por Zé Roberto Padilha
Vivemos a clamar pela volta do futebol arte. Mas quando ele se apresenta imponente, levanta a cabeça, como Gérson, o Canhotinha de Ouro, o fazia, e raciocina e cadencia a correria, como Ademir da Guia, em uma faixa de campo em que os maestros deram lugar aos gladiadores, clamamos por sua pronta substituição. “Está chupando o sangue!”, grita o torcedor. Na verdade, raros jogadores, como Paulo Henrique Ganso, estão resguardando a alma e os resquícios do talento que restou pelos gramados do país.
A arte refinada do toque de bola deu lugar aos novos meias, como o Gérson, do Flamengo, fortes e destemidos, que dividem, marcam e entregam bolas em domicílio. É flagrante o grande momento vivido por este menino. Mas no Fla x Flu do último domingo, voltem a fita (ou esqueceram que o futebol arte tinha VHS e depois passamos pro DVD?), aos 18 minutos do segundo tempo, Ganso deu um passe magistral, de trivela, que colocaria Wellington Nem na cara do gol se não fosse por um puxão na sua camisa dado sutilmente por Pablo Marí.
Uma falta tão flagrante que até o mais cego dos VAR reconheceria. Se fosse acionado, lógico. Seria o gol do empate e o domínio e a pressão trocaria de lado porque o Flamengo ficaria com dez jogadores. O zagueiro rubro-negro já havia recebido o cartão amarelo.
“Segue o jogo!” Disse o narrador. Dois minutos depois, Gérson acerta um chute forte que desviaria na zaga e enganaria Muriel. O 2×0, então, definiu o resultado e o dono do último toque de arte deixou o campo debaixo de vaias. Marcão, símbolo maior dos brucutus marcadores, é que não alcançaria mesmo o valor de tamanha habilidade e destreza circulando em campo a seu favor.
Joguei três edições da Taça Guanabara seguidas sob a batuta de três grandes maestros: Gérson, em 74, Rivelino, em 75, e Zico, em 76. Nenhum deles corria muito ou voltava para dar duro na marcação. Como João Carlos Martins, Isaac Karabtchevsky e Paulo Henrique Ganso eram os comandantes afinados que se posicionam em meio a todas as ondas sonoras. Um time de futebol é como uma orquestra e só quem conhece todos os acordes ousa pegar a batuta e colocar bolas e notas em seu devido lugar.
À sua volta, giram os acordes dos laterais que apoiam com seus graves, como Rodinei, Gilberto, Renê e Julião. Já Allan, Piris da Mota e Sérgio Araújo são os que marcam no surdo os compassos adversários. E os agudos do Digão, Rodrigo Caio, Frazan e Cia que seguram a batida lá atrás.
Nenhum maestro que se preze deu um carrinho até hoje. Precisam esticar o pescoço e enxergar toda a extensão do lindo lago esverdeado e recheado dos bagres e cascudos que circulam ao seu redor. E comandar, do alto da sua sensibilidade, o grande espetáculo, seja ele no Teatro Municipal ou no Maracanã.
Porém, alguns pescadores, inseguros na sua interinidade, precisam do resultado para continuar berrando à beira do lago. E, pressionados, jogam uma tarrafa sobre o que resta de beleza em nossa música e no nosso futebol. E retirem do Lago do Cisne toda a harmonia que resta do meu tricolor das Laranjeiras.
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