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O MENINO CHICHÃO SE TRANSFORMOU NO CAPITÃO AMÉRICA

por Marcos Vinicius Cabral

O sol ia nascendo e trazendo um presságio de coisas boas para aquele sábado, 14 de julho de 2012.

Enquanto o céu estava azul com nuvens parecidas com algodão doce, a todo instante meu pensamento ia longe, mas especificamente no Botafogo e Flamengo, que decidiram o Brasileiro de 1992.

O vento, uma leve brisa que nos beijava o rosto, direcionava nossos olhares para lugares distintos: ele (meu pai) para o trânsito à sua frente e eu para os mergulhos ensaiados das gaivotas à procura do peixe fresquinho.

Nosso silêncio era, por ora, quebrado como um cristal se espatifando no chão quando sons vinham da mala do nosso carro, desordenando os quadros que ali estavam arrumados.


– Vai devagar que eles não podem quebrar! – dizia eu para meu pai, preocupado com cada lombada irregular do asfalto por onde o carro passava.

Se a preocupação era grande em chegar com os quadros intactos, o que dizer da alegria quando recebi o convite do maestro Júnior para desenhá-los, no fim de 2011, após fazer muitas caricaturas em época natalina para o recordista de partidas oficiais do Flamengo?

Afinal de contas, estávamos indo eu e Babylon (apelido carinhoso que dei ao meu pai há alguns anos) ao Cheirinho de Gol – clube tradicional situado no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro – entregar algumas caricaturas e também participar das comemorações das duas décadas da conquista do Pentacampeonato Brasileiro do Flamengo.

Chegamos um pouco antes das 9h, conforme recomendação do eterno camisa 5 rubro-negro.

Nas dependências do clube, havia um jogo em que Dodô – conhecido como artilheiro dos gols bonitos, nas passagens por Botafogo, Fluminense e Vasco – mantinha a forma, já que defendia o Al Ain Football Club, nos Emirados Árabes.

Enquanto assistíamos o jogo, aos poucos foram chegando um a um os campeões.

A pedido do maestro Júnior, fui buscar os quadros na mala do carro para entregá-los.


Gottardo

Daquele (improvável) Flamengo que sagraria-se campeão, fiz as caricaturas de Gilmar, Júnior Baiano, Wilson Gottardo, Gaúcho, Zinho e lógico, de um maestro, que sob sua regência soube tão bem tirar belas notas musicais de uma orquestra desafinada.

E fiz a do Carlinhos Violino, que conduziu serenamente o Flamengo rumo ao título, com sua voz macia e jeito sempre peculiar.

Mas em virtude de ter que sair um pouco mais cedo junto com meu pai, não pude entregar a todos suas caricaturas.

Entreguei ao Gilmar, maestro Júnior e ao Zinho.

Entretanto, fui avisado que os demais receberiam seus quadros.

Porém, o único que não recebeu – segundo o  maestro Júnior – foi o Carlinhos Violino.

Portanto, hoje, 23 de maio de 2018, um dos maiores zagueiros do futebol brasileiro faz aniversário: Wilson Gottardo!

Nascido em Santa Bárbara d’Oeste, interior de São Paulo, o menino Wilson Roberto Gottardo era um apaixonado por esportes em geral.

Era praticante de algumas modalidades esportivas e, certa vez, numa corrida com mais de 50 garotos mais velhos que ele, ganhou a medalha de prata.

— Foi a primeira e única  medalha que seu Euclides viu eu ganhar na vida, pois um ano depois, veio a falecer — conta emocionado ao Museu da Pelada ao lembrar do pai.

Se aos 13 anos perdera seu maior incentivador, viveu praticamente uma vida toda sem sua figura paterna.

Mesmo com as inexplicações da vida, foi viver e seria uma bobagem se entregar, apesar do duro golpe.

Não baixou a guarda e viu todo o desdobramento de Dona Thereza para criá-lo junto aos outros cinco irmãos.

Se tornou exímio jogador de futsal, sendo inclusive campeão intercolegial,  onde desenvolveu habilidades para jogar nas laterais direita e esquerda, além de fazer bem o papel de volante.

Já no vôlei, beneficiado pela velocidade adquirida do atletismo e da boa estatura, sempre era escolhido nas quadras mal acimentadas da cidade.

No basquete, treinado por Álvaro Alves Corrêa – que viria a ser o prefeito da cidade anos mais tarde – sagrou-se campeão em um torneio intermunicipal. 

Mas o futebol talvez corresse nas veias daquele garoto e fosse uma paixão desde muito cedo, quando com uma bola mas mãos – ou nos pés, melhor dizendo – caminhava quilômetros para jogar contra times de outras ruas e de outros bairros.


Naqueles longínquos anos 70, o contato com o futebol era possível apenas no cinema – onde ia às vezes assistir filmes do Canal 100 -, no rádio, através das narrações esportivas nos grandes clássicos e raramente na TV, que havia se tornado à cores.

Em 1978, aos 15 anos de idade, Chichão – apelido carinhoso como era chamado – jogou seu primeiro campeonato amador da cidade de Santa Bárbara d’Oeste e viveu a partir dali, algo intenso com o futebol.

Por ser uma cidade do interior de São Paulo, seria evidente que sendo destaque naquele campeonato os convites de equipes surgiriam naturalmente.

E foi o que aconteceu.

Indo para o Colégio Estadual Emílio Roni, onde cursava o 2°grau, um encontro selaria seu destino.

— Você vai jogar aqui no União —, disse seu Legório, roupeiro do União Agrícola Barbarense Futebol Clube.

Fez alguns treinos e por sua versatilidade de ter jogado em todas as posições no setor defensivo, passou sem grandes dificuldades.

Com foco e uma obstinação incomuns, transferiu às aulas do turno diurno para o noturno para poder treinar com os profissionais.

Já no grupo principal de jogadores do União Barbarense, clube que revelou Brandão e Eusébio (que jogaram com o Rei Pelé), Osvaldo (Campeão Mundial pelo Grêmio em 1983), Oscar (autor do gol de honra nos 7 a 1 para a Alemanha no Mineirão, na Copa de 2014), Diego Tardelli e do falecido Mazolinha (famoso por ter cruzado a bola para o gol de Maurício, na final do Campeonato Carioca de 1989), o menino Chichão se tornaria, em definitivo, Wilson Gottardo.

Aos 19 anos de idade, chegou ao Guarani Futebol Clube e fez parte da lendária equipe que contava com Waldir Perez, Jorge Mendonça, Neto, Edmar e Careca.


Depois disso, jogou no Náutico antes de chegar ao Rio de Janeiro para vestir a camisa 3 do Glorioso.

– A segurança daquela defesa, foi um dos pilares daquela conquista. Mesmo a equipe tendo sido excelente naquele ano, o meu entrosamento com Gottardo foi muito importante! – conta Mauro Galvão, que foi seu companheiro de zaga no título carioca de forma invicta em 1989.

No ano seguinte, repetiu o feito e sagrou-se bicampeão carioca, para delírio dos alvinegros.

Já em 1991, trocou o Glorioso pelo Flamengo e, pela terceira vez consecutiva, levantou a taça de Campeão Carioca.

E foi em 1992, que o destino se incumbiu de colocar o Botafogo em seu caminho, só que desta vez era seu adversário na final do Campeonato Brasileiro.

O título expressivo com a camisa rubro-negra traria uma expressão que o acompanharia a partir dali em sua vitoriosa carreira: xerife!


– Quando a gente concentrava para alguma partida importante do Flamengo, ele não falava muito e era comum vê-lo com a barba crescida. Certa vez, curioso, perguntei o porque daquilo e ele me disse que era zagueiro e se estivesse bonitinho e bem barbeado o atacante não o respeitaria (risos)! – conta Gilmar Rinaldi, de 59 anos, ex-goleiro do Flamengo.

Já o ex-zagueiro Júnior Baiano, emenda:

– No começo da minha carreira tive o privilégio de aprender muito jogando ao seu lado.

A vida seguiu e em 1993, deixou o Brasil e foi para a Europa, onde atuou no Marítimo, de Portugal.

Voltou um ano depois para o Botafogo, onde seria capitão da equipe comandada por Paulo Autuori.

Os títulos do Campeonato Brasileiro e da Copa dos Campeões Mundiais, em 1995, respectivamente por Botafogo e São Paulo, ratificariam sua liderança assim como a predestinação por grandes conquistas.

Até uma breve passagem pelo Fluminense – no qual não conquistou título algum – seria irrelevante para o que o futuro lhe reservaria.


E foi em 1997, na equipe do Cruzeiro que o título da Libertadores coroaria 19 anos de uma vitoriosa carreira.

– Eu pedi sua contratação. Nos treinos, quando ele chegou, facilitou muito o meu trabalho, porque ele sabia os conceitos que a gente queria implantar e com sua liderança natural conquistou o grupo, contribuindo para o crescimento da equipe e alcançando assim o objetivo que era, depois de 21 anos, o título da Libertadores! – diz o ex-técnico cruzeirense e atual Diretor-Executivo do Fluminense, Paulo Autuori, de 61 anos.

Se o Náutico seria um trampolim para brilhar com a camisa do Botafogo no fim dos anos 80, o arquirrival Sport seria seu último clube antes de passar a estrela de xerife para outros zagueiros, em 1999.


– Eu realizei um sonho de garoto em ser jogador de futebol. Jogar em bons estádios, em grandes clubes, viajar e chegar à Seleção Brasileira, foi ter ido muito além do que poderia imaginar. Mas me considero um vencedor por ter superado muitas adversidades. Acho que valeu a pena. – diz o aniversariante do dia.

Portanto, se o campo era o velho oeste, na área ele era o xerife.

Hoje, 23 de maio, o “xerifão” completa 55 anos e o Museu da Pelada pôde contar um pouco da trajetória profissional de um grande zagueiro do futebol brasileiro.

MÉXICO 1986, DERROTA NOS PÊNALTIS E VITÓRIA DO TÉDIO

por Marcelo Mendez

The Police, Queen, Michael Jackson, Império Dos Sentidos, Perdidos Na Noite, Lula, O Último Tango Em Paris, Rio-Centro, Blitz, Aiatolá Komheini, Bo Dereck, Programa Do Bolinha, B’ 52, Chacrinha, Cores Cítricas, Gel, Tênis All Star…

A charrete sem condutor que o Raul Seixas cantou como sendo os anos 80 seguia firme. Em 1986, algumas outras coisas me geravam interesse além do futebol.

Rock And Roll, Literatura, Cinema, a chegada dos 16 anos na minha vida, os primeiros beijos, primeiras paixões, as coisas todas de se ter essa idade num Brasil pouco receptivo às novas experiências. Tudo isso colaborava muito para as revoltas que se queria sentir.

Um ano antes havia tido ume eleição indireta. Nela, um Presidente eleito via congresso nacional foi impossibilitado de assumir por conta de uma doença que lhe levou à morte. Nos tornamos o Brasil do Vice e tudo estava uma bagunça.

No futebol não era diferente.

Após a ressaca da perda de 1982, os principais jogadores foram para Europa e pior, para jogar na Itália. Por aqui, só ficaram times sucateados, um campeonato nacional que era uma zona, todos os clubes quebrados e, no meio disso, uma seleção por jogar.

E jogou, ou, pelo menos tentou… 

Um cabaré mambembe chamado CBF

O futebol no Brasil em 1986 era uma zona!


A CBF com Nabi Abi Chedid, completamente sem rumo, sem eira, nem beira, chegou até a Copa do México e por lá, graças a um resquício de uma ótima geração, até que foi bem na primeira fase: três jogos, três vitórias em cima de Espanha, Irlanda e Argélia. Primeiro lugar assegurado, veio as oitavas de final e o confronto com a Polônia.

Tarde quente em Guadalajara, boas lembranças. Josimar, o lateral direito que não conhecíamos e que Telê inventou, já tinha feito um golaço contra a Irlanda, repetiu a dose em um gol inexplicável contra os Polacos e com o 4×0 final, passamos de fase.

Nas quartas de final, veio o adversário que todos nós esperávamos em 1982, mas que infelizmente não enfrentamos.

A França de Platini seria nosso adversário.

Não tem festa, carnaval, nem lágrima

Eu queria sofrer, mas não sofria.

Pensei que ia chorar, mas ao contrário, vi aquela derrota nos pênaltis, após 1×1 no placar em tempo normal, como se fosse um nórdico.


Aos 16 anos em 1986, a única coisa que ainda me mantinha ligado à seleção do teimoso Telê Santana era Zico, que as turras, lutava contra seu joelho machucado. O 10 ficava no banco, jogava o tempo que podia e num desses tempos, bateu um pênalti pra um tal Joel Bats defender.

A Seleção de Careca, Muller, Junior numa meiuca, Sócrates na outra, amassou a França, mas a bola não entrou. Pela primeira vez eu vi uma decisão por pênaltis vitimar um time que torcia. No final do jogo que havia começado meio-dia, só silêncio. Mas não era novidade…

Essa parte da coisa, eu já sabia.

E caminhando da casa da minha Tia até a minha casa, pensei que eu já estava merecendo saber da outra parte…

OS BONS MORREM JOVENS

por Marcos Vinicius Cabral

Considerada uma das mais produtivas e conceituadas bandas do cenário nacional dos anos 80 a Legião Urbana não gostava de palcos.

Era raro ver Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá em programas de TV, cantando seus sucessos.

Mas naquele 10 de maio de 1994, o Programa Livre recebeu o trio brasiliense – embora Renato Russo seja da Ilha do Governador, Zona Norte do Rio de Janeiro – para divulgação do novo disco O Descobrimento do Brasil.

“Na verdade essa música foi feita para todas as pessoas que vão embora cedo demais e nós vamos nesse momento dar um toque especial, pois a gente acha – que não é porque a pessoa morreu que acabou, né? – o Ayrton Senna, um cara super legal e todas as coisas da vida… e essa se chama Love In The Afternoon e é do novo disco”, disse o poeta da Geração Coca-Cola.

E por acreditar nos versos da bela canção que vamos relembrar um dos mais talentosos jogadores que o Brasil produziu no começo dos anos 90, que por ironia do destino não teve tempo de se consagrar como um grande craque no futebol nacional e mundial.

Porém, não deixou de aprontar algumas travessuras enquanto esteve por aqui neste plano terrestre.


Irreverência e molecagem eram as marcas registradas daquele corpo franzino em que a camisa sobrava para fora do short, de pernas finas sobressalentes e bigodinho ralo.

Seu nome?

Dener Augusto de Souza.

Nascido em 2 de abril de 1971, em São Paulo e criado no bairro Vila Ede, Zona Norte da capital paulista, Dener por pouco não abandonou o futebol para ajudar a mãe com as despesas de casa.

Com a infância interrompida pela perda precoce do chefe da família, não teve a figura paterna desde os seus 8 anos de idade.

Tal ausência era substituída pela bola quando jogava futebol de salão na Vila Mariana, pelo Colégio Bilac, onde sagrou-se campeão em torneios Intercolegiais, como a Copa Dan’up – Jovem Pan.

Havia nos pés daquele menino negro, desengonçado e magrelo uma paixão infinita pela bola.


Com 17 anos, após uma passagem frustante de dois meses pelo clube de coração, o São Paulo, voltou a treinar nas categorias de base da Portuguesa de Desportos e foi rapidamente promovido pelo treinador José Wilson à equipe profissional.

De 1988 a 1991, treinou entre os profissionais e jogou pelos juniores do clube do Canindé, onde sagrou-se campeão da Copa São Paulo de Futebol Júnior em 1991. 

E com justiça, terminou sendo eleito o melhor jogador do campeonato.

O título fez dele uma estrela do time comandado por Écio Pasca, já que era um meia-atacante habilidoso, dono de arrancadas rápidas e objetivas que dava gosto de se ver.

Enquanto a Portuguesa comemorava seu primeiro título, o Reizinho do Canindé despertava o interesse de outros gigantes do futebol brasileiro pelo futebol agudo e irresistível.

“O Dener era são-paulino de infância, mas estava entusiasmado com a possibilidade de defender o Corinthians. Ele dizia que não via hora de entrar no Parque São Jorge com o ‘Passário Branco’. Era assim que ele chamava o carro dele”, contou a viúva do craque, Luciana, mãe de dois filhos de Dener.

Com apenas 20 anos o jogador teve sua primeira chance com a camisa da Seleção Brasileira e estreou contra a Argentina em Buenos Aires. 


Jogou poucos minutos, é verdade, mas iniciou a jogada que culminou no terceiro gol brasileiro.
  
Em 1993, acabou sendo emprestado para o Grêmio e fez a exigente torcida gaúcha se apaixonar por ele, por seus dribles e pelo título conquistado. 

No fim do empréstimo, o jogador retornou à Portuguesa para disputar o Campeonato Brasileiro mas foi no Campeonato Paulista que marcaria um dos gols mais bonitos de sua curta carreira.

“Na hora em que ele chega no último adversário, eu vejo que ele faz a falta no Silva, ali na meia-lua da área. Eu trago o apito na boca, mas falo: “É um pecado parar esse lance, se ele faz um gol maravilhoso desse, ninguém vai lembrar da falta. Se eu marcar e ele fizer, todo mundo vai reclamar de tantos lances, tantas faltas que os juízes erram…” Então falei: que se dane o Santos, que se dane o Silva, eles vão me perdoar, porque quero que fique perpetuado esse lance. Deixei passar e foi um gol que entrou para a história”, disse à época o ex-árbitro Oscar Roberto de Godói, na vitória da Portuguesa por 4 a 2 sobre o Santos.

Com uma joia rara mais preciosa que ouro de ofir nas mãos, os cartolas da Lusa criaram obstáculos para negociá-lo em definitivo e mesmo cobiçado por grandes equipes paulistas, sua negociação foi vetada de imediato.

Coisas que a estupidez humana produz nos cartolas em nome da rivalidade.

Então, não restou solução se não fosse emprestá-lo novamente.

Foi aí que o mais famoso e abusado camisa 10 do Canindé trocou a cruz da Lusa pela Cruz de Malta e chegou à Cidade Maravilhosa, em 1994.


Logo em um amistoso contra o deus argentino Maradona, no seu retorno aos gramados na Argentina, pelo Newell´s Old Boys, Dener acabou aprontando uma das suas ao passar por cinco jogadores só parando nas mãos do goleiro Norberto Scoponi.
   
Na sequência, Don Diego olhou surpreso aquilo e após o jogo foi cumprimentá-lo.

Pelo time de São Januário, Dener não fez muitas partidas, mas mesmo assim entrou na galeria dos grandes jogadores da história do Gigante da Colina, quando seu carro, o Mitsubshi Eclipse, placa DNR-0010 – São Paulo, chocou-se com uma árvore na Lagoa Rodrigo de Freitas, bairro da Zona Sul do Rio, no dia 19 de abril de 1994 por volta das 5h45 da madrugada.

“Ficamos felizes pelo título, mas a morte do Dener foi algo trágico. Ele era um excelente jogador. Ele era considerado problemático, mas nunca tive qualquer tipo de dor de cabeça com ele”, conta o técnico Jair Pereira, o último comandante de Dener ao Museu da Pelada.

O Vasco conquistou o título e dedicou em memória de seu camisa 10.

Portanto, mês passado completou 24 anos de sua morte.

E nessa manha, ouvi “É tão estranho, os bons morrem jovens, assim parecer ser quando me lembro de você que acabou indo embora cedo demais”… na voz potente de Renato Russo, e indubitavelmente, foi  uma maneira de lembrar daquele que foi sem sombra de dúvidas, o maior driblador que o futebol brasileiro já teve.

MÚSICA E FUTEBOL

por Mateus Ribeiro


Um dia desses, estava conversando com meu parceiro Sergio Pugliese sobre duas das melhores coisas da vida: futebol e música. Só faltou um copo de cerveja para completar a trinca das três maiores invenções do homem (ou dos deuses, vai saber).

No meio da conversa, o grande Sergio enviou uma foto fantástica, onde estavam duas lendas, uma do mundo da bola e outra do universo da música: Paulo César Caju e Peter Frampton, lado a lado. Demorei um tempo para me recuperar, depois de sofrer um choque ao ver um registro desse encontro gigantesco.

Logo após me recuperar, comecei a refletir sobre a forte ligação que o futebol sempre teve com a música. Dessa forma, nasceu a ideia de fazer uma lista de artistas (e bandas) que escreveram músicas sobre o nosso amado esporte bretão. Tem desde MPB até Heavy metal, passando por vários outros estilos. Divirta se!

1 – “Fio Maravilha” (ou “Filho Maravilha”) – Jorge Ben Jor: Gravada em 1972 pelo grande Jorge Ben Jor, em homenagem ao atacante folclórico do Flamengo, muito querido pela torcida.

O jogador ganhou a música de maneira inusitada. Conhecido por não ser exatamente um primor de técnica, era xodó da torcida do Flamengo. Em um amistoso contra o Benfica, no Maracanã, os torcedores começaram a pedir pela entrada de Fio. Zagallo, então treinador do Flamengo, colocou o centroavante, que fez um golaço aos 33 minutos do segundo tempo.

Ganhou a música em sua homenagem, mas tempos depois entrou em uma batalha judicial contra Jorge Ben Jor, pedindo direitos autorais. Perdeu a ação, se arrependeu e pediu desculpas pelo mal entendido.

Apesar de todo esse imbróglio, sorte a nossa desse gol ter sido a origem dessa grande música.

2 – “Forza SGE” – Tankard: O grupo alemão de Thrash Metal Tankard é apaixonado por cerveja e pelo Eintracht Frankfurt, tradicional clube alemão, que já chegou a ser vice campeão da atual Liga dos Campeões da Europa em 1960, e tem uma Copa da Uefa em seu currículo.

A música é uma declaração de amor ao time, e o clipe mostra bem isso, de forma desconstraída e apaixonada. Se você não conhece o trabalho da banda, essa é uma boa oportunidade!

3 – “O Futebol” – Chico Buarque: Uma música que, dentre outras coisas, narra uma jogada imaginária entre Pelé, Pagão, Didi e Garrincha não poderia ser menos que genial. Chico Buarque, apaixonado pelo futebol, não decepcionou, e gravou uma obra, tão bela quanto essa jogada entre esses quatro monstros.

4 – “É Uma Partida de Futebol” – Skank: Se você tem mais de vinte anos, e não passou os últimos anos do Século Passado na Lua, já ouviu essa música.

O clip da música traz cenas de um Cruzeiro x Atlético Mineiro, um dos maiores clássicos do futebol brasileiro. Já a letra fala sobre toda a emoção que uma partida de futebol proporciona. Destaque para o trecho “…que emocionante é uma partida de futebol…”. Bom, tá certo que naqueles dias, o futebol era muito mais interessante, né? Mas vale ouvir a música como forma de relembrar aqueles dias melhores.

5 – “The Beautiful Game” – New Model Army:  Em 2014, a banda Inglesa gravou uma música em parceria com a ONG Spirit Of Football, que visa aproximar as pessoas através do esporte mais popular do mundo.

Uma grande música, e um vídeo muito bacana, ambos com belas mensagens!

6 – “BiCampeão Mundial” – Tião Carreiro e Pardinho: A maior dupla de violeiros do Brasil não poderia ficar de fora.

A música, como o título diz, fala sobre a campanha do Brasil na Copa de 1962, quando a Canarinho conquistou pela segunda vez o título Mundial. É dar o play e viajar no tempo.

7 – “Vexamão” – Elis Regina & Pelé: A música não fala exatamente sobre futebol. Mas um encontro entre uma das maiores vozes femininas do nosso Brasil e o Rei do Futebol não poderia passar em branco.

Vale lembrar que a inesquecível Elis Regina ainda gravou “Aqui é o país do futebol”, no disco Transversal do Tempo (1978). A música, composta por Milton Nascimento e Fernando Brant, fala muito bem sobre a relação que o torcedor tem com o futebol, e como o futebol afeta (ou afetava) a vida do brasileiro. Vale ouvir ambas!

8 – “Ponta de Lança Africano” (Umbabarauma) – Soulfly: Max Cavalera é um grande fã de futebol, e invariavelmente é visto com camisas de algum clube. Uma das provas de seu amor pelo futebol é a regravação da música “Ponta de Lança Africano”, composta por Jorge Ben Jor (olha ele aí de novo).

A canção, que faz parte do disco de estreia do Soulfly, mistura a música pesada com muitas influências variadas, características sempre presentes no trabalho de Max.

9 – “Camisa Dez” – Luiz Américo: Escrita tempos depois do tri mundial, questionava quem seria o substituto de Pelé como o camisa dez da Seleção.

Mal sabia o sambista que décadas depois, a camisa dez estaria quase morta e enterrada…

10 – “Replay” – Grupo Esperança: A última da lista é especial demais, e me faz lembrar quem me inspirou a escrever o texto.

Ouvir futebol no rádio é uma das coisas mais emocionantes na vida de um ser humano. E quem nunca chorou ao ouvir o gol de seu time com o maravilhoso refrão “é gol, que felicidade…” ao fundo?

Agradeço ao Trio Esperança, formado pelos irmãos Mário, Regina e Evinha, que gravou essa maravilha. A música narra um gol fictício de PC Caju, o monstro que além de ter inspirado esse texto, é uma das pessoas que eu mais admiro na arte de escrever sobre futebol.

Muita coisa boa ficou de fora, mas por questão de espaço, resolvi listar só dez. E você, quais músicas sobre futebol te despertam mais emoções?

Até a próxima, pessoal. Um abraço!

 

 

 

 

SEM LERO LERO, BIRO-BIRO FOI ‘MELHOR’ QUE MARADONA

Se Biro-Biro foi ou não melhor que o “deus” argentino, pouco importa. O mais significativo de tudo é que hoje o grande ídolo da Fiel faz anos. Conheça um pouco mais sobre o incomparável craque que tantas alegrias proporcionou ao Corinthians

por André Felipe de Lima


(Foto: Reprodução)

Não há no Brasil inteiro quem não conheça a marca “Biro-Biro”. Apareceu um lourinho (ou parafinado, como o original) de cabelo encaracolado, e pronto, logo o chamam de Biro-Biro. Não há apelido mais apropriado. Esta marca, aliás, tem dono e se chama, na “razão social”, Antônio José da Silva Filho.

Se muitos não conseguem associar o nome e o apelido ao dito cujo, tenham certeza que isso não é problema para nenhum corinthiano que se preze. Biro-Biro é, para os fanáticos pelo Timão, mais que um ídolo, é – e os iconoclastas que me perdoem – a alma do Corinthians, que encarnou no Estádio do Morumbi, no nublado dia 12 de dezembro de 1982, quando estava em disputa o título de campeão paulista.

De um lado, o poderoso elenco do São Paulo, com Serginho, Renato, Oscar, Dario Pereyra e Valdir Peres, tentando o inédito de tri, do outro a Democracia Corinthiana, com seus inabaláveis mosqueteiros. Um deles, o mais ousado naquela tarde, o mais mítico… era o Biro-Biro.

Horas antes do inesquecível jogo, o quadro clínico do jogador não estava lá essas coisas. Uma forte gripe o incomodava. Após almoçar no hotel-concentração Planalto, subiu imediatamente para descansar. Quando embarcou no ônibus que levaria o time para o estádio, exibia olheiras e uma indisposição flagrante. Para piorar seu quadro, o tornozelo direito estava comprometido há semanas. O temeroso treinador do Corinthians, Mário Travaglini (1932–2014), confidenciara ao diretor Adílson Monteiro Alves que, sem Biro-Biro, o time também ficaria sem o contragolpe para abater o forte time Tricolor.

Mas o inigualável Biro-Biro ensinou no gramado como ser ídolo de uma torcida. Prendeu a bola, quando tinha de prendê-la, e marcou dois gols inesquecíveis. No final, o Timão derrotou o São Paulo pelo placara de 3 a 1 e o herói levantou o troféu, recusando qualquer proposta de troca de camisa com o adversário. “Essa eu prometi ao meu pai”. Afinal, o craque era fiel. Fiel como a apaixonada torcida corinthiana.

Regularidade. Essa a palavra-chave para toda a trajetória de Biro-Biro com a camisa do Corinthians. Quem bem o definiu foi outro ídolo inesquecível: Sócrates: “Ele não joga bem só nas finais. Joga bem sempre”. A mais pura e cristalina verdade.

Biro-Biro nasceu no dia 18 de maio de 1959 em Santo Amaro, Pernambuco. Filho de Cândido José da Silva e Ivanice Marques de Souza. O pai, portuário, separou-se da mãe quando Antônio e os três irmãos ainda eram pequenos. A vida foi muito difícil para o garoto. Mas a vida casca grossa ficaria para trás, e um dia o garoto de cabelo oxigenado encantaria a torcida do Corinthians e se tornaria um símbolo da raça alvinegra, jogando como meio-campo na virada da década de 1970 para 80. Enquanto o destino não cumpria seu vaticínio, a mãe de Antônio sustentava os filhos com os bolos que fazia, muitas vezes das mangas e cocos surrupiados pelo menino Antônio das árvores dos quintais alheios. Quem, afinal, não teve um dia de moleque na infância? E o coco era importante, pois o prato predileto do menino era camarão com coco, que dona Ivanice preparava como poucos.

A vida, contudo, permanecia difícil. Quando Dª. Ivanice conseguiu trabalho em São Paulo e deixou os filhos com a avó. Antônio, com 11 anos, morou com o pai em uma palafita. Tentou pescar caranguejo, mas um beliscão fez com que desistisse da vida de pescador antes mesmo de ser iniciada. E foi da paixão que o pai tinha por um doce feito de biri-biri (uma fruta da família da carambola e também é conhecida como limão-de-caiena), que nasceu o apelido que o projetaria para o Brasil: Biro-Biro. Antônio era a cara do pai. Nada mais natural do que herdar o apelido paterno.

O curioso é que Biro-Biro não era muito bom no que se propunha a fazer. Na escola, não era dos melhores; subir em árvore alta demais, nem pensar; chegou a se entusiasmar com o surfe – daí, a inconfundível cabeleira oxigenada; mas era, como rege a gíria surfista, maroleiro.

No futebol, era diferente. Chamava a atenção durante as peladas. Aos 14 anos, embora dizendo-se torcedor do Náutico, foi levado para o juvenil do Santa Cruz. O destino começava a esboçar seu traço. Biro-Biro passou em um teste no Sport e logo já estava no time juvenil do rubro-negro. Foi campeão juvenil em 1975 e repetiu o feito no ano seguinte. Já ostentava pinta de ídolo.

Em junho de 1977, quando dividia a sala de aula com o campo de futebol, Toinho Biro-Biro, que cursava o segundo ano do antigo científico do Colégio Pedro II, levou a torcida do Sport à loucura com um gol sensacional contra o Santa Cruz que garantiu o título do primeiro turno para o Leão de Recife. No colégio, foi recebido pelos colegas com o coro “Biro, Biro, Biro/Biro Tetéia”, paródia da garotada para uma famosa música do começo dos anos de 1970.


(Foto: Reprodução)

Passou a manhã de segunda-feira contando aos colegas sobre o grande feito e, em casa, em Olinda, onde morava com a família, não perdeu a chance de tripudiar do pai, torcedor fanático do Santa.

Num amistoso contra a Seleção Brasileira de novos, deu outro show. Não ficaria por muito tempo em Recife. Vicente Matheus, o folclórico presidente corinthiano, viu Biro-Biro contra a Seleção e não pensou duas vezes: “Quero Biro-Biro no Corinthians”.

Conseguiu. Pagou 2,5 mil cruzeiros em agosto de 1978 ao Sport, que queria 4,5 milhões, mas o garoto de 19 anos não era bobo. Entrou na Justiça e obteve os 15% do valor do seu passe que estava com o rubro-negro de Recife.

Matheus estava obcecado pelo bicampeonato. Afinal, o Timão, campeão em 1977, após impiedoso jejum de 23 anos, precisava recuperar definitivamente a hegemonia no futebol paulista. Tentara Falcão e Batista, ambos da máquina de jogar bola que era o Internacional. Nada conseguiu. Biro-Biro foi a melhor solução.

Os representantes do cartola do clube paulista foram à casa de Biro-Biro e o rapaz sequer teve a chance de dizer sim ou não. Só teve tempo de arrumar as malas e partir para São Paulo, sem discutir salário, valor do passe, luvas… não era uma proposta e sim uma determinação. Recebia do Sport 12 mil cruzeiros mensais. O Corinthians passou a pagar 20 mil.

“Eu não queria (deixar Recife), foram me buscar em casa quando meu pai estava viajando. Não entendia de negócios, nem entendo até hoje (em 1981, quando concedeu esta entrevista à “Folha de S.Paulo”). Nunca fiquei sabendo quanto realmente custou meu passe, e só fui receber os 15% a que tinha direito na Justiça. Deixei minha avó doente e vim, em agosto de 1978. Trazia roupa para uma semana, e só voltei para o Recife em dezembro. Dormi a primeira noite na concentração do Parque São Jorge, pedi para mudar e o Luciano (outro pernambucano, vendido pelo Sport ao Corinthians nessa mesma época, quando o clube de Recife entrou em liquidação por não disputar o campeonato regional) me levou para morar com ele num apartamento. Fiquei por lá”.

Em São Paulo, o garoto sentia-se mesmo muito só, mesmo dividindo o apartamento com Luciano e Jaime, que já conhecia de Recife. Tinha medo da cidade grande. A eloquência e o cimento paulistanos verdadeiramente assustam. Restava-lhe de consolo uma televisão.

“Corremos para comprar seu passe porque o São Paulo, com essa história de Marião e Chico Fraga, estava era querendo furar nosso negócio com o Sport. Mas nosso espião no Morumbi nos alertou a tempo”, contou José Teixeira, técnico do Corinthians na ocasião da chegada de Biro-Biro ao time.

“Quando deixei o Recife, eu nem mesmo sabia para que time estava me trazendo. Só sabia que vinha para São Paulo. E isso, falando em futebol, não me preocupou nada. O que a gente sabe, com um pouquinho de tempo para se adaptar, a gente mostra em qualquer lugar”.


(Foto: Reprodução)

Biro-Biro, que um dia lavou carros e vendeu mangas para ajudar a mãe em Recife, foi apresentado ao Timão exatamente no dia 10 de agosto de 1978. Chegou ao Parque São Jorge praticamente junto com Sócrates, que veio do Botafogo de Ribeirão Preto. “Falei que ia montar um time para brigar pelo título. Já trouxe o Sócrates e agora está chegando um garoto novo, que jogava em Recife. O nome dele é Lero-Lero”.

E a célebre frase de Vicente Matheus nunca mais foi esquecida pela crônica esportiva. O garoto era esforçado. Treinava bastante e logo garantiu vaga no time que conquistou o primeiro turno do Campeonato Paulista. Mas o Timão não garantiu o título estadual de 1978. A festa foi transferida para janeiro de 1980, quando Sócrates e Biro-Biro conduziram o Corinthians ao título do Campeonato Estadual do ano anterior, após tirar o Palmeiras do caminho, com um gol de canela assinalado por Biro-Biro.

Logo após o sucesso repentino antes mesmo do campeonato de 1979, o craque – vá lá… – lourinho acabaria se soltando um pouco mais na Paulicéia Desvairada. O reflexo do desprendimento fora dos gramados era visível.

“Eu comia sanduíches, dormia tarde, treinava mal, fui facilitando. As gripes – por causa do tempo frio de São Paulo – sempre me pegavam, como as contusões. E eu fui caindo. Quando cheguei ao fim do poço, reserva sem chance no time, um mês machucado sem treinar, percebi que estava sozinho. Fiquei meio desesperado, queria voltar, pedi ao Isidoro Matheus (na época, vice-presidente de esportes do Corinthians, tio da esposa Luciane) que me deixasse voltar para o Recife. Não comia, nem treinava, nem jogava, nem tinha amigos”.

Diante desse contexto, não demoraram a surgir críticas de que Biro-Biro gostava da noite. O craque reconhecera que havia extrapolado. “A cidade me engoliu. Eu já conhecia tudo, conhecia bem, mas estava sem rumo, todos diziam que eu vivia em boates. Sei que isso é a morte do atleta. Quando pega essa fama, o sujeito está desgraçado. Nesse momento da minha vida, apareceram uns amigos pra aconselhar. O Luciano (ainda aquele Luciano, passando então por Juventus e Portuguesa de Desportos) deu força pra que eu não desesperasse. Tinha só o futebol pra me segurar aqui, sem ele era um nordestino igual aos outros todos, sem profissão nem jeito de me manter. Veio também ‘seu’ Jorge Vieira (treinador, em novembro de 1979), e eu passei a encarar as coisas com mais confiança”.


(Foto: Reprodução)

O segundo campeonato de Biro-Biro – jogando como ponta-esquerda – pelo Timão foi o já mencionado em 1982, ano, aliás, em que Sócrates institucionalizou no clube a Democracia Corinthiana, da qual Biro-Biro discordava. Achava que a diretoria concedia privilégios aos membros mais atuantes do movimento. Foi, talvez, uma das poucas vozes dissonantes do grupo de jogadores. Dizia que alguns tinham mais liberdade que outros e que não recebera o reconhecimento da diretoria.

Anos mais tarde, acirrou ainda mais as críticas: “Se a proposta deles fosse real, seria ótimo; mas a Democracia Corinthiana nunca existiu. Na verdade, existia só que para apenas dois ou três jogadores que muitas vezes não representavam a vontade do elenco”.

Política à parte, o bicampeonato aconteceu no ano seguinte. Biro-Biro, agora na ponta-direita. O craque disputou onze campeonatos paulistas e chegou a sete finais. Ganhou quatro. A última delas em 1988. Era o capitão do Timão. Foram 589 jogos pelo Corinthians, com 265 vitórias e 199 empates. É o quinto jogador que mais vestiu a camisa corinthiana em toda a história do clube. Marcou 75 gols. Tinha, portanto, crédito com a torcida.

E isso foi posto a prova em 1987, após uma derrota para o Atlético Mineiro de Telê Santana, quando a torcida ameaçou agredir os jogadores. O único “absolvido” e aplaudido de pé pelos torcedores foi Biro-Biro, o único a sair pelo portão principal do estádio.

Além dos títulos paulistas, conquistou a Taça Governador do Estado (1978), o Torneio de Hidalgo (1981), a Taça de Porto Alegre (1982), a III Taça das Nações de Los Angeles (1985) e o Torneio de Verão (1986–1987).

No Corinthians, das glórias guardou uma em especial: a esposa Luciane, sobrinha de Vicente Matheus. O curioso é que ela, somente depois de algum tempo de namoro, confessou ser sobrinha de Matheus. Biro, por sua vez, dizia se chamar Tony. Casaram-se em outubro de 1980 e têm três filhos.

No começo, a timidez de um monossilábico Biro-Biro impressionava Luciane: “Viu como ele melhorou, já está falando mais..”, disse ela ao jornal “Folha de S.Paulo”, logo após o Corinthians conquistar o Campeonato Paulista, em 1982. “Quando conheci, nem falava, era um sacrifício. Depois que passou a ler um pouquinho, ir mais ao cinema… Ele precisava disso, tem que dar entrevista toda hora. Imagine se continua como naquela época em que passou a me namorar em casa. Era minha mãe que precisava manter a conversa, ele respondia ‘é’, ‘não’, ‘obrigado’”, completou Luciane, que foi fundamental para que o ainda jovem Biro-Biro acertasse o prumo sem temor na gigantesca São Paulo.

Ele mesmo, em entrevista à “Folha de S.Paulo”, publicada em fevereiro de 1981, reconheceu isso: “Então, casei. Conhecia a Luciane de encontrar perto da escola, ela é também sócia do Corinthians, e nós achamos que era hora. Ela? Agora tem 18 anos. E me incentiva para estudar, sempre coloca um livro na bolsa, quando vou para a concentração. Prefiro assistir televisão (gosto mais dos desenhos do Pica-Pau, não sou muito chegado a novela), mas acabo lendo os livros. O último acho que foi de Francisco de Assis ou qualquer coisa assim. Sobre o quê? Olha, não lembro bem, mas era sobre uma história do que acontece na vida real das pessoas. Muito interessante”.

Biro-Biro era simplesmente inconfundível e não menos impagável. Nos dois primeiros anos em São Paulo, Biro-Biro era como um peixe fora d’água. Totalmente macambúzio, angustiado. Sentia falta da famosa sopa que a avó Maria Conceição fazia; e do café com leite, com pão com manteiga picado, tudo mexido na caneca pelas zelosas mãos da vovó.

Em São Paulo, perdera o mimo da avó Maria. Era um cara “largadão”, como se autodefiniu. Raramente sorria ou se enturmava.

Foi Vicente Matheus quem mais se preocupou com a melancolia de Biro-Biro e passou a incentivar o namoro dele com a sobrinha Luciane. “Esse rapaz precisa casar”. E assim foi feito. Com a aliança no dedo, o jogador passou a jogar ainda mais.

Mas o enlace de Biro-Biro com a sobrinha de Matheus era visto pelos outros jogadores como o motivo para o craque ter privilégios no clube. Era um Corinthians rachado pelo ciúme. O craque não estava nem aí para o disse-me-disse. Levava uma vida simples, sem ostentação, morando no populoso bairro Tatuapé e andando para lá e para cá em sua Brasília 79, contrastando com os carrões de outros craques de sua época. Seu estilo de vida construiu sua fama. Não havia corinthiano que com ele se identificasse. Tanto que lançou uma bola de futebol com o seu nome, que fez algum sucesso entre a garotada em 1987. No mesmo ano, o jogador pleiteou 15% do valor de seu passe, caso fosse vendido. Bateu boca com os cartolas. Disse que sairia, mas permaneceu no clube. Sabia, entretanto, que a carreira estava no fim.

Em novembro de 1978, sem ser candidato, Biro-Biro recebeu mais de 30 mil votos de protesto, como acontecera com o famoso voto no Cacareco – o rinoceronte do Jardim Zoológico paulistano que, nas eleições de outubro de 1959, para vereador da cidade, ganhou cerca de 100 mil votos –, e decidiu levar a política a sério.

Em 1988, foi eleito vereador pelo Partido Democrático Social (PDS), partido formado por políticos da antiga Arena, especialmente Paulo Maluf, com quase 40 mil votos. 
Se já havia ciúme de grande parte dos jogadores, o sentimento de indignação se acirrou, como escreveu Ariovaldo Izac, quando o então técnico Carlos Fascina (técnico do Corinthians entre o final de 1988 e o começo de 1989) começou a questionar se Biro-Biro teria realmente como conciliar a função de vereador com a de atleta.

A situação no Parque São Jorge ficou insustentável. Trocou, em 1989, a sede alvinegra pela da Lusa, no Canindé. Mas não brilhou. Apesar do retrospecto extremamente positivo no Parque São Jorge, não teve sorte na Seleção Brasileira.

Em 1996, pela manhã, Biro-Biro dava expediente na metalúrgica do sogro, à tarde era professor de futebol no Centro Educativo, Recreativo e Esportivo do Trabalhador (CERET), do Governo de São Paulo, tudo no Tatuapé, onde também mantinha uma agência de automóveis. Dois anos depois, a paixão pelo futebol prevaleceu.

O tímido – e de poucas palavras – Biro-Biro começou a carreira de treinador-jogador no Mauense. Passou também por Coritiba, Guarani, Botafogo de Ribeirão Preto, São Bernardo, Remo, Paulista, Nacional de São Paulo e, com 43 anos de idade, no Vera Cruz, de Santa Catarina. Parou de jogar em 2002.

Somente como treinador, trabalhou no Barra das Garças (Mato Grosso), no catarinense Tupi, no São Carlense, na Francana e no paulista Ranchariense. No Botafogo, aonde chegou a janeiro de 1994, após aceitar um convite informal de Sócrates, prometeu fundar a “Democracia Botafoguense”, em alusão ao movimento liderado pelo mesmo Sócrates no Corinthians, no começo da década de 1980.

Nunca deixou de lado o futebol. Mata saudades dos gramados em jogos pelo time de masters do Corinthians. Continua porém dividindo o campo com a política. Foi assessor parlamentar na Assembleia Legislativa de São Paulo e tentou, em 2004, sem sucesso, uma vaga na Câmara dos Vereadores da capital paulista.

Estava longe do noticiário esportivo até estrelar uma campanha publicitária da Coca-Cola, na qual a pergunta mobilizou muitos brasileiros: “Afinal, quem foi melhor, Maradona ou Biro-Biro?”. A brincadeira com os hermanos não poderia ter outro resultado: deu Biro-Biro na cabeça.