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ENGAJAR NÃO É TORCER

por Idel Halfen

Num cenário cada vez mais polarizado, há uma convicção que provavelmente une todos aqueles que acompanham o futebol brasileiro: a importância de se formar uma liga, a qual tenha condições de gerar mais receitas para os clubes.

Todavia, não há unanimidade acerca do modelo a ser adotado, fato que tem a forma de divisão das receitas advindas dos direitos de transmissão como um dos pontos de discórdia, o que deriva para uma reflexão interessante no que tange ao marketing: como medir o engajamento de grupos?

Mas antes de passarmos para os questionamentos sobre “engajamento”, vale contextualizar que um dos grupos interessados na compra dos direitos da futura liga preconiza uma distribuição de receita onde 40% dela seriam divididos igualmente entre todos os clubes, 30% conforme a classificação no campeonato e 30% de acordo com o engajamento das torcidas, enquanto o outro propõe a divisão na base de 50%, 25% e 25% respectivamente

Deve ainda ficar claro que para uma competição ser atrativa para o público, investidores e parceiros, é fundamental que exista uma relação de  equilíbrio entre as equipes, permitindo assim levar emoção e suspense para o maior número possível de jogos.

Evidentemente que a meritocracia não pode ser desprezada, sendo importante também premiar os que conseguem fazer melhores administrações, incluem-se aqui contratações, formação de jogadores, organização, controle financeiro e gestão de marketing, no entanto, esse fator já está considerado, visto influenciar o desempenho esportivo, o qual é contemplado nos modelos apresentados.

Mas e o engajamento? 

Abaixo exploramos as possíveis formas sugeridas para mensurá-lo:

 Assinantes via streaming – esse índice parece justo, embora incorra na necessidade de cadastros higienizados e fidedignos, além de  ser sensível ao momento de cada time.

 Média de público no estádio – esse critério nos deixa diante de dois problemas: (i) os diferentes tamanhos de estádios fazem com que um time que mande seus jogos em arenas maiores seja privilegiado e, caso se decida usar a taxa percentual de ocupação, os que possuem menores capacidades se beneficiam; (ii) assim como o critério relativo aos assinantes dos canais streaming, o momento do time, muitas vezes influenciado pelo maior poder de investimento, estimula a presença de público nos jogos.

Número de seguidores nas redes sociais – tal parametrização beira o absurdo quando tomamos ciência de que é possível “comprar seguidores”, que seguidor não significa engajamento e que seguir não significa torcer.

 Audiência dos jogos em TV aberta – ainda que tenha algum grau de coerência por supostamente medir a atratividade do evento, o índice não consegue expurgar o componente “fase do campeonato”, isto é, clubes que estejam disputando algo nas rodadas finais – inclusive a permanência na divisão principal – e respectivos adversários tendem a ser beneficiados com a audiência. Soma-se a isso, o fato de que os clubes não possuem ingerência sobre a definição da grade de programação, a qual também afeta a audiência.

– Tamanho da torcida – conforme já foi abordado em outros textos desse blog, as pesquisas referentes à apuração do tamanho das torcidas costumam apresentar falhas de metodologia e de segmentação. Em vista desta condição, seria mais justo que esse componente não fosse considerado, até porque, ele já atua nas vendas de produtos licenciados e, na maioria das vezes, na decisão das empresas quanto ao patrocínio.

Partindo dessa análise, podemos inferir que qualquer proposta que dê menos peso ao engajamento é a que mais preserva o equilíbrio da competição, até porque os critérios sugeridos para se calcular o engajamento, como visto acima, apresentam falhas tanto no que diz respeito à eficácia como também por propiciar benefícios cruzados e duplicados.

ESCRAVO DA SAUDADE

por Rubens Lemos

Sou escravo da saudade no Futebol. O atual Vasco jamais será o meu. Meninos são iludidos por contratações de bagulhos que não merecem a camisa agrada vestida por astros de primeira grandeza. O Vasco do meu tempo era cinematográfico, sempre liderado pelo proprietário das emoções, Roberto Dinamite. Comecei a ser escravo das lutas cruzmaltinas em 1977, time com Zé Mário, Zanata e Dirceuzinho no meio-campo, Wilsinho ou Fumanchu, Roberto Dinamite.

Ainda que passássemos cinco anos sendo vice-campeões, era justo assistir os combates porque perdíamos com honra,sem jamais tomar goleadas. Éramos inferiores ao time de Zico, mas também sofríamos com arbitragens sacanas que marcavam pênaltis surreais e invertiam faltas para atrapalhar nossas reações.

No passeio ao passado, nada me emociona mais do que o time bicampeão em 1987 e 1988. Sou devedor daqueles caras. Sou admirador número 1 de Geovani(foto), o melhor meia-armador do clube, com todo respeito a Jair Rosa Pinto, Zanata e Juninho Pernambucano. Aos três, faltava a ginga do baixinho trazido do Espírito Santo aos 17 anos.

Geovani era um mágico. Descobria espaços invisíveis para encontrar Roberto Dinamite e Romário livres para balançar as redes adversárias. Geovani dava canetas em Renato Gaúcho, humilhava o maravilhoso Andrade em fintas secas, costurava Ailton e Adílio em espaços milimétricos na relva do Ex-Maracanã, o estádio dos desdentados da Geral. Até Zico tomou lençol.

Em 1988, quando comecei no jornalismo, o Vasco deu cinco surras seguidas no Flamengo. A primeira, no segundo turno, 1×0, gol do falecido volante Henrique. A segunda, um baile de 3×1 sem Romário e com Geovani jogando pelos dois.

Depois, a sensacional virada de 2×1 na primeira partida das finais, Bebeto abrindo o placar para os rubro-negros, Bismarck empatando e Romário dando lençol para definir o placar, com o goleiro Zé Carlos desesperado, tentando esmurra-lo.

Na última do Campeonato Carioca, o Flamengo sufocou o Vasco. Até que o lateral-direito reserva Cocada, que havia sido dispensado pelo adversário, arrancou do seu campo e fuzilou o goleiro Zé Carlos(1×0). O quinto triunfo foi no Brasileiro, 1×0, gol do então menino Sorato.

Aquele time é um sonho que volta para mim em pensamento e imagens de arquivo. Nunca mais haverá outro igual. Forte, cheio de personalidade e talento.

O Vasco de verdade que acabou faz 35 anos e me faz chorar a cada reencontro no Youtube. Acácio, Paulo Roberto, Donato, Fernando e Mazinho; Zé do Carmo, Henrique e Geovani; Vivinho, Romário e Bismarck. São onze lendas, nada de 11 nomes banais.

Portanto, reencontrar o que balançou meu coração não é pecado, é amor. Genuíno, sofrido, cheio de suspiros de nostalgia. Agradeço a todos os heróis do Vasco, eternizados na mente de um homem envelhecido e triste, mas orgulhoso escravo da saudade.

semente da derrota

por Rubens Lemos

Na Segunda Guerra, em 1943, os presidentes Getúlio Vargas e Frankin Delano Roosevelt decidiram se unir formalmente numa artimanha decisiva para os aliados no enfrentamento a Hitler e Mussolini. E foi em Natal, o encontro épico.

Também em Natal, o técnico da seleção brasileira, Telê Santana, começou a perder a Copa do Mundo de 1982, ao mexer no time após o amistoso contra a Alemanha Oriental (Brasil 3×1), há exatos 41 anos, dia 26 de janeiro.

Telê definiu após a vitória sobre a Alemanha Comunista (havia ainda o nefasto Muro de Berlim), que o tenebroso centroavante Serginho Chulapa seria o titular em lugar de Roberto Dinamite.

Serginho entrou aos 21 minutos do segundo tempo e marcou um gol aos 39, consolidando a confiança, muito mais para teimosia, de um treinador idolatrado e cujos defeitos se equivaliam às virtudes.

Foi o primeiro jogo da seleção brasileira em Natal e a cidade estremeceu. O escrete ficou hospedado no Hotel Ducal, primeiro arranha-céu da capital em frente à Praça Kennedy, no centro da cidade. Os alemães estavam a poucos metros, no Othon Hotel que de internacional só tinha a placa.

Telê tinha dúvidas táticas. Esperava escolher o camisa 9 e o ponta-esquerda, além de observar jogadores que não eram frequentes em suas listas de convocação.

Veio a Natal, na reserva e na reserva ficou, o espetacular meia Adílio, o Neguinho da Cruzada, camisa 8 campeão mundial pelo Flamengo.

Adílio jogava por 150 Renatos Pés-Murchos, xodó de Telê Santana e autor do primeiro dos seus três gols em quatro anos presente com a camisa amarela. Desempenho de zagueiro, o de Renato, que viajaria para passear e assistir o Mundial na Espanha.

No final do ano anterior, em entrevista à revista Placar, Telê Santana escalava dois times para decidir por um para a estreia contra a União Soviética. Suspenso por ter sido expulso durante as Eliminatórias, Cerezo não jogaria contra os soviéticos.

Então, Telê dizia dois meses antes de desembarcar em Natal: “Meu time terá Valdir Peres, Leandro, Oscar, Luisinho e Júnior; Falcão, Sócrates e Zico; Paulo Isidoro, Roberto Dinamite e Mário Sérgio.

Na volta de Cerezo, que tremeu na Copa de 1978 e amarelaria igual à camisa contra a Itália em 1982, sairia Roberto Dinamite para Sócrates ser adiantado ao comando de ataque. Telê não faria uma coisa nem outra.

A equipe de esportes da Rádio Cabugi AM, campeoníssima de audiência, ocupou uma suíte, transformada em estúdio, sob o comando do narrador Marco Antônio Antunes, o Garotinho da Copa e do comentarista Rubens Lemos.

Às 15 horas, o Castelão estava praticamente lotado. Bombeiros despejavam jatos d’água nas arquibancadas para refrescar os torcedores suando e com sede.

Os portões foram fechados antes das 19 horas, para protesto dos que estavam nas filas gigantescas das bilheterias. Pagaram ingresso, 48.638 torcedores, quinto maior público dos 39 anos de vida do Castelão.

Solícito, Zico era o mais procurado para autógrafos e fotografias, atendendo com paciência os fanáticos. Questionado por insistir em Valdir Peres no gol, quando Leão do Grêmio e Raul do Flamengo estavam bem melhores, Telê tangenciava: “Leão eu só convoco para ser titular e sobre Raul eu não falo”. A implicância contra os veteranos e superiores arqueiros custaria caro na Copa do Mundo.

O Brasil jogou uma partida regular e tomou o primeiro gol aos 34 minutos, em arrancada do atacante Dorner, que chutou sem chance para Valdir Peres.

Quatro minutos depois, em lance iniciado por Mário Sérgio pela esquerda, Paulo Isidoro empatou fazendo balançar as estruturas do estádio. Renato Pé-Murcho virou aos 7 minutos do segundo tempo e Serginho Chulapa completou o placar.

Em Natal, Telê fechou questão por um frangueiro, um péssimo centroavante, afinal jocosamente apelidado de “o melhor zagueiro da Copa” e barrou o genial Mário Sérgio, muito melhor do que o cansado Dirceuzinho das Copas de 1974 e 1978. A guerra consagrou Parnamirim, base militar vizinha à capital , como Trampolim da Vitória. Natal foi a Semente da Derrota, pela intransigência de Telê Santana.

ENCURRALADO

por Zé Roberto Padilha

Não tinha assistido o filme, quando consegui e percebi aquele caminhão desgovernado vindo pra cima, logo me veio a triste lembrança do dia em que fui atropelado. Em campo.

O Fluminense foi enfrentar o Corinthians, no Pacaembu, e Pinheiro, nosso treinador nos Juniores e interino nos profissionais, me levou na delegação. Era reserva do Lula e, aos 19 anos, faria a minha estreia. O Filme “Encurralado” também ia para as telinhas em 1971.

Fiquei na reserva e aos 25 minutos do segundo tempo, 1×0 para gente, Pinheiro me coloca para segurar o resultado. Até ia me saindo bem se Félix, nosso tricampeão, não resolvesse confiar demais em mim e saísse jogando perto da grande área.

No que fui dominar no peito, ela subiu um pouco, o suficiente para um caminhão, disseram que a placa tinha o número 2, me desse um chega pra lá, roubasse a bola, tabelasse com o Vaguinho e, chegando à linha de fundo, cruzado a bola na cabeça do Geraldo. 1×1.

Terminou assim. Entrei meio sem graça nos vestiários, mas logo fui confortado por todo mundo. O caminhão era o Super Zé Maria, lateral da seleção, já uma lenda do Timão. Mas quando entrei no chuveiro ouvi a voz do Gerson. Em direção ao Félix. Não era uma conversa amistosa entre dois tricampeões mundiais.

– Que coisa, hein Papel. No lugar de jogar essa “porra” pra frente, resolve sair jogando com esses “cabaçudos!”. Olha no que deu!

Cabaçudo. Poderia ter voltado sem essa. Era a cruel designação destinada aos recrutas que ousassem se meter com as velhas raposas. Quando a bola escapa, então.

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Tive novas chances que muitos não tiveram. De aprender que sair jogando perto da grande área será sempre um risco enorme. A sorte de Fernando Diniz, e suas cenas de correr riscos à beira da grande área, é que o Super Zé se aposentou. Caso contrário entraria em cartaz : “Encurralado 2!”

E Calegari teria tudo para ser o protagonista do retorno desse clássico dos cinemas. Ou teria outro nome, que não fosse “cabaçudo”, para quem ousa tirar a bola das mãos do Ganso e bater um pênalti daquele jeito?

O REPÓRTER DA VOLTA OLÍMPICA

por Elso Venâncio, o repórter Elso

Os Trepidantes – Elso Venancio, Marcus Vinícius e Gilson Ricardo.

Foram duas décadas ao seu lado no “Panorama Esportivo”, programa que ele comandava diariamente das dez à meia-noite e que fazia jus ao slogan da Rádio Globo: ‘Um Brasil de Audiência’.

Logo após o “Globo no Ar”, Gilson Ricardo anunciava:

– Tá na hora do “Panorama Esportivo”!

O sacana do operador Pajeu, um verdadeiro craque que operava o nosso som, fechava os microfones e gritava na mesma hora:

– Foda-se!

Todos riam e o programa começava já em altíssimo astral.

Espírita, emotivo e de coração mole, chorava ao ver certas cenas de novelas:

– Sacanagem…isso acontece na vida real.

Ele sempre gostou muito de falar do seu início de carreira. Cheio de sonhos, veio da Difusora de Petrópolis quando se apresentou a Waldir Amaral, no Rio de Janeiro:

– Qual é o seu nome, meu filho?

– Gilson Borsatto – o novato respondeu.

– Borsatto? Não! Isso é nome de mafioso! A partir de agora, você se chama Gilson Ricardo!

No Maracanã, sempre que o Flamengo ganhava títulos, Kleber Leite anunciava:

– Gilson Ricardo, o ‘Repórter da Volta Olímpica’! Vai lá, Gilsão!

Ele comemorava correndo, vibrando e entrevistando os campeões, fato inédito no Jornalismo Esportivo.

Durante a Copa do Mundo de 1990, disputada na Itália, fomos cobrir um treino da seleção brasileira no estádio Delle Alpi, em Turim. Ao passar por mim, ele me olhou com um ar de quem estava assustado:

– Elso… minha pochete… perdi!

– E os dólares, o passaporte? – perguntei.

– E agora? – pensamos juntos.

Explicamos a situação a um policial, que nos pediu para que o acompanhasse. Nos ‘Achados e Perdidos’, estava lá tudo intacto. Gilson pulou de alegria, numa felicidade tão grande que até o sisudo guarda italiano repetiu seu gesto, rindo às gargalhadas com ele.

No fatídico domingo do último dia 22 eu não estava bem. Deitado, liguei o rádio com o som baixo. Passava das dez da noite. No ar, Wellington Campos começou a falar dele: passagem pela Globo, CNT, Bandeirantes, SBT… achei estranho.

O mesmo Wellington, que no fim do ano passado me ligou para colocar Gilson e a galera do ‘Esporte’ da Rádio Tupi para falar comigo, ao fim, trouxe a notícia que eu tanto temia ouvir.

“A Lista”, sucesso de Oswaldo Montenegro, fala da distância dos amigos. Gilson não permitia isso… Ligava, mandava mensagens, e seu assunto predileto era o Flamengo. Kleber Leite foi feliz ao pedir ao presidente rubro-negro Rodolfo Landim que o corpo do inesquecível radialista fosse velado na Gávea.

Tenho certeza que o Mundo Espiritual o recebeu em festa, com o devido carinho e muitos beijos da Dona Belinha, mãe que ele tanto amava e sobre quem nos falava sempre.