PELÉ EM 3 TEMPOS
por Péris Ribeiro

1) 1951 –
- Deixa eu entrar?
- Que é que há, garoto! Não vê que é muito pequeno?
- Mas sei jogar…
- Então entra. Rápido!
Canelas finas, olhar comprido, o negrinho mirrado tinha apenas escassos minutos para mostrar o que sabia. O diabo é que sabia mesmo; E jogava tanto, que virou o destino daquela simples pelada em Bauru. Bastaram os poucos minutos que lhe deram.
Ninguém via, sequer percebia. Mas ali começava a se consagrar um Rei.
1958 –
Um drible seco em Borjesson, um chapéu em Gustavesson. Finalmente o toque sutil, desconcertante, no canto direito do incrédulo Svensson.
Pouco depois, fim de jogo. Brasil 5 x Suécia 2. Brasil, campeão do mundo pela primeira vez.
Lá em baixo, no campo, um menino de 17 anos acabava de ser coroado Rei do Futebol.
2) 1962-
Com o uniforme imaculadamente branco do Santos, são jornadas épicas. Memoráveis! O ápice acontece no ano seguinte, com o bicampeonato mundial de clubes; o bi da Libertadores da América.
E o Rei, soberano, segue reinando com a pompa de sempre.
1970 –
Pela Seleção Brasileira, eis que vem o tricampeonato mundial, nos altiplanos do México. E era de se ver um Pelé ungido, a realizar jogadas de puro sonho pelos gramados astecas.
Já nos ombros do povo, aquele inesperado sombrero não poderia servir-lhe de mais apropriada coroa.
Ali, ele era o Rei maduro em sua arte. A viver os rescaldos da glória…
3) 1999 –
Vejo Pelé e pergunto:
- Seu ídolo maior. Dondinho?
- Negativo. Zizinho!
- Os motivos…
- Olha, é que sem o Mestre Ziza talvez não existisse o Pelé. Como ele, sei que nunca havia aparecido outro igual. Driblava, criava, lançava e finalizava com a maior perfeição. Até na cabeçada era bom, apesar do tamanho, da baixa estatura. E era do tipo macho! Que não rejeitava parada em campo. Foi nele que me mirei. Ele foi o meu grande espelho.
E o Rei ainda teve tempo, de me lembrar uma certa historinha:
- Em 1957, ali no comecinho da minha carreira, o São Paulo foi o campeão paulista. Mas, sei bem que só chegou lá, graças à genialidade do Zizinho. Era ele do lado de lá, dando o seu showzinho particular. E eu, do lado de cá, de olhos arregalados. Só aprendendo, aprendendo…
Detalhe: não muito tempo depois, Pelé, com apenas 17 anos, se consagraria o mais jovem campeão mundial da história. A camisa? A de número 10 do Brasil. E na volta triunfal, apenas quatro meses depois, ainda levaria o Santos ao título de campeão paulista de 1958. O recorde? 58 gols em 30 jogos – marca não igualada até hoje.
Lições, afinal, do venerável Mestre Ziza?
2022-
Se o Futebol,
é pura forma de religião,
que o Maracanã, então,
seja o templo.
A bola,
consagrada hóstia.
Pelé?
Deus!
JOÃO SALDANHA, “MEUS AMIGOS…”

João Saldanha começava seus comentários com seu tradicional “Meus Amigos…”. Era o comentarista que o Brasil inteiro consagrou. O ‘João Sem Medo’ – apelido dado por ninguém menos que Nelson Rodrigues.
Nas Eliminatórias para a Copa de 70, ele inovou, para surpresa dos jornalistas. Tirou do bolso um papel e, de cara, escalou um a um seus titulares: Félix; Carlos Alberto Torres, Brito, Djalma Dias e Rildo; Piazza, Gerson e Dirceu Lopes; Jairzinho, Tostão e Pelé. Oito deles seriam mesmo titulares no Mundial do México, porém, sob o comando de Zagallo.
– Meu time são 11 feras! – alegou. Eram mesmo. ‘As Feras do Saldanha’.
Emílio Garrastazu Médici, o mais tirano dos ditadores, gostava de futebol. Prisões, torturas e assassinatos se avolumavam, mas o Presidente da República costumava aparecer sorridente no Maracanã, com um radinho de pilha no ouvido. Confesso que era no mínimo estranho ver o carismático, valente e assumido comunista dirigindo a seleção em plena terra de generais.
Médici declarou que gostaria de ver o folclórico artilheiro Dadá Maravilha, o ‘Dario Peito de Aço’, convocado.
– Ele escala o Ministério dele, e eu a minha seleção! – bradou Saldanha, fulo da vida.
Duas semanas depois, estava demitido.
Luiz Mendes me disse que pegou João em casa no dia em que ele atirou no goleiro Manga, durante o jantar da comemoração do título carioca de 1967, conquistado pelo seu Botafogo sobre o Bangu de Castor de Andrade. No trajeto, entre Copacabana e o Mourisco Saldanha disse:
– Luiz, estão preparando uma tocaia pra mim. Não se meta. Briga minha é de talho, não de corte.
Édson Mauro, o ‘Locutor Bom de Bola’, me conta uma boa:
– Nos anos 70 João me disse que estava solteiro: ‘Não quero mulher me enchendo o saco. Separei de novo.’
Perto do fim do ano, Édson perguntou onde ele passaria o Natal.
– Sei lá.
– Quer ir comigo para Maceió?
– Vou, sim.
Nas praias e caminhando pelas ruas da capital de Alagoas, era parado a todo momento e dava atenção a todos, falando de política e futebol. As pessoas apontavam de longe para ele. Afinal, ali estava o “dono” da nossa seleção, o cara que todos brasileiros queriam ver dirigindo o escrete.
Viagem para a Europa? Passaporte na mão, alguém lhe pergunta sobre a mala:
– Essa calça jeans foi a maior invenção do americano. Camisa, agasalho, compramos tudo isso lá fora, e bem baratinho!
Vim ao Rio em 1983 para falar com o Saldanha, quando estava me formando em Educação Física na FOA – a Fundação Oswaldo Aranha, em Volta Redonda. Na matéria, futebol – um trabalho que fiz sobre Jornalismo Esportivo. No Maracanã, numa quarta-feira à noite, assisti à goleada do Flamengo sobre o São Cristóvão por 5 a 0. Esperei o fim da ‘Jornada Esportiva’ e caminhei até a cabine da Rádio Globo. Já passava da meia noite quando gravei uma longa entrevista com o João.
Descemos juntos no elevador. Ele foi para o estacionamento enquanto eu caminhei para a esquerda, mirando o antigo Portão 18. Do nada, seu Passat cinza deu ré e, nisso, ouvi a seguinte pergunta:
– O que você tá fazendo aí, garoto?
– Vou ver se pego um táxi.
– Você quer ser assaltado? Entra aqui! Vai pra onde?
– Rodoviária.
– Te deixo lá.
Saldanha era assim.
O Flamengo foi jogar certa vez em Itaperuna. Eu, pela Rádio Globo, como repórter; ele, na função de comentarista da Rádio Tupi. Começou um boato de que o João sumiu. Cidade pequena, os jornalistas se dividiram para procurá-lo. Em pouco tempo, visualizamos Saldanha sentado no banco de uma praça, bebendo cerveja e contando histórias para cerca de 40 pessoas.
Audacioso, crítico, verdadeiro, eram passagens verdadeiramente espetaculares. O que prova que Saldanha foi mesmo um marco no nosso Jornalismo. Uma figura simples e muito, muito popular!
A última vez que o vi aconteceu no Galeão, durante o embarque para a Copa de 1990, na Itália. Debilitado, em uma cadeira de rodas, um torcedor chega à sua frente e pergunta:
– E aí, João… tudo bem?
Ele olha sério para o sujeito.
O desconhecido insiste:
– Tá tudo bem, João?
– Como e que tá tudo bem? Você tá cego? Olha essa cadeira de m… aqui! Vai pra pqp…
Saldanha era assim.
João Alves Jobim Saldanha, gaúcho de Alegrete, amigo íntimo de Heleno de Freitas e primo do gênio Tom Jobim, era fã declarado de Garrincha, outro gênio. Saldanha foi um dos maiores personagens do Brasil no Século XX.
A SAGA DOS TREINADORES
:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::

Ainda estou inconformado com a partida de meu irmão Fred. No campo do Costa Brava, onde, religiosamente, ele jogava sua peladinha reunimos amigos, formamos um grande círculo e rezamos uma Ave-Maria. Foi lindo! Meu irmão sempre foi muito querido, mas sei que sentia-se rejeitado e alijado pelo mercado, assim como sentem-se Jaime, Andrade, Búfalo Gil, Cláudio Adão, Arturzinho, Sebastião Leônidas, Jair Pereira e tantos outros. A experiência não conta no futebol. O que os treinadores atuais, a maioria que nunca chutou uma bola, sabe mais do que esses citados por mim? Nada!
Não os colocarem como os treinadores principais já é um absurdo, mas sequer os convidarem para assumir a base, fazer parte da comissão técnica, o que seja, é vergonhoso. Ainda mais hoje que as comissões técnicas são gigantes. Outro dia fique sabendo que nas viagens é preciso reservar um ônibus apenas para essa turma, professores de Educação Física (o Fred era, hein!), analistas de desempenho, filho do treinador, sobrinho do treinador, cabeleireiro etc etc etc.
Zé Ricardo, do Vasco, se mandou no meio de um trabalho e depois reclama quando é mandado embora. Mas já já volta e assume novamente o Gigante da Colina. Os mesmos ficam se revezando, são demitidos e no outro dia já estão com seus 20 auxiliares sugando outro clube. Ou vocês enxergam alguma novidade tática do Inter, do Mano? Que pobreza de futebol, retranca e covardia. São Paulo x Avaí foi lamentável, Vasco x Grêmio tétrico, Juventude x Fluminense nem se fala. A maioria dos jogos tem sido assim.
Por isso, há tempos venho elogiando o Fortaleza. Que time bom de ver jogar! E não falo só pela vitória sobre o Flamengo, há pelo menos dois anos venho batendo nessa tecla. A crise é mundial, mas ainda é bem melhor assistir as seleções da Europa. Adorei a goleada da Holanda sobre a Bélgica, duas seleções que adoro, e a da Dinamarca sobre a França. Itália x Alemanha foi interessante. Vamos continuar assistindo futebol, não tem jeito. Já mudei para Animal Planet, Quilos Mortais, Irmãos a Obra e vários de gastronomia mas acabo voltando mesmo que seja para rir, me indignar e desligar a tevê prometendo que jamais verei novamente aquele festival de horrores.
Pérolas da semana:
“Com um DNA ofensivo, o time tem uma compactação de ideias para agredir o adversário e fazer uma transição dinâmica, explorando o ponto de sustentação e a identidade do ataque”.
“O treinador deveria potencializar o jogo se espelhando no basquete americano. Para isso, precisa de um time automático com potência para espaçar o último terço do campo e os corredores naturais da beirinha”.
É dose aturar esses analistas!
AS COPAS QUE FIZ COM PELÉ
por Elso Venâncio

Durante a cobertura de três Copas do Mundo, tive a chance – e a honra – de estar próximo do maior jogador de futebol que o planeta já viu. Em 1990, na Itália; nos Estados Unidos, em 1994; e no Mundial seguinte, em 1998, Copa disputada na França. Pelé convivia com a imprensa brasileira por ser o principal comentarista da Globo. E posso afirmar: nunca vi um brasileiro ser tão idolatrado no exterior.
Naqueles três Mundiais, a Rádio Globo ficou posicionada na tribuna de imprensa ao lado das tevês. Os olhos dos jornalistas do mundo inteiro se fixavam sempre em Pelé. Não como ser humano, mas como uma entidade. Eu observava a educação e o carinho do “Rei do Futebol” para com todos. Sempre com um sorriso sincero no rosto, distribuía autógrafos e posava para fotos. Ninguém é rei por acaso!
No intervalo dos jogos do Brasil eu pegava o gravador e caminhava em sua direção. Ele sintetizava, em menos de um minuto, o que tinha visto no primeiro tempo. José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, foi quem teve a ideia e levou a Roberto Marinho, um rubro-negro apaixonado por futebol, a sugestão de tê-lo como comentarista da emissora. Mandou muito bem!
Nosso amigo em comum, Paulo Cezar Caju me contou dois fatos ocorridos durante a Copa de 1970. No jogo contra a Inglaterra, o mais difícil da competição, na entrada em campo, com os times lado a lado, Pelé observou que alguns jogadores brasileiros, sobretudo os mais jovens, olhavam os britânicos com admiração. Ora, eles eram os atuais campeões do mundo, venceram o Mundial que realizaram quatro anos antes, como anfitriões; eram atletas que foram para o México de navio – levando, inclusive, água e a alimentação. Pelé berrou para os brasileiros, cientes de que os rivais não compreenderiam o nosso idioma:
– Vocês estão vendo esses branquelos de merda? Vamos ganhar! Nós é que jogamos bola!!!
Foi um silêncio geral…
Nessa mesma Copa, antes de um treino, Pelé, Tostão e Gerson colocaram o zagueiro reserva Fontana na roda. Cada um dava um toque e, tonto, correndo de um lado pra outro, Fontana não conseguia de jeito nenhum alcançar a redonda. Até que resolveu entrar numa com Pelé, dizendo que ele escalava a seleção.
Vale lembrar que todos já o chamavam de Rei. Ninguém falava Pelé. João Havelange, Zagallo e até o chefe da delegação, o brigadeiro Gerônimo Bastos, um baixinho invocado e temido, sempre com respeito se referiam ao nosso craque maior chamando-o de “Rei”. E não era para menos: ele já era tetracampeão do mundo – duas vezes com a seleção (1958 e 1962) e outras duas com o seu Santos (1962-1963).
À noite, Pelé solicitou uma reunião com a presença de todos: atletas, presidente da CBD (A CBF daquele tempo), dirigentes, comissão técnica – e, não esqueçam, era época de ditadura, ou seja, vários deles eram militares. Ao pegar no microfone, avisou:
– Eu não tô aqui pra brincar. Não aceito certas coisas. Esse cidadão…
Fontana nunca mais abriu a boca no México.
12 de julho de 1998, Stade de France, em Saint-Denis. Antes da decisão da Copa – disputada pela anfitriã França contra o atual campeão, o Brasil –, a FIFA estendeu um tapete vermelho na tribuna do estádio e convidou as maiores personalidades do mundo. Uma verdadeira constelação estava presente, acredito que mais de 50 celebridades de primeira grandeza. Nomes como Al Pacino, Alain Delon, Arnold Schwarzenegger, Elizabeth Taylor, Denzel Washington, enfim, só fera. Além dos campeões mundiais vivos de todos os países. No que chegou Pelé todos se levantaram, buscando um melhor ângulo para admirar o melhor jogador de todos os tempos. Nisso, automática e instintivamente, todos começaram a aplaudi-lo. Cena emocionante que vi de perto. Belíssima reverência ao nosso grande ídolo.
Mestre Armando Nogueira certa vez escreveu:
“Edson Arantes do Nascimento, se não tivesse nascido gente, teria nascido bola.”
Hoje dedico essas linhas ao Eterno Pelé, que aos 81 anos vem jogando a principal partida da sua vida, lutando contra graves problemas de saúde. Muita força, Rei Pelé! Estamos todos na torcida por mais um gol de placa seu!
LIÇÕES TARDIAS DE UMA COPA DO MUNDO
por Zé Roberto Padilha

Fomos eliminados na última Copa do Mundo, na Rússia, em 2018, pela Bélgica. Como sempre, muitos jornalistas, torcedores, nem lembro, mas estava no bolo dos inconformados, o país não poupou o técnico Tite. Muito menos o Neymar.
Mas logo para a Bélgica?
Bem, revendo, hoje, os melhores lances da partida, entendemos melhor porque perdemos. E não foi para qualquer seleção.
Sabe quem era o goleiro deles? Courtois, do Real Madrid. Fez contra o Brasil o que fez contra o Liverpool.
Quem fez o segundo gol deles, já que o primeiro foi contra, de Fernandinho? Kevin DeBruyne, campeão inglês pelo Manchester City e um dos mais completos jogadores do time de Guardiola.
E quem era o centroavante? Lukaku. Campeão Mundial de Clubes pelo Chelsea.
Não é pouca coisa. Se estão voando hoje, medalhas no peito, titulos mundiais, imaginem há quatro anos?
Apenas outra lição dos que vivem, como todos nós, a procurar erros nas derrotas sem enxergar os méritos dos vencedores.
A outra Copa do Mundo está próxima.
Quem sabe não aprendemos mais esta lição que o futebol nos concedeu?