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Jogos Históricos

DUELOS ANTOLÓGICOS EM SÃO PAULO

por Émerson Gáspari


O futebol acrescenta jogos na história praticamente todos os dias.

Ao final de cada campeonato, são centenas de confrontos que viram arquivo, sendo então, rapidamente esquecidos.

A própria falta de televisionamento no passado contribuiu para que muitos deles, num passado mais distante, caíssem no mais completo esquecimento. Outros, dada a época, sequer foram filmados. Várias partidas, no entanto, foram especiais.

Este texto tem por intenção, impedir que algumas se percam para sempre, já que o tempo insiste implacavelmente em tentar varrer a história para debaixo do tapete, cabendo a nós, o dever de perpetuá-la através das gerações.

Como paulista, destaco aqui confrontos realizados em São Paulo – inclusive no interior, em sua fase áurea – sobretudo para conhecimento dos torcedores de outros estados.

São quinze partidas inesquecíveis, por uma ou outra razão.

Algumas, conhecidas apenas nas cidades em que foram realizadas ou exclusivamente pelas torcidas dos clubes nelas envolvidas. Mas que merecem ser conhecidas do grande público, também.

Torço para que após esta minha iniciativa aqui no Museu da Pelada, surjam outros textos, revelando confrontos sensacionais nos demais estados do nosso país, também.

Ou pelo menos, resenhas que abordem jogos maravilhosos ou curiosos que já tivemos.

Obviamente esta pequena lista não tem pretensão alguma de ser um ranking, muito menos, ter qualquer efeito oficial. Pelo contrário: os dois primeiros jogos envolvem o meu clube de coração, o Paulista de Jundiaí.

Trata-se apenas uma lista pessoal, descompromissada, a qual não merece reparos em suas escolhas, mas sim, ser acrescida de outros jogos que possam, eventualmente, serem relembrados pelos queridos amigos leitores.

Portanto, mãos à obra! E boa leitura.

PAULISTANO 5 X 4 PAULISTA (10/10/1920)

“A TAÇA FICOU EM SÃO PAULO, MAS A COMPETÊNCIA FOI PARA JUNDIAÍ!”


Onze vezes campeão paulista e chamado pelos franceses de “Reis do futebol” devido a uma vitoriosa excursão por lá, o Paulistano era franco favorito para conquistar a “Taça Competência”, até então, sempre vencida com extrema facilidade pelas equipes da capital, em disputas diante dos times do interior. A epidemia de gripe espanhola andou atrapalhando demais o calendário futebolístico, com a decisão dessa versão 1919 só ocorrendo no final do ano seguinte, ficando marcada (e manchada) em relação a todas as demais, pelo ocorrido ao final da partida. O estádio do Floresta ficou apinhado de senhores de terno e chapéu torcendo pelo Paulistano, então o primeiro (e até hoje único) tetracampeão paulista (1916/7/8/9): o alvi-rubro de Arnaldo, Orlando e Carlito; Sérgio, Rubens e Benedicto; Formiga, Mário Andrada, Friedenreich, Zecchi e Netinho. O tricolor (campeão do interior) com Bruno, Paulino e Lilo; Bertolini, Rosa e Tatu; Bueno, Miguelzinho, Camargo, Minguta e Lamaneres. A torcida paulistana, fã de Friedenreich, ficou satisfeitíssima com os três gols assinalados pelo artilheiro durante a partida. Só não contava que o Paulista iria endurecer, com o centroavante Camargo “Gigante de Ébano” (maior artilheiro de sua história) e suas arrancadas fabulosas, que terminavam dentro do gol adversário. A apreensão dos torcedores cresceu muito com o placar se mantendo em 4×4 até os minutos finais do prélio. Até que Fried – com a triste conivência da arbitragem – empurrou para as redes com a mão, estabelecendo o placar final de 5×4, que deu o título da Taça Competência para o Paulistano. No dia seguinte, o “Estadão” da capital publicou a seguinte manchete: “A taça é do Paulistano, mas a competência foi para Jundiaí”.

PORTUGUESA SANTISTA 1 X 2 PAULISTA (14/10/1984)

“O DIA EM QUE AILTON LIRA PERDEU O ÚNICO PÊNALTI DE SUA CARREIRA”

É considerada a mais emocionante partida do Galo em sua centenária história: o time não podia sequer empatar, se quisesse prosseguir na luta pelo acesso à Primeirona.

Mas a Santista era páreo duro e obtivera um empate de 2×2 em Jundiaí, dias antes, graças a um penal cobrado pelo experiente e infalível Ailton Lira. Dramático, o jogo aconteceria no acanhado estádio Ulrico Mursa, diante de seis mil torcedores, naquela tarde de domingo. A Portuguesinha de Marquinhos, Balu, Arouca, Orlando e Claudinho; Zé Carlos, Tadeu e Ailton Lira; Fernandinho, André e Josemar. O Paulista com Luiz Fernando, Benazzi, Marco, Alexandre e Caíca; Gerson Andreotti, Carlos e Célio; Tata, Ricardo e Zé Roberto. O Paulista começou a todo vapor, até que aos 18 minutos, após cruzamento de Caíca, Arouca cortou de cabeça e Benazzi, que entrava em diagonal pela direita, na corrida, acertou de fora da área, um tremendo “pombo-sem-asas”: 1×0. Quatro minutos depois, numa jogada ensaiada, Ailton Lira cobrou escanteio da direita, no primeiro pau, de onde Fernandinho desviou para Orlando completar, no segundo, empatando: 1×1.  Apesar disso, o Paulista continuou melhor até a metade da segunda etapa, quando então a Lusinha começou a pressionar, ficando o Galo, com os contra-ataques.  Finalmente, num deles, quase aos 46 minutos, Célio lançou Ricardo, que serviu Carlos. Ele invadiu a área e tocou com categoria, para vencer Marquinhos: 2×1. No desespero e com chuveirinhos, o time da casa aperta, até que aos 49 minutos, a bola bate nas mãos de Tata e Marco e o juiz dá o pênalti, para desespero do saudoso locutor Hélio Luiz, que se recusa a olhar a cobrança dizendo que “o Paulista será desclassificado”. Ailton Lira bate com a costumeira classe e violência aos 50 minutos, mas a bola estoura na trave direita de Luiz Fernando e Hélio, agora chorando, berra, nos microfones da rádio Difusora: “Ailton Lira perdeu o único pênalti de sua vida! Eu não aguento… Adilson!”. Enquanto isso, Adilson Freddo – repórter de campo e no banco de reservas do time – é alvejado por sacos de urina, arremessados pela furiosa torcida da casa. Mas a euforia jundiaiense é tamanha, que os torcedores jundiaienses chegam até, a comprar um bolo confeitado com o escudo da Portuguesa numa padaria defronte ao estádio e o levam para Jundiaí, onde permaneceria em exposição – feito um troféu – por uma semana na vitrine da lendária panificadora “A Paulicéia”, então o ponto mais tradicional de Jundiaí.

BOTAFOGO 1 X 1 COMERCIAL (19/12/1954)

“QUANDO O CLÁSSICO DA CIDADE FOI BATIZADO DE COME-FOGO”


Um belo domingo de sol emoldurou o estádio “Luiz Pereira” para o jogo que marcava a volta do clássico da cidade após 18 anos de ausência comercialina dos gramados, fase na qual obtivera amplo predomínio sobre o rival. Mas agora eram tempos mais difíceis, com o clube jogando em campo alugado, sem os barões do café para sustenta-lo. Teria pela frente um adversário melhor estruturado e o confronto seria na “toca” inimiga. O saudoso jornalista Lúcio Mendes captou a atmosfera do duelo e cunhou para a partida, a célebre denominação de “Come-Fogo”, quando escrevia sobre o clássico prestes a acontecer, no jornal “Diário da Manhã”. O “Pantera da Mogiana” veio para o jogo, com Ênio, Mexicano e Kelé; Diógenes, Oscar e Nascimento; Dorival, Neco, Ponce, Américo e Fernando. O “Leão do Norte” alinhou Mário, Toninho e Sula; Assunção, Bié e Laércio; Sígulo, Ademarzinho, Maneca, Mairiporã e Clive. O Bafo começa melhor, perdendo boa chance aos sete minutos. As oportunidades se alternam para os dois quadros, mas o Comercial continua superior e aos 35, sai na frente: o lateral Assunção cobra falta pela direita, Kelé fica indeciso, Ênio sai atrasado e o esperto Mairiporã cabeceia firme por cobertura, bem no meio do gol, fazendo 1×0. Em vantagem, o Bafo se assenta ainda mais no gramado, tocando melhor a bola. Mas a velha garra botafoguense ressurge no segundo tempo e, mesmo criando as melhores oportunidades, o Comercial vai sofrendo uma pressão crescente, até que aos 18 minutos acontece o tento de empate, numa tabela bem executada entre Fernando e Américo; este último apanha um chute firme, à meia-altura, para as redes. Belo gol! Depois disso, o Botafogo acredita na virada, a torcida empurra, o juiz não assinala um pênalti para o tricolor e o primeiro Come-Fogo da era profissional terminou mesmo num justo – e diplomático – 1×1, entrando para a história.

PONTE PRETA 3 X 2 GUARANI (05/8/1981)

“O CHAMADO DERBY CAMPINEIRO DO SÉCULO”

O Derby Campineiro é considerado o grande clássico do interior do país. Houve uma fase em que Guarani e Ponte atingiram o ápice futebolístico e protagonizaram jogos memoráveis, mas um em especial é tido como o maior de todos: o da decisão do 1º turno do Paulistão, em 1981. O ponte-pretano Luciano do Valle narraria o confronto ao vivo, pela TV. Após um equilibrado 1×1 no “Brinco de Ouro”, a decisão havia ficado para o “Moisés Lucarelli”, naquela noite em que o melhor ataque (do Guarani) e a melhor defesa (da Ponte) se enfrentavam. O Bugre pisou no gramado com Birigui, Chiquinho, Mauro, Edson e Almeida; Jorge Luís, Éderson e Jorge Mendonça; Lúcio, Careca e Ângelo. Téc. Jair Piceni. A Macaca, com Carlos, Toninho Oliveira, Juninho, Nenê e Odirlei; Zé Mário, Humberto e Dicá; Osvaldo, Chicão e Serginho. Téc. Zé Duarte. Foi uma batalha emocionante do começo ao fim, cheia de alternativas. Apesar disso, o primeiro gol demorou a sair: aos 37 minutos, Osvaldo fez um belo gol por cobertura, depois de um cruzamento de Odirlei pela esquerda: 1×0 Ponte. Oito minutos mais tarde, Ângelo empatou, após um bate-rebate na entrada da área. Na volta do intervalo, novamente a Ponte passou à frente: aos 4 minutos, numa falha clamorosa de Birigui, que quis evitar um escanteio e soltou a bola nos pés de Osvaldo, presenteando-o com o segundo tento: 2×1. Só que o Guarani não desistia e aos 8 minutos do segundo tempo tornou a igualar, após escanteio pela esquerda e três cabeçadas consecutivas, sendo a última delas, de Jorge Mendonça: 2×2.  A partir daí, o jogo ficou aberto e sucessivas chances foram surgindo, podendo definir o duelo. E a Ponte Preta seria mais feliz: aos 36, Odirlei arrancou e numa bela jogada pela meia, invadiu a grande área, batendo cruzado, no cantinho e selando a vitória de 3×2.  A Ponte, campeã do 1º turno, estava classificada para a final do Paulistão. Campinas era o centro futebolístico estadual, naquele momento.

XV DE PIRACICABA 2 X 2 SANTOS (11/9/1949)

“BATEU O ESCANTEIO, CORREU E CABECEOU!”


Parecia apenas mais um jogo do Campeonato Paulista, mas o que aconteceu no final beirou o inacreditável. Aconteceu no antigo estádio Roberto Gomes Pedrosa, em Piracicaba, diante de 4.300 testemunhas. O Santos com Chiquinho, Hélvio e Dinho; Nenê, Paschoal e Alfredo; Nicácio, Antoninho, Juvenal, Simões e Odair.  O XV, com Ari, Elias e Idiarte; Cardoso, Armando e Strauss; Russo, De Maria, Sato, Gatão e Rabeca.

Odair marcou os dois gols da equipe praiana, enquanto De Maria descontara para o

“Nhô Quim”. O Santos controlava a pressão da equipe piracicabana, até que aos 41

minutos do segundo tempo, cedeu um escanteio. Ventava muito, naquele instante.

O lépido ponta Russo apressa-se para bater. Cobra em direção à marca penal, bem alto – propositalmente – para ganhar tempo de correr para a área, na intenção de talvez, apanhar algum possível rebote e (quem sabe) ajudar a equipe. Por mais incrível que possa parecer, a bola sobe muito, porém, empurrada pela força da ventania, começa a cair, voltando na direção do ponta, que à esta altura, já vai entrando na área. Russo sente a oportunidade e salta no meio de um bolo de atletas, conseguindo cabecear, mesmo desequilibrado, na meta inimiga, vencendo o atônito goleiro Chiquinho. Ou seja: bateu o escanteio, cabeceou e fez o gol! O árbitro inglês PercySnap – que jamais havia visto um lance assim na vida – validou o tento, equivocadamente. Os santistas ficaram indignados – é lógico – ainda mais, porque o jogo terminaria empatado. Curioso que Mr. Snap viera para São Paulo, porque a FPF, “importara” árbitros ingleses, a fim de diminuir os erros e reclamações frequentes com relação às arbitragens brasileiras. Deu no que deu… Para os mais céticos – é bom ressaltar – o gol foi devidamente documentado pelo mais respeitado historiador do interior paulista: Delphin da Rocha Netto, que foi, inclusive, testemunha ocular do fato. Outro que presenciou a jogada, trabalhando como locutor de uma rádio que transmitia o jogo, foi o apresentador esportivo Léo Batista. O lance inclusive está descrito no livro do centenário do XV de Piracicaba e foi explicado pelo professor Francisco Guimarães da USP de São Carlos. Segundo ele, apesar do ângulo da trajetória da bola ter sido de 60 graus na trajetória do chute, o fato só foi possível, devido à ação dos ventos. E para quem ainda não se convenceu, na Internet mesmo, há um gol semelhante, assinalado numa pelada no exterior – em campo menor, é verdade – mas que revela a influência determinante do vento, nesse tipo de jogada. 

FERROVIÁRIA 6 X 2 PALMEIRAS (20/5/1962)


“O CONFRONTO DAS DUAS ACADEMIAS”

Tarde de domingo na “Morada do Sol” e jogão no estádio da Fonte Luminosa, válido pelas quartas-de-final da Taça Cidade de SP, sob a arbitragem de Anacleto Pietrobon.

De um lado, a grande “Academia”, com Rosan, Jorge, Sebastião e Mané; Flávio e Jurandir; Gildo, Americo, Geraldo, Chinesinho e Fernando. Do outro, a “Academia do Interior”, com Toninho, Ismael, Antoninho e Zé Maria; Dudu e Rodrigues; Laerte, Aurélio, Parada, Bazzani e Benny. A “Locomotiva”, entusiasmada, saiu na frente, aos sete minutos, com seu astro, o meia Bazzani.  O jogo prosseguiu favorável à “Ferrinha”, que aos 30 ampliou, com Ismael. O Verdão conseguiu então diminuir com Américo, aos 35 minutos, dando a falsa impressão de que o duelo poderia ser equilibrado. Entretanto, dois minutos depois, o craque Bazzani ampliou para 3×1 e antes mesmo que o primeiro tempo se encerrasse, o meia Aurélio estabeleceu arrasadores 4×1. Expectativa e muita apreensão da imprensa paulistana no intervalo e o alviverde volta para o segundo tempo reforçado de Valdemar Carabina, além do jovem Ademir da Guia, o “Divino”. Mas divino mesmo acabou sendo o futebol da equipe grená, no confronto. Por alguns minutos, o jogo até se tornou equilibrado. Tanto, que Geraldo II ainda diminuiu para o Palmeiras, aos 24. Mas Bazzani – um mito em Araraquara – estava terrível nesse dia, aumentando para 5×2 e liquidando qualquer pretensão esmeraldina.  E, para não deixar dúvida sobre qual “Academia” era a maioral em campo naquele dia, Laerte deu o “tiro de misericórdia” aos 41 minutos, estabelecendo números finais no marcador: 6×2. Esta seria uma das doze goleadas aplicadas pela Ferroviária ao longo de doze temporadas seguidas – e isso apenas em cima de clubes grandes – entre 1960 e 1971.

BANDEIRANTES DE SÃO CARLOS 3 X 0 SANTOS (04/11/1957)


“A MAIOR VITÓRIA DE UMA CIDADE NO DIA DE SEU CENTENÁRIO”

O futebol na cidade de São Carlos sempre viveu de ciclos, com clubes se sucedendo, ao longo da história. Por ocasião dos festejos no dia do centenário da “Cidade Sorriso” além da visita do então governador de São Paulo Jânio Quadros às instalações da USP – que ocorria simultaneamente, a duzentos metros dali – foi programado um amistoso contra o Santos, então bicampeão paulista, tendo Pelé como atração. Na véspera – um domingo – ele havia feito três gols no empate por 3×3 diante do Corinthians, o que acabaria dando ao Timão, a “Taça dos Invictos”. Naquele feriado de segunda-feira e com o charmoso estádio do Paulista de São Carlos completamente lotado, o confronto se iniciaria às 15 horas. Entre os presentes nas arquibancadas, o grande artilheiro Zuza, já veteraníssimo – mas ainda em atividade – que simpaticamente teria recusado convite de atuar na peleja, por alguns minutos que fosse. Uma pena! O Santos veio a campo, escalado com Manga, Mauro e Mourão; Geovanni, Brauner e Urubatão; Baiano, Jair Rosa Pinto, Ciro, Pelé e Pepe. Téc. Lula. O Bandeirantes de Lito Mariutti, Jarbas e Kelé; Piana, Fabião e Bibi; Cabelo, Wilson Pimentel, Ademar Ferrari, Zé Luiz e Ruy Dinucci. Téc. Hugo “Che” Ferrari. A estratégia de impor um ritmo forte e veloz aos visitantes, logo surtiria efeito: aos três minutos, o ponta-esquerda Ruy abriu a contagem, aproveitando bem um centro na área e tocando sutilmente, entre os zagueiros santistas, para as redes do Peixe. Com Fabião marcando Pelé em cima e permanecendo no ataque, o time são-carlense conquistou um escanteio a seu favor aos 10 minutos, pelo lado esquerdo. Encarregado da cobrança, Ruy – que era ambidestro – cobra com a perna direita, forte, fechado e cheio de efeito, encobrindo o goleiro Manga, que acabou surpreendido pelo belíssimo gol olímpico: 2×0. Naquele dia, o “Pelé” em campo parecia atender pelo nome de Ruy Dinucci. Aturdido com a disposição dos donos da casa, o Peixe ainda leva o terceiro, aos 33 minutos, depois de um bate-rebate na zaga, que terminou com um lindo chute de primeira, de fora da área, agora do meia Zé Luiz. Satisfeitos pela “fatura liquidada” em apenas meia hora, os anfitriões diminuem o ritmo, enquanto Fabião não desgruda de Pelé. Tanto, que no segundo tempo Lula resolve tirá-lo de campo, promovendo a entrada de Darci e também a de Dorval, no lugar de Baiano. Porém, nem a contusão do goleiro Lito (substituído por Flávio) alterou alguma coisa a favor dos visitantes. E Ruy e Fabião ainda seriam sondados pela diretoria santista, para irem jogar no Santos, após a histórica partida.

AMÉRICA/SP 6 x 0 RIO PRETO (07/6/1953)

“A GRANDE GOLEADA DO DERBY RIO-PRETENSE”


O Derby rio-pretense sempre dividiu a cidade. O Rio Preto viveu quase toda a sua história na segunda divisão (embora mais antigo), enquanto que o América, mais novo, permaneceu maior tempo na divisão de elite. Isso acaba impactando diretamente no retrospecto do clássico, onde o número de confrontos é reduzido, revelando nítida vantagem do “Diabo”: 34 vitórias do América contra apenas 14 do Rio Preto.  E pensar que no início, o América chegou a ser esnobado pelo Rio Preto, que se recusava a emprestar seu campo, alegando que o rival lhe subtraía torcedores, obrigando-o a ter que atuar até, na cidade de Mirassol… Dentre todos os clássicos, vale destacar este, o qual, mesmo em se tratando apenas de um amistoso, entrou para a história por ser o de placar mais elástico. O confronto foi disputado no estádio Mário Alves de Mendonça, o “Caldeirão do Diabo” e o Rio Preto veio a campo com Barrela, Cotia e Dimas; Bem, Odilon e Prates; Zachi, Pé de Chumbo, Miranda, Orestes e Zito, sob o comando do técnico Chiquinho. O América, com Garito, Xatata e Martin; Tuca, Aldo e Dicão; Nelinho, Vicente, Dozinho, Osmar e Orias. Téc. Pepino. Mas quem teve um “pepino” nas mãos naquele dia, foi mesmo o técnico Chiquinho, pois seu time acabaria impiedosamente goleado. Bastaram apenas 35 segundos para que o ponta Nelinho arrancasse e fizesse o primeiro do América. O Rio Preto ainda conseguiu se equilibrar e sair para o jogo. Mas Dozinho aumentou para 2×0 aos 20 minutos e as coisas começaram a se complicar, porque a partir daí, a zaga rio-pretense começou a bater cabeça e o ponta-esquerda Orias, que havia acabado de chegar ao clube americano, aproveitou a facilidade oferecida e marcou dois gols em sequência, aos 30 e 31 minutos, estabelecendo 4×0 no marcador. A torcida mal podia acreditar naquilo: quatro gols em meia hora! No intervalo, o preocupado técnico Chiquinho resolve trocar de goleiro, colocando Hugo em campo. Mas a produção da equipe não melhorava. Como consequência disso, aos 12 minutos, o centroavante Dozinho não teve “dózinha” (me perdoem o trocadilho), ampliando para 5×0. E aos 32, Osmar, numa bela jogada, “fecharia a tampa do caixão”, em sonoros 6×0. Parte da torcida adversária até, havia ido embora. Mais uma proeza do América de Rio Preto em sua história, clube do inesquecível presidente Benedito Teixeira, o eterno “Birigui”.

SANTOS 4 X 6 JABAQUARA (31/7/1957)

“O TERREMOTO DA VILA”


Tratava-se de uma partida válida pela fase de classificação do campeonato paulista.

O Jabuca, clube pioneiro de São Paulo, não vinha bem das pernas. O Santos – ao contrário – firmara-se como clube grande, onde pontificava o famoso “ataque dos três pês” e era o atual bicampeão paulista. Por isso, naquela chuvosa noite de quarta-feira, menos de seis mil pagantes se atreveram a irem até a Vila Belmiro, para assistirem outra óbvia vitória do Peixe. O Santos com Laércio, Hélvio e Ivan; Fioti, Urubatão e Zito; Tite, Álvaro, Pagão, Pelé e Pepe. Téc. Lula. O Jabaquara com Fininho, Pavão e Getúlio; Dom Pedro, China e Oswaldo; Ari, Hélio, Washington, Melão e Bugre. Téc. FilpoNuñes. Ao anunciarem a escalação do “Leão do Macuco”, os torcedores estranham o lateral-esquerdo, dizendo se tratar do tesoureiro do clube, o popular “Oswaldo Malcriado”, por pura farra. Na verdade, tratava-se de um juvenil, que trabalhava na secretaria do clube e que entrou em campo para completar o quadro, pois o treinador não tinha jogador para aquela posição.  Como se esperava, o Santos começou com tudo e foi logo “atropelando” o adversário, com Pagão abrindo a contagem, aos 8 minutos. Três minutos depois, Wilson Osório (o popular “Melão”, que havia sido devolvido pelo Santos ao Jabaquara) empatou, em que pese seu time não estar jogando bem. Tanto, que aos 15, Pepe fez 2×1 Santos. E aos 22, Tite ampliou, encaminhando mais uma vitória santista no retrospecto amplamente favorável ao Peixe, diante do Jabuca.  Mas esqueceram de combinar isso com o adversário. Foi daí, que o inacreditável começou a acontecer: aos 32, o ponta Bugre diminui e aos 44, o centroavante Washington empata, para surpresa geral. Algo de estranho estava ocorrendo. Mais estranho ainda, foi que a reação prosseguiu, na segunda etapa: o meia Melão desandou a fazer gols (ele que já havia aberto a contagem) anotando mais três em sequência: aos 5 minutos, aos 25 e aos 28, estabelecendo estarrecedores 6×3! Começam então, a surgir alguns torcedores santistas – vizinhos da Vila Famosa – até de pijamas, para conferir se era mesmo verdade o que ouviam pelo rádio. No finalzinho, aos 42, China tenta interceptar um chute de fora da área e acaba marcando contra, diminuindo o vexame santista para 4×6. Mas houve troco após aquele confronto. Isso porque o rubro amarelo, não tendo estádio, guardava todo seu material esportivo nas dependências da Vila Belmiro, além de mandar suas partidas, lá. Revoltado com a derrota, o presidente Modesto Roma mandaria botar tudo na rua, no dia seguinte.  Após essa vitória (além de uma outra diante da Portuguesa Santista) o Jabaquara passou a ser chamado por um tempo, de “O Dono da Cidade” em Santos e o episódio é até hoje lembrado no litoral pelos torcedores mais antigos, como “O Terremoto da Vila”.

PORTUGUESA 2 X 0 PALMEIRAS (05/6/1955)

“SAUDADES DA GRANDE PORTUGUESA DE DESPORTOS”


No início dos anos 50, Oswaldo Brandão começou a montar aquele timaço da Lusa, na fase áurea do clube, até então, apenas bicampeão paulista de 1935/6. Na primeira metade daquela década, a Portuguesa ganhou os títulos do Rio-SP (52 e 55), a Taça San Izidro (51), os torneios de Salvador e de BH (ambos em 51), além de se sagrar tricampeã Fita Azul no exterior (em 51, 52 e 54). E teve atletas como Cabeção, Noronha, Djalma Santos, Brandãozinho, Ipojucan, Servílio, Pinga, Simão, Julinho Botelho, entre outros, além de impor goleadas como os 7×3 em cima do Corinthians ou os 8×0 sobre o Santos. Portanto, os quarenta mil torcedores que lotaram o Pacaembu, sabiam que aquela decisão de Rio-SP seria um “jogaço”, ainda mais após o empate de 2×2 na primeira partida. O Palmeiras veio de Laércio, Manoelito e Mário; Belmiro, Valdemar Carabina e Gérsio; Rento, Humberto, Nei, Ivan e Rodrigues. Téc. Cláudio Cardoso. A Portuguesa, com Cabeção, Nena e Floriano; Djalma Santos, Brandãozinho e Zinho; Julinho Botelho, Ipojucan, Airton, Edmur e Ortega, agora sob o comando de Délio Neves. Foi uma partida bem disputada, cheio de oportunidades perdidas e jogadas bem concatenadas, mas que aos poucos, demonstrou predomínio técnico da Lusa. Aos 36 minutos, o habilidoso Julinho Botelho fez bela jogada pela direita e abriu a contagem, iniciando a festa lusitana. Na volta para o segundo tempo, imaginava-se que o Palmeiras fosse pressionar, mas o que se viu, foi uma Portuguesa mais assentada em campo, que foi aos poucos tomando novamente conta do jogo, em especial após a marcação do segundo gol, aos 18 minutos, quando o meia Ipojucan anotou também o seu, fechando o placar em 2×0 e coroando a belíssima campanha daquela equipe que deixou saudades no coração dos torcedores paulistanos.

PALMEIRAS 1 X 1 SÃO PAULO (28/01/1951)

“O INESQUECÍVEL JOGO DA LAMA”


Este foi o jogo que deu ao Palmeiras, o título paulista de 1950 e quebrou um tabu: pela primeira vez, uma equipe conseguia vencer a Taça Cidade de SP e também o Paulistão, no mesmo ano, entrando para a história como o “Jogo da Lama”. A disputa do campeonato havia sido postergada – devido à Copa do Mundo de 1950 – iniciando apenas no segundo semestre, daí a decisão ocorrer só em 1951. Foi um campeonato emocionante, pois apresentou alternância dos dois times na ponta da tabela, durante o seu desenrolar. A três rodadas do fim, o tricolor tinha três pontos de vantagem, mas conseguiu perdê-la, tropeçando em Ypiranga e Santos. Na última rodada, passaria a

ter obrigação de vencer os palmeirenses, que jogavam pelo empate. Jair Rosa Pinto, grande craque alviverde que fora afastado da equipe três rodadas antes numa derrota para o Corinthians, voltou a ser relacionado, após “acabar” com um treino, antes da decisão. Um Pacaembu absolutamente lotado e encharcado por uma torrencial chuva que atingira a capital, horas antes, recebeu o São Paulo de Mário, Savério e Mauro; Bauer, Rui e Noronha; Dido e Remo; Friaça, Leopoldo e Teixeirinha. E também o Palmeiras, de Oberdan, Turcão, Palante e Waldemar Fiúme; Luiz Villa, Sarno e Lima; Canhotinho, Aquiles, Jair Rosa Pinto e Rodrigues. Teixeirinha inaugurou o marcador logo aos quatro minutos e os são-paulinos martelaram a meta esmeraldina o primeiro tempo todo, com Oberdan intervindo várias vezes, salvando a equipe de um placar mais elástico. O São Paulo dominava todas as ações em campo e o 1×0 saiu barato para aquela estranha apatia verde. Nos vestiários, Jair pediu a palavra ao treinador e aos gritos, conclamou os companheiros a resgatarem a velha garra palestrina, lembrando a todos, da grandeza do uniforme que envergavam. Aliás, todos muito enlameados, pois a chuva tornara o espetáculo quase impraticável. A bronca deu certo, mexendo com os brios da rapaziada: o Verdão voltou com tudo, pressionou e empatou numa jogada magnífica e dramática de Jair, fruto de uma arrancada do meia, na qual driblou praticamente toda a defesa tricolor (além das poças d’água) e serviu com um passe açucarado, para Aquiles apenas empurrar para as redes inimigas. Um gol genial, que decidiu o título a favor de quem demonstrou no fim, mais vontade de conquista-lo e que acabaria sendo a “pedra fundamental” para o título mundial do time, meses depois, pois aquele triunfo credenciaria o Verdão para as disputas da Copa Rio-1951.

SÃO PAULO 4 X 1 SANTOS (15/8/1963)

“O DIA EM QUE O SANTOS FUGIU DE CAMPO”

Houve um período em que o São Paulo ficaria 13 anos sem títulos. Tempos difíceis, de construção do Morumbi e economia na formação de plantéis competitivos. Foi nessa fase complicada do tricolor, que o alvinegro praiano vivia seu auge futebolístico, com o bicampeonato mundial e aquele que é tido como o maior time da história do futebol.

Naquela quinta-feira à noite, 60 mil torcedores no Pacaembu viram o São Paulo vir a campo com Suly, Deleu, Bellini e Ilzo; Dias e Jurandir; Faustino, Martinez, Pagão, Benê e Sabino. O Santos veio de Gylmar, Aparecido, Mauro e Geraldino; Zito e Dalmo; Dorval, Lima, Coutinho, Pelé e Pepe. Mal o clássico começa e aos 5 minutos, Martinez entrega para Faustino, que invade em diagonal, finta dois adversários e fuzila Gylmar: 1×0. Mas aos 21, num cruzamento de Dorval pela direita, Pelé sobe mais que os zagueiros e empata o jogo, de cabeça. Só que aos 37, Pagão e Benê tabelam, envolvendo a defesa santista, até o centroavante bater à queima-roupa, diante de Gylmar. Até aí, tudo bem, jogo normal. Mas aos 40 minutos começa a confusão, tendo o polêmico árbitro Armando Marques, como um dos personagens. Tudo porque o ponta-esquerda Sabino, recebendo um lançamento de Martinez, amplia para 3×1 e o bandeirinha sinaliza impedimento. Mas Armando prefere ignorar o auxiliar e confirmar o tento. Os santistas protestam e o árbitro expulsa Coutinho, no meio da discussão. Pelé se enerva e instantes depois, desacata o juiz, seguindo também mais cedo para os vestiários. Com 3×1 na cabeça e sua grande dupla de atacantes expulsa, Lula teria uma missão complicadíssima para o segundo tempo. Assim, Aparecido estranhamente não retornou, permanecendo “contundido” nos vestiários, deixando o time santista agora, com apenas oito atletas em campo. Claro que se tratava de uma situação irreversível.

No comecinho da segunda etapa, num choque entre Bellini e Pepe, o ponta-esquerda (adivinhem?) também saiu machucado, deixando o Santos agora, com sete. No sétimo minuto, Roberto Dias faz uma ligação direta com Pagão, que entrou como quis na área, estabelecendo 4×1. Uma goleada ainda mais elástica se desenhava. Foi daí, que na saída de bola, Dorval levou um chute numa dividida, deixando o gramado, também.

Com apenas seis atletas pelo lado do Peixe, Armando Marques não tem outra solução a não ser encerrar a partida naquele momento, a qual ficaria conhecida como “o dia em que o Santos fugiu de campo”.

CORINTHIANS 4 X 3 PALMEIRAS (25/4/1971)

“O FAMOSO CLÁSSICO DO VIRA-VIRA”

Era mais um clássico pelo campeonato paulista e que encerraria o primeiro turno. Mesmo com um tabu de 15 anos sem títulos pelo Paulistão, o Timão havia acabado de faturar o “Torneio do Povo” enquanto o Verdão era respeitosamente chamado de “Segunda Academia”. Perante 61 torcedores, o Corinthians entrou em campo com Ado, Zé Maria, Luís Carlos, Sadi e Pedrinho; Tião e Rivellino; Lindóia, Samarone, Mirandinha e Peri. O Palmeiras foi de Leão, Eurico, Baldocchi, Luís Pereira e Dé; Dudu e Ademir da Guia; Fedato, Héctor Silva, César e Pio. Uma partida empolgante, do começo ao fim!  Tanto, que com apenas 35 segundos jogados, Ademir vem para a área e César conclui com êxito: Palmeiras, 1×0. Nove minutos mais tarde, em outra descida pela meia-direita, o mesmo “César Maluco” amplia o marcador em favor dos esmeraldinos, para 2×0. O placar não é mais alterado, até o intervalo.  O segundo tempo trouxe mudanças para as equipes. No Corinthians, Adãozinho e Natal.  No Palmeiras, Leivinha. Logo aos 5 minutos, Rivellino bateu uma falta com muita violência e no rebote de Leão, Mirandinha descontou. Aos 24, Adãozinho pegou um “pombo sem asas” no ângulo, de fora da área e de canhota, empatou o clássico. Já na saída de bola, o Verdão desceu e Leivinha, de fora da área e também de canhota, mandou no ângulo, longe do alcance de Ado, recolocando seu time em vantagem: 3×2. O mais incrível é que, assim que foi dada novamente a saída, o alvinegro deu o troco, numa jogada construída por Natal e concluída na arrancada de Tião: 3×3, aos 26 minutos. Não perca a conta! Cansadas, as equipes procuraram se resguardar um pouco mais e quando todos apostavam num belo empate, veio a histórica virada corintiana: aos 42 minutos, Natal e Mirandinha tabelaram em alta velocidade; o passe na medida veio para Mirandinha, que chutou em cima da zaga. Ele mesmo apanhou o rebote e inapelavelmente arrematou para as redes alviverdes: 4×3. Um jogo digno da grandeza do Derby.

SANTOS 2 X 3 PEÑAROL – 02/8/1962

“O ÁRBITRO QUE ENGANOU TODA UMA CIDADE”

Após uma vitória de virada por 2×1 sobre o Penãrol no Uruguai, o Santos necessitava agora de um simples empate em casa, para se sagrar campeão da Libertadores-62. O Peñarol era o campeão mundial e vinha em busca do tricampeonato sul-americano.

O time de Lula, desfalcado de Pelé, contundido, veio a campo com Gylmar, Lima, Mauro, Calvet e Dalmo; Zito e Mengálvio; Dorval, Coutinho, Pagão e Pepe. Já a equipe de Bela Guttmann, com Maidana, González, Lezcano, Cano e Caetano; Carranza (Golçálvez), Matosas e Pedro Rocha; Sacia, Spencer e Joya. A Vila parecia um barril de pólvora prestes a explodir naquela noite, especialmente pela presença do já conhecido

árbitro Carlos Robles, o qual, logo no início, tratou de ir ignorando uma penalidade em Coutinho. Até que aos 15 minutos, Spencer abriu o placar. Ainda bem que Dorval empatou, aos 19, serenando um pouco os ânimos, com um belo chute cruzado. E aos 36, com um petardo bem no ângulo, Mengálvio pôs o Santos na frente. Festa santista! Mas o Peñarol não era campeão mundial à toa e logo aos três do segundo tempo, empatou num escanteio que terminaria com uma cabeçada firme de Spencer, o “maior goleador das Américas”. Só que no lance, Sacia teria jogado areia nos olhos de Gylmar. Ignorando a reclamação santista, o juiz chileno validou o lance e o tento. Com o empate, os uruguaios começaram a pressionar e conseguiram – numa jogada faltosa de Sacia sobre Calvet – marcar o terceiro, aos 11 minutos. Era demais: a torcida, revoltada, atira uma garrafa na cabeça do árbitro, ferindo-o. O jogo é interrompido. Após uma longa paralisação, os ânimos se acalmaram e o Santos passou a pressionar, em busca do empate. E ele viria num chute de rara felicidade de Pagão, de fora da área. O resultado dava o título ao Peixe. Eram decorridos 22 minutos. No meio da festa, eis que a torcida alveja agora o bandeirinha, com um baita parafuso arrancado da estrutura das arquibancadas. A “batalha” é novamente interrompida. O trio de arbitragem se recolhe para os vestiários e volta só depois de dez minutos, afinal reiniciando aquela tumultuada peleja. Agora Pepe é quem é derrubado na área e o juizão manda seguir. Até que aos 38, Mauro faz falta em Pedro Rocha fora da área, mas Robles assinala penalidade máxima. Porém, com a chuva de garrafas no gramado, primeiro reconsidera sua decisão e marca falta, até que, por fim, vendo o pandemônio que se instalara nas arquibancadas, decide por “encerrar o espetáculo” aos 40 minutos do segundo tempo. Festa da torcida e volta olímpica dos brasileiros, mas… De repente, o lateral González avisa Pepe (a quem marcara, durante o jogo) que eles estavam todos, fazendo “papel de bobos”: o Peñarol havia vencido por 3×2. “Mas como?”; quis saber o atacante santista. Daí o jogador do Peñarol lhe explicou que, assim que a partida foi interrompida pela primeira vez – aos 11 minutos da segunda etapa – naquela garrafada que o juiz levara; ele (secretamente) decidiu por encerrar o jogo, passando a realizar todo um “teatro” a seguir e prosseguindo com a disputa apenas em “caráter amistoso”, com medo de não sair “vivo” do estádio. Estranho que os uruguaios tivessem ficado sabendo daquela tramoia, enquanto que os brasileiros, não. Enfim: não havia valido o gol de empate de Pagão. E muitos santistas foram dormir felizes, só descobrindo que ainda não eram campeões, no dia seguinte, quando o árbitro já estava bem longe dali. Ainda bem que depois, na partida-desempate – em campo neutro – o Santos (já com Pelé e sem esse juiz) goleou o Peñarol por 3×0, ficando com o título da Libertadores, merecidamente.

PALMEIRAS 6 X 7 SANTOS (06/3/1958)

“O MAIOR CLÁSSICO DE TODOS OS TEMPOS”

Para mim, a mais disputada de todas as partidas que conheço e por isso mesmo; deixei-a propositalmente para o final. Este é um daqueles jogos que não decidem campeonato – tratava-se apenas de mais uma partida pelo Torneio Rio-SP – mas que entrou para a história, pelo fino futebol apresentado em campo e seu desenrolar. Cinco torcedores teriam morrido, devido a infartos provocados pelo confronto (um deles, inclusive, no próprio estádio). Também, pudera: foram 13 gols e três viradas, ao longo dos 90 minutos! O Pacaembu recebeu 43 mil torcedores que viram o Santos entrar em campo com Manga, Hélvio e Dalmo; Fioti, Ramiro e Zito; Dorval, Jair Rosa Pinto, Pagão, Pelé e Pepe. Já o Palmeiras, com Edgar, Edson e Dema; Valdemar Carabina, Waldemar Fiúme e Formiga; Paulinho, Nardo, Mazzola, Ivan e Urias. O jogo iniciou “pegado” e a “tempestade de gols” demorou um pouco a sair. Mas quando

começou… Somente aos 18 minutos, a contagem foi aberta, através do ponta-esquerda Urias. Mas Pelé (sempre ele!) empatou dois minutos depois. E Pagão, aos 24, virou o marcador a favor do Peixe. Nardo empatou para o Verdão, um minuto depois.

Mas aí, começou aquele Santos “arrasador”: Dorval aumentou a vantagem para 3×1. Pepe – o melhor jogador em campo naquele dia – aumentou para 4×2, aos 38 e Pagão, antes que os times descessem para os vestiários, aos 46, anotou o quinto, “matando” o Palmeiras. Acontece que Oswaldo Brandão “ressuscitou” a equipe no intervalo, dando uma sacudida psicológica em todos, mudando o esquema para o segundo tempo, fazendo entrar o gringo Caraballo na linha e sacando o goleiro Edgar, que havia falhado e chorava nos vestiários, promovendo a entrada do arqueiro Vitor. As equipes reiniciaram o jogo a exemplo do segundo tempo: num confronto muito “pegado”, sem darem muito espaço. Aos poucos, o Palmeiras começaria a predominar e Paulinho descontou aos 16 minutos. O grande Mazzola empatou o confronto, com dois gols. Um deles, apanhando rebote da zaga aos 20 minutos e o outro, aos 28, de cabeça: inacreditáveis 5×5; fruto daquela incrível reação.  Mas não parou por aí: Urias – aquele que marcou o primeiro gol – virou o jogo, aos 34 minutos. “Milagre no Pacaembu!” – berrava Edson Leite, ao microfone da rádio. Só que o tal “milagre” durou pouco, pois Pepe (o melhor da partida, lembram-se?) empatou, num raro gol de cabeça, aos 38 minutos. E so-bre-na-tu-ral! Aos 43 minutos, marcou mais um – o da virada definitiva – selando a vitória praiana por 7×6. É bom lembrar que nenhum dos dois foi campeão daquele Torneio Rio-SP: o Vasco seria o campeão e o Flamengo, o vice. Mas o Santos se tornaria em pouco tempo, o maior time do planeta. Quanto aos palmeirenses; os dirigentes, sensíveis ao fato do que eles também haviam jogado, resolveram pagar o bicho, como se fosse uma vitória. Afinal de contas, naquele dia, todo mundo mereceu!

Eram realmente outros tempos no futebol…

JOGOS HISTÓRICOS

por Otavio Leite

Brasil 2 x 0 União Soviética – 1958

Protagonistas: Pelé, Garrincha, Vavá, Didi, Lev Yashin e Igor Netto

Um adolescente infantilizado e um driblador irresponsável.

Dá para ganhar a Copa do Mundo apostando nessa dupla?

O técnico Vicente Feola é claro: a resposta é não.

Já os mais experientes do time, Didi, Nilton Santos e Bellini veem de maneira diferente.

É hora de ousar. De apostar no improvável, no inimaginável, naquilo que os europeus jamais conseguiriam prever e evitar.

É a hora de Pelé e Garrincha.

O adversário, a União Soviética, é a antítese de tudo isso.


Disciplinados, fisicamente preparados como superatletas e com uma abordagem científica do jogo que promete anular qualquer traço de improviso.

Um embate de estilos.

No gol, o grande Lev Yashin, o Aranha Negra, imponente e gelado, sempre de preto. A figura já intimida.

Às 19h, no estádio Ullevi, em Gotemburgo, os soviéticos dão a saída. 

O capitão Igor Netto, com sua aparência de agente da KGB, recebe de Ivanov e rola para Kuznetzov. O lateral dá passe longo para Iliyn que tenta forçar a jogada pela esquerda. 

É o último momento de paz para a União Soviética.

De Sordi, sem qualquer trabalho, toma a bola e serve Zito – outro que entra no time para nunca mais sair. A bola vai a Didi, que lança Garrincha.


Com uma balançada de corpo, Kuznetzov fica para trás e Mané já está na área. Prefere o chute sem ângulo em vez do cruzamento para Pelé e Vavá que fecham na área.

Mas, de Garrincha, nunca se espera o óbvio. A bola explode na trave e sai.

Os soviéticos se assustam.

No lance seguinte, Mané repete a jogada, mas serve Pelé. O Pequeno Príncipe solta a bomba. Trave outra vez.

Os soviéticos estão atônitos.

Ainda grogues pelos dois golpes, veem a bola chegar aos pés envenenados de Didi.

Cercado por Ivanov e Tsaryov e vigiado por Kesarev, o homem dos passes impossíveis faz com que a bola desfira uma trajetória embriagada que contraria qualquer lei física.


O passe com o lado de fora do pé direito, de curva, põe a bola por trás de seus marcadores e à frente de Vavá, que penetra pelo meio da área.

O artilheiro vascaíno controla de canhota e solta a bomba de pé direito na saída de Yashin. Golaço.

Com apenas três minutos de jogo!

Os soviéticos agora estão apavorados.

Não há resposta científica aos dribles de Garrincha, às arrancadas de Pelé ou aos passes de Didi.

Kuznetzov já não está mais sozinho diante de Mané. Tsaryov e Krijevski correm para ajudá-lo cada vez que a bola chega ao Anjo das Pernas Tortas.

Os soviéticos buscam o empate com Ivanov, que recebe de Voinov na entrada da área e bate seco para a defesa segura de Gylmar.

Com a vantagem, Didi, Zito e Zagallo “escondem a bola” com trocas de passes, esperando os espaços para buscar o trio ofensivo.

O segundo tempo começa com a bola nos pés de Pelé. Toque curto para Vavá e o recuo até Orlando. Novo lançamento para Garrincha. Mais desespero para a zaga soviética.

O domínio é total, mas o segundo gol não sai.

Aos 12 minutos, Didi dá meia-lua em Ivanov e levanta para Pelé, que tabela de cabeça com Vavá. Após quatro toques sem deixar a bola cair, o Leão da Copa domina na pequena área mas é abafado por Yashin.

Outra vez Garrincha desmonta a zaga soviética pela direita. O cruzamento chega até Zagallo, que bate mascado para nova defesa de Yashin.


Aos 32, De Sordi cobra falta para a área adversária. Pelé domina e busca a tabela com Vavá. A dupla envolve Tsaryov e Krijevski com toques rápidos e a bola fica dividida entre Vavá e Kesarev.

O brasileiro chega uma fração de segundo antes e desvia de Yashin para marcar o segundo gol.

Só não consegue se proteger da duríssima entrada de Kesarev, que crava as travas da chuteira na canela do atacante vascaíno.

Uma pancada tão forte que tira Vavá da partida seguinte, contra País de Gales.

O golaço não é apenas o ato final de jogo de Copa do Mundo. É o início de uma nova era no esporte.

A Era dos Supercraques.

Garrincha, Didi, Nilton Santos…

E do Rei do Futebol!

Antes de Pelé, ninguém no esporte jamais recebera um título de nobreza.

Aquela noite no dia 15 de junho de 1958 pôs o Brasil no mapa e mudou para sempre a história do futebol mundial. 

Ficha do Jogo

Brasil 2 x 0 União Soviética

Estádio Ullevi – Gotemburgo – 15/6/1958

Público: 51.000

Árbitro: Guigue (FRA)

Gols: Vavá (3 e 77)

BRASIL: Gylmar, De Sordi, Bellini (c), Orlando e N.Santos, Zito, Didi e Pelé, Garrincha, Vává e Zagalo. TEC: Vicente Feola

URSS: Yashin, Kesarev, Krijevski, Tsaryov e Kuznetsov, Voinov, A.Ivanov e V.Ivanov, Simonian, Netto (c) e Ilyin. TEC: Gavril Kachalin