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A DIFÍCIL TAREFA DE ELOGIAR

por Zé Roberto Padilha

Fiquei atento a todas as resenhas, cada Trocas de Passes, após a rodada do Campeonato Brasileiro e nossos sábios comentaristas, por unanimidade, procuraram à exaustão as razões pelas quais o Fluminense, jogando em casa, perdeu para o America-MG. Nenhum deles exaltou as razões pelas quais o América-MG venceu.

Está mais que apresentado ao mundo do futebol o modo Diniz de sair jogando. Os zagueiros abrem nas laterais e o melhor passador, o André, recua até o Fábio e sai jogando. É proibido dar chutão pra frente e, plasticamente, é bonito de se ver. Quando está ganhando, então…

O que ainda não tínhamos visto é um time ter a coragem de marcar essa saída de bola dentro do Maracanã. Essa marcação alta desmontou a armação das jogadas tricolores. Além disso, sempre tinha um jogador próximo ao Ganso para tirar sua liberdade de criação.

Soma-se a isso a felicidade dos gols saírem logo no início, o que passou confiança ao time americano, que soube administrar o resultado.

Sendo assim, senhores comentaristas, deixem em paz o Fernando Diniz e passem a admirar a coragem e a inteligência de Vagner Mancini, junto a qualidade e entrega dos seus jogadores, em seguir fielmente o plano tático traçado.

Já tivemos um estrategista, nos anos 60, chamado Tim. Ele era bem respeitado. Por que não exaltar o treinador que conseguiu desestabilizar a maior arma tricolor em seu nascedouro?

FRANCISCO HORTA TROCOU AS LARANJEIRAS PELA GÁVEA

por Elso Venâncio

O visionário Francisco Horta é um dos grandes personagens do nosso futebol. Além de formar duas ‘Máquinas’ no Fluminense, clube que presidiu entre 1975 e 1977, contratando um punhado de craques – nomes como Rivellino e Paulo Cezar Caju, dois dos maiores jogadores do mundo na época –, o dirigente também sacudiu o futebol brasileiro ao instituir o genial ‘troca-troca’, fazendo com que ídolos vestissem o uniforme dos rivais, o que motivou os torcedores a lotarem sempre o Maracanã.

Depois de ser considerado o ‘Presidente Eterno’ das Laranjeiras, sendo cotado para assumir a FERJ e até mesmo a CBF, o advogado e magistrado carioca chocou o mundo da bola ao aceitar o convite do então presidente do Flamengo, Gilberto Cardoso Filho, para comandar o futebol rubro-negro como manager – uma espécie de diretor de futebol profissional remunerado.

Gilberto Cardoso ficou tonto com a rasteira que levou de Antônio Soares Calçada, presidente do Vasco, no episódio que culminou com a saída do craque Bebeto. Cria rubro-negra desde que foi contratado, ainda garoto, junto ao Vitória, o atacante assinou com o cruz-maltino após ser feito o depósito do valor de seu passe na Federação. O fato representou a maior contratação da história, entre clubes arquirrivais.

O Brasil acabara de conquistar a Copa América após 40 anos de jejum e Bebeto, além de artilheiro, com sete gols, foi considerado o melhor jogador do torneio. Era o melhor do Brasil, cobiçado por vários gigantes da Europa.

Em maio de 1990 Horta desembarcou na Gávea com plenos poderes. Encontrou forte crise e muita rejeição ao seu nome, por conta do seu passado no Fluminense, seu time do coração.

De cara, tentou uma contratação de impacto:

– Presidente, quem será o seu Rivellino? – perguntou-lhe, reverenciando-o, Gilbertinho.

– Está em São Paulo e usa a perna esquerda.

– Como assim?

– É batedor de faltas e joga no Corinthians.

O sonho dele era Neto, camisa 10 que levaria o alvinegro paulista ao título brasileiro no fim daquele ano.

Quando assumiu, trabalhávamos na Rádio Globo. Eu, como setorista do Flamengo. Ele, comentarista do ‘Panorama Esportivo’, programa líder nacional de audiência que era apresentado por Eraldo Leite, das 22h às 24h.

Nova rotina, passávamos o dia inteiro na Gávea. Ao fim da noite, a gente se reunia novamente nos estúdios da Rua do Russel, na Glória.

Horta chegou à Gávea, foi ao vestiário e colocou o agasalho rubro-negro. Achei estranho! Chamou jogadores e imprensa e, de repente, promoveu uma reunião em que, com todos de mãos dadas em formato de círculo, no centro do campo, para minha surpresa e espanto, pediu em voz alta:

– Bota fé que dá pé! Vamos repetir… bota fé que dá pé!

Os fotógrafos fizeram a festa.

Sempre otimista, enfrentou os chefes de torcida organizada, que tinham uma sala ao lado do estacionamento dos jogadores, a ‘Atorfla’:

– Sou tricolor, mas estou Flamengo e sempre fui fascinado por seu gigantismo.

Claro que houve imediata reação nas Laranjeiras. Horta quase teve seu título de Grande Benemérito cassado.

Durante as partidas, ficava ao lado do técnico Jair Pereira, no banco de reservas, e dava nota aos jogadores publicamente:

– O melhor foi Uidemar. Vai ganhar um poodle! – prometia um presente ao craque do jogo sempre que o time ia a campo.

Vitor Hugo, um zagueiro viril, era chamado por ele de ‘Homem de Ferro’:

– Nosso Homem de Ferro… nota 3!

– Junior ‘Capacete’, você precisa melhorar… 5!

– Renato? Bom, nosso Frank Sinatra está rouco. Sem nota…

Estrela do time e maior salário do futebol brasileiro, Renato Gaúcho reagiu com declarações pesadas. O clima esquentou. Querido por todos, Uidemar, o ‘Ferreirinha’, para amenizar a situação, com toda a sua pureza comentou, ao lado do campo:

– Minha mulher tá me cobrando o cachorro, Doutor. Ela gosta muito de poodle!

A passagem de Francisco Horta pela Gávea foi rápida. Girou em torno de cinco meses. Mas foi marcante. A primeira Copa do Brasil conquistada pelo Flamengo, que começa a disputar na semana que vem o tetracampeonato da competição, foi conquistada praticamente sob seu comando. É que Horta acabou sendo demitido quase um mês antes da decisão, no dia 5 de outubro. Na final, disputada em 1º de novembro, o rubro-negro venceu o Goiás por 1 a 0, em Juiz de Fora – mesmo palco onde Zico se despedira no ano anterior, contra o Fluminense. Aliás, Fluminense… de Horta!

Certa vez perguntei a ele:

– Por que trocou Paulo Cezar Caju, Gil e Rodrigues Neto por Marinho Chagas, com o Botafogo?

– Erro meu! – assumiu.

Ele se equivocou ao ir trabalhar no Flamengo? Fica a pergunta no ar. Quem sou eu para entender ou julgar esse personagem que estava à frente do seu tempo e foi um dos maiores dirigentes do Século XX?

Vida longa ao “Presidente Eterno”, que completou, em 23 de setembro, 88 anos de idade!

VALE TUDO PELO CONTEÚDO?

por Idel Halfen

A busca por fazer das competições esportivas um gerador de conteúdo tem levado a alguns exageros definitivamente inaceitáveis.

Como forma de justificativa para atos que descaracterizam o esporte, abusam do termo “sports entertainment” – entretenimento esportivo -, sem nem procurarem entender o que isso efetivamente significa.
Para melhor explicar, vamos à origem do termo, que foi cunhado na década de 1980 pelo presidente da WWF (World Wrestling Federation) – agora WWE – com o intuito de descrever a modalidade sob o prisma de marketing e assim aumentar a atratividade junto aos potenciais patrocinadores.

Podemos ainda enquadrar nessa categoria os Harlem Globetrotters que, de forma divertida, demonstra a habilidade dos jogadores de basquetebol em um ambiente de descontração.

No próprio ambiente mais competitivo, vemos algumas modalidades mudando regras para deixar as disputas mais atrativas. Isso sem falar nas inúmeras ações destinadas à melhoria da experiência de assistir os eventos nas arenas.

Tudo isso é válido, pois, através da busca por mais fãs, se consegue maiores receitas.

Reparem, no entanto, que nenhuma das ações voltadas a deixar a competição com mais cara de entretenimento, abdica da parte mais importante do evento: o esporte.
Esse movimento do “esporte-entretenimento” lembra um pouco, guardadas as devidas proporções, a popularização da expressão marketing esportivo, na qual pessoas que gostam e vivem no esporte, acrescentam o termo marketing, pouco entendendo o que ele significa.

Assim como o esporte é a parte fundamental do sports entertainment, o marketing o é no marketing esportivo.
Não deve haver espaço em hipótese alguma para que competições esportivas sejam vilipendiadas em nome da criação de conteúdo.

O esporte é o negócio fim da atividade, fazê-lo se tornar um entretenimento é o diferencial. Analogamente, podemos citar os supermercados que, com o intuito de ficarem mais atrativos, colocam restaurantes em suas áreas de vendas, porém, o negócio fim continua sendo a comercialização dos itens e não os pratos oferecidos.
Para a defesa do esporte, as federações, confederações e ligas têm papel fundamental. Aqui abrimos um parêntesis para elogiar a Conmebol que, em um jogo da Libertadores, notificou o Facebook por ter colocado “influenciadores digitais” no gramado, sendo que um deles acabou comemorando um gol junto aos jogadores.
Imaginem se os repórteres de campo, em busca de um conteúdo melhor para seus veículos, comecem a ter uma interatividade maior durante o jogo?

A linha que separa a atratividade da seriedade das competições, de fato, é tênue, por isso, antes de se adotar medidas para a busca de conteúdo, é necessário avaliar de forma criteriosa as possíveis consequências tendo sempre em mente que tal busca, jamais, pode chegar às raias de distorcer o esporte.

O PAU CANTOU

por Rubens Lemos

Os anos 1970 foram os melhores da história do futebol potiguar com o Estádio Castelão novinho, cheirando a tinta, gramado espetacular e craques divididos entre ABC e América. Há 45 anos, o clássico entrou na mídia nacional por vias tortas na maior briga registrada em gramados potiguares.

Era decisão de 1977, ABC favorito, começou a cair no campeonato e, ao chegar a 18 de setembro, o América havia assumido a liderança técnica e psicológica, jogando pelo empate para reconquistar o título que perdera em 1976 em outra tentativa fracassada de ser tricampeão, o que só ocorreria cinco anos depois.

O ABC tentava o bicampeonato, começou bem e sucumbiu a um jovem que entrava no segundo tempo para matar o alvinegro em gols e passes de craque: Marinho Apolônio, 22 anos, ex-Sport(PE), para mim, o melhor do Estádio de Lagoa Nova.

Um campeonato estranho o de 1977. O América começou dando as cartas no primeiro turno e chegou à final podendo perder duas vezes para o ABC. E perdeu, a primeira peleja por 2×1, dois gols do meia Zé Carlos Olímpico, integrante do escrete brasileiro nos tenebrosos Jogos de Munique, em 1972 e a segunda, ABC 2×0, duas porradas em cobranças de falta de Baltasar, campeão improvável do primeiro turno.

No segundo turno, o ABC inverteu a história e estava pronto para ganhar o caneco direto. Até que Alberi, o camisa 10 do América, odiado temporariamente pela Frasqueira, roubou uma bola do igualmente craque Danilo Menezes, o camisa 10 do ABC, cruzou na categoria para Marinho Apolônio matar o goleiro Hélio Show: 1×0 e o América se recuperava. Ganhou o segundo turno e o terceiro, venceu com o ABC jogando pelo empate em chute violento do centroavante Aloísio Guerreiro.

O ABC trouxe do Londrina um centroavante chamado Anderson, já falecido, que fazia cinco gols em timeco e não marcava nenhum no América. Apelido infame: Sarampo, doença que aflige os pequenos.

A temperatura fora de campo esquentava e surgia o boato de que o ABC não deixaria o América comemorar o título. “A volta olímpica, eles não vão dar”, determinava Danilo Menezes na granja do presidente José Nilson de Sá, onde o ABC concentrou.

Matreiro, Danilo Menezes percebeu que o time estava entregue, arrasado e anêmico, sem poder de recuperação. O ABC errou ao entregar o comando técnico ao ídolo Maranhão, volante e experiente com juvenis. O América tinha o experimentado gaúcho Laerte Dória.

No dia 18, os dois times chegaram cedo, sentaram no espaço ecumênico das cadeiras cativas, bancos iguais aos de igreja, situados no setor intermediário do Castelão. O plano: se até 30 minutos do segundo tempo, o ABC não marcasse, Anderson teria alguma serventia: agredir o esquentado volante Zeca, do América. Ocorre que Zeca foi avisado por um traíra do ABC ainda nas cadeiras numeradas.

O jogo seguiu o script anunciado. O ABC pressionando, o América bem postado na defesa e poucos lances de perigo. Aos 29 minutos do segundo tempo, Anderson recebe a ordem de encenar seu teatrinho.

Zeca percebe e corre, Anderson, expulso, sai procurando iscas no América. Estoura a pancadaria e o símbolo do episódio: o zagueiro Pradera, camisa 3 do ABC, faixa-preta de Karatê, bateu em quem viu pela frente. Até PMs tiveram trabalho para segurá-lo.

A torcida do ABC grita para Pradera surrar Alberi e ele corre para atacar o Negão, que percebe e, no reflexo, acerta-lhe uma pernada no rosto. Pradera, depois de levar borrachadas da polícia, persegue Alberi até o vestiário. Não consegue tirá-lo do esconderijo.

O episódio, deprimente, colocou o Rio Grande do Norte pela primeira vez no programa Fantástico, da Rede Globo. Brigaram quase todos. O juiz paulista Faville Neto expulsou os 22.

Até o sacrossanto goleiro reserva Erivan, do ABC, que ajudou o ponta Ronaldinho do América, gritando de dor com o ombro deslocado, prestou socorro e levou um murro. Do próprio Ronaldinho.

O América foi o campeão justo de 1977. Mas não teve volta olímpica. Ou “Vollta”, como previu o malandro uruguaio Danilo Menezes. Ah! Os brigões dos dois times– menos Pradera – dividiram mesa farta de cerveja, madrugada adentro no Clube Assen, na Avenida Prudente de Morais, no Tirol. Amigos íntimos.

Ficha

América 0x0 ABC – Castelão – Público:22.873 pagantes. Árbitro: Faville Neto(SP). Expulsos: todos. América: Cícero; Ivã Silva, Joel Natalino Santana, Argeu e Olímpio; Zeca, Rogério(Garcia) e Alberi; Ronaldinho, Aloísio Guerreiro e Soares(Ivanildo Arara). ABC: Hélio Show; Orlando, Pradera, Domício e Vuca; Baltasar, Danilo Menezes e Paulo César Cajá(Zezinho Pelé); Maranhão Barbudo(Noé Silva), Anderson e Noé Macunaíma.

O GÊNIO ILUMINADO

por Péris Ribeiro

Os campeões mundiais Bellini e Didi – eleito o Maior Jogador da Copa de 1958 -, também eram o fino da elegância fora dos gramados. Ei-los em uma noite de homenagens no hall do Maracanã

Ganhou ares de pesadelo – e pesadelo com a força do mais arrebatador tango portenho -, a maior desdita vivida por Messi. O ano? 2014! E logo em uma final de Copa do Mundo, perdida para uma Alemanha determinada, em pleno Estádio do Maracanã, na cidade do Rio de Janeiro.

É incrível, mas ainda me lembro bem do seu choro, de sua imensa frustração. E da dura e sofrida realidade, da impossibilidade ante o insuperável. Ante o impossível.

Porém, há de ter doído bem mais, a constatação real de que ainda não seria daquela vez. Nem a jogada genial, nem o gol decisivo. Muito menos, o sorriso refletido na taça. Na subida ao pódio, o sufoco de novo contido.

Quando, em que dia, afinal, ele poderá rasgar o peito e gritar: “Argentina! Argentina, campeã do mundo!”?

Como os Deuses do Futebol sabem ser matreiros, e tantas vezes cruéis, há muita gente por aí ostentando façanhas de dar inveja. Uma gente, frise-se, capaz de exibir bem pouco mais que um mínimo de talento que seja com a bola nos pés.

Em compensação, existem certos gênios predestinados. Aqueles para quem a sorte nunca deixou de sorrir. Como Didi, o Príncipe Etíope. Alguém com um dom mágico, capaz de obter o que poucos, bem poucos, puderam na vida. Ainda mais, no sinuoso universo do Futebol.

Basta dizer que, festejado em 1962, em Santiago do Chile, como bicampeão mundial, Didi já havia conseguido uma glória particular, toda sua, alguns anos atrás. É que, lá na Suécia, fora consagrado o Maior Jogador da Copa de 1958 – justamente a primeira de todas, na qual o Brasil saiu com as honras de grande campeão.

Aliás, refletindo com serenidade e rigor sobre o tema, não é pouca coisa ser considerado o Maior Jogador de uma Copa do Mundo. Em absoluto! Muito menos, em uma Copa que tem Pelé e Garrincha em campo. E convém lembrar que também havia, nos gramados escandinavos, talentos luminares como os franceses Kopa e Fontaine, o tcheco Masopoust, o húngaro Bozsic e os alemães Rahn e Fritz Walter. Ou o sueco Skoglund, o argentino Labruna, o galês John Charles. E ainda havia um goleiro do porte do russo Lev Yashin, já celebrado o “Aranha Negra”.

Pois ainda assim, e mesmo com todo o tipo de honraria por aí já recebida, nem no ato da heroica conquista em estádios do Chile, Mestre Didi faria por menos. É que, nos atapetados gramados andinos, o elegante e cerebral inventor da “Folha Seca” iria imprimir, pela última vez, a sua marca genial. Particularmente, porque só a ele, e a mais dez ilustres jogadores, seria concedida a honra de um Bi em Campeonatos Mundiais. No caso, oito brasileiros – com ele, Didi, nove – e dois italianos.

– Tenho consciência, que fiz por onde chegar a algum lugar. Sei bem disso. Mas sei também que Deus foi bom demais, dando-me além. Quantos fazem por merecer, e nada conseguem? – disse-me Didi certa vez, em um ameno final de tarde. O sol morno e agradável – era início de primavera -, como testemunha privilegiada.

Será Messi, tal qual gigantes da estatura de um Zizinho, o Mestre Ziza e um Puskas, o Major Galopante, um desses definitivos – e imerecidos – desafortunados na história das Copas?