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AS HOMENAGENS AO REI

por Idel Halfen

A morte do Rei do futebol, além de tristeza, trouxe temas interessantes para reflexões, inclusive acerca de marketing.

Um deles diz respeito à “cobrança” pela presença de algumas instituições e celebridades no velório. Discussão que vejo como pueril, pois a maneira como se homenageará quem quer que seja tem mais a ver com a forma como se pode ser útil no conforto à família e na contribuição para o devido processo de “eternização” na história.

No mesmo período, houve também uma série de críticas às empresas que veicularam peças publicitárias cujos conteúdos exaltavam o Pelé. Tais críticas acusavam as marcas de estarem se utilizando de ambush marketing, pelo fato de não terem contrato com o Rei para utilização de sua marca.

Mas até que ponto um anúncio institucional, no qual muitas vezes nem a marca aparece, pode ser taxado como marketing de emboscada? Há algum ganho mercadológico ou institucional significativo com a veiculação? Tendo a achar que não.

Em algum momento essas marcas tentaram se passar sublinarmente como patrocinadoras do craque? Não me lembro de ter visto.

Assim entramos num terreno altamente subjetivo, no qual passamos a ter que julgar a intenção das iniciativas. Além do que, não podemos nos cegar ao risco de as marcas “silenciosas” em relação ao fato passarem a ser mal vistas, tal qual aconteceu com as celebridades que não compareceram ao velório.

Diante dessa explanação, pode surgir a dúvida quanto a um eventual prejuízo das marcas que tinham/têm contrato com a marca Pelé.

De fato a análise não é tão simples, mas deve ser considerado que patrocinadores podem ativar o patrocínio, ao passo que as demais marcas tiveram, quando muito, ações restritas à peça publicitária e sem nenhum tipo de alusão que implicasse em retorno comercial.

Deve ainda ser contemplado que grande parte das marcas que optou por esse tipo de publicidade não tem a menor necessidade de praticar o citado marketing de emboscada, afinal o retorno de um anúncio de oportunidade é ínfimo quando comparado às campanhas estruturadas e milionárias que usualmente fazem.

A título de exercício, vale também contemplar a hipótese de algum veículo lançar um caderno comemorativo sobre o jogador e, para viabilizar a edição, passa a vender publicidade às marcas que queiram estar presentes no material. Nessa condição será que as marcas não poderão fazer menção ao Pelé na sua peça de comunicação?

Ainda que haja um movimento de “humanização” das marcas, penso que esse processo não interferiu na decisão das empresas, sendo mais provável que a comoção causada pelo falecimento tenha sido a responsável.

Parece paradoxal, e efetivamente é, ver parte da sociedade criticando alguém por não prestar homenagem ao mesmo tempo em que critica empresas justamente por homenagearem.

MESTRE TELÊ SANTANA

por Elso Venâncio, o “Repórter Elso”

Você concorda que o treinador, por sua responsabilidade, comando e a pressão que sofre, deve receber mais do que o da estrela do time?

Telê Santana, que tinha moral e credibilidade para isso, exigia, sim, ganhar mais do que o ídolo:

– O responsável sou eu – dizia.

Quem decide o jogo é o atleta em campo. Técnico, às vezes, perde – quando escala ou mexe mal. Mas a posição sobre o valor do seu trabalho não era de qualquer um, e sim, do Mestre Telê.

A seleção brasileira de 1982, que encantou o mundo mesmo perdendo para a Itália, na ‘Tragédia do Sarriá’, é mais lembrada, por exemplo, do que os tetracampeões de 1994. A imprensa invadia o campo nos treinos e jogos. Telê deu um basta nisso. Chegava cedo, trocava de roupa e já conferia a grama:

– Nem diretor pisa aqui! – autoridade não lhe faltava para agir assim.

Nas coletivas, nada de frases de efeito, termos decorados ou inventados. Cercado por um batalhão de repórteres, respondia a três perguntas, no máximo, sendo que na primeira resposta costumava dizer tudo o que o torcedor desejava ouvir.

Simples, quando procurado pela imprensa, Telê gostava de falar da vida, trocar experiências, mas se alguém tentasse arrancar uma informação dele, pedia licença e ia embora.

Nos anos 90, foi eleito pela revista Placar, numa enquete realizada com jornalistas, jogadores e ex-jogadores, como o maior técnico da história do país, mesmo não tendo conquistado o título em duas Copas do Mundo (1982 e 1986). A revista France Football, uma das mais respeitadas publicações do futebol mundial, em 2019 o condecorou como o 35º melhor treinador de todos os tempos em todo o planeta. Foi o único brasileiro lembrado.

Ídolo no Fluminense, seu clube de coração, onde começou como jogador e depois virou treinador, no São Paulo terá dentro em breve uma estátua no Morumbi. Afinal, levou o time às conquistas de duas Libertadores e dois Mundiais: venceu o Barcelona em 1992 e o Milan no ano seguinte. No Atlético Mineiro, foi quem mais dirigiu o Galo, superando a marca de 400 jogos à frente do time.

Muricy Ramalho, que tinha Telê como guru, lembra que ele fazia o jogador devolver o carrão recém-comprado para investir melhor, comprando um imóvel. O técnico gostava de comandar coletivos em dois tempos de 45 minutos, igual a jogo. Apitava para corrigir posicionamentos e treinar novas jogadas. Colocava seus titulares contra os juniores, para poder observar melhor a garotada que vinha subindo.

O ‘maestro’ Junior me perguntou certa vez na Gávea:

– Você conhece a principal jogada do Telê?

Era o treino de bola parada. Escanteios e faltas laterais, onde o jogador, no primeiro pau, roçava de cabeça confundindo o goleiro e a zaga, o que facilitava a conclusão dos que vinham de frente.

Assim como Telê, Zagallo e Didi foram outros dois monstros sagrados como jogadores e treinadores. Dos três, apenas Zagallo segue vivo. Telê faleceu em Belo Horizonte, no dia 21 de abril de 2006, após complicações originadas por uma infecção intestinal. Seguiu os ensinamentos e conselhos de Zezé Moreyra, por quem tinha verdadeira adoração. Exigente e perfeccionista, não abria mão do futebol-arte, que é, na realidade, o verdadeiro e vitorioso futebol brasileiro.

COMO CONSTRUÍ UM AMOR

por André Felipe de Lima

Eu tinha, sei lá, uns quase seis anos. Vivo confundindo minha idade. Ter nascido em um dia 31 de dezembro sempre deixou-me um pouco (às vezes até muito) confuso. E é assim até hoje. Só tenho certeza de que o ano era 1974 e o mês era julho. Ano e mês em que comecei a compreender que o futebol entrara em minha vida para não mais sair dela. Um dia em que, ao lado do meu pai, assisti, numa TV colorida (raridade na época), da tribuna dos profissionais do Hipódromo da Gávea, o jogo em que o Brasil perdera da Holanda, sim, a “Laranja mecânica”, de um tal “Cruyff”. Meu pai via o jogo e conversava comigo como se eu lá entendesse alguma coisa daquilo que se passava na TV. Solitários, eu e papai, em um jóquei clube completamente vazio, sem vivalma sequer, vimos o Brasil tomar um baile. Eu, e faço questão de frisar, não entendia nada do que acontecia em campo, mas achava do cacete aquele monte de maluco (sim, para mim todos uns doidos varridos) cabeludo (sim, cabeludos, porque era moda, na época, ostentar cabeleiras) chutando a bola um para o outro e os que vestiam camisa de cor azul tentando roubar a bola do pé dos camaradas que vestiam blusa laranja. Comecei a me dar conta de que aquilo ali, além de ser muito divertido, chamava-se futebol. Essa emoção aumentaria no mês seguinte. Eu explico o porquê. Meu pai tinha tudo para ser botafoguense. O pai dele, meu avô, o levava a jogos do Botafogo, isso lá nas décadas de 1940 e de 50. Mas havia um certo “Expresso da Vitória”, cuja camisa era ora branca, com faixa diagonal preta e uma cruz de malta no coração, ora o contrário, ou seja, preta com faixa branca, porém com a cruz sempre em vermelho. Havia também naquele “Expresso da Vitória” um cara chamado Ademir, com um queixo proeminente, mas com uma imagem quase bíblica nas fotos. Papai mostrou a foto dele para mim. Bom, por causa do tal Ademir o meu pai ignorou a “pressão” do vovô, deixando para lá o Botafogo. Voltando a minha particular história, eu, no mês seguinte aquele jogo dos caras de azul contra os caras de laranja, voltei a me empolgar com o futebol. Estavam em campo, aquele time da cruz de malta e outro com cabeludos de azul. Sabia que meu pai gostava do time que tinha a cruz de malta. Tentara me explicar isso algumas vezes, a história dele com o vovô. Mas não demoraria para que eu a compreendesse. Daquela vez não assistimos ao jogo pela TV. Não tínhamos TV em casa. Ouvimos, então, pelo rádio. E, naquele dia de agosto de 1974, passei a amar três coisas, e todas, harmoniosamente como uma trova, entrelaçadas: o time da cruz de malta, o futebol e as transmissões pelo rádio. O jogo terminara e recordo a alegria do meu pai, que gritava: “É campeão! É campeão! O Vasco é campeão!”. Eu não entendia rigorosamente nada, mas gritei com ele. “Campeão, papai! Campeão, papai! Vasco! Vasco! Vasco!”. No dia seguinte, logo cedo, pela manhã, peguei minha caixinha de lápis de cor e desenhei, tentando copiar o que via no jornal do meu pai, o escudo que se tornaria amor da minha vida, e encantei-me com a foto, em especial, de um cabeludo, de proeminentes dentes frontais e de sorriso farto, que no jornal se encontrava. As imagens daquele escudo e do cabeludo de sorriso farto jamais saíram da minha memória. E da minha caixinha de lápis de cor nasceu o que eu entendia como “O meu Vasco, o meu amor”. Obrigado, Ademir, pelo meu pai; obrigado Roberto Dinamite, por mim.

CADA DIA MAIS POBRES

:::::::: por Paulo Cézar Caju :::::::

Ainda nem me recuperei da partida do Pelé – se é que algum dia vou recuperar – e ontem recebi mais uma notícia que me deixou sem chão. Na verdade, tem sido tempos difíceis para os amantes do esporte, sobretudo pra mim.

Em meados de 2021, tive a perda repentina do meu irmão Fred Marinho. Quem o conheceu sabe a pessoa incrível que era e ainda sinto demais a sua partida. Penso nele todos os dias! Em novembro, a Isabel, lenda do vôlei, morreu de uma síndrome respiratória. No fim do ano, foi o nosso Rei e agora o Dinamite!

Assim como fazia com os marcadores nos gramados, o artilheiro lutou até o fim contra um tumor no intestino, um adversário implacável. Nossos ídolos, nossas referências, estão indo embora e sabe qual é o pior? Os clubes não estão extraindo a sabedoria, o conhecimento, a experiência desses que fizeram chover dentro de campo e colocaram seus nomes na história do futebol.

Respondam com sinceridade! Faz algum sentido os dirigentes optarem pelos professores de educação física ao invés de colocarem os craques do passado – aqueles que vivenciaram o futebol de verdade – comandando alguma categoria das divisões de base? A resposta é óbvia! Como vão ensinar pra garotada como se bate na bola se nunca chutarem uma? Como dizer o comportamento dentro de campo, se nunca assinaram uma súmula? Os clubes precisam mudar essa postura antes que seja tarde, e o tempo é curto!

Lembro direitinho quando Roberto Dinamite surgiu nos profissionais, em 1971, no Maracanã, e já carimbou o apelido que acompanhou durante toda a carreira. Aos 17 anos, o garoto marcou um gol contra o Internacional, no Maracanã, e no dia seguinte a capa do Jornal dos Sports estampava: “Garoto-dinamite explodiu”. É, e dificilmente será superado, o maior artilheiro da história do Vasco da Gama com 708 gols marcados e também o que mais balançou a rede na história do Campeonato Brasileiro, com 190 tentos. Precisa dizer algo mais?

Se já não fosse o bastante, era uma pessoa incrível fora de campo e quem conheceu sabe o privilégio que era estar com Bob. Brincalhão, humilde e sempre de bem com a vida, jamais se comportou como a estrela que era e fazia questão de atender todos os fãs, seja lá onde estivesse.

Em um dos últimos encontros que tivemos, num almoço na casa do Sergio Pugliese, para o Museu da Pelada, simulamos uma cobrança de falta com a barreira e o goleiro improvisados com copos e talheres, relembrando o estilo de bater na bola de cada um. Nos divertimos bastante! Eu fui um dos primeiros a bater falta no canto do goleiro, desde os tempos de futebol de praia, no Columbia. Enquanto Bob tinha aquela pancada, eu dava um toque sutil na bola. Mas a verdade é que o goleiro não pegava nenhuma das duas! Kkkk!

Antes de terminar a coluna, gostaria de lembrar de um chocolate que demos no River Plate, time base da seleção argentina que tinha conquistado a Copa de 78, quando atuávamos pelo Vasco da Gama no Troféu Joan Gamper! Lembro de ter feito dois gols no Fillol, que saiu com a cabeça quente! Kkkk! Descanse em paz, meu amigo! Você fará muita falta!

Pérolas da semana:

“Sempre brigando pela segunda bola, o time busca a saída pela beirada através do corredor lateral, que proporciona uma leitura de jogo com apetite reativo e filosófico para pular do trem em aceleração”.

“Para subir as linhas ou mantê-las baixa, o treinador liga a torneira geométrica que visa um amasso espinhoso associando o encaixe com assistência para o último homem do ataque chapar a bola com precisão”.

GOL DO ROBERTO

por Wesley Machado

Corriam 11 minutos e 30 segundos do primeiro tempo no Maracanã. O Corinthians já vencia o Vasco por 1 a 0, gol do volante Caçapava. O comentarista Orlando Fantoni havia dito que não se devia esperar muito de Roberto Dinamite, que voltava do Barcelona após três meses na Espanha e três gols pelo Barça, que trocou o treinador que levou Roberto; e Dinamite, após conversar com Márcio Braga do Flamengo, acabou convencido por Eurico Miranda e, ouvindo o coração, retornou ao Cruzmaltino.

Era a reestreia do “Garoto-Dinamite”, apelido cunhado pelo jornalista do Jornal dos Sports, Eliomário Valente e utilizado pelo editor do Cor de Rosa, Aparício Pires, com uma nota em 20 de novembro de 1971: “Vasco escala o garoto-dinamite”. O jogo seria contra o Galo. Na semana seguinte, Roberto faz um golaço diante do Inter em sua estreia pelo Vasco e no Maracanã e o JS estampa na manchete: “GAROTO-DINAMITE EXPLODIU”! O mesmo jornal já havia utilizado o termo “dinamite” para identificar o forte chutador Quarentinha do Botafogo em 1960.

Mas voltemos ao início do texto e avancemos no tempo. O Vasco perdia de 1 a 0 para o Corinthians no Brasileiro de 1980. Foi quando Roberto decidiu começar o seu show de bola e gols! Primeiro ao receber uma bola recuperada, fazer o pivô, driblar e chutar forte para o fundo das redes. Depois, arriscando de fora da área e contando com a ajuda do montinho artilheiro. Em seguida, ao correr e receber na entrada da área e chutar mais uma vez forte. “Gol do artilheiro nato, do goleador nato, gol de Roberto”, narrou Luciano do Valle.

Sócrates diminuiria de pênalti. Mas no segundo tempo, o time da virada, com a camisa número 1 preta, ampliou o placar. De novo, ele, Roberto. Cinco vezes. Dinamite 5 x 2 Corinthians. Luciano do Valle narrou assim: “Lá vai Roberto. Bateu pro gol! Golaço sensacional de Roberto! Mas que gol! Uma finta de corpo desconcertante sobre o zagueiro central Mauro, que também ficou olhando não sei o quê. Veja bem. E uma bomba no ângulo esquerdo do goleiro Jairo”. O repórter Raul Quadros pergunta: “Fantoni, explica estes cinco gols do Roberto”. E ele, que havia sido treinador do Vasco, se rende: “Uma coisa inédita. Cada um mais bonito do que o outro. Nossa Senhora”!

Em 2020, passadas quatro décadas, o ídolo concedeu uma entrevista para o site oficial do clube e lembrou com carinho a partida histórica. “Foi o jogo da minha vida (…) Isso pra mim realmente teve um significado muito especial (…) Ficou marcado e guardado pro resto da minha vida (…) Foi um dia que deu tudo certo (…) Eram mais de 100 mil pessoas. A preliminar foi Flamengo e Bangu e a torcida do Flamengo ficou junto com a do Corinthians. Fla-Fiel. Mas não teve jeito. Cinco oportunidades, cinco gols e saímos pro abraço”.