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A GERAL DO MARACANÃ

por Elso Venâncio

O setor representava a paixão do brasileiro pelo futebol

Por mais de meio século, a Geral do Maracanã reunia, de forma democrática, torcedores rivais que se aglomeravam e se confraternizavam, sem brigas, a cada partida. No local surgiam caricaturas de Papas, Padres, Santos, Anjos, Mister M, Batman e Homem-Aranha, além de personagens marcantes, como o rubro-negro ‘Gerdal’, que gritava de forma única e repetida:

“Pra frente, pra frente!”

Gerdal era, sintetizando, o símbolo do geraldino.

Atrás ficavam as cadeiras azuis. Acima, as cabines de televisão e de rádios. Depois, a Arquibancada. Todos viam o jogo de pé, expostos ao tempo. Um fosso estreito separava o torcedor do campo. Chegou a ter 30 mil lugares, os preços eram populares e, apesar do pouco conforto, a visão do jogo era boa.

Nos anos 70 e 80, com o Brasil sendo protagonista do futebol e mantendo seus ídolos, a galera via os craques bem de pertinho. Nos escanteios, então, ficavam lado a lado com Zico, Gerson, Doval, Rivellino, Marinho Chagas, Paulo Cézar Caju, Roberto Dinamite.

O artilheiro ia em direção a este lugar sagrado para comemorar seus gols. Zico disse que tinha vontade de mergulhar naquele mar de gente formado atrás dos gols.

Quando a bola caía na Geral iniciava-se uma pra lá de animada pelada. O setor representava a paixão do brasileiro pelo futebol.

O torcedor colava o radinho de pilha no ouvido. Outros levavam aparelhos enormes de rádio, verdadeiros autofalantes.

Mario Vianna, ‘com dois enes’, comentarista de arbitragem da Rádio Globo, valia-se de binóculos. A cada erro do juiz ele colocava a famosa careca raspada à navalha para fora da cabine e gritava:

“Errou!!! Eu vou descer!!”

Sua potente voz ecoava pelo estádio.

Armandinho, referia-se a Armando Marques, que apitava:

“Eu vou descer!!!”

A Geral interagia, com vaias e gritos de apoio.

“Arnaldo, Arnaldo!!!” – gritava, como se Arnaldo Cézar Coelho fosse ouvi-lo:

“Você errou, Arnaldo!”

“Pênalti mal marcado não entra”, sentenciavam, “Não entra!!!”

Mario Viana era o VAR da época. Decidia o que estava certo ou errado.

Em 24 de abril de 2005, vitória do Fluminense por 2 a 1, com dois gols de Tuta, contra o São Paulo, que descontou com Souza, marcou o fim da Geral. Logo chegaram os grandes eventos, como o Pan-Americano de 2007, a Copa das Confederações de 2013), a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

A FIFA proibiu torcedores de pé e o Maracanã se transformou numa arena esportiva tão semelhante como centenas de outras mundo afora.

Sem a Geral, perdemos muito da alegria, da festa e da confraternização que acontecia no mais importante e famoso estádio de futebol do mundo.

O CAMPEONATO CARIOCA NÃO AJUDA

por Zé Roberto Padilha

Logo nas primeiras rodadas do Campeonato Brasileiro, deu para notar que enquanto Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas tiveram estaduais competitivos, com equipes do interior casa vez mais reforçadas, o estadual carioca, à exceção de Nova Iguaçu e Volta Redonda, pouco contribuiu para a preparação dos seus representantes.

A prova disso é que as grandes revelações dos clubes de menor investimento, que os grandes observam no Estadual e contratam para o Brasileiro, foram Lelê e Carlinhos. Muito pouco em número e qualidade, não?

Vamos continuar batendo na mesma tecla; 92 municípios e 86 representantes filiados abandonados à própria sorte. Se nascer outro gênio das pernas tortas em Pau Grande, distrito de Magé, vai se formar dentista porque lá a bola não rola.

Serrano 1 x 0 Flamengo, gol de Anapolina, que entrou para a história. Dificilmente Petrópolis será palco outra vez dessa efeméride porque a FERJ menospreza o interior.

Laboratórios fechados, matéria prima desperdiçada, talentos que nascem e desaparecem por falta de oportunidades e assim nossos grandes clubes precisam buscar no Uruguai (Flamengo), Colômbia (Fluminense), França (Vasco) e Argentina (Botafogo) o que encontravam no quintal de suas casas.

Lelê e Carlinhos, esforçados atacantes, ainda são muito pouco e explicam porque dois dos nossos clubes já se aproximam da zona de rebaixamento.

Hora de acordar, Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro. E dar uma olhadinha no que todos nós estamos perdendo quando subestimamos as fábricas de talentos que o Interior do estado sempre forneceu.

“ME LEVA PARA TRÊS RIOS, PROFESSOR”

por Zé Roberto Padilha

E bom quando seu sonho de menino depende apenas de você, da sua determinação, da sua luta e uma pitada de sorte. Mas quem solicitava ajuda para seus sonhos de menino, e do outro lado da linha suplicava pra vir jogar no time que dirigia, o Entrerriense FC, precisava de mim.

Depois de classificar o nosso time, em 1994, para disputar a primeira divisão, em 1995, fui ao Fluminense pedir ajuda. Tinha treinado em Xerém a safra que acabara de chegar da Copinha. E consegui emprestado seis jogadores. Aquele que me ligara pedindo para vir junto, segundo o Supervisor Paulo Alvarenga, fez bagunça em São Paulo. E ele fez quase uma ameaça:

– Não leva que vai fazer bagunça aí também!

O Entrerriense FC tinha uma receita pequena e definida. Não tinha o direito de errar e não podia contrariar o Supervisor que me ajudara a trazer os demais.

Depois daquele telefonema, certamente realizado de um orelhão sabe-se lá aonde, fiquei muito mal. Meu ex-atleta, ponta-direita raiz, habilidoso e driblador, estava com 20 anos. De uma família humilde, se não tivesse uma oportunidade naquela altura pós sub-20, iria deixar seus sonhos pelo caminho.

Ele foi, ao lado de Paulo Alexandre, pela direita, e Wallace e Vlamir, pela esquerda, os últimos pontas de verdade que Xerém revelou. Jogávamos nas preliminares do profissional e a torcida tricolor chegava ao delírio com o show que eles davam.

Bem, Mário Alexandre, Renato, Cláudio Brasília, Tito, Juarez, César Diniz vieram para Três Rios. Mas meu ponta-direita,, que tanto precisava e me ligou, nada. E nunca mais soube notícias dele até acompanhar a ascensão de um atleta no Beach Soccer que se tornou o Rei da Praia.

Ele mesmo. Neném Lisboa, que comigo era o Sassá.

Fiquei muito feliz porque foi o destino que, ao impedir de vir jogar em Três Rios, o levou para o futebol de areia, onde rapidamente se destacou e chegou à seleção brasileira. Mais do que isto, encontrou nesta modalidade a oportunidade que eu, Paulo Alvarenga e o futebol de campo não lhe concedemos

Meritos dele. Azar o nosso!

MENOTTI: O GOL É UM PASSE PARA A REDE

por Paulo-Roberto Andel

Ele foi bom de bola. Passou pelo Brasil, pisou no histórico gramado da rua Javari e ainda viveu brevemente a Vila Belmiro de ninguém menos do que Pelé, já no fim da carreira de jogador. Antes, já tinha vivido a glória no Boca Juniors, Racing e Rosario Central.

Logo virou treinador, encantou a Espanha, passou pelo México, comandou grandes equipes mas sentou praça definitiva na Seleção Argentina, onde foi campeão mundial de juniores e profissionais, mudando os paradigmas do futebol em seu país para sempre. Com Menotti, a Argentina deixou de ser grande e virou gigante no futebol.

Seu trabalho encantou legendas atuais como Guardiola. E se a ditadura militar argentina fez das suas na Copa de 1978, não se pode esquecer de que, no fim das contas, a anfitriã tinha um timaço. Nomes como Fillol, Passarella, Galego, Ardiles, Kempes, Luque e Tarantini dosavam de forma equilibrada um time de alta capacidade técnica com muita raça. Sim, os militares portenhos foram escroques, mas aquele timaço não precisava de arranjo nenhum – e Menotti ainda deixou o menino Maradona de fora, considerando-o imaturo para o Mundial. Depois estariam juntos na equipe nacional e no Barcelona.

Menotti não fazia média. Apaixonado pelo futebol brasileiro – que lhe serviu de eterna inspiração profissional, contrariou dez entre dez conterrâneos e afirmou que Pelé sempre foi melhor do que Maradona – e isso não tirava o brilho do maior camisa 10 argentino da história, apenas colocava pingos nos is. E justamente por não ter papas na língua, o ex-treinador desceu a lenha na Seleção Brasileira ano passado, quando perdeu da Argentina jogando um futebol paupérrimo. Ele viu e viveu o Brasil da bola nos anos 1960, o que lhe deu um inquestionável lugar de fala.

Decidido, adepto do futebol ofensivo e técnico, firme em suas posições, Cesar Luis Menotti voltou a ser campeão mundial pela Argentina em 2022, como diretor de seleções. Foi o seu brilhante canto do cisne. Campeão do começo ao fim, eis um sujeito que fará muita falta a todos os que apreciam a antiguidade chamada de futebol-arte.

Foi um homem de conversa, lirismo e poesia misturados à bola. Cunhou muitos parágrafos e frases. Uma delas, que trata da importância do futebol coletivo e bem jogado, é definitiva: “O gol é um passe para a rede”.

@pauloandel

RAZÕES PARA O BICHO VOLTAR

por Zé Roberto Padilha

Quando as coisas dão certo no futebol elas, infelizmente, são logo esquecidas. Só mesmo o despreparo dos nossos dirigentes para explicar porque o “bicho”, premiação em caso de vitória, desapareceu da relação clube-jogador.

Exemplo: decisão da Taça GB 76 entre Flamengo x Vasco. A moeda vigente era o cruzeiro e Zico ganhava 33 mil. Junior 25 e eu, chegando do Fluminense, 21 mil. Como o cruzeiro valeria hoje 2 reais, nossos salários não seriam ruins: 66, 50 e 42 mil. Isto é, com uma folha menor, os salários estavam sempre em dia. Dificilmente tinha clube endividado. A diferença a gente buscava no bicho.

A decisão da Taça GB, em 1976, por exemplo, levou ao Maracanã 130 mil torcedores. E o bicho pela vitória era proporcional à renda: se ganhássemos do Vasco, o bicho seria de 100 mil reais. Aí você comia grama. E todos comendo grama, já pensou ganhar em 90 minutos cinco vezes o seu salario? Colocava o time lá na ponta da tabela e trazia gente para o estádio.

As vitórias eram a nossa poupança.

Hoje, Gabigol ganha 1,5 milhão por mês com qualquer resultado. Afastado há algum tempo, nem aparecer no clube podia para justificar o seu salário. Vinha treinando no condomínio onde mora, na Barra da Tijuca, com uma estrutura montada com a ajuda de profissionais do rubro-negro.

Gabigol precisa depender de jogar e vencer para viver, não viver de um alto salário que não está em campo para merecer.

Ele e tantos jogadores profissionais, como o Ganso, que precisam lutar mais em campo do que desfilar seu repertório clássico, e cada vez mais ficam distante do gol adversário. Antigamente, era a porta do cofre. Quem se afastaria na busca dos seus segredos?

Conselho de uma velha raposa, que conseguiu ser vice do Vasco na decisão de 76, e perdeu 100 mil em 90 minutos: se correr e vencer, o bicho é pago. Se ficar parado e perder, o bicho some.

Se o bicho voltar, Gabigol volta junto para pagar o condomínio.