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NÃO TÁ MORTO QUEM PELEIA

texto: Albino Oliveira e Augusto Dalpiaz | foto e vídeo: Rosângela Oliveira | edição de vídeo: Daniel Planel

 

O GURI

Hélio Fernando Xavier Vieira nasceu em Pelotas, Rio Grande do Sul, no dia 3 de setembro de 1963. Desde criança pedia bolas de presente, escutava os programas esportivos das rádios gaúchas e cariocas. Sabia tudo de futebol e seus jogos imaginários na garagem de casa impedia a sesta que seus pais pretendiam tirar.

O fascínio do menino pelo futebol o levou à escolinha do Brasil Pelotas, onde seguiu no infantil, infanto-juvenil, juvenil. Fez sua primeira partida como profissional aos dezesseis anos. E foi castigado por um “gol contra”: por tirar notas escolares baixas teve que se afastar da equipe Xavante.

O amor pelo futebol era tanto que passou tratou de recuperar rapidamente as notas e assim voltou ao time Xavante.

– Sempre sonhei em ser jogador de futebol, se não tivesse conseguido, seria frustrado – diz ele, que se especializou em fazer milagres como jogador e treinador. O maior deles foi obra coletiva, contra o Flamengo pelo Campeonato Brasileiro (à época Taça Ouro, em 1985).

XAVANTE AVANTE

O Sport Clube Cruzeiro era um clube dirigido por funcionários da cervejaria Haertel. Até que uma insatisfação ocorrida entre os jogadores que foram chamados para construir uma cerca em volta do campo quando chegavam para treinar provocou uma debandada no clube.

Inconformados, Breno Côrrea da Silva e Salustiano Brito que faziam parte desse elenco, depois de algumas reuniões e assembleias fundaram, no dia 7 de setembro de 1911, o Grêmio Sportivo Brasil. Seriam necessários 29 anos para o mudar a palavra para “Esportivo” gerando a sigla GEB – antes era GSB.

A história do Brasil é repleta de feitos heroicos. Em 1919, por exemplo, depois de 16 horas de viagem de navio a vapor de Pelotas a Porto Alegre, o Brasil sagrou-se o primeiro campeão gaúcho, vencendo o Grêmio por 5 a 1.

A conquista fez o time pelotense ser convidado para o que considera ser o primeiro Campeonato Brasileiro, em 1920. Na verdade, era um torneio organizado pela CBD, com campeões estaduais e visava observar jogadores que poderiam ser convocados para disputar o Campeonato Sul-americano e os Jogos Olímpicos pela seleção brasileira. Além do Brasil, participaram o Paulistano (SP) e o Fluminense (RJ).

Outro feito memorável aconteceu em 1950. O Brasil foi convidado para disputar uma partida amistosa contra a seleção uruguaia. No Estádio Centenário aprontou. Venceu por 2 a 1 a seleção que meses depois seria campeã mundial, no Maracanã.

Considerado o time com a maior e mais apaixonada torcida do interior do Rio Grande do Sul, o rubro-negro Xavante também vivenciou uma tragédia em 2009. A delegação que voltava de um amistoso, em Vale do Sol (RS), contra o Santa Cruz, sofreu um acidente quando estava próxima da cidade de Canguçu (RS).

O ônibus em que jogadores, integrantes da comissão técnica e dirigentes viajavam despencou de uma altura equivalente a 15 andares, resultando na morte do preparador de goleiros, Giovani Guimarães, do zagueiro Régis e o maior ídolo da equipe, o uruguaio Claudio Milar, atacante com passagens por Botafogo, Nacional do Uruguai, Náutico, dentre outros clubes.

Atualmente o Brasil de Pelotas está disputando a segunda divisão do campeonato brasileiro, e terminou o campeonato gaúcho de 2017 na décima colocação.

OS ANOS NA CASAMATA

(Foto: Reprodução)

Quando terminou a carreira de jogador de futebol no Esportivo de Bento Gonçalves, Hélio foi convidado para ser gerente de futebol do Brasil de Pelotas, mas declinou.

– Não era minha vontade naquele momento, queria ser técnico! – diz.

Pouco tempo depois, recebeu novo convite para começar sua carreia de treinador, entretanto recusou novamente, pois não quis ocupar o lugar de seu amigo Silvio, treinador demitido do Brasil e seu ex-parceiro de defesa.

A partir de sua resposta, o Xavante contratou o antigo lateral do Internacional Vacaria, que durou pouco tempo no comando da equipe devido aos resultados ruins.

Em 1997, Hélio Vieira estreou à beira do campo no clube onde sempre se sentiu em casa. E no ano seguinte, conseguiu sua melhor campanha como treinador no estado, sendo campeão do interior (melhor equipe colocada depois da dupla Gre-Nal).

Hélio atualmente é um famoso personagem do futebol do interior gaúcho e catarinense, tendo treinando equipes como: Caxias, Veranópolis, Avenida, Novo Hamburgo, Brasil de Pelotas, Rio Grande, Brusque e Tubarão. Nos anos de 2003 e 2004 foi indicado ao prêmio de melhor treinador do campeonato gaúcho.

Nos últimos anos ganhou fama de milagreiro e passou a ser chamado para salvar equipes do descenso de divisão nas últimas partidas dos campeonatos. Foi assim que aconteceu nas duas últimas vezes em que dirigiu o Santa Cruz-RS e Cerâmica na primeira e segunda divisão do estado. E quando assumiu o São Paulo – RS, Aimoré, Farroupilha de Pelotas. O treinador ainda aguarda uma nova oportunidade para voltar a formar uma equipe desde o começo da temporada.

Hélio também teve passagem pelo Oriente Médio. Quando treinava o Al-Shabab da Arábia Saudita em 1998, teve apenas quatro derrotas em 40 jogos, foi vice-campeão continental e saudita, mas perdeu o emprego porque, segundo ele, não aceitou fazer “negociata”. Os dirigentes queriam obrigá-lo a escalar um jogador ruim para vendê-lo depois.

– Fui chamado pelo vice-presidente que o disse: “futebol é um negócio, terás que aprender isso, mas até hoje não aprendi” – conta.

Na Arábia, Hélio voltou a trabalhar nas equipes Al-Ittifaq, Al- Watani e Al-Riyadh. Comandou também o Dibba Al-Fujairah FC, nos Emirados Árabes.

O técnico gaúcho acredita que não é chamado para longos trabalhos em clubes porque não aceita ganhar dinheiro, além do salário, favorecendo empresários e jogadores de pouca qualidade. No entanto, quando os times ficam desesperados, lhe procuram.

 – Eu incomodo – conclui.

O SONHO REALIZADO

Em 1983, aos 20 anos, Hélio, após a chegada de um treinador que atuava em Manaus chamado Airton Nogueira, passou a fazer parte da lista de dispensa, e seria emprestado ao Riograndense de Rio Grande. Porém, Airton ficou pouco tempo no comando do Xavante. Para seu lugar foi contratado Luiz Felipe Scolari.

Ao chegar ao clube, Felipão perguntou por um “branquinho” que havia jogado muito bem contra o Juventude, de Caxias do Sul, no ano anterior.  O “branquinho” era Hélio, que conseguiu se manter na equipe. E neste mesmo ano foi o jogador que mais partidas jogou pelo clube, recebendo bicho extra por participação.

Scolari, Galego e Valmir Louruz são os treinadores preferidos de Hélio.

– Felipão tem um carisma muito grande, a convivência com ele e muito legal – salienta Vieira.

Durante sua carreira, o jogo que o ex-lateral relembra com satisfação é Grêmio versus Juventude, equipe na qual jogava. Ele fez dois gols e participou dos outros dois dando a vitória para equipe da serra por 4 a 2.

Mas sem dúvida a partida que lhe deu mais projeção foi Brasil x Flamengo, pelo Campeonato Brasileiro de 1985.

TAÇA OURO

O Brasileirão de 85 foi disputado pelos 20 melhores colocados no ranking da CBF, nos grupos A e B. Remo e Uberlândia, campeão e vice da Taça de Prata, mais 22 clubes de 22 estados (equipes escolhidas a partir dos campeonatos estaduais) formaram os grupos C e D.

Quatro equipes de cada grupo – campeão do primeiro turno, campeão do segundo turno e os dois melhores de cada turno – foram classificados para a etapa seguinte.

Na segunda fase, os 16 times foram divididos em quatro grupos de quatro equipes. A equipe pelotense ficou na chave F junto a Ceará, Bahia e Flamengo. Os favoritos eram as equipes baiana e a carioca.

SIRVAM NOSSAS FAÇANHAS DE MODELO A TODA TERRA…

(Foto: Antônio Vargas / Agência RBS)

Na noite de 18 de julho de 1985, sob a lua nova e frio ardente, com arquibancada lotada, torcedores espremidos ao alambrado e outros pendurados nos muros do Estádio Bento Freitas, em Pelotas, mais de 20 mil torcedores Xavantes presenciaram a vitória do Grêmio Esportivo Brasil por 2×0 sobre o Flamengo de Zico, Bebeto, Andrade, Adílio, Tita, Mozer, Leandro e o treinador Zagallo.

Era muito difícil pensar em vitória ao comparar um elenco em que dos 11 titulares, cinco participaram de Copas do Mundo e sete foram campeões mundiais de clubes, e outro em que o volante titular Doraci teve seu passe adquirido em troca de 12 bolas de futebol com o Riograndense, da cidade de Rio Grande.

O jogo do grupo F – que contava também com o Ceará e o favorito Bahia – valia vaga na semifinal. Na zaga do rubro-negro gaúcho o caçula Silva (20) e Hélio Vieira (22), orientados por Valmir Louruz, não exerciam marcações individuais,

– Até porque, Zico, Tita, Adílio, Chiquinho e Bebeto se movimentavam muito! –  justifica o então lateral.

No primeiro jogo entre os dois clubes, em 10 de julho de 1985, no Maracanã, o Brasil de Pelotas havia perdido por 1×0, gol de pênalti cobrado por Bebeto.

– Em uma jogada de linha de fundo pela direita, entrei de carrinho, a bola ficou presa nas minhas costas e o juiz entendeu que havia tocado em meu braço! – esta é a versão de Hélio Vieira.

Outro fato curioso neste jogo foi que em uma disputa de bola, a correntinha de ouro de Adílio acabou sendo arrancada e entregue para o arbitro Emídio Marques de Mesquita. Ao fim do jogo, o atleta rubro-negro carioca foi pegar a corrente com o árbitro, que falou ter entregue a joia para um jogador do Brasil. Até hoje ninguém sabe quem a pegou, cada um conta uma versão diferente.

Um erro de arbitragem no segundo jogo, em Pelotas, também deu o que falar. Ao invés de acabar o primeiro tempo aos 45, Romualdo Arpi Filho deixou a partida correr até aos 55 minutos. De acordo com Hélio “não teve maldade, o árbitro se perdeu, marcou errado, mas não houve má intenção”. Os dirigentes do Brasil (que ganhava de 1 a 0), revoltados, invadiram o campo e pediram o final do jogo.

Ecoando a canção Pingos de Amor, de Paulo Diniz em parceria com Odibar, a maior e a mais fiel torcida do interior gaúcho explodiu de alegria com o segundo gol Xavante, feito por Júnior Brasília em um lance no qual o jogador jurou aos companheiros ter visto Fillol adiantado e decidiu encobri-lo.

– Após receber alguns tapas no vestiário, Júnior admitiu que a intenção foi o cruzamento! – conta Hélio, rindo.

O eliminado Flamengo acabou a competição em 9º lugar.

A HÉLIO O QUE É DE HÉLIO

Para o segundo jogo que teria transmissão nacional da televisão aberta, a diretoria da equipe pelotense vendeu cotas de patrocínio no uniforme, além do permitido. O acordo entre diretores e atletas, segundo Vieira, foi:

– Vocês só vão entrar com a camisa, o juiz vai ver e vai mandar vocês trocar. Vocês voltam, mudam as camisas e podem ficar com elas para vocês!

No entanto, o juiz não observou o regulamento. Por isso, esse fardamento foi diferente de todos os outros jogos da competição.

Ao final da partida, o vestiário foi invadido por pessoas próximas. Em meio a alegria, um torcedor se aproximou de Hélio e disse que queria a camiseta. O lateral disse que ia ficar com ela, mas o fanático rubro-negro se prontificou a comprá-la por um valor maior que o bicho pago aos jogadores, estimado entre R$ 3 mil e R$ 4 mil. O negócio foi fechado no vestiário.

O torcedor tirou o moletom e colocou a camisa toda embarrada e suada. E partiu feliz.

Em 2003 aconteceu uma reviravolta nessa história. Hélio jogava uma pelada de futebol society em um clube, quando chegou um torcedor e perguntou se ele estava morando em Pelotas. O ex-jogador respondeu que sim e que toda quinta-feira ia jogar futebol naquele campo.

O homem que o abordou então disse:

– Você se lembra de mim?

 Hélio pediu desculpas e respondeu que não. O torcedor retrucou:

– Semana que vem vou te trazer uma coisa que é tua e que está comigo, tem mais valor para ti do que para mim.

Na semana seguinte, como prometido, o torcedor estava lá, e devolveu a camisa que tinha comprado há 18 anos.

MAS NÃO BASTA PARA SER LIVRE, SER FORTE, AGUERRIDO E BRAVO…

O primeiro jogo da semifinal contra o Bangu, em 24 de julho de 1985, foi realizado no Estádio Olímpico, em Porto Alegre. A prefeitura, algumas casas de comércio e empresas de Pelotas decretaram ponto facultativo à tarde a fim de possibilitarem a ida dos torcedores Xavantes à capital do Estado.

Dez mil torcedores rubro-negros percorreram 260 km de viagem em cem ônibus lotados e pouco mais de mil e duzentos carros.

Em cobrança de escanteio pelo lado direito, a bola bateu em Gilmar Batata, que fez gol contra.

– O grupo era unido, não tínhamos salto alto, perdemos os quatro jogos para o Bangu neste campeonato… Nada dava certo contra eles. Gilmar fechou o gol! – lamenta-se Hélio Vieira.

No jogo de volta no Maracanã, em 28 de julho de 1985, o Brasil de Pelotas saiu na frente do placar, com gol de Bira. No entanto, com gols de Ado e Marinho (2), o time carioca voltou a vencer.

– Na bicicleta de Marinho, a bola bateu em sua canela e entrou… Não adianta, faltou sorte…

Assim, o Brasil de Pelotas terminou em terceiro lugar no Campeonato Brasileiro. É maior feito de um clube do interior gaúcho.