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LUIZA CALAZANS ENTRE OS PROGRESSOS E DESIGUALDADES DO FUTEBOL FEMININO

19 / julho / 2023

Aos 17 anos, já no time principal do Fluminense, ela conta as dificuldades e gratificações na decolagem profissional

por Maria Clara Baroni e Ursula Villela

Foto: Daniel Brasil

​Maria Luiza Calazans de Faria tem 17 anos e já conquistou seu espaço no time de futebol profissional do Fluminense. Mas a história da jovem no esporte não é algo recente. Ela começou a jogar bola junto com a irmã gêmea, Duda Calazans, com apenas quatro anos de idade, em uma quadra na frente de sua antiga casa. A largada teve uma influência significativa do pai e do irmão, que haviam jogado profissionalmente, e da irmã mais, que até já foi convidada para jogar fora do país.
Apesar desse DNA, Maria Luiza enfrentou, como a maioria das jogadoras, preconceitos estruturais. Desde que o mundo é mundo, o gênero feminino encontra diversas dificuldades na busca da igualdade. No universo esportivo, não é diferente. Pelo contrário, a ideia de que o futebol é “coisa de menino” ainda está enraizada na sociedade. Assim, mesmo depois de escutar durante muito tempo opiniões machistas e preconceituosas sobre o desejo de se tornar jogadora, Luiza persistiu.
Aos 10 anos, encarou a primeira peneira e entrou para o Fluminense. A rede de apoio formada por familiares e amigos próximos ajuda a superar discriminações e os desafios para conciliar as rotinas esportiva, escolar, familiar, social.

Enquanto busca o amadurecimento técnico, tático e físico, a jovem atleta sonha, é claro, em “alcançar a seleção brasileira principal”, que busca o primeiro caneco mundial da Copa da Austrália e da Nova Zelândia, entre 20 julho e 20 de 20 julho. Ela também quer jogar no Lyon, da França, uma das referências mundiais em futebol feminino, com oito título da Liga dos Campeões, principal competição de clubes do mundo.

O sonho é embalado, aos poucos, pelo empenho nos treinos e pelos primeiros títulos: o Sul-Americano do ano passado, pela seleção brasileira sub-17 e o Brasileiro sub-19, pelo Fluminense, em 2020. O clube carioca foi seu primeiro e único que já jogou – está jogando há 6 anos no mesmo time. Há seis anos no clube carioca, ela aponta a melhor estrutura às atletas como uma das principais diferenças que marcaram a transição da base para a equipe profissional. Recém-promovida ao elenco que vai disputar a Série A1 nacional no próximo ano, ela conta, no papo reproduzido abaixo, a dureza de conjugar os estudos e os treinamentos, a perseverança que venceu a desconfiança alheia, a alegria de chegar à divisão de elite nacional. Também anima-se com os avanços do futebol feminino no país, mas reconhece a montanha de desigualdade ainda por superar.

Como era a rotina na base do futebol feminino tricolor?

O Fluminense tinha uma parceria com a Daminhas da Bola, iniciativa que apoiava o desenvolvimento educativo e prático do futebol feminino no Brasil. A gente estudava de manhã cedo e depois partia para o núcleo de treinamento das categorias de base do clube, em Xerém (município de Duque de Caxias). A maioria das meninas estudava em um colégio em Caxias. A gente saía da aula, esquentava a comida na escola, pegávamos o ônibus às 12h30 e chegávamos a Xerém por volta das 13h30. Começávamos a treinar às 14h. Quando o treino era nas Laranjeiras, saímos mais cedo da escola.

Como era estrutura esportiva, além dos treinos em campo?

Que desafios você encarou mais nesse tempo?

Foto: Betinho Martins

Quando comecei, não havia grande estrutura para a gente, como de fisioterapia, por exemplo. A preparação se concentrava no campo mesmo. Antes do treino, em Xerém, fazíamos academia, sem muitos recursos. Mas ajudava a gente um pouquinho. Hoje, no elenco profissional, a estrutura é muito diferente. Temos academia, nutrição, médico.

Bom, ano passado, quando ainda jogava pela base, foi muito difícil. Machuquei o joelho e tive que conciliar a escola, o treino e o tratamento. Era duro. Recebia todos os trabalhos online, não conseguia tirar dúvida com o professor. E ficar esse tempo sem jogar também me afetou muito.

Fora dificuldades de estrutura, muitas jogadoras enfrentam preconceitos e são desestimuladas a seguir adiante. Você enfrentou também esses obstáculos?

Com certeza. Muitas pessoas falaram para eu desistir. Diziam que eu não iria conseguir, Foi bem chato, mas a minha família sempre apoiou e correu atrás comigo. As pessoas que falaram essas coisas para a gente hoje em dia agem como se nada tivesse acontecido.

Como é o dia a dia agora que você treina no time profissional?

Treinamos a semana toda no CT do Fluminense mesmo. O treino começa às sete da manhã. Como moro na Zona Norte, acordo às cinco e pego um ônibus até lá. No campo, o treino vai até as 10h30. À tarde, temos academia a partir das 16h. Basicamente, é isso.

Quais são as principais diferenças na migração base para o profissional?

Na base, treinávamos no campo, a partir das 10h, toda segunda, quarta e sexta. Às terças e quintas, o trabalho era feito pela internet, via Zoom. Os técnicos nos mandavam os exercícios, e fazíamos de casa mesmo. Já no adulto, além de irmos todos os dias para o CT, vemos vídeos de jogos e treinos, e treinamos na academia em busca de uma performance cada vez melhor.

Que campeonatos você está disputando?

As competições estão quase todas no final. Chegamos à final do Campeonato Brasileiro A2, contra o RedBull Bragantino. Como tenho 17 anos, também disputo ainda os campeonatos de base ainda. Ficamos em terceiro no Brasileiro Sub-20. Em setembro, começa o Campeonato Carioca, tanto do Sub-2 quanto do adulto. E, em dezembro, temos a Copinha (um dos principais torneios de base do país).

O principal objetivo do time, chegar à série A1, foi alcançado, certo?

Sim. Era o nosso maior objetivo do ano: conseguir o acesso para a série A1. Desde o começo, nosso técnico colocou, na nossa cabeça, a ideia de que o time não podia ficar mais um ano na A2, de que tínhamos que subir para a série principal. Ver que essa meta se concretizou é muito gratificante para todas nós.

De todos os desafios que você enfrentou para se profissionalizar, qual foi o mais difícil?

Foi a lesão que sofri no ano passado, quando eu estava no auge. Rompi um ligamento do joelho. Foi muito difícil, mesmo com os apoios da minha família e do pessoal do Fluminense. Eu pensava: “Será que eu vou voltar bem?”. Ou “Mas e se não der certo?”. Graças a Deus, depois de longos nove meses, voltei muito bem.

O clube a acompanhou nesse período de recuperação?

Sim. Inclusive, quando eu soube do laudo oficial, a primeira pessoa com quem eu conversei lá foi a psicóloga. Recebi acompanhamento físico, psicológico, nutricional do clube até o fim do tratamento.

Apesar dos avanços recentes, as diferenças entre o futebol feminino e o futebol masculino ainda são enormes no Brasil. Na sua opinião, quais são as principais disparidades?

Acho que as principais disparidades são de investimento, visibilidade e infraestrutura. Ainda há muitas carências nesses pontos. Mas o futebol feminino vem crescendo, é inegável. Por exemplo, o Sportv vai transmitir a Copa do Mundo feminina. Isso é um passo muito grande. É muito difícil lidar com essa desigualdade, mas, ao mesmo tempo, é animador ver que mudanças estão acontecendo.

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Conteúdo produzido por estudantes da PUC-Rio, sob orientação do jornalista Alexandre Carauta, professor de Jornalismo Esportivo do Departamento de Comunicação da universidade.

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