AMARO ETERNO
por Igor Salles Barbosa

Me arrisco a dizer que a grande herança que meu avô Amaro deixou para nossa família foi o futebol. Esse foi o verdadeiro legado que, como grande jogador que foi, deixou para a família Amaro, como costumamos dizer. Até hoje referenciamos a família não pelo sobrenome, mas sim pela forma como ficou conhecido, família do Amaro do América. Amaro fez história ao ser campeão carioca em 1960 pelo América, mas teve passagem pela seleção brasileira e também pela Juventus da Itália, Corinthians e Portuguesa de SP.
Meu avô Amaro foi profissional nos tempos de ouro do futebol brasileiro, em um momento em que era desterrada a beleza que nascia da alegria de jogar apenas pelo prazer de jogar. Antes desta realidade atual em que o futebol profissional censura o que parece inútil, e é inútil o que não é rentável, estamos falando de uma geração do futebol brasileiro carregada de magia que não se submetia aos padrões até então hegemônicos europeu e soviético, que não era organizado para ser jogado, mas para impedir que se jogasse.
Amaro, com muita sensibilidade, documentou não só suas reportagens da época, mas de todo um contexto histórico do futebol brasileiro. Nesse acervo histórico digitalizado é possível apreciar a fantasia e a ousadia daquele momento em que as entrevistas dos jogadores, sempre ousados, já davam o tom de um futebol atrevido que sai do roteiro e comete o delírio de driblar o jogador do time adversário, situação cada vez mais difícil de ver, assim como as entrevistas dos jogadores na atualidade que são carregadas de orientações da assessoria de imprensa. O reflexo disso são jogadores submetidos à tecnocracia sem nenhuma espontaneidade, tanto jogando, mas principalmente fora das quatro linhas.
É possível verificar nas matérias de jornal da época a irreverência de meu avô sempre com respostas perspicazes, que enriqueciam ainda mais a história contada pelo jornal. Como jornalista que sou, posso atestar que além do talento para o futebol, Amaro também tinha muita habilidade para dar entrevistas. Nas matérias dos jornais digitalizados, que conservou com muito cuidado, observamos que ele é quem que surpreendia o repórter, sempre com boas sacadas, mesmo com as perguntas mais inusitadas.
Nesse resgate do acervo histórico do craque Amaro temos a oportunidade de escutar do grande Paulo César Caju, campeão da Copa do Mundo de 1970, tantas histórias do meu avô e do futebol daquela época. Caju foi um verdadeiro cronista resgatando um momento especial do futebol brasileiro com riqueza de detalhes.
O acervo digitalizado e a matéria produzida pelo Museu da Pelada são heranças que ficam não somente para nossa família, mas para toda pessoa que ama a história e o encanto do futebol. Afinal nunca foi só futebol.
A ELITE DOS VESTIARIOS
por Zé Roberto Padilha

Decidido o brasileiro, a poucos dias do início da Copa do Mundo, o que fazem os cadernos esportivos para não perder seu eleitorado: encher linguiças e páginas com estatísticas.
A primeira, nesta semana, em O Globo, que convidou dezenas de jornalistas “para votar naqueles que podem ser considerados os maiores da história dos Mundiais defendendo a seleção brasileira”, é inacreditável.
Traz Dunga à frente de Tostão, Falcão, Roberto Carlos, Rivelino, Sócrates e Carlos Alberto Torres.
Para quem ouviu e assistiu, desde 58, todas as Copas, fico pensando nas histórias que contei para os meus filhos antes de dormirem.
Que me lembre, Dunga só era citado como um dos sete anões da Branca de Neve. Mas na elite das Copas à frente do capitão do Tri, Carlos Alberto Torres?
O que será que vão aprontar para as histórias que contarei para os meus netos? Que levaram, em 2022, para o Catar um lateral Master e deixaram no país um Rodinei, voando e campeão da Libertadores, e Marcos Rocha, sobrando e campeão brasileiro, porque Daniel Alves, do Pumas, do México, era bom de vestiários?
MINHAS COPAS DO MUNDO (NUM POEMA PERNA-DE-PAU)
por Claudio Lovato Filho

Em 1966 eu tinha um ano de idade
Mas segundo aqueles que nos viram jogar lá na Inglaterra
Fui poupado de muita bagunça e deslealdade
O Tri conquistado em 70 é meu, é seu, é de todos nós
Incluindo os que ainda não haviam nascido
E os que há muito já haviam se ido
Em 74 fiquei triste com a nossa eliminação
E depois mais triste com a derrota da Holanda
Mas havia Johan Cruyff para abrir as portas da percepção
Então veio a Argentina da ditadura
O Peru entregando o ouro e o nosso time campeão moral
Mas teve aquele gol do Nelinho no jogo do tchau
Falcão, Cerezo, Sócrates e Zico
Leandro, Júnior, Éder Aleixo
Chorei, chorei – mas não me queixo
Em 86, os franceses nos interromperam a caminhada
Platini, Tigana, Giresse, Rocheteau
Desejaram merde para eles e acho que isso bastou
Itália, Bela Itália, terra dos meus ancestrais
Um gol do meu xará cabeludo
Com um passe de quem sempre foi simplesmente demais
Com 24 anos de seca desembarcamos nos EUA
Bebeto e Romário chamaram a responsabilidade
E levantaram a taça da qual me orgulho com sinceridade
Em 98, aquela semi com a Holanda levou todo nosso gás
Sim, houve convulsões e um deus-nos-acuda
Quando as coisas conspiram contra não há o que dê paz
A forra na bola e na vida veio na Coreia e no Japão
Que time, senhoras e senhores, que time
Que coreografia, que sinfonia, que poder de destruição
Deixemos pra lá 2006 (só o Zé se salvou)
E também 2010 (gol de cabeça do baixinho holandês)
E em 2018, na Rússia, a Bélgica nos dando em show
E assim chegamos até aqui… Opa, mas uma faltou
Faltou 2014, a Copa dos sete a um, nosso Apocalypse Now
Se pelo menos tirássemos lição tudo seria menos mal
Agora é o Catar e, mais uma vez, ligados estaremos
No futebol como na vida, a esperança é a última que morre
E, quando morre, não morre: dá uma piscadinha e diz “logo nos vemos”.
DADÁ DE TITE
por Rubens Lemos

Sempre surge o chato, lá pela 35ª rodada de cerveja, para irritar a maioria que enaltece como ritual a seleção brasileira tricampeã no México em 1970. A última Copa em que o Brasil foi, de fato, o melhor do planeta. O mundial da despedida de Pelé, fator de desequilíbrio e de soluções de discussões, entre bêbados ou diplomatas em conflito continental.
Quando o ébrio em lágrimas recita o time do meio-campo para frente com Clodoaldo, Gerson, Rivelino, Jairzinho, Tostão e Pelé, vem o insuportável repetir a sacaneada: “É mas esse time tinha Dadá Maravilha”. Dadá Maravilha era Dario, um centroavante que maltratava a bola e fazia gols feios que valiam tanto quanto os de placa.
Em 1970, o Presidente e General Garrastazu Médici, homem nunca apresentado à cordialidade, resolveu tirar do comando do escrete o jornalista João Saldanha e passou a cobrar a convocação de Dario.
João Saldanha, que fez uma campanha brilhante nas Eliminatórias de 1969 e começou a despencar quando arrumou briga com Pelé, disse que o presidente mandava no ministério e ele, na seleção. Dançou. Voltou a comentar futebol brilhantemente.
Entrou Zagallo em seu lugar e, pimba, chamou Dario para acalmar Garrastazu. Dario foi recrutado e aí os malandros do time passaram a humilhá-lo porque todos queriam o craque Toninho Guerreiro em seu lugar.
Nos coletivos, o diabólico Paulo Cézar Caju enfiava bolas cheias de curva. Dario tropeçava, desabava, saía pela linha de fundo e o resto do time jorrava em gargalhadas. Dario foi ao Azteca, recebeu sua medalha de campeão, mas os companheiros de equipe, quando narram a epopeia, esquecem impunemente dele.
De 2018 para cá, o técnico Tite comportou-se tal Zagallo de tequila. Se não tinha a quem temer ou contrariar, armou uma equipe de bons resultados e superior às terríveis formações de 2010 e, sobretudo, de 2014. Tudo estava ótimo para Tite.
Até que ele, primeiro, ameaçou, não acreditou nas reações e decidiu convocar o lateral-direito Daniel Alves, 39 anos de idade, há tempos sem atuar e o mais velho a representar o Brasil numa Copa do Mundo. Tite, coitado, encontrou seu Dario nas repercussões péssimas.
Daniel Alves, quando no auge, nunca chegou a ser excepcional. Deve ir ao Qatar para motivar a rapaziada. Eu, no Facebook, sugeri Leandro, o melhor da posição em todos os tempos. Aos 63 anos, põe Daniel Alves no meião.
o sobrevivente
por Zé Roberto Padilha

Em meio aos nossos craques criativos que foram vendidas ao futebol europeu, e para sobreviver tiveram que deixar seu arsenal ilimitado de recursos em prol de redobrar a marcação, um foi poupado da castração que os inibiu de driblar.
Éverton Ribeiro.
Desde que fez um gol antológico pelo Cruzeiro, em cima do Flamengo, devemos a humildade e ao bom gosto dos dirigentes rubro-negros a sua contratação. E sua manutenção em nosso futebol.
Mais do que isso, seus treinadores trataram de preservá-lo em um sistema tático que lhe dava total liberdade para exibir toda a sua habilidade.
Se o Brasil se destacou no futebol mundial, deve-se à prática de um recurso que foi esculpido na história de luta dos seus excluídos. Foram eles, na fuga da opressão e da senzala, que aprenderam a driblar os senhores da Casa & Grande.
Nós rituais, como dança, a Capoeira, alcançaram o equilíbrio, o alongamento, fundamentos da agilidade.
A seguir, foram se divertir no único playground que conheceram: os campinhos de pelada das periferias, onde desenvolveram, com os pés descalços, terrenos irregulares e bolas de borracha, uma gama de recursos que nenhum outro garoto estrangeiro alcançou.
Todos os nosso gênios da bola fizeram do drible a sua maior arma na conquista da Bola de Ouro da Fifa. Na última Copa do Mundo, nenhum atacante em atividade no país foi convocado. O Brasil esqueceu de levar o drible para a Rússia.
Com Éverton Ribeiro, o sobrevivente, o drible vai embarcar para o Catar. E quando aqueles ferrolhos suíços se mostrarem intransponíveis para os previsíveis Casemiros, Fabinhos e Fred ele vai entrar e redescobrir os caminhos que nos levarão à vitória.