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QUANDO A PREGUIÇA E A ACOMODAÇÃO FALAM MAIS ALTO

por Luis Filipe Chateaubriand


Ao longo dos anos 1990 e primeira metade dos anos 2000, Vanderlei Luxemburgo era o melhor técnico de futebol no Brasil, disparado!

Inteligente, estudioso, ousado, taticamente atualizado e ótimo gestor de grupo, era campeão por onde passava, fazendo que os times que dirigia produzissem muito além do que se poderia imaginar.

Contudo, em 2005 se transferiu ao Real Madrid. 

A estadia em terras espanholas não foi feliz, nosso prodígio levou “baile tático” lá fora, provando que era excelente ao nível Brasil, mas aquém do ideal em nível global.

Ora de voltar e se reciclar, certo? Errado.

Voltar, voltou. Se reciclar… ficou devendo.

Desde que voltou da experiência europeia, Luxemburgo preferiu se acomodar, ao invés de evoluir. 

Preguiçosamente, começou a dirigir seus times de forma burocrática e pouco inventiva.

Que desperdício de talento!

Agora mesmo, no Vasco da Gama, vem fazendo um trabalho medíocre: se sabe motivar o grupo, sabendo tirar de jogadores limitados o seu melhor, não se vê nenhuma inovação tática, nenhuma ousadia maior, nenhum lampejo de jogo pensado, como outrora acontecia em seus trabalhos.

De alguém que se destacava por brilhantes trabalhos táticos, ver-se como simples motivador de grupo, é pouco demais. 

O Luxemburgo desta década é parda eminência do Luxemburgo de 15 anos atrás.

Pior de tudo, tornou-se corporativista: para defender o conjunto dos técnicos brasileiros, a imensa maioria deles sofríveis, começou a atacar Jorge Sampaoli. A dizer besteiras como o que Sampaoli faz no Santos não é nada demais, que o time santista é ofensivo porque está no DNA do clube e, sacrossanta de todas as cretinices que se fala em nosso futebol, nada de essencial mudou no esporte nos últimos tempos.

Pombas, pofexô, respeite sua própria inteligência: o futebol mudou, sim, e Vossa Excelência sabe muito bem disso! 

Só não quer admitir porque não se atualizou e, assim, não acompanhou as mudanças.

Nada define melhor a situação do que as tradicionais adjetivações de Mauro Cezar Pereira: pífio, patético e ridículo!

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.

ALEGRIA DE SER RUBRO-NEGRO

por Leandro Ginane


Há pelo menos vinte anos frequento as arquibancadas do Maracanã. Desde moleque, sempre vi a torcida do Flamengo eufórica nos momentos de títulos e vitórias, mas também bastante decepcionada na maior parte desses últimos anos, mas não me refiro aqui a perda de campeonatos, eliminações vexaminosas ou coisas do tipo. Não, nada disso. É algo mais profundo que até bem pouco tempo não conseguiria explicar se tentasse escrever um texto com esse fim.

O fato é que sempre notei um saudosismo profundo no torcedor flamenguista, que só agora entendo ter pouco a ver com os resultados e conquistas do clube. Um sentimento que se instalou nos corações rubro-negros no final da década de oitenta, com a despedida do Zico e de toda uma geração criada no Flamengo.

A partir daquele momento a Nação parece ter começado a viver um luto que se arrastaria por quase trinta anos, e nesse período, a cada ex-jogador daquele time inesquecível que reaparecia na Gávea para assumir como técnico ou algum outro cargo, enchia os corações rubro-negros de esperança, como se fosse possível voltar no tempo pela mística de um jogador do passado. Foram inúmeras as vezes que isso aconteceu, e como num ciclo que teimava em se repetir, o torcedor deixava a euforia ocupar momentaneamente o lugar da saudade, que logo recuperava seu espaço no peito da Nação. Essa sempre foi a tônica nas últimas três décadas da Maior Torcida do Brasil.


Já adulto, me perguntava quando esse luto terminaria. Imaginava que com a conquista de um grande título a nação voltaria a sorrir. Ele veio em dois mil e nove, com o hexa campeonato brasileiro, mas a saudade teimava em voltar. Até bem pouco tempo não tinha encontrado a resposta do porquê isto acontecia e só agora pude perceber, antes mesmo da confirmação do heptacampeonato brasileiro e do bi da libertadores. Escrevo essas linhas no dia de São Judas Tadeus, dia também do aniversário de oito anos do meu filho e quando ainda faltam dez rodadas para o fim do Brasileirão.

Neste momento em que estou bastante impactado com o ambiente que se formou em volta do Flamengo, redescubro a força desse clube, principalmente entre as crianças, que tem a oportunidade de viver esse momento de uma forma bem mais intensa que nós. Sendo pai de um casal, um menino de oito e uma menina de quatro, tenho a possibilidade de vivenciar isso de perto. Fica fácil notar que o mais importante para eles não é a posição de liderança do campeonato brasileiro, tão pouco a sonhada presença na final da libertadores. Para eles, o mais importante são as comemorações dos jogadores, as muitas festas que são convidados e que tem o Flamengo como tema, a bagunça no Maracanã com seus amigos, os cânticos da torcida e tudo o mais que envolve as cores rubro-negras.

Esse ambiente que se formou novamente depois de tantos anos só é possível por um único motivo: a forma como o time joga. Alegre, pra frente, encurralando seus adversários e incansável na busca pelo gol, não importa quantos faça. O desejo de balançar as redes é o mesmo para marcar o primeiro ou o quinto gol, como na semifinal da Libertadores contra o Grêmio no Maracanã, em um jogo histórico.

Ao ver essas reações, me recordo que foi exatamente isso que aconteceu comigo e com uma geração inteira de crianças que viveram o time da década de oitenta. Me lembro bem da minha festa de oito anos com o tema Flamengo, emoldurada em foto onde eu e meu irmão posamos uniformizados lado a lado em cima de cadeiras de palha. Eu tentava imitar o Zico e o Leandro jogando bola. Meu pai frequentava todos os jogos e chegava em casa cheio de novidades. Agora, quando mergulho nessas memórias afetivas e percebo como tudo era mágico para um menino de oito anos, noto que o luto tem suas raízes na perda desse ambiente que foi consequência do fim daquele time. A fantasia deu lugar a tristeza, que chegou e permaneceu por muito tempo, até que um time liderado por um brilhante técnico português, resgatou tudo o que significa ser Flamengo e eu pude enfim enxergar de onde vinha tanta saudade e frustração.


Meu pai agora é um senhor de setenta anos e nossos contatos passaram a ser mais frequentes. O Flamengo, claro, é um dos principais assuntos. Estou vivendo junto aos meus filhos cada momento proporcionado pelo Mais Querido, quando noto que aquele saudosismo que parecia interminável chegou ao fim. O Flamengo novamente joga como nos meus mais profundos e singelos sonhos infantis, meu filho tenta imitar o Gérson, craque do meio campo, meu pai evita comparações, mas volta e meia vê semelhanças entre dois times tão distantes e compara nosso artilheiro com Nunes. É um time para se orgulhar, onde jogadores e torcedores são um só.

Outro dia no Maracanã, percebi que aquele grito que parecia adormecido nas arquibancadas, curiosamente voltou com a mesma força do passado: Quero cantar ao mundo inteiro a alegria de ser rubro-negro!

‘FUTEBOL CARDS’, MARCO NO USO DE IMAGENS DE ATLETAS PELAS MÍDIAS

por André Felipe de Lima


“Futebol Cards” e “Álbum da Copa de 82”, lançamentos inesquecíveis do chiclete Ping-Pong, da Kibon, entre 1979 e 1982. Minha geração colecionou. Eu, inclusive. Era chiclete que não acabava mais — jogávamos todos fora —, porém muitos cartões com a foto e as informações mais inusitadas dos jogadores nos deixavam enlouquecidos. Mal dormíamos pensado neles. O Orlando Lelé, por exemplo, jogava pelo Vasco, em 1979. Consegui os dois cartões dele. Lembro-me bem disso. Ele curtia Gal Costa, Elis Regina, Chico Buarque e a atriz Ilka Soares. Não abria mão de feijoada. Nosso querido Paulo Cezar Caju estava no Botafogo. Gostava de boa música, praia e de bater papo com amigos. Era fã do Pelé e adorava colecionar camisas e carros esportes. Cada card destes caras disputávamos no tapa durante os intervalos da escola. Não completei o “Futebol Cards”, como o advogado paulista Daniel Aparecido Ranzatto ou mesmo o colecionador Manoel de Mello Júnior, que o amigo Sergio Pugliese, do nosso Museu da Pelada, entrevistou recentemente. Mello Júnior é um camarada incansável que, além de ter as coleções completas, perambula por cada canto do Brasil e do mundo atrás dos autógrafos dos craques daquela época. Conseguiu os do Guina (Vasco) e do Pintinho (Fluminense), na Espanha. Simplesmente do cacete.

Nossa incansável investigação peladeira na busca de tudo que nos ajuda a incondicionalmente amar o futebol chegou a alguns dados sobre as origens das duas coleções. Informações importantíssimas perdidas no tempo. Vamos lá:

A Kibon lançou a coleção “Futebol Cards” em fevereiro de 1979. A festa de lançamento aconteceu em um jantar realizado no Buffet Colonial de São Paulo. Vários jogadores que constaram da lista dos cartões estiveram presentes, informaram o Jornal do Brasil e a Folha de S.Paulo.

Eis a informação sensacional: como noticiou a Folha, a “Futebol Cards” foi a primeira promoção que pediu, previamente, autorização aos atletas para uso de suas imagens e feitos, mediante contratos firmados com sindicatos e associações de jogadores. Considero essa informação um marco no uso de imagens de atletas pelas mídias.

O diretor de marketing da Kibon na época do lançamento da coleção “Futebol Cards” era o Fernando Kfouri. Tornou-se, em janeiro de 1980, vice-presidente da empresa, na qual ingressou em 1962. Informação confirmada pelo Jornal do Brasil.

Quanto ao álbum de figurinhas da “Copa de 82 Ping-Pong”, a edição dele foi organizada pela Editora Omni. O time por trás do álbum era assim escalado: publisher: Franklin Vassão; diretor editorial: José Nicácio Itagyba de Oliveira; texto e pesquisa: Carlos Maranhão (então editor e repórter especial da Placar); direção de arte: Sidney Pinto Ribeiro; diagramação e supervisão gráfica: Elenílson Campos. A criação, execução e supervisão couberam à agência de publicidade Young & Rubicam Brasil. O publicitário responsável pela propaganda para TV do álbum da Copa de 82 foi Geraldo Rodrigues Neto, na época integrante da equipe da agência Adag. 


Tentamos bater um papo com todos, mas só conseguimos localizar Carlos Maranhão, um dos mais expressivos nomes da reportagem esportiva do país, que tanto admiro desde priscas eras quando comprava a revista Placar toda semana. O águia Sergio Pugliese conversou com ele em São Paulo e se deliciou com a emoção de Maranhão ao recordar o álbum de 1982, que guarda a sete chaves, como se fosse uma comenda futebolística. Não poderia ser diferente. Faria o mesmo no lugar dele, talvez o colocasse em um cofre de banco.

Quem sentiu o prazer de (esbaforido, obviamente) abrir um envelope do “Futebol Cards” ou um pacote de figurinhas do álbum da Copa de 82 sabe a emoção que sentíamos ao se deparar com o rosto dos craques do passado estampado naquele pedaço de papel, que, para nós, valia mais que qualquer nota ou mesmo ouro. 

Ah, caramba, como era difícil o card do Roberto Dinamite.

DUNGA TINHA RAZÃO

por Rubens Lemos


Desde 2010, na Copa da África do Sul, o vazio criativo no meio-campo da seleção brasileira ganhou dimensões oceânicas. Em 2006, Ronaldinho Gaúcho e Kaká pareciam esperanças tornadas fumaça pelos pés franceses de Zidane. A França humilhou mais o Brasil em 2006 do que na amarelada de Ronaldo oito anos antes.

Um armador, implorávamos nós, os românticos, um camisa 10 autêntico, administrador do time e do jogo, soberano. Estávamos sem qualquer alternativa até surgir um garoto magrelo, paraense e de toques sofisticados jogando pelo Santos, ele e o driblador e antipático Neymar. Parecia um Ganso e assim chamavam o menino.

O coro nacional pela convocação dos dois precoces incendiou o desgastado filme do técnico Dunga, padroeiro dos brucutus fora dos gramados (em campo, foi um senhor volante). Dunga manteve suas convicções ranzinzas e Neymar e Ganso foram convocados apenas por Mano Menezes, ainda em 2010, meses depois da derrota para os holandeses.

Neymar e Ganso se separaram. Neymar foi povoar europas com seus dribles belos e raros, com suas quedas irritantes e uma arrogância maior do que o Camp Nou, estádio do Barcelona onde tentou sem conseguir a contracena com Lionel Messi.

Ganso deixou-se tomar pela indolência. A classe aparente virou lentidão, preguiça indisfarçável e sua criatividade murchou tal bola de borracha furada em racha de rua.

Ganso saiu do Santos (a torcida agradeceu), do São Paulo (repercussão idêntica), enganou em times de segunda mão na Europa e reapareceu no Fluminense com pose de regente. De velório. Ganso é a referência da errática fauna tida como luminosa para os anos 2000 com a camisa do Brasil.

Abrindo o parêntese da escassez, a camisa 10 deixou de ser objeto de cobiça, manto de Pelé, Zizinho, Zico, Rivelino e Rivaldo (um gênio que não teve a glória merecida pela matutês nordestina).

Neymar tomou-a e atua correndo como um maluco pelo ataque, quando a mitologia do número enxerga o dono entre o meio-campo e o ataque, criando fantasias de criança em pelada de pés descalços, do malabarismo produzido na fração do segundo.

É muito dinheiro na mão de meninos mimados. Dane-se a seleção. Ganso voltou da Europa ganhando 300 mil reais por mês, Alexandre Pato descansa em lago morto após ficar bilionário antes dos 20 anos, jogando no Milan e namorando a filha do dono, o Capo Sílvio Berlusconi. Quem teria moral de cobrá-lo? Pato saiu campeão mundial de 2006 pelo Inter (RS) para perder uma Olimpíada e passar distante da Copa do Mundo de 2010.

Voltemos a Ganso: Sem tesão inventivo, rasteja em pé e revela uma arrogância até superior a de Neymar: derrubou técnico, bateu em ex-juvenis, ignorou companheiros de time. Quase dez anos depois de iludir os carentes da bola jogada com arte, Ganso parece pedir para ficar em casa, ganhando sem jogar. Em campo, é um fantasma de chuteiras, arrastando correntes lerdas. Dunga tinha razão.

SAUDADES DO VESGO

por Zé Roberto Padilha


Era um misto de respeito pelo que você jogava com o medo do que aprontava. Assim foi minha relação com você, Mário Sérgio Pontes de Paiva, em 1975, quando fomos peças de uma máquina de jogar futebol. Era para ser o meu ano no Fluminense. Depois de percorrer toda a divisão de base nas Laranjeiras, Lula, ponta esquerda titular do clube e da seleção brasileira, tascou com sua categoria uma cola Araldite no meu calção e cadê que despregava daquele banco de reservas? Assinei meu primeiro contrato profissional em 1972, e passei dois anos mais sentado e assistindo partidas do que jogando. Até que ele, Lula, foi vendido em 1974 para o Internacional. Com Parreira no comando, joguei toda a Taça Guanabara, parte do estadual e me preparei em uma excursão em janeiro para assumir a camisa 11. Nunca estive tão pronto.

Mas quando voltávamos em fevereiro da pré temporada em amistosos pelo sul, paramos em uma banca de jornal em Itatiaia e o Jornal dos Sports trazia na capa a chamada que decretava o fim dos meus sonhos: Horta contratara você, então o maior ponta esquerda ofensivo do país, Rivelino, ponta esquerda da seleção de 70, e de quebra quem dividiu com ele aquela faixa de campo no México, Paulo César Caju.

Me deu vontade de descer a mala e ficar por lá. Mas meu supervisor, Domingos Bosco, disse forte: “Entra neste ônibus, menino. Você tem contrato a cumprir!” Entrei e saltei para a dura realidade: Fluminense x Bayern de Munique em uma terca-feira à noite no Maracanã. Jamais assisti uma exibição igual a sua e de todo o meu time. Base da seleção campeã do mundo, bi-campeão europeu com Beckenbauer como capitão e Sepp Mayer no gol, os alemães foram convidados a tomar o maior dos bailes da bola de inspirados bailarinos. Ganhamos de 1×0, gol do Cléber, e todos vocês deram uma exibição de gala. Tomei uma ducha e fui para casa pensando: sabe quando que vou entrar naquela ponta?

Acabei entrando no seu lugar na segunda partida da Taça Guanabara. De tantos craques reunidos em campo, nosso time se tornou uma tribo de índios tricolores. Pela extrema capacidade ofensiva, só queriam atacar. Toninho e Marco Antonio apoiavam pelas beiradas, Edinho se apresentava como fator surpresa, Paulo César e Rivelino encostavam nos atacantes e você, Gil e Manfrine iam toda hora para cima da zaga adversária. Só voltavam para cercar quando a aldeia era atacada. E penas Silveira e Zé Mário protegiam o pobre do Félix.

Esforçado, recordista do Teste de Cooper, sé perdia em distância percorrida para o Dirceuzinho, fui convocado a entrar no time para defender a oca. E você foi para o banco e se transformou num zumbi que percorria a concentração, os hotéis, os vestiários a aprontar o diabo para cima da gente. Não era jogador para ser reserva de um bom jogador, mas eu, o bom jogador, tão assustado com suas aparições, tornei-me seu comparsa. Melhor ficar ao seu lado do que ser sua vítima, pensava.

E aprontamos juntos. Lembra do dia em que Paulo César Caju encostou seu Puma branco conversível ao lado da portaria da Álvaro Chaves encostado ao Mate? Tinha acabado de chegar de Marselha e queria impressionar as meninas do vôlei. E você, comigo na vigília, decorou o painel com doces-de-leite, cocadas e encharcou um banco de mate gelado e outro de limonada. Quando PC sentou e a calça encharcou, o sangue subiu e os jornais estampavam dia seguinte: PC pede a diretoria para ser vendido. Motivo: não fora bem recebido pelo elenco.

Quando lancei meu primeiro livro, “Futebol: a dor de uma paixão”, e contei 5 das nossas histórias, claro, precisava vender meus livros de não ficção, mas a ficção me tornou narrador e você o personagem principal. Quando nos encontramos em uma partida do Máster nas Laranjeiras você foi tirar satisfações. Com que direitos, falava sério, publicava nossas histórias sem consentimento? Respondi, em defesa, que estava desempregado, vivia das vendas do meu livro e que ele jogava na seleção de máster do Luciano do Vale. Precisava de histórias incríveis como a nossa para pagar o aluguel, de preferência com um grande jogador no papel principal a atrair bilheteria. E você jamais me perdoou.

Queria lhe dizer, amigo, já que não tive como me aproximar mais de você após 41 anos, do orgulho que ainda sinto quando um torcedor tricolor amigo, querido da gente, me apresenta a alguém não como quem teve a honra de jogar no Flamengo ao lado Zico, mas de ter sido aquele pontinha tricolor que um dia barrou o Mário Sérgio. No segundo turno você resolveu voltar a ser titular. Se cuidou, passou a chegar cedo às Laranjeiras e aí era covardia. Retornei ao banco. E quando o Presidente Horta foi lhe abraçar após a partida em que rebentou o lateral direito do Botafogo, você o puxou para dentro da ducha. Nova punição. E eu voltei a ser titular na partida seguinte.

Tudo passa tão rápido na vida da gente, entre vestiários, competições, vôos e tantos companheiros de camisas diferentes, que quando você encerra a carreira e retorna a sua cidade de origem, como eu e muitos jogadores revelados no interior, trazemos junto na bagagem nossas lembranças. Se soubermos lidar com elas, reunidas em recortes nas canelas e manchetes nas gavetas, construir uma nova profissão e não ficarmos desamparados a ponto de viver a contá-las pelos bares e sinucas, tudo bem. Mas ao vê-lo partir tão cedo, de uma maneira tão dura, tais lembranças vieram à tona junto a tanta saudade do que jogou e aprontou ao nosso lado.

Porque você, Mário Sérgio, foi mais que um personagem da minha vida e dos meus livros. Foi e será sempre um artista da bola, um gênio do futebol arte que jamais será esquecido.