Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Geral

TEMPO PERDIDO

por Eliezer Cunha


“Sonhei que estava sonhando um sonho sonhado”. Uma frase a princípio desconexa e que me veio hoje à cabeça, mas de alguma forma me transcende aos tempos áureos do nosso futebol pelos quatro cantos do país. 

Era o ano de 1980 quando em um belo samba de Martinho da Vila esta frase foi desferida. Tempos em que sonhávamos e o sonho se tornava realidade. 1980, ano em que o Flamengo se tornou campeão brasileiro em um belo jogo marcado por cinco gols não oriundos do acaso. Estádio lotado, torcidas amistosas se contorcendo para conseguir uma pequena brecha entre centenas de cabeças presentes, onde nem a alma do saudoso Mário Filho conseguia habitar, e assim, enfim, presenciar “O grande momento do futebol”. Eram verdadeiros clássicos degustados pelos torcedores de cada time. Craques de primeira linha desfilavam pelos gramados, largando a poesia que tinham em seus pés comandados pelo cérebro. 

Batalhões…Somente de torcedores, amparo policial, somente para organizar filas. O trem superlotado de torcedores que ligava às estações de Santa Cruz à Central do Brasil era a demonstração clara e absoluta da democracia de convivência social. Os objetivos eram claros e únicos, ver seu time jogar e vencer. 


Hoje o sonho sonhado virou pesadelo também pelos quatro cantos do país e, com isso conduziu minha paixão pelo futebol e esta se foi desmoronando frente às ocorrências, a ponto de me impulsionar a comentar sobre o que ocorreu no último no jogo entre Vasco X Fluminense. 

O espelho desta situação foi clara, técnica ausente, violência dentro e fora do campo, arquibancadas vazias e um somente gol concebido simplesmente pelo acaso. Todos se esqueceram dos valores principais do esporte “Emoção e arte”. Deveríamos aprender com o passado, corrigir o presente e planejar o futuro. Gostaria de voltar a sonhar novamente.

UM DIA NO FUTEBOL PAULISTA PROFISSIONAL DA SEGUNDA DIVISÃO

por Luca Nieri


Semana que vem tem jogo da Briosa, vamos? Quando é, no final de semana? Sim, é domingo. contra quem é, você sabe? Sim, contra o Água Santa. Nossa, o time que botou 4 no Palmeiras. Vamos muito. Mas que horas é o jogo? 10h da manhã. Cedo, ein? Nossa senhora. É, realmente. Mas vai ser daora, pô. Vamo lá. Tá bom, vamos então.

E assim começa um aventura na segunda divisão do Campeonato Paulista. Excelente segunda divisão, aliás. Não necessariamente pela técnica, mas por tudo que envolve estar em um estádio às 10 horas da manhã de um domingo, debaixo de um sol de 40º para assistir a um time que, claramente, não dará o ar de sua graça.

A aventura se sucede à escolha do lugar. Vamos ao pacote completo, com arquibancada, sol na nuca e muito suor? Ou podemos dar o luxo de assistir na arquibancada coberta? Ah, vamos na coberta, melhor, né?


E fomos na coberta. Só não avisaram que não era coberta apenas do sol, mas sim daqueles personagens portugueses de dicionário. Bigodes, amendoins e palavrões eram maioria por lá. Desde torcedores fanáticos, passando por famílias mais tranquilas, até crianças brincando de pega-pega se viam presentes. Tudo faz parte do show. Uniformes de todos os tipos, tamanhos e épocas. Amarelados pelo tempo e pelo estresse do cotidiano de se torcer. Gastos pelas horas em arquibancadas e pelo excesso de lavagens, com lágrimas de choro e lágrimas de chuva. Cabelos brancos, cabelos pretos, longos, curtos, cacheados ou cortados na régua. Tem de tudo. Tem para todos. Camisas do Palmeiras, camisas do Santos, camisas do São Paulo e camisas da seleção. A série A2 do Paulista não veio para brincar: ela realmente é para quem quiser.

Por enquanto está tudo lindo, está tudo poético. Mas e quando o juizão autoriza o início da partida? Acho que era melhor ter continuado no plano do encanto. Culpado de tudo mesmo é o senhor árbitro, que deixou um jogo como aquele acontecer. O que falta na habilidade, sobra no absurdo. Jogo lento, linhas postadas parecendo colunas, e jogadores, digamos, medianos. Era realmente uma batalha de gladiadores. Havia muita garra! Isso não se pode negar. Mas futebol, às vezes, também é sobre técnica, não? Infelizmente sim. Fortunados seríamos se apenas precisasse de força de vontade para jogar bola. Seríamos, ainda com mais certeza, o país do futebol. Mas futebol é feito de gols. E gols são feitos de chutes, tabelas, cruzamentos e cabeçadas. E, pode-se dizer que a série A2 do Paulista deixa a desejar em alguns desses quesitos. Mas só alguns, eu prometo. As cabeçadas, caneladas e cruzamentos há de montão. Fiquem tranquilos!


Por isso, não ousem falar mal da minha segundona. Da nossa segundona! Time grande cai sim, lógico que cai. O que a Briosa está fazendo lá? E Juventus da Mooca, Nacional e Jabaquara? Não são times gigantes? É claro que são. Basta fazer um tour pelos estádios do interior. Vá a um jogo no Javari para entender o que é amor. Venha ao Ulrico Mursa, assistir à nossa gloriosa Briosa, para entender o que é paixão.

Assim, tentando eu entender o que é paixão, dentre todas as coisas que me passaram pela cabeça enquanto assistia ao jogo, um pensamento era o mais presente: por quê? Por que havia cerca de 3 mil pessoas lá? Por que alguém torce, grita e xinga pela Portuguesa Santista? Por que alguém apoia a Portuguesa Santista? Vale a pena?

Mas peraí. Desde quando o futebol precisou de um porquê para existir? Desde quando torcer para um time de futebol fez algum mísero sentido? Desde quando foi sobre “valer a pena”? Ora, tudo vale a pena se a alma não é pequena, já dizia o poeta. E a alma do esporte é gigante. A alma do torcedor é inabalável. A alma do estádio é inquebrável. E assim, o futebol respira. E sobrevive. Em domingos matinais ensolarados ou em fins da tarde nas novas arenas. Com 3 ou com 30 mil pessoas no palco do espetáculo. Fazendo o show. Assistindo ao show. Participando e torcendo. Sendo parte fundamental do todo. Sem precisar de um porquê.

Pois, no final, no meio das gritarias, dos xingamentos e dos “puta, mas esse cara não dá! ele não é jogador nem aqui nem na China”, há uma beleza quase que divina nisso tudo. Um sentimento inexplicável que move todo esse contexto. O futebol é maravilhoso por causa disso. Ele não precisa de glórias e conquistas para existir. A conquista somos nós. Os títulos são consequência dos nossos gritos. Da nossa paixão. Da nossa fidelidade. Afinal, a busca por um porquê nasce daqui, da literatura e da caretice. O torcedor não precisa de um porquê. Um torcedor não precisa de um gol. Um torcedor precisa do futebol. E o futebol precisa do torcedor.

viva o futebol de arquibancada de concreto&
viva o futebol de domingo de manhã&
viva o futebol do interior&
viva o eterno ódio ao futebol moderno.

TUA CAMISA, TEU TRAPO, TEU ESCUDO

por Claudio Lovato  


Sem bandeiras, sem trapos, sem música.

 

Foi uma decisão do Ministério Público para punir a Organizada. Todos sabiam que aquilo era resultado de uma velha rixa com a Polícia Militar. No último episódio, um integrante foi agredido sem que ninguém entendesse o motivo. Então vieram dois, três, 10, 30 companheiros em seu socorro. E, agora, é isto: sem bandeiras nem trapos nem banda na final do estadual contra o arquirrivalhistórico. 

 

Eles foram chegando em silêncio e ocuparam seu espaço atrás de um dos gols. 

 

O primeiro gol demorou a sair, mas, depois dele, logo vieram outros dois. E assim terminou o primeiro tempo: três a zero e um banho de bola. 

 

No segundo tempo, o baile continuou, e o time logo chegou aos quatro a zero.Então, aos 20 minutos de jogo do segundo tempo, uma movimentação diferente teve início no espaço destinado à Organizada.

 

Eles tiraram a camisa do time, abriram-nas ao lado (o lado em que, na noite anterior, haviam cortado com tesoura e costurado de novo, costura bem leve e propositalmente precária) e então tiraram os cintos e os passaram pela fenda que também haviam feito com tesoura, na altura da etiqueta, e depoiscomeçaram a girar suas improvisadas bandeiras sobre a cabeça, todos eles, girando suas camisas cortadas e descosturadas como se fossem bandeiras e quando o time fez o quinto gol eles começaram a entoar seus cantos com o máximo de potência que seus pulmões e gargantas e paixão permitiam e de repente surgiram trapos, um, dois, três, dez, camisas amarradas umas nas outras descendo do último ao primeiro degrau lá embaixo e então todos no estádio se levantaram e os aplaudiram e cantaram os cantos há muito tempo conhecidos de todos, e eles seguiram em festa de cantos, camisas, bandeiras, trapos, celebrando as cores e o escudo do clube que amam – celebrando o símbolo que é maior do tudo e que não pode ser, e jamais será, silenciado, adestrado, neutralizado.

INTER DE LIMEIRA 1986

por Marcelo Mendez


Não dá para falar de 1986 sem pensar no que aconteceu naquele setembro, naquele dia 03, na noite em que tudo aconteceu.

De repente, o Brasil descobriu que no interior de São Paulo existia a cidade de Limeira, que por lá se jogava futebol, que um time havia sido formado e que aqueles caras estavam voando no Campeonato Paulista.

Quando Dulcidio Wanderlei Boschi lia apitou o final daquele jogo, a dor que doeu no Palmeiras durou muito tempo, mas não estamos aqui para tratar da dor alheia. Viemos para falar de um Esquadrão que veio do interior…

Senhoras e senhores, o ESQUADRÕES DO FUTEBOL BRASILEIRO traz hoje a Internacional de Limeira de 1986. 

SEU MACIA EM LIMEIRA

A história de tudo que rolou começou com a montagem do time.


Contando com a grande ajuda do Prefeito Jurandyr Paixão de Campos Freire, a Inter de Limeira teve tempo de pensar uma equipe forte para poder disputar o parrudo Campeonato Paulista. De primeira, vem a contratação de Pepe, o Seu Macia, o lendário Pepe, multi campeão pelo Santos, um dos maiores jogadores da história do futebol mundial que agora se firmava como treinador.

A partir de sua chegada a Inter aproveita os bons jogadores do interior, casos de Juarez, João Luiz, aliado aos jovens Tato, Lê, Pecos, e mais um arsenal de jogadores experientes, com passagens por vários clubes. Casos de João Batista (ex-meia da Portuguesa), Bolivar (Zagueiro, ex-Grêmio, Portuguesa, etc..) Manguinha (Ex-Guarani, onde foi campeão brasileiro em 1978), Gilberto Costa (Ex-Santos), Kita (Ex-Juventude e Internacional) e Silas (Goleiro, ex-Santos).


Com todo esse time azeitando a máquina, a Inter fez um segundo turno primoroso, terminando em primeiro lugar com duas rodadas de antecedência. Na semifinal, duas vitórias em cima do Santos, 2×0 na Vila Belmiro e 2×1 em Limeira. Faltava apenas a hora da glória e ela veio… 

DIA DA GLÓRIA

Na verdade, a Inter já tinha feito uma grande partida no 0x0 da primeira decisão. Na noite de quarta-feira, com 105 mil Palmeirenses no Morumbi, aquele time que tinha voado no segundo turno tinha a certeza absoluta que faltava pouco, bem pouco. Uma obrigação quase protocolar.


O time de Pepe se segurou bem na pressão do começo do jogo sem quase sofrer sustos. Passou todo nervosismo para o Palmeiras que não vencia títulos há 10 anos e foi tocando o jogo. Na segunda etapa, quando Kita abriu o placar, ninguém mais se surpreendeu. O mesmo com Tato ampliando. O Palmeiras diminuiu, mas já era.

O ano de 1986 sacramentou a conquista de um time que se firmou por excelência e por querer jogar um belo futebol.

Esquadrões do Futebol Brasileiro homenageia este timaço. Inter de Limeira, campeã paulista de 1986.

MANIPULAÇÃO DE UM SONHO

por Marcos Vinicius Cabral


Após colocar as luvas, uma breve folheada em algumas fotos antigas o faz voltar ao passado.

Nelas, histórias e mais histórias que o fazem lembrar das vitórias, dos amigos, da bola que jogava e porque não dizer, das injustiças que o futebol lhe proporcionou.

Lembrar disso se tornou uma rotina em sua vida, já que por pouco, muito pouco mesmo, Ricardo Concísio Sampaio, não seguiu adiante com o desejo de se tornar jogador profissional.

Com o capacete já colocado, o niteroiense acelera sua Honda Fan 160, desce a rua Plinio Gaia no Boa Vista em São Gonçalo e vai ao bairro Zé Garoto, onde trabalha há dez anos numa farmácia de manipulação como motofretista.


– Desde muito novo que sou apaixonado por futebol -, se declara o camisa 8 do Grêmio Recreativo e Esportivo Barabá, desde 2017.

E sempre foi mesmo.

Nascido em 1981 no Hospital São Paulo em Icaraí, Niterói, o habilidoso lateral-esquerdo chamava atenção no Campeonato Comunitário do Vila Lage, com apenas oito anos de idade.

Jogando pela equipe do Azulão Futebol Clube, exibiu um futebol vistoso no Campo do Cortume, do Gerdau, Do Zero, no extinto Jacarezão e no campo que leva o nome do time que jogou por quatro anos e onde acumulou respeito, apesar dos títulos não conquistados.

Com uma canhota produtiva, recebeu do professor José Augusto o convite para ingressar no time de futsal do Vila Lage.

– O salão me ajudou a aliar técnica com rapidez no raciocínio -, diz.

Mas era necessário alçar voos maiores e deixar de desfilar o talento apenas em solo gonçalense.


– Com onze anos treinei no Fluminense Futebol Clube e os treinos eram no Campo da Marinha na Avenida Brasil. Fui reprovado pelo técnico JJ – lamenta.

Não se deu por vencido.

– Voltei no mesmo ano e fui aprovado – recorda aos risos.

Porém, vestir a camisa 6 do tricolor na categoria infantil e treinar todos os dias em Xerém, se tornou um sonho impossível.

Desistiu.

Mas a bola não desistiria dele.

Dois anos depois, em 1994, incentivado pelos colegas Sérgio Lopes e Rômulo, que estudavam na sexta série na Escola Municipal Altivo César, chegou ao Canto do Rio Foot-Ball Club.

Lá, pelas mãos do treinador Jorge Tibau disputou o Campeonato Estadual Infantil como zagueiro, onde enfrentou o filho mais velho de Zico, Thiago Coimbra, que defendia o Barra da Tijuca Futebol Clube.

No tempo em que comandou a zaga do Cantusca, se dividiu como pôde entre os estudos e a bola.

Não deu.

Acabou indo parar no América/RJ em 1997 e não conseguindo conciliar mais uma vez os treinos com as salas de aula, sepultou de vez a possibilidade de ser jogador de futebol, aos dezesseis anos.


Em compensação, fez história em São Gonçalo com o bicampeonato de 2001 e 2002, defendendo as cores do Ferrazão Futebol Clube.

– Ricardo era um jogador simples, de toques fáceis, dribles curtos e com uma virada de jogo como se fosse jogada de vídeo game -, elogia o ex-lateral do Ferrazão, Fabiano dos Santos Souza, de 42 anos.

Ainda teve fôlego para jogar nas equipes niteroienses do Barril Futebol Clube e do Rua 5 no ano seguinte e em seguida, em 2005, vestiria a camisa do Real Madrid do Boaçu.

– Tive o prazer de jogar com Ricardo. Jogador com uma habilidade incrível e uma personalidade muito forte dentro de campo – diz Flávio Henrique, meio campista do Rua 5, da Ilha da Conceição em Niterói.

Assim foi Ricardo, que teve sua história abreviada num esporte que nem sempre basta ser craque.


Atualmente, desfila elegantemente nas manhãs de domingo no Campo da Brahma, no Porto Velho em São Gonçalo.

E com quase 38 anos e envergando a 8 às costas, continua sendo o canhoto que produz um futebol aprazível aos olhos de quem Deus concedeu o privilégio de enxergar.