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Zagallo

QUEM ESCALAVA


por Rubens Lemos

O jeito antipático de Zagallo lhe custou  parte do protagonismo que merece na trajetória do futebol brasileiro. Zagallo foi técnico retranqueiro, mas ganhou o Tricampeonato Mundial com uma seleção estupenda no México em 1970. Só comparável a de 1958, onde, por sinal, estava ele jogando na ponta-esquerda e recuando para liberar Pelé às feitiçarias com Garrincha e Vavá. 

Na Copa do 1970, o país vivia guerra ideológica pior do que a atual, em razão da luta armada. Direita e Esquerda se matando e gente torturada nos porões do – falo por meu falecido pai – por não concordar com o Regime iniciado em 1964. Deus poupou-me do radicalismo na maturidade. Há uns 20 anos, abomino sectários de qualquer matiz.

Pois em 1970, muita gente torceu contra o Brasil – que pecado pela lindeza do time! – apenas porque o jornalista João Jobim Saldanha, João Saldanha ou João Sem-Medo, havia sido demitido do cargo de técnico do escrete por não concordar (e estava certíssimo), com a convocação do tosco atacante Dadá Maravilha para o lugar de Toninho Guerreiro, sumidade do Santos de Pelé.

João Saldanha, o melhor comentarista de futebol que passou no Brasil, colunista ferino, resolveu, comunista convicto, enfrentar o Presidente Garrastazu Médici. 

Menos dócil dos generais pós-1964, Médici não pedia, ordenava e quem não cumpria, bem, leiam os livros para saber. Saldanha disse que quem escalava o time era ele e o Presidente definia o ministério. Foi posto para fora.

Quando Zagallo assumiu, coincidentemente, Dario foi convocado e a antipatia dos jornalistas e de boa parte da torcida aflorou. Zagallo passou a ser o alvo que não poderia ser transferido ao General Garrastazu Médici. 

O Brasil ficou com dois centroavantes de força, Roberto Miranda, do Botafogo e Dadá Maravilha, à época no Atlético Mineiro. O luminoso PC Caju conta que cansou de enfiar bolas de curva, antológicas para Dadá Maravilha só para vê-lo tropeçar e cair.

Dadá Maravilha sempre esteve no topo do ranking de goleadores, jogando feio e finalizando de canela. Coração de ingênuo, amável e piadista. Ocorre que, na festa de catedráticos em chuteiras no México, nem na faxina ele ficaria.

 Zagallo ganhou o título, pagou por Dadá Maravilha e a eterna lenda de que, com Saldanha, o Brasil teria ganho bonito e, com Saldanha, o time fora de fato montado.

Mais ou menos. No time ungido das Eliminatórias de 1969, tempo da força popular integral de Saldanha, o Brasil jogava com Djalma Dias e Joel Camargo no miolo de zaga, Piazza de volante e Edu, o Urubu Bonito, de artístico ponta-esquerda nato.

Com Zagallo, fez-se justiça a dois santificados e reservas com Saldanha: o camisa 5 Clodoaldo e a Patada Atômica Rivelino, segundo maior ídolo do país, não precisa explicar depois de quem.

O time, na verdade, ficou melhor com Zagallo. Piazza foi recuado para a quarta-zaga formando dupla com o vigoroso Brito. Clodoaldo e Gérson, Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivelino, constelação de meio-campistas criativos em intermitente balé após a linha intermediária. m

Zagallo continuou sendo chato. Perseguiu Barbosa, goleiro humilhado de 1950, quando o pobre renegado tentava visitar o número 1 Taffarel na concentração antes do jogo Romário 2×0 Uruguai. Romário foi vítima dele em 1992 e na Copa de 1998, cortado sem estar inutilizado. 

Por falar em Uruguai, em 1970, Gérson, muito marcado, inverteu posições com Clodoaldo quando o Brasil perdia  por 1×0. Combinou com  o capitão Carlos Alberto Torres. O Brasil virou  para 3×1 e se mandou para a final contra a Itália(4×1).  

Surgiu na peleja contra a Celeste, a maior lenda a respeito de Zagallo, narrada em texto atribuído ao falecido e competente jornalista Oldemário Touguinhó.

O repórter contando um encontro comemorativo do Tri com Pelé e mandando a pergunta: 

– Rei! É verdade que você escalava o time ? 

– De jeito nenhum! – respondeu Pelé.

– Ah, tá bom, quanta injustiça com Zagallo, teria dito o repórter, sem esperar pelo voleio verbal do monarca da bola:

– Eu não escalava não, Oldemário. Quem escalava era o Gérson!

ENTRE VELHOS LOBOS E SÁBIAS RAPOSAS DA BOLA

por Zé Roberto Padilha


Todas as vitoriosas gerações do nosso futebol tiveram o privilégio de contar com uma velha raposa à beira do gramado. Usando a expressão da época, em que não haviam delimitado as cercanias do burródromo à frente do banco de reservas, “na boca do túnel”. De que valeria Mario Jorge Lobo Zagallo disputar várias copas do mundo, tantos estaduais e brasileiros pelo Botafogo, se não repassasse à frente todo o seu aprendizado? Certa vez, nos vestiários, ele nos chamou a atenção pela maneira pela qual amarrava o cadarço da chuteira. “Desse jeito, no lado interno, você vai machucar seus pés. Faça o nó do lado externo porque as trivelas são raras. Os chutes com o peito do pé são maioria”.

Parece simples, mas são dicas que vão se juntando ao contexto da sua obra, e só podem ser repassadas por quem calçou chuteiras. Teve calos e criou, pelo lado esquerdo, as funções de um ponta moderno, que armava as jogadas, fechava os meio e possibilitava, por seus deslocamentos, a subia de um Nilton Santos para abrir a contagem em 1958 contra a Áustria.


Quem sabe, o primeiro gol de um lateral esquerdo, que antes só marcava, na história das Copas? Depois de Pinheiro, Telê e Zagallo, tive como treinadores Didi, Evaristo de Macedo, Jouber Meira, Jair da Rosa Pinto, Paulo Henrique e outros monstros da arte de bater na bola. Cada um deles nos deu uma dica. Somadas, ajudaram várias gerações a jogar e se posicionar melhor.

Recordei tudo isto pensando nos jogadores do Flamengo. Que dica poderia dar o Barbieri aos seus comandados? Foi treinado por quem? Chupou gelo com quem? Quando Carlos Alberto Parreira foi técnico da seleção, colocou o Zagallo como seu auxiliar. E no Flamengo, as coisas ainda pioram quando o auxiliar se aproxima do ouvido do Barbieri. Ele veio do Futsal, e tão novo não teve tempo de conhecer nenhuma dica para auxiliar o Lucas Paquetá. Por onde esconderam o Jaime? E porque sumiram com o Adílio e o Andrade? E com que motivos dispensaram o Mozer?


No Santos, Serginho Chulapa está no banco transmitindo “vestiários”. No São Paulo tem o Raí e o Ricardo Rocha. E o Vasco tem o Waldir para dar conselhos aos garotos que sobem. É preciso que o Flamengo convoque suas lendas, como Rondinelli e o Julio César, porque não há ninguém ali por perto a marcar território. E mostrar aos que chegam o tamanho da sua glória. É preciso um desses seus heróis na comissão técnica, como Nunes, que a tenho vivido e o manto sagrado, não aprendido nas apostilas das Universidades.

Mesmo porque fechar e abrir os livros você o faz pelos dois lados. Livros não têm cadarços e não dão calos. Mas para você treinar o Flamengo é preciso conhecer, e repassar, os dois lados da sua grande história.

A MISSÃO DE 70

por Sergio Pugliese

Em janeiro de 1970, numa terça-feira à noite, o bicampeão mundial Mário Jorge Lobo Zagallo calçava seu tênis sentado à beira da cama. No ombro, a camisa azul marinho com escudo de flores do time de ex-alunos do Colégio Marista São José, da Tijuca. Estava concentrado, pois tinha uma missão importante pela frente. Sua mulher olhou, desconfiada. Nesse ano, Zagallo era o homem mais importante do Brasil. Todas as lentes apontavam para ele. Acabara de substituir o jornalista João Saldanha no posto de técnico da seleção brasileira num mar de polêmicas. Sua responsabilidade era gigante e a imprensa cobrava resultados. Mas, naquele momento, tinha outro motivo para se preocupar. Precisava despachar de vez o Roxo, de Copacabana, adversário osso duro de roer, pela semifinal do Campeonato de Peladas do Aterro. Dois dia antes, um domingo, o jogo terminara 4×4 e, com centenas de pessoas se acotovelando para ver o “time do Zagallo”, o juiz se viu obrigado a transferir as cobranças de pênaltis para terça-feira.

– A regra da época determinava que apenas um jogador realizasse as cinco cobranças e eu era o batedor. Acredita, que mesmo naquele momento turbulento, fui ao Aterro à noite, uniformizado, só para bater os pênaltis? Fomos eu, o goleiro Paulo Sávio, nossos dois adversários e o juiz – recordou, feliz da vida.


Em destaque, Zagallo era o craque do time de ex-alunos do Colégio Marista São José, da Tijuca.

Nessa fase, Zagallo ainda tinha várias dúvidas sobre a escalação da seleção, uma delas se Paulo César Caju seria titular ou não. Mas o escrete do Marista São José, sabia de cor: Paulo Sávio, Ronald, Santoro, Olívio, Pereira, Miltinho, ele, Beto e Ferraro. O técnico, Elízio Pereira. Áureos tempos! Para tentar reviver um pouquinho dessa época, a equipe do A Pelada Como Ela É promoveu o encontro entre Ronald Carballo, o Carlos Alberto Torres do time, e o Velho Lobo. Os dois não se viam desde o jogo contra o Roxo, há 40 anos. Depois disso, os compromissos de Zagallo o impediram de prosseguir no campeonato.

– Quanto tempo, amigo! – suspirou Ronald, munido de fotos e crônicas da época.

Em poucos minutos, os parceiros de tantos anos pareciam dois meninos vasculhando a papelada. Encontraram preciosidades como a crônica de Nelson Rodrigues sobre um amistoso entre o Marista São José e o Adeg, timaço que contava com Esquerdinha, Nilton Santos e o goleiro Barbosa jogando na linha. Num dos trechos, o escritor diz “amigos, sempre confessei, sem nenhum pudor, a ternura que me inspiram as peladas. Elas são filhas de São Francisco de Assis”

A dupla estava encantada com as relíquias.

– Minha nossa, olha o Lima! O que o Ademir Queixada está fazendo aqui? O Castilho, o Pinheiro, meu Deus! – babava, Zagallo, de 79 anos.

– Lembra do Jajá, de Barra Mansa? – perguntava Ronald, de 75.

Os dois viajavam no tempo. O time dos ex-alunos do Marista São José entrou em campo pela primeira vez, em 1954. Dos fundadores, apenas Ronald Carballo continua na área. Ele conseguiu renovar o grupo e a pelada prossegue a todo vapor, agora sob responsabilidade de Guilherme Federal e Mauricinho Câmara. Na quadra do colégio foi construída uma história com pilares de aço. Ali, correndo atrás da bola, todos aprenderam valores importantes, como disciplina, caráter e união. Certa vez, Zagallo disputava um racha quando foi avisado que Admildo Chirol estava na arquibancada e precisava falar com urgência. Era 67 e o time principal do Botafogo ia muito mal. Admildo era o técnico e Zagallo cuidava dos juvenis, que iam muito bem, obrigado! Admildo, chorando, pediu ao amigo para assumir seu lugar. Zagallo se surpreendeu, esticou a conversa e topou com uma condição: ele seria seu preparador físico. Pacto feito!

– Ganhamos o campeonato de 67 e 68, e nossa dupla foi parar na Copa do Mundo. E tudo foi acertado numa pelada!!!! – divertiu-se.


Defendendo o Marista São José, Zagallo enfrentou ninguém menos que Ademir Menezes

Ronald Carballo ouvia as histórias, orgulhoso. Afinal, testemunhou momentos importantes dos bastidores do futebol brasileiro. Ele só temia perder o craque do time para o Botafogo e seleção brasileira. Mas Zagallo sempre conciliou. No Marista São José, era o motorzinho. Marcava, defendia e fazia um gol atrás do outro. Nas peladas da Rua Professor Gabizo, Tijuca, e entre as cocheiras do Derby Club, onde depois foi construído o Maracanã, o menino Zagallinho já chamava a atenção pelo vigor e técnica. Uma modernidade levada, com sucesso, das peladas para o juvenil do América, Botafogo e escrete canarinho. Sua forma de jogar revolucionou. Os críticos sempre tiveram que o engolir. Bem antes, mas muito antes, dele ter disparado o famoso “vocês vão ter que me engolir” para alguns jornalistas.

– Várias vezes comprei briga na rua quando ouvia alguém falar mal dele – garantiu Carballo.

Mas Zagallo fazia por merecer essa fidelidade. Um bicampeão mundial, idolatrado pela torcida e recém contratado para comandar a seleção brasileira, se dispor a bater pênaltis, à noite, no Aterro, para defender seu time de pelada não era para qualquer um. E Zagallo, como sempre, foi para vencer. Converteu os cinco pênaltis. Bola para um lado e goleiro para o outro em todos eles. Nesse dia ninguém do time conseguiu ir. Terça-feira à noite, chuvinha fina, a mulher no pé……….mas ele foi e comemorou muito com o goleiro Paulo Sávio. Deu socos no ar, cumprimentou os dois adversários derrotados, abraçou o juiz, enfim, classificou o time. Dias depois, viajou para o México. O técnico Elízio Pereira reconhecia que vencer o campeonato sem sua principal estrela seria uma missão duríssima. Mas Zagallo, para amenizar, prometeu conquistar um título mais polpudo, que unisse os 90 milhões de torcedores do país, numa corrente pra frente. E não deu outra. O Marista perdeu a final, mas quando o juiz apitou o fim de nosso 4 x 1 na Itália, no monumental Azteca, parece que todo o Brasil deu a mão e todos juntos, numa só emoção, ficamos roucos e choramos até cair. O craque do Marista São José mais uma vez cumprira sua palavra.

AO MESTRE, COM CARINHO

por Zé Roberto Padilha

Para seus alunos, como eu, não teve uma imagem mais bonita e marcante da que revê-lo carreando a tocha olímpica em sua chegada ao Rio de Janeiro. Sou um daqueles privilegiados jogadores de futebol que, de chuteiras no lugar do tênis Bamba, do Kichute, recebeu de você preciosas aulas em uma sala de aula a céu aberto. E com piso de grama verde. A didática era conduzida por um apito que orientava nossos passes, domínios e lançamentos. E a prova realizada não mais com papel e caneta nas mãos, mas com imaginação, improviso e uma bola de futebol nos pés.

Em meio a tantos pontas-esquerdas ofensivos que o Brasil revelava, como Pepe, do Santos, Escurinho, do Fluminense, Canhoteiro, do São Paulo, posso imaginar, afinal tinha apenas seis anos, o tamanho da sua sabedoria para alcançar a titularidade daquela cobiçada camisa 11 canarinho que nos levou ao primeiro título mundial, em 1958, na Suécia. Você, mestre Zagallo, não acabou com os pontas, mas inaugurou a inteligência, o pensar no lado esquerdo que Telê Santana, no Fluminense, iniciara no lado direito pelas Laranjeiras. 

Antes do Zinho ser o ponta do tetra, do Dirceuzinho disputar duas Copas do Mundo, você já provara ao seu treinador, Vicente Feola, que em meio a Nilton Santos, que se lançava ao ataque, Garrincha, Vavá e Pelé que não marcavam, e com craques requintados no meio-campo como Didi e Zito, alguém tinha que voltar para fechar aquele meio-campo. Armar as jogadas, cadenciar o jogo e ajudar na marcação. Não errar um só passe. Pensar coletivamente, enquanto todos se empenhavam em fazer o melhor da sua individualidade. Não foi à toa que você e o Telê se tornaram nossos maiores treinadores ao lado de Evaristo Macedo. Já treinavam há muito os times em que jogavam.


Quando cheguei ao Fluminense para um período de testes, era um bom meia-esquerda. Talvez o melhor de Três Rios. Mas por lá encontrei o melhor de Campos, Muriaé, Niterói e Itaperuna. Meu treinador, Pinheiro, percebeu que nosso lateral-esquerdo apoiava como Nilton Santos. Que Carlos Alberto Pintinho, Cléber eram solistas. Não carregadores de piano, como Denilson e Lulinha.

Me ensinou a jogar como você, circulando com a onze, dando opções na saída de bola e cobrindo todo mundo quando ela estava nos pés adversários. E fui ficando, renovando seguidos contratos até alcançar a Faixa de Gaza que, aos 19 anos, decide o nosso destino: último ano de juniores, ou você é aceito no profissional, ou pega a mala e volta para casa como a maioria dos garotos, que como eu, sonhou um dia ser jogador de futebol.


E quando Lula estava na seleção e você me viu treinar, escalou-me para enfrentar o América. Foi minha estréia no Maracanã. Só quem passou por isto sabe o que significa entrar em campo e perceber aquele gigante de cimento fechar seu anel sobre nossas cabeças. Com parte da família na arquibancada, a outra em casa colada no radinho em meio à preces e santinhos, Badeco, Alex, Alvaro, Bráulio e Cabrita nos cercando, Geremias à frente do Félix, se acertasse a bola já estava no lucro. Acertar os passes, então, pura loteria. E você foi carinhoso no meu dia D, me deu moral no vestiário apesar do Fluminense não jogar bem, e pude seguir minha carreira com o Parreira que você, ao abrir as portas do mundo árabe, promoveu no seu lugar.

Em meu nome, em nome do futebol brasileiro, de tantos alunos que você ajudou a formar, muito obrigado. A tocha em suas mãos, perante tamanha serenidade, acendeu a luz do respeito, do carinho e da saudade que todos nós, os seus alunos, guardamos de você.