre envolvesse o que ele possuía de mais valioso: honradez e integridade, coisas que definem uma existência e não cabem numa foto.
A mãe do jovem torcedor tem muito bom humor, mas quando é dia de jogo fica preocupada.
Hoje é dia de jogo e ela olha para a foto do filho no porta-retratos sobre a mesinha de centro.
É um menino tranquilo, mas ela ficou sabendo – por uma vizinha, mãe de um amigo do filho – de algumas coisas que ele andou aprontando no estádio. Ficou sabendo de algumas, imaginou outras e viu outras, viu marcas nas costas dele, vergões.
Nos pesadelos dela há cassetetes, correntes e facas.
Cada vez que ele sai para o estádio, ela diz: “Juízo, meu filho. Vai com Deus”.
E, como hoje não é um jogo comum, mas um clássico, ela está mais nervosa. Não acompanha de perto o futebol, mas não é uma alienada e sabe o que significa um clássico na cidade onde vivem. Sabe também o que significa “torcida organizada”, que ela lê em todas as camisas que ele usa quando vai aos jogos.
Então ela resolve fazer as únicas duas coisas que parecem sensatas naquele momento: enviar uma mensagem para o filho perguntando se está tudo bem e rezar para que Nossa Senhora Aparecida interceda junto a Deus Pai Todo-Poderoso para que proteja seu menino.
Esses dois atos serão repetidos várias vezes, durante toda a tarde e parte da noite, até que o filho volte para casa, são e salvo, e então, finalmente, ela possa desviar os olhos da imagem no porta-retratos e descansá-los no rosto dele, iluminado sob a luz fraca da entrada da casa.
ANDRADE, TALENTOSO ESPANTOSO
por Luis Filipe Chateaubriand

Quando se pensa em um volante que jogava com classe, se pensa em Andrade.
O ex-volante de Flamengo, Roma e Vasco da Gama tinha uma categoria ímpar, como se diz por aí, “parece que jogava futebol de terno”.
Se destacava pelo posicionamento em campo, um volante que sabia fazer perfeitamente a cobertura dos laterais, quando estes avançavam.
Se destacava pelo refinado toque de bola, o passe preciso, o lançamento perfeito, batia na bola com perfeição.
Se destacava pelo drible, a arte de enganar o opositor, que não sabia onde e como ele “escondia” a bola.
Certa vez, em 1988, um amistoso Vienna, Áustria x Brasil, a Seleção Brasileira venceu o cotejo por 2 x 0.
O segundo gol, de Andrade, foi uma pintura: saiu driblando quase do meio de campo até o fundo das redes.
Indagado sobre o gol, Zico não titubeou: “Estão espantados com o quê? Lá na Gávea, ele faz gols desse tipo toda hora!”.
Andrade, classe em forma de jogador de futebol!