OS RISCOS DA REJEIÇÃO
por Idel Halfen

Não sei se por “desculpa” ou por falta de conhecimento, muitas propostas de patrocínio esportivo, principalmente no futebol, não “vingam” pelo receio de eventuais rejeições por parte dos torcedores dos times adversários.
Negar que a rejeição pode existir seria leviano, porém, é importante pontuar que da rejeição à efetiva “não compra”, há uma enorme trajetória, ou seja, o fato de não se ser simpático a algo, não necessariamente significa que esse algo não será consumido.
Nesse processo, é preciso considerar algumas variáveis, entre as quais cito:
- A categoria de produto – seguros, eletrodomésticos, carros e contas bancárias, por exemplo, são mais difíceis de serem trocados do que refrigerantes, detergentes e grande parte dos bens de consumo.
- O grau de fanatismo do torcedor – há pessoas que, provavelmente, deixarão de consumir produtos dos patrocinadores do rival, porém, esse montante não deve ser muito significativo, da mesma forma que não é o relativo aos que prestigiarão o apoiador do seu time.

Aliás, a própria avaliação sobre o tema fica prejudicada, pois, em nome de uma suposta simplicidade – talvez simploriedade – alguns erros são cometidos, dentre os quais destaco:
- Comparar as vendas de antes e depois do patrocínio, ignorando que fatores como preço, distribuição e ações da concorrência influenciam esse indicador. Isso sem falar que, dependendo do intervalo de avaliação, o sell-in (vendas para varejistas, distribuidores e atacadistas) pode mascarar o sell-out (vendas ao consumidor final).
- Focar demais a mídia espontânea, visto usualmente realizarem cálculos que desprezam tanto as negociações entre clientes e veículos, como a assertividade no que tange ao público atingido e à qualidade do que se quer comunicar.
- Valorizar os números apurados em pesquisas de recall, pouco se importando se a lembrança é positiva ou negativa.
Em resumo, baseado na “simplória” busca pela exposição da marca, abdica-se de incorporar e enaltecer a associação da marca à atividade esportiva, rica em valores que certamente agregariam muito mais benefícios à imagem do que simplesmente estar exposto ou ter o nome repetido tal número de vezes, gerando até eventuais incômodos no receptor da imagem e, quem sabe, aumentando a rejeição.

O futebol e o esporte de modo geral são plataformas poderosíssimas para as marcas e, se bem utilizadas, podem passar longe das eventuais rejeições, basta entender que, por mais que estejam apoiando organizações esportivas, a iniciativa presta um serviço muito maior que é o fomento do esporte e, consequentemente à educação.
As organizações, por sua vez, precisam entender que as rivalidades devem ficar restritas às arenas e que a busca pela vitória não faz do adversário, um inimigo. Nesse processo de conscientização, cabe aos dirigentes manter o respeito e, sobretudo, entenderem que, falando pela organização, reverberam sentimentos e atitudes.
Portanto, ainda que a rejeição possa existir, há como minimizá-las através de atitudes em prol do esporte.
QUE FALTA NOS FAZ A INTELIGÊNCIA
por Zé Roberto Padilha

Inacreditável a falta que um dos últimos pensadores do nosso futebol, Paulo Henrique Ganso, faz ao nosso futebol.
Início de temporada, onde o cérebro precisa trabalhar mais pois as pernas já não ocupam os espaços que o Maricás, que se apresentaram antes, estão dominando, você percebe que não há ninguém pensando algo diferente para furar um bloqueio, deixar um companheiro na cara do gol.
Pode juntar os QI de Bernall, Renato Augusto, Nonato, Isaac, acrescentar as limitações técnicas de Guga e René, adiantar um pouco o que restou de motivação ao Thiago Silva, ao jogar em um estádio vazio depois de anos de casa cheia na Premiere League que..
Rodrigo Lindoso, aquele mesmo que começou no Madureira, foi para o Botafogo na década passada e retornou para se despedir do futebol, acaba tomando conta do meio campo. Ao seu lado, Marcelo, 36 anos, nem precisava de tantos anos para dar ao meio campo do Madureira a maior posse de bola.
Mas como aprendi no mundo do futebol, nunca se perde uma viagem a uma partida de futebol. Um magrinho, hábil e insinuante, Wallace; do Madureira, apresentou um repertório interessante que não nos permitiu trocar de canal.
Porque certamente no Show do Milhão deve ter participantes com respostas mais inteligentes do que as apresentadas pelo meio campo tricolor.
FUTEBOL NA RUA
por Cláudio Lovato Filho

Um dia desses, fim de tarde, vi a gurizada jogando bola na rua.
No meio da rua.
Pedras fazendo as vezes de traves.
Eu vinha do mercado, carregando sacolas; parei.
Eram uns nove, dez garotos, de dez, onze anos de idade.
Pés desacalços, a disputa eufórica pela bola.
“Faz tempo que o senhor não vê isso, né?”, perguntou um sujeito que se aproximou de mim.
“Faz”, respondi. “Faz bastante tempo”.
O sujeito, ainda jovem, devia ser familiar de algum menino ali, talvez um tio, não perguntei.
“A gente está querendo fazer mais isso aqui”, ele disse.
“Que bom saber disso”, falei. “Que bom”, repeti, e fiquei mais um tempo ali, em silêncio, observando a cena.
Então segui meu caminho, andando num canto da calçada, colado às casas, para não atrapalhar o jogo.
Fui embora me perguntando quando aquilo se perdeu, quando as criançada deixou de jogar bola na rua.
E me perguntei, mais uma vez na minha vida, o que isso significou de perda para o futebol e para a infância.
O futebol e a infância.
Na rua.
Longe do encaixotamento das quadras esportivas dos condomínios e clubes sociais.
Sem o filtro limitante e distorcido da tecnologia e sua realidade virtual.
Apenas a realidade lúdica ao vivo e a cores, emocionante como só ela pode ser.
A bola, o asfalto, o meio-fio.
Faça chuva ou faça sol (melhor com chuva.)
A cidade.
O bairro.
O local de pertencimento (que não prende; ao contrário: liberta para o mundo, para a vida).
Um gol.
A gritaria, as risadas, a discussão.
A alegria e a liberdade ensinando o drible aos pés.
E deflagrando uma paixão.
Paixão que ajuda a definir uma identidade.
Uma verdade.
A verdade mais essencial.
O ser de onde se é.
O ser quem se é.
O REI DE IPANEMA
por Elso Venâncio

Narciso Horácio Doval era o personagem mais popular de Ipanema nos anos 1970. Chegou ao Flamengo indicado por Elba de Pádua Lima, o Tim, que havia sido seu treinador no San Lorenzo de Almagro, na Argentina. Rodava o bairro onde foi “rei” de moto ou com carro conversível.
No início da carreira, Zico teve em Doval o seu principal companheiro de ataque. O argentino residia na Montenegro — quadra da praia de Ipanema —, hoje Vinícius de Moraes. Jogava futevôlei nas redes da esquina da rua onde morava com a Vieira Souto, onde exigia que as partidas fossem disputadas a dinheiro, fato hoje comum entre ex-profissionais como Romário, Edmundo, Djalminha e outros, na Barra da Tijuca.
Doval andava pelas ruas de Ipanema sempre cercado e saudado pelos fãs. Alegre, contador de histórias e falando um portunhol que poucos entendiam. Identificado com a cidade que o acolheu, era presença constante também na noite, o que não o impedia de chegar cedo aos treinamentos. Pelo Flamengo, foi bicampeão carioca, em 1972 e 74, e tri da Taça Guanabara, em 1970, 72 e 73, além de ter conquistado o Torneio do Povo em 1972.
O eterno presidente do Fluminense, Francisco Horta, ficou horas para convencer o então presidente do Flamengo, Hélio Maurício, a motivar o futebol carioca utilizando o chamado “troca-troca”, diante da falta de recursos para investir. A conversa entrou pela madrugada, num restaurante em Copacabana. Horta só não esperava o êxito de ter o goleiro Renato, o lateral Rodrigues Neto e o gringo Doval, liberando ao Flamengo o goleiro Roberto, o lateral Toninho Baiano e o ponta Zé Roberto Padilha. Doval foi justamente o jogador trocado por Zé Roberto, que estava em grande forma e tinha colocado Mário Sérgio no banco de reservas tricolor.
Um punhado de craques formou o mais famoso e badalado time da história do Fluminense. Basta dizer que a segunda versão da Máquina Tricolor superou a primeira, de 1975, que conquistou o Campeonato Carioca. A nova equipe-base tinha Félix; Carlos Alberto Torres, Miguel, Edinho e Rodrigues Neto; Pintinho, Paulo Cézar Lima e Rivellino; Gil, Doval e Dirceu.
No Torneio de Paris de 1976, o Fluminense obteve uma conquista invicta, com direito a vitória por 3 a 1 sobre a Seleção Europeia na decisão, gols de Paulo Cézar, Carlos Alberto Torres e Doval. Francisco Horta gostava de contar que, no hotel em Paris, havia público para ver uma disputada partida de tênis. O presidente, surpreso, viu Doval animado e jogando bem, enfrentando uma bela e hábil loira parisiense. No fechamento daquela temporada, ainda houve o bicampeonato carioca, gol de Doval de cabeça na prorrogação, contra o Vasco, após zero a zero no tempo normal.
No ano seguinte, os destaques do Fluminense foram Rivellino e Doval, importantíssimos no título do Torneio Teresa Herrera, em La Coruña, na Espanha. Na final, vitória por 4 a 1 sobre o tcheco Dukla Praga, enquanto o famoso Real Madrid ficou na terceira colocação.
O Ídolo do Flamengo e do Fluminense recebeu o título de cidadão carioca honorário e naturalizou-se brasileiro. Doval faleceu no dia 12 de outubro de 1991, aos 47 anos, em Buenos Aires, vítima de um ataque cardíaco.
A MÁQUINA
por Zé Roberto Padilha

Deus tem nos preservado, e como agradeço por essa bênção, que me permitiu estudar Comunicação Social e permanecer lúcido – ou quase – para descrever capítulos de uma história sobre uma Máquina de jogar futebol.
Já publiquei alguns livros e escrevi diversas crônicas sobre o privilégio de ter sido testemunha, de chuteiras nos pés, ao lado de uma genialidade reunida em torno de uma equipe inesquecível.
Assim como o Flamengo de 81, o São Paulo de Telê Santana e o Palmeiras de Vanderlei Luxemburgo, igualmente memoráveis, era necessário registrar, além dos gols, jogadas e títulos, os bastidores. Os sons do vestiário.
No meu caso, consegui, em parte, descrever a saga de Rivellino, PC e companhia. Só faltava mesmo convencer meus filhos de que fiz parte dela. Afinal, não fazia gols, realizava poucas assistências e passava noites procurando uma imagem minha no Baú do Esporte. Mas nada encontrava, além de ser o primeiro a abraçar o Gil.
Antes de pensar em procurar um psicólogo, fui salvo pela Mercedes de Lewis Hamilton. Lá em casa, somos apaixonados por Fórmula 1 desde Emerson e José Carlos Pace. Quando o carro prateado rasgou a reta oposta de Interlagos, senti um alívio. Ali estava o segredo de a camisa 11 estar comigo.
Não era o bico do carro, que pertencia ao Manfrini. Nem os pneus, que tinham Toninho e Gil de um lado, Marco Antônio e Paulo César do outro. No volante sentava Rivellino, e da suspensão cuidava o equilíbrio de Zé Mário.
Eu era o motor. E o motor nunca é visto.
Ufa!