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DINAMITANDO GERAL

por Luis Filipe Chateaubriand


O redator destas linhas não costuma escrever sobre assuntos anteriores, no futebol, a 1978, ano em que começou a acompanhar este apaixonante esporte.

Mas toda regra tem sua exceção, e esta parece valer a pena…

Em 1976, Vasco da Gama x Botafogo jogavam pelo primeiro turno do Campeonato Carioca.

Era um jogo fundamental para ambas a equipes, se quisessem conquistar o título do turno. 

Um empate deixava ambos os clubes sem condições de conquistar o título, apenas quem vencesse teria alguma chance de disputar a taça com o Flamengo.

O Botafogo vencia por 1 x 0 quase até o final do jogo, até que Roberto Dinamite – sempre Roberto Dinamite – empatou.

A partir desse momento, o Vasco da Gama tomou conta do jogo e foi em busca do tento que lhe daria a vitória e a possibilidade de se manter vivo na disputa do título.

Jogo acabando, derradeiros momentos, Zanata faz um cruzamento ao lado direito da grande área, com o pé trocado – todo torto mesmo, com pressa de cruzar, pois o jogo está no fim.

A bola sobe, descai no centro da grande área, vindo em direção a Roberto Dinamite.

O muito bom, mas muito pretensioso, Osmar Guarnelli, zagueiro botafoguense, chega para bloquear o atacante vascaíno.

Com frieza, e muita categoria, Dinamite mata a pelota no peito, dá um chapéu indescritível em Osmar, avança, vê a bola descair novamente em sua frente, e fulmina de direita para as redes do clube de General Severiano!

Um golaço! Aço! Aço!

Roberto Dinamite – sempre Roberto Dinamite!

O Vasco da Gama, com este gol antológico, vencia o Botafogo por 2 x 1 e iria decidir o título do turno com o Flamengo – onde se sagrou campeão, mas isso é outra história…

Não vi in loco, tinha apenas cinco anos quando aconteceu, ainda nem sabia o que era futebol. 

Mas, desde que comecei a acompanhar futebol, aos oito anos, vi muitas vezes – na televisão, depois no vídeo tape, depois em dvd, depois no youtube.

Tecnologias se sucedem. 

O golaço fica. 

Fica e ficará eternamente. 

Tal qual o gol, o seu autor é eterno.

Dinamite sempre!

Dinamite forever!

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais de 40 anos e é autor de vários livros sobre o calendário do futebol brasileiro.

OXE, MESTRE, BOBÔ É O REI DO ARERÊ!

por André Felipe de Lima


“Quem não amou a elegância sutil de Bobô?” O refrão da música “Reconvexo”, composta por Caetano Veloso e interpretada por Maria Bethânia, diz tudo.

Como frisa o jornalista Bob Fernandes – no livro “Bora Bahêeea! A história do Bahia contada por quem a viveu”, da Coleção Camisa 13 (DBA, 2003), há quem afirme peremptoriamente que a personagem da famosa letra não é Bobô e sim Bubu, outrora dono de um botequim em Salvador onde Caetano teria ouvido pela primeira vez a música de João Gilberto e se encantado com a Bossa Nova.

Mas quem ousaria dizer que a letra não fala de Bobô? Que torcedor do Bahia acharia o contrário? Talvez nem Caetano mexesse nesse vespeiro para contrariar milhões de torcedores do amado Tricolor. A música fala do craque… e ponto final! Fala do maior jogador que o Bahia já teve em todas as suas fileiras. Fala de Bobô. Fala de Raimundo Nonato Tavares da Silva, seu nome de batismo, recebido no dia 28 de novembro de 1962, quando veio ao mundo na baianíssima Senhor do Bonfim.

O incomum apelido partiu da irmã caçula Rita, que não conseguia chamá-lo de Raimundinho, como faziam os outros seis irmãos. O que ninguém imaginaria, porém, é que aquele menino seria o mais badalado baiano do final dos anos de 1980. Mais até que Jorge Amado, João Ubaldo, o próprio Caetano ou Antônio Carlos Magalhães. Na Bahia daquela virada de década só se falava de Bobô.

Bobô que, ainda garoto, começou no futebol de salão, em 1980, no intermunicipal da cidade natal. No ano seguinte, a Associação Desportiva Catuense o descobriu. Fez sucesso e fez do clube do interior um dos melhores do campeonato local. Mas isso se restringia à boa terra. Fora da Bahia, Bobô ainda era um mero desconhecido.

Em 1982, durante a transmissão radiofônica de um jogo da Catuense contra o América carioca, no Maracanã, em jogo válido pela Taça de Prata (segunda divisão nacional), o repórter e comentarista Washington Rodrigues, então na “Rádio Globo”, não conteve a gargalhada: “O time baiano tem até Bobó”, debochou o radialista, fazendo alusão ao prato típico baiano.

Bobô é filho de Florisvaldo Tavares da Silva, o “seu” Flori, e Antonieta, a “dona Tieta”, como a chamavam em Senhor do Bonfim. O médico Pedro Amorim, grande ponta-direita do passado e ídolo do Fluminense no começo dos anos de 1940, foi grande amigo do pai de Bobô e um dos primeiros incentivadores do rapaz ainda nos tempos em que começou a despontar na Catuense, ainda bastante franzino. Fisicamente tão fraco que outro apelido pegou mais que Bobô: “Tinquim”, nome de um pássaro muito frágil comum no norte baiano.

“Ele era bem fraquinho”, recordou João Corrêa, que descobriu Bobô em uma quadra de futebol de salão em frente à sua casa, em Senhor do Bonfim. Já em 1980, olheiros de vários clubes queriam levá-lo. Por pouco o Vitória, time para o qual Bobô torcia desde pequeno (por influência de “seu” Flori), levou a melhor; mas um amigo da família acabou desviando-o para a Catuense.

Em dois meses, Bobô já estava no time principal. Quando começou a se firmar no time titular, rompeu os ligamentos do joelho direito. Foi operado em Salvador e intrigou os médicos com um impertinente inchaço no pé-direito que o incomodava todas as manhãs. Jamais os médicos conseguiram explicar o misterioso inchaço e um desesperado Bobô quase largou o futebol. Foi demovido da desastrada ideia e tocando a carreira até que em 1984, a Catuense trouxe como treinador o renomado Aymoré Moreira. Sucesso absoluto do time, Bobô não cabia apenas na pequena Senhor do Bonfim.

Quatro anos após o deboche de Washington Rodrigues, exatamente em janeiro de 1986, o Bahia pagou 1100 cruzeiros pelo passe de Bobô. Um valor muito criticado pela torcida da época. Junto com ele seguiram para o Tricolor os laterais Zanata e Alcir. E logo no primeiro ano, o craque mostrou a que veio. Formou excepcional dupla com Claudio Adão (juntos marcaram mais de 40 gols na temporada) e foi campeão estadual em 1986.

No ano seguinte, o do bi, João Saldanha empolgou-se com o futebol esbanjado por Bobô: “Um bolão. Trata-se de um cara em condição de ganhar prêmios em qualquer partida.”

E a bola de Bobô não parou de crescer, mesmo com uma grave lesão no menisco, em 1987, que o afastou sete meses do futebol. Quase foi negociado com o Cruzeiro, mas manteve-se no Bahia e comandou o time no tri em 1988. Chegara, portanto, ao olimpo baiano ao conduzir o time ao inédito título da nova versão do Campeonato Brasileiro. O segundo em escala nacional do Bahia, que já havia destronado o Santos de Pelé, na final da Taça Brasil de 1959.

Um dos heróis da conquista do título brasileiro de 88, Bobô marcou nove gols na competição. Dos 27 jogos do Bahia, foram 13 vitórias e 11 empates. O tricolor despachou o Fluminense na semifinal e, na final, mandou às favas o Internacional de Porto Alegre, na casa dos gaúchos, em um empate sem gols com o estádio Beira-Rio para lá de lotado. Deu pra ti, Colorado!

“O bom disso tudo foi a chegada ao estádio: fizeram uma macumba e puseram na porta do nosso vestiário. Macumba de gaúcho. Era um boi, cara! Um boi com farinha (…). Puta merda, era um pedaço enorme de boi!. Não era um frango, um bodinho, como é aqui. Na porta do nosso vestiário, com velas acesas e tudo mais. Aqui (no primeiro jogo da final, em Salvador), tinham feito no vestiário deles, e os caras ficaram assustados”, disse Bobô ao repórter Bob Fernandes.

Apesar da notoriedade, o craque não teve tantas oportunidades para se firmar na Seleção Brasileira. Quando se esperava uma convocação, era esquecido. Apenas Sebastião Lazaroni lembrou-se dele, logo após o título brasileiro; mas foram poucas vezes.

Deixou o Bahia em 1989 e seguiu para o Morumbi. Na transação, o São Paulo pagou um milhão de dólares por Bobô e cedeu os passes do centroavante Marcelo e do zagueiro Wágner Basílio.

Apesar do desempenho distante do que rendeu no Bahia, foi campeão paulista de 1989. No São Paulo, jogou 63 vezes, venceu 27, empatou 23 e marcou apenas 11 gols. Um ano após o título paulista, foi emprestado ao Flamengo. Um fiasco! Ficou à disposição do São Paulo em 1991, que preferiu trocá-lo pelo ponta-esquerda Rinaldo, do Fluminense. Nas Laranjeiras realizou alguns bons jogos ao lado do atacante Ézio. Em 1993, regressou a São Paulo para defender o Corinthians. Não deu certo. Foi para o Internacional, de quem foi algoz em 1988, e voltou para a Catuense em abril de 1995, após permanecer quase um ano inteiro sem jogar futebol.

Encerrou a carreira em 1997 no clube que o projetou no cenário nacional: o Bahia, com o qual marcou 81 gols e onde figura no 16º. lugar no ranking de artilheiros do clube.

Dos gramados para as cabines de transmissões esportivas de rádio e TV nos estádios. De craque, Bobô transformou-se em comentarista de jogos de futebol. Não durou muito tempo. Resolveu que a carreira de treinador lhe cairia como uma luva.


Vem tentando, mas sem resultados extraordinários. Chegou a dirigir o próprio Bahia, que não consegue abandonar de forma alguma. Sua responsabilidade no clube era a de acompanhar e organizar as divisões de base do clube. Afinal, um grande time de futebol que se preze tem de fazer “Bobôs” todos os anos.

Em 2007, o jogador viveu, contudo, uma das piores fases de sua vida. Conclusão do inquérito da Polícia Civil sobre a queda da arquibancada da Fonte Nova, em novembro daquele ano, que causou a morte de sete pessoas, indiciou quatro autoridades esportivas por homicídio doloso (quando se tem intenção de matar), com pena que poderia chegar a dez anos de detenção. Entre essas autoridades, estava Bobô que, à época da tragédia, era diretor-geral da Superintendência de Desportos do Estado da Bahia (Sudesb), órgão responsável pela manutenção da Fonte Nova.

O Ministério Público Estadual pediu o afastamento das diretorias da Sudesb e do Esporte Clube Bahia. Para o MP, a instituição e o clube eram responsáveis diretos pela tragédia. No caso da Sudesb, por manter o estádio sem condições de funcionamento; no do Bahia, por omissão em aceitar jogar no estádio e não elaborar um plano de segurança para a ocasião. O MP também considerou a Polícia Militar, a Federação Baiana de Futebol e a Confederação Brasileira de Futebol culpadas pela tragédia.

O alívio para Bobô viria no dia 18 de agosto de 2009, com o juiz-substituto da 10ª Vara Criminal de Salvador, José Reginaldo, absolvendo-o e permitindo que se mantivesse no cargo de diretor-geral da Sudesb.

Um ano depois da absolvição em primeira instância, exatamente no dia 15 de julho, a desembargadora Aidil Conceição, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia, reconheceu a decisão do juiz José Reginaldo e entendeu que o ídolo do Tricolor baiano não poderia ser responsabilizado pelas sete mortes ocorridas no episódio que ficou conhecido como “a tragédia da Fonte Nova”.

Ao longo da carreira, Bobô marcou 258 gols, e isso não se apaga da memória dos torcedores. Mesmo com o triste episódio do estádio marcado na lembrança de muitos baianos, não somente a Justiça, mas a imensa torcida baiana o absolveu.

A trajetória de Bobô é gloriosa. E, indiscutivelmente, o maior ídolo do Bahia em toda a linda história do clube. Em qualquer rua de Salvador um cidadão da boa terra e responderá: “Oxe, mestre, Bobô é o rei do arerê!”.

“E EU VOS DECLARO CAMPEÕES DA LIBERTADORES”

por João Carlos Pedroso


Tive 12 anos de novo no sábado, 23. E fé, do jeito que só uma criança pode ter. O destino quis que passasse todo o tempo de um dos jogos mais importantes da história do Flamengo em um casamento na Bahia, marcado cruelmente para praticamente a mesma hora, num lindo cenário à beira mar, mas sem televisões e com sérias restrições de postura e comportamento – isso mesmo o noivo sendo um rubro-negro apaixonado mas em momento de mostrar maturidade e compromisso com outro amor, ao contrário dos outros 40 milhões de companheiros de sofrimento. Entre eles, eu!

Cheguei puro linho, calça e camisa – o manto sagrado, estilo vintage (década de 70, o 8 de Geraldo Assoviador às costas) guardado numa sacola. Uma rápida sondagem mostrava celulares potentes captando transmissões piratas de Flamengo x River Plate. Vimos os times entrarem em campo (Gabigol bolinando a taça, safado) os times se perfilando… mas aí todas se perderam, sinal cortado, coração partido.

Era nossa hora de se perfilar, para ver a noiva entrar em campo. O noivo à espera num arranjo que parecia um gol – juro, não é delírio, ele no meio daquilo esperando, eu com um olho nele e outro no celular, acompanhando tempo real… Até que apareceu Flamengo 0 x 1 River no alerta do telefone.

Olhei para trás e meus companheiros de torcida encaravam estarrecidos para um tablet que resistia bravamente transmitindo o jogo – com delay. Me recusei a ver, dispensei um fone de ouvido oferecido, me concentrei na cerimônia. Chorei um pouco, misturando emoção e medo, talvez. Mas as porcentagens maiores eram de emoção e empatia: bonito ver um noivo com cara de bobão recebendo a mulher de sua vida. Mas angústia estava lá.

Amigo casado, hora de festa. Flamengo começou o segundo tempo um pouco melhor. O tablet resistia numa mesa e me e recusava a acompanhar por ele, queria estar junto, torcer com delay era vibrar pelo que já aconteceu, energia desperdiçada. Queria jogar junto, carai!

Peguei meu celular, fui para o YouTube e botei na Tupi. A câmera fica no Garotinho e no Apolinho, não tem imagem de jogo, mas é “ao vivo”. Rejeitei definitivamente o tablet. Voltei aos 12 anos, radinho colado no ouvido, com rápidas pausas para checar o semblante cada vez mais preocupado de Washington Rodrigues, o jornalista que rompeu a quarta parede ao ser técnico de seu clube de coração e o decoro ao mergulhar na banheira do vestiário numa comemoração.

O tempo passava e o coração apertado. Estava numa festa, gente e música, muita comida – e alguns torcedores descarados reunidos diante do tablet marcha lenta. Eu já era um pária naquele evento, mas consegui me isolar ainda mais: quando faltavam uns dez minutos para o fim do jogo, me escondi atrás de uma estátua de papagaio (o lugar da festa se chamava “Barraca do Lôro”) e entrei em outra dimensão, a dos meus 12 anos, em 1974, o ano em que mais torci por futebol na vida – o ano do primeiro estadual conquistado na era Zico (ele entrava no time desde 71, mas…) já com Júnior, na época na lateral direita. 

Eu regredi, sim. Mas na verdade ia e voltava no tempo, conforme a necessidade apertava. E abraçava todos os credos. Rezei forma convencional, criei algumas orações originais naqueles poucos minutos. Lembrei do meu pai, zagueiro do Flamengo e que me passou tanto amor, pela vida e pelo clube. E do meu filho, hoje um homem de 22 anos e que no título de 2009 “batia” escanteios da arquibancada (ainda) nos jogos mais difíceis. Rezei para os dois, também.

E então aconteceu. No meio da narração confusa e picada, quando já estava quase em lágrimas (“isso não vai ser assim, não pode ser assim”) José Carlos Araújo gritou “goooooooooooooooool do Flamengo”. Surtei, saindo do meu esconderijo aos pulos e esgotando todo os palavrões acumulados em anos de vida pacata e ordeira, para espanto da incrédula turma do tablet, que só “viu” minha profecia mais de 20s depois. Peguei a camisa do Fla da bolsa e coloquei nas costas.


Eu quase foquei de vez na prorrogação, em parte satisfeito e totalmente exausto, já de volta ao meu esconderijo.  Mas aí, quando tirei o telefone do ouvido para respirar um pouco, vi o Garotinho se esgoelando e Apolinho COLOCANDO A FAIXA! Gol de novo, milagre realizado e eu novamente sabendo antes de todo o mundo.

Mesmo escaldados, meus colegas de sofrimento voltaram a não acreditar na minha euforia solitária e só vibraram quando a tola objetividade das imagens garantiu que era fato. Eu arranquei do corpo o linho branco e vesti o manto. Campeão. Como se fosse pela primeira vez…

Ps: Só soube que os gols eram do Gabriel um bom tempo depois. Até porque requisito coautoria neles.
Ps1: O noivo vibrou como um louco, tirando dos ombros a “culpa” de trocar o Flamengo pela mãe de seus futuros filhos. A noiva agradeceu que o Flamengo esperasse o fim da cerimônia para marcar seus gols.
Ps2: Sempre fui medium, só nunca desenvolvi, segundo minha mãe.

Ps3: Obrigado, Raoni e Carol (os noivos), pela experiência única e inesquecível.
 

REDENÇÃO POPULAR

por Leandro Ginane


Há séculos a baixa auto estima do brasileiro é uma característica que acompanha a grande maioria da população. Desde a colonização portuguesa, que passa pelo genocídio indígena e o fato de o Brasil ter sido o último país na América do Sul a decretar o fim da escravatura, o Brasil carrega consigo as consequências decorrentes da repressão dos colonizadores sobre os povos mais pobres.

Curiosamente, o football criado na Inglaterra como um esporte restrito à elite, trouxe para o brasileiro um frescor de auto-estima, principalmente nas periferias que passaram a usar o futebol como objeto de projeção social, além de servir como um caminho para desaguar as durezas da vida.

A projeção social proporcionada pelo futebol que contribui com a auto-estima do povo sofreu duros golpes ao longo dos anos, a começar pela final perdida em casa para o Uruguai em 1950 por dois a um. De lá pra cá, o Brasil se estabeleceu como o país do futebol, ganhou três copas do mundo, teve Pelé reconhecido como melhor jogador de todos os tempos e seus jogadores ficaram famosos pelo gingado e o improviso, a malemolência típica da capoeira e dos terreiros do samba. Mas em 82, com uma seleção que encantava o mundo, o Brasil sofreu uma das suas piores derrotas, a derrota na final para a Itália de Paolo Rossi.

Foram vinte e quatro anos sem uma conquista de Copa do Mundo, que veio apenas em 94 com um time que herdou muito pouco da lendária história do estilo brasileiro, trazia com ela apenas os talentos individuais de seus jogadores, em especial Bebeto e Romário. Esse título, tão aguardado por mais de duas décadas que chegava no ano em que Senna morreu, mostrou para o mundo que era possível vencer sem jogar bem. Em 2002, com mais um título nas mãos, a seleção se tornou a única pentacampeã do mundo. Novamente dependendo de talentos individuais, mas havia então uma confiança brasileira que era aliada a um momento de prosperidade e maior igualdade social.

Essas conquistas baseadas em táticas defensivas promoveu uma profunda e lenta transformação no estilo de jogo brasileiro. Técnicos antiquados e jogadores truculentos se destacaram, enquanto o futebol europeu se desenvolvia, até a mais terrível derrota do futebol brasileiro em 2014, em casa, por 7 a 1, para a Alemanha. Esse vexame expôs a fragilidade de um modelo de jogo ultrapassado.

Em 2019, onde a seleção já amarga 17 anos sem ganhar uma Copa do Mundo e ainda insiste em modelos defensivos, surge uma manifestação popular sem precedentes justamente no momento em que o povo vive um ano trágico com a redução das políticas sociais.


Uma festa rubro-negra em comemoração ao título da Libertadores e do Campeonato Brasileiro do Flamengo conquistados no mesmo final de semana, que teve início antes do jogo decisivo, No embarque, o povo abraçou o time e o levou até o aeroporto em uma grande mobilização popular.

O que aconteceu a partir daquele instante pode ser o início do resgate da alegria e auto estima popular proporcionado pelo verdadeiro futebol brasileiro, que se torna muito mais importante que o título em si, quando observado em um contexto mais amplo.

Embalados pelo funk, o mar de amor que se formou em volta do time Mais Querido do Brasil promoveu uma festa com centenas de milhares de pessoas que hoje não conseguem mais frequentar o Maracanã devido seu alto preço. A comemoração seguiu pelas ruas do Rio de Janeiro e serviu para lavar a alma do povo e renovar a esperança em meio a tanta miséria social.

Resta saber quais serão as consequências dessa mobilização popular no cenário esportivo, social e, principalmente, na periferia e nas favelas.

BELFORT DUARTE, O ‘PAI’ DO AMÉRICA

por André Felipe de Lima


Quando um atleta se torna referência incontestável do esporte, a ponto de seu nome batizar um dos mais importantes prêmios do futebol, sua história deveria ser sempre reverenciada através das gerações. Mas, lamentavelmente, não é isso o que ocorre no Brasil.

Caso exemplar dessa perda de memória social é a trajetória do ex-zagueiro Belfort Duarte, um dos responsáveis pela popularização do futebol no Brasil, no começo do Século XX, e, portanto, um dos maiores desportistas que já surgiram no País.

Em 1946, um prêmio que leva o nome do ex-ídolo do América do Rio de Janeiro foi criado para os jogadores que permanecessem dez anos sem receber nenhuma punição em campo. A premiação, extinta em 1981, foi recriada pela TV Globo e o portal GloboEsporte.Com, em 2008, para ser concedida ao jogador da Série A do Campeonato Brasileiro que obtivesse menos pontos descontados por infrações cometidas durante a competição.

Mas quem foi, afinal, esse atleta exemplar capaz de ser lembrado até hoje como sinônimo de retidão nos gramados?

O engenheiro civil João Evangelista Belfort Duarte foi o primeiro zagueiro clássico do futebol brasileiro. Seu pai, o Dr. Francisco de Paula Belfort Duarte, tribuno, foi o primeiro governador republicano do Maranhão e ministro na Embaixada Brasileira, em Londres.

Belfort Duarte nasceu no dia 27 de novembro de 1883, em São Luís, no Maranhão, mas começou a jogar bola em São Paulo, na Faculdade de Ciências e Letras do Mackenzie College. Na instituição de ensino, fundou, no dia 18 de agosto de 1898, o primeiro time de futebol formado basicamente por brasileiros, o que contrariava a tendência de tornar o futebol um esporte dirigido às elites, portanto “coisa de estrangeiros”.

Formado engenheiro no Mackenzie, Belfort se transferiu para o Rio de Janeiro, em 1907, para trabalhar na canadense The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power (que fornecia iuminação a gás, depois energia elétrica e, além disso, operava diversas linhas de bondes e carris urbanos que funcionavam na Cidade Maravilhosa).

Antes, contudo, o amigo Gabriel de Carvalho, com quem se comunicava constantemente por meio de cartas, narrava a situação na então Capital Federal e o afeto que criou pelo América, um pequeno time de futebol da Zona Norte da cidade.

Gabriel mostrava a Belfort a sua frustração pelo time de seu coração não ter alguém com pulso firme para livrar o clube das crises cada vez mais constantes, que o impediam de igualar-se ao Fluminense, o então todo-poderoso.

“Na tarde de 27 de dezembro de 1907, Gabriel achava-se em seu quarto, na pensão de Dª. Laura Brito, no terceiro andar do nº. 50 da Avenida Central (hoje, Avenida Rio Branco), quando inopinadamente surge à sua frente o amigo, carregado de malas” – escreveram Orlando Cunha e Fernando Valle, pesquisadores da história do América, sobre a chegada de Belfort ao Rio de Janeiro.

O jovem maranhense ambicionava ser jogador do Fluminense, mas, convencido por Gabriel, logo aportaria no time do América. Poderíamos defini-lo como um vira-casaca? Mas Belfort teve motivos de sobra para mudar de rumo. Ou de camisa, como queiram.

Após um jantar com o amigo, convencera-se da gravidade da situação do clube. “O América precisa muito mais de você que o Fluminense”, ponderou Gabriel e, de imediato, sugeriu a integração de Belfort ao clube e uma reunião informal, entre amigos, no Bar do Leme, para convencê-los a aderirem à “causa americana”.

Ninguém resistiu à eloquência de Belfort e decidiram segui-lo. Dias depois, uma assembleia o elegeu capitão do time. E foi com esse estilo pé-no-chão, que o novo comandante da nau proferiu a célebre frase: “O América não recebe nada de graça; tem de lutar para viver”. No ano seguinte, Belfort levou para o Rio de Janeiro muitos amigos que estudaram com ele no Mackenzie: Aquino, Dinorah Assis e Roberto Shalders foram alguns deles que vestiram a camisa do América nos primeiros momentos do clube.

O espírito inovador de Belfort Duarte não tinha limites, e sob essa égide promoveu sua primeira revolução no clube carioca. Traduziu as regras do Inglês para o Português e propôs a troca do uniforme preto e branco pelo vermelho e branco, o mesmo que era utilizado pelo Mackenzie College. Não houve objeção. Do arrojo de Belfort nasceu a mitológica camisa rubra. A decisão foi oficializada no dia 12 de abril de 1908, um uniforme vermelho e a bandeira, semelhante à do Japão (branca, com um círculo vemelho, dentro dele, as letras AFC como vemos hoje no escudo do clube).

Nitidamente, a opção pela cor vinha do amor que Belfort nutria pelo seu ex-time, o Mackenzie College. Já o novo escudo do América, como o conhecemos até hoje, foi criado pelo goleiro Marcos Carneiro de Mendonça, em 1913.

Inovação e fleuma eram marca da personalidade de Belfort. Dizem os historiadores que, em 1909, antes do início de um embate do América, de Belfort, contra o Botafogo, os jogadores americanos saudaram a torcida, gesto então pioneiro que acabou sendo repetido por outros times e se eternizando nos estádios do País. Tudo sob o espírito conciliador do capitão Belfort.

O craque era um político nato. Mas sua altivez fora dos gramados foi muitas vezes confundida com arrogância. Sua palavra, porém, sempre era acatada. Tanto que, em 1908, a sede do clube foi transferida para uma sala na Rua do Passeio, número 56, no segundo andar do prédio Centro Paulista, onde funcionava o Clube dos Boêmios e o carteado – permitido na época por lei – rolava solto.

A nova casa não deu certo. E o capitão, que nem presidente do América era, determinou nova mudança de QG. E foram todos parar na casa do próprio Belfort, na Rua Torres Homem, 279, em Vila Isabel. Mas, com a mudança de residência de Belfort, no final de 1908, a troca da sede também foi inevitável. Tudo foi para o porão da nova casa do Capitão, na Rua Maria José (hoje, Zamenhoff), nº. 63, na Tijuca. Tudo era decidido lá, em 1909. Sempre sob o comando de Belfort. Mas como ele mesmo sempre afirmava, tudo era muito difícil para o América.

Incomodavam-no, por exemplo, os privilégios concedidos pela Liga aos times da Zona Sul. Em face disso, liderou um projeto que fundaria uma nova liga e ergueria um campo na Zona Norte, que sustentaria a dissidência. A ideia do campo, de certa forma, acabou se concretizando, 42 anos mais tarde, com a construção do Estádio do Maracanã.

O projeto rebelde de Belfort não foi adiante. Em 1911, em busca da solução para o impasse do campo de jogo, o clube concretizou parceria com o antigo Haddock Lobo Football Club. Assim, incorporou ao seu patrimônio o terreno da Rua Campos Sales, 118, onde havia a sede oficial do clube, recentemente negociada em função de dívidas. Seria preciso existir um Belfort Duarte para resolver de novo esse problema do América?

Ideia tão ousada só poderia mesmo partir de Belfort Duarte. Mas, por pouco, os dirigentes do Haddock Logo fizeram a parceria com o Sport Club Mangueira, o mesmo que servia de saco de pancadas para os times da Zona Sul, deixando de lado América. Não fosse a habilidade política de Belfort, talvez o América terminasse sua história, ali, no comecinho do Século XX. “O acordo teve, entretanto, consequências inesperadas. Ou não teriam sido inesperadas? Há quem garanta que Belfort tinha plena consciência da armadilha que preparara. O Haddock Lobo não conseguiu resistir ao progresso, cada vez mais envolvente, do América e as fronteiras entre as duas agremiações foram, pouco a pouco, ruindo”, contaram Orlando Cunha e Fernando Valle, no livro “Campos Sales, 118 — A história do América”.

Propuseram a fusão, que Belfort rechaçou, pois o clube teria de trocar o nome. Manteve-se América, em assembleia realizada no dia 17 de maio de 1911 pelas diretorias dos dois clubes. Belfort estava ainda mais forte.

Como assinalaram Cunha e Valle: “Nunca é demais ressaltar a extraordinária sagacidade de Belfort que, em inteligente jogada, conseguiu tudo de que o clube necessitava: campo, sede, bons jogadores e a consolidação do gabarito social”.

O time a ser montado seria um dos mais fortes do futebol carioca. A começar pelo gol. Entre os novos jogadores, o jovem arqueiro Marcos Carneiro de Mendonça, que veio do Haddock Lobo.

O temido esquadrão conquistaria o Campeonato Carioca de 1913. Aliás, no ano do primeiro título, o clube já se mostrava tão grande quanto os da Zona Sul. Se o clube crescia, a autoridade de Belfort, idem. E isso já causava desconforto entre os cartolas.

Alberto Carneiro de Mendonça era o presidente do América, e não concordava com a excessiva autoridade de Belfort, então tesoureiro, que, por sua vez, era avesso a dar satisfações. Não demorou, o caldo entornou durante a vinda da delegação chilena, que disputaria algumas pelejas no Rio de Janeiro. Belfort era favorável aos jogos com os andinos; Alberto, contra. Não houve consenso, mas prevaleceu a palavra de Belfort. E os chilenos vieram.

Alberto renunciou no dia 29 de agosto e, somente no dia 9 de setembro, após assembleia geral, Joaquim Amarante assumiu a presidência com a condição de manter-se no cargo até a chegada dos chilenos, o que aconteceu no dia 15 de outubro. Guilherme Medina substituiu-o, também por pouco tempo. O impasse permaneceu até Belfort publicar a seguinte declaração, em novembro, na imprensa: “Sendo voz corrente que o ‘team’ do América não jogará hoje completo por eu ser ainda diretor, declaro que, ao entrar em campo, não serei mais diretor do clube, no caso do ‘team’ inteiro disputar o ‘match’ de hoje, no campo do Fluminense. É esta uma resolução que tomo, escudado no meu acendrado amor ao América”.

O time não só entrou em campo, como foi campeão de 1913. E Belfort consolidou-se como o maior líder, dirigente, capitão e zagueiro que o clube já teve em toda a sua história.

Ele era o primeiro a chegar aos treinos. “Só desculpava faltas de Marcos de Mendonça porque sabia que o goleiro treinava em casa, com as suas bolas de tênis, com suas laranjas e latas (…). também ele (Belfort) dava o exemplo se matando em campo”.

Essa descrição feita por Mario Filho traduz o estilo de Belfort: líder incontestável. Nasceu para aquilo, ou seja, comandar. Um comando, por sua vez, tratado com ironia, não dos jogadores. Isso, afinal, era inadmissível, mas pela molecada que assistia aos treinos e jogos do América. O sisudo Belfort tinha cadeiras largas, e isso lhe rendeu o apelido de “Madama”.

O calção, escreveu Mario Filho, reforçava a tese da garotada debochada. Era mandão, parecia uma dona de casa ao passar carão nos passivos subordinados. E ai daquele que o questionasse!

Os pesquisadores Orlando Cunha e Fernando Valle relembraram uma curiosa história que se passou com o ponta Gabriel de Carvalho, responsável pelo ingresso de Belfort no América: “Certa vez, durante uma partida amistosa, expulsou de campo seu amigo Gabriel de Carvalho, que, por mero capricho, resolvera tentar uma série de dribles desnecessários. Daí, aliás, o apelido que recebeu – Madame”.

O temperamento do craque não era fácil. Generoso, porém franco, revelava uma vontade incontrolável de vencer, inclusive nos treinos.

Essa alma se estendeu aos seus comandados, como ressaltou Mario Filho: “Um jogador encarnava a bandeira do América, a camisa de ganga (o bom e velho brim, que tingido, ganhou o nome mais pomposo e americanizado “jeans”), bordeaux, de sangue velho. A bandeira, a camisa de Belfort Duarte. Para o time, para a torcida. Só assim o América vencia. Era campeão. Os onze jogadores ouvindo, obedecendo a Belfort Duarte, querendo ser América com ele”. E isso era comum.

Vitti, por exemplo, era um dos jogadores mais confiáveis da lista de Belfort. Dava voltas e mais voltas pelo campo após o treino. Só parava de noitinha, mesmo assim precisava alguém chamar Belfort Duarte para convencê-lo a parar. Vitti e todos os americanos só ouviam – e inapelavelmente – obedeciam Belfort.

Durante um jogo beneficente para angariar fundos para a Cruz Vermelha, enfrentando um time de alemães radicados em São Paulo, o América saiu de campo com um placar favorável de 6 a 1. Mas, em contrapartida, perdeu o zagueiro e capitão Belfort Duarte, que recebera uma bolada no peito. Saiu de campo para não mais voltar.

Os dias passavam, mas as dores por conta da bolada persistiam. Não dava mais para Belfort continuar jogando bola. Cedera à dor física, abandonando definitivamente os gramados, porém não abandonara a vida esportiva, pois atuava como dirigente nos dois Américas, o do Rio de Janeiro e o de São Paulo. Não era a toa que gozava de respeito. Durante uma partida do América, o craque cometeu um pênalti. O árbitro não viu o lance e deixou o jogo prosseguir, mas Belfort foi até ele para avisá-lo do penalty.

A despedida do craque foi na derrota de 4 a 2 para o Flamengo, no dia 11 de julho de 1915.

Por sempre jogar na defesa, marcou apenas 12 gols pelo clube alvirrubro. Deixou os gramados, mas não o América. Foi o treinador da equipe que conquistou o título estadual de 1916.

Quando o comandante do América pendurou as chuteiras, aposentou também a pecha de “Madama”, alcunha desagradável que recebeu por gritar histericamente com os jogadores quando era o capitão (quase dono) do time.

Mas o fato de se transferir para a cidade de Rezende não o demoveu da missão de líder do América. Escolheu Paula Ramos, o novo capitão, como mensageiro de cartas aos craques americanos, que as ouviam como se fosse um “conselho paterno”.

Às vezes, Belfort Duarte aparecia em treinos e em pelejas. Em dia de jogo, silenciava nos primeiros 40 minutos. No intervalo, aparecia no vestiário e dizia o que o agradou ou não. O que falava, era sagrado. “Por isso, todas as tardes, chegando ao América, perguntavam se havia carta de Belfort Duarte. Quando não havia carta nova, Paula Ramos lia, outra vez, a última carta, sempre guardada no bolso, conservada como relíquia”, escreveu Mario Filho. Todos se uniam em torno de Belfort, em torno do América. Os dois eram uma só entidade.

Belfort Duarte, o craque-cartola – Do campo, o craque foi também ser craque na sala da diretoria. E na política esportiva mostrou ser um dos melhores exemplos. Foi responsável pela oficialização das regras do futebol no Brasil. O primeiro a trazer para cá a legislação do esporte bretão e traduzi-la, com a ajuda da esposa, Aída, para a Língua Portuguesa. Trouxe um time estrangeiro para jogar no País, no caso, a seleção chilena. E fez do América um clube para banir o preconceito ao aceitar o ingresso de atletas negros. Partiu dele a iniciativa de criar, em 1915, um campeonato de terceiros times para popularizar ainda mais o futebol no Rio de Janeiro.

Todos esses feitos de Belfort Duarte foram traduzidos na medalha que é entregue ao melhor desportista brasileiro. O primeiro a receber a medalha foi “half-direito” Antonio Motta Espezim (1914–2010), o Tonico, do Coritiba EC, no dia 25 de junho de 1948. Já o primeiro grande craque de Seleção Brasileira a ser agraciado com o prêmio foi Jaime de Almeida, no dia 24 de novembro de 1949. Tal premiação tornou-se cada vez mais escassa devido ao excessivo número de faltas que o futebol passou a ter.

O ex-craque também influenciou politicamente o Palestra Itália, o hoje Palmeiras.

O terreno do Parque Antarctica, que atualmente pertence ao alviverde paulistano, já foi da Companhia Antarctica Paulista de Bebidas, que o alugava, primeiramente ao Germânia, do craque alemão Hermann Friese, e, depois, ao América – braço do América carioca na capital paulista —, que não conseguiu arcar sozinho com as despesas de locação. Em 1917, o clube do Rio de Janeiro fez um contrato de aluguel com o Palestra Itália, que também passou a utilizar o campo para treinar e disputar jogos. Em 1920, o Palestra fez uma posposta de compra do estádio à empresa de bebidas, que não se opôs ao negócio desde que Belfort Duarte, que na época já morava em Rezende, no Pico do Itatiaia, concordasse.

Vasco da Gama Stella Farinello, um dos líderes políticos do Palestra, tomou um trem no qual viajou durante dez horas, até a casa de Belfort. A proposta seria uma ajuda ao América para obter uma vaga na Associação Paulista de Esportes Atléticos, o que não aconteceu porque o América paulista encerrou as atividades meses após o encontro entre os dois dirigentes. Belfort aceitou os argumentos de Vasco da Gama e o Palmeiras, graças ao craque do América e ao cartola Vasco da Gama, ganhou o seu estádio.

O Coritiba também homenageou Belfort Duarte. O estádio Couto Pereira foi batizado inicialmente com o nome do inesquecível craque americano. Reconhecimento justo pelo que Belfort representa para a história do futebol brasileiro.

O América crescera, e o craque foi se afastando aos poucos do clube, mas sem mágoas. A figura altiva e dominadora não cabia mais naquele cenário.

Vítima de uma gripe muito forte (há quem diga tuberculose), Belfort refugiou-se em seu sítio, no distrito de Campo Belo, município de Rezende, interior do Estado do Rio de Janeiro. Afinal, todo o cuidado era pouco, pois a temida gripe espanhola, uma epidemia que matou milhões de pessoas no Brasil e um terço da população mundial, acabara de chegar por aqui.

Na estada em Campo Belo, na região de Itatiaia, no sul fluminense, o ex-ídolo do América foi assassinado por Antonio Monteiro de Sá Freire devido a uma briga por posse de terras, segundo o testemunho de sua filha, Mary.

Como descreveu reportagem do jornal “O Imparcial”, Sá Freire era o zelador do núcleo de fazendas da região de Itatiaia. Quando fazia uma inspeção, constatou que Belfort estava construindo uma cerca que contrariava as normas de administração do local. Sá Freire o repreendeu. O ex-craque ofendido, iniciou uma áspera discussão com o zelador. Sentindo-se acuado, Sá Freire sacou sua arma. Bastou um tiro para que Belfort Duarte tombasse na terra, deixando-a banhada de sangue.

Após o crime, Sá Freire desceu de Itatiaia até Campo Belo e entregou-se à Polícia, alegando ter agido por legítima defesa. “O morto ha muito que era colono do Nucleo e apezar de ser cavalheiro distincto, era malquisto pelos seus vizinhos devido às contendas que com elles mantinha”, descreveu “O Imparcial”. Mas o mesmo jornal mudou de opinião dias depois: “As primeiras noticias fornecidas à imprensa desta capital sobre o bárbaro crime de Itatiaya, deturparam propositalmente os factos, com o intuito de facilitar a defesa do assassino (…). Com effeito, desde logo ressalta a má-fé de taes informações, que emprestam ao Dr. Belfort Duarte, grande antipathia em relação aos colonos de Itatiaya, quando é sabido que o distincto ‘sportman’, portador de excellente cultura, era geralmente estimado em todas as rodas sociaes aqui como naquelle recanto fluminense”.

O jornal frisou que Sá Freire estava empolgado com a ideia de “mandonismo”, embora o núcleo de terra nada mais tinha de influência do poder público.

Mais adiante, a reportagem destaca que Sá Freire, na manhã do crime, segundo parentes do algoz de Belfort e de outras testemunhas, vociferava que deveria matar alguém. “Effectivamente, o Sr. Sá Freire, que assim se expandia, armou-se de revólver, carregando, nos respectivos pentes, 18 balas e horas depois, esbarrando seu cavallo à porta da chácara do Dr. Belfort Duarte, o chamou, com voz alterada, como quem intima”.

Belfort Duarte, que estava no quintal, atendeu ao chamado de Sá Freire, que o teria proibido de colher inhame para os porcos. Belfort ponderou que o legume colhido prejuízo algum causaria à fazenda. Sá Freire e Belfort intensificaram a discussão e o desfecho foi o mais trágico possível.

Belfort Duarte morreu no dia 27 de novembro de 1918, no dia em que completava 35 anos. Na trágica ocasião, lenda ou não, há testemunhos de que estaria vestido com a camisa rubra do América. A diretoria do clube tentou trazer o corpo do ídolo para o Rio de Janeiro, mas o estado de decomposição do cadáver já estava bastante adiantado. Às 8h, Belfort Duarte foi enterrado na pacata Campo Belo. Tombou brigando, exatamente como sempre fez pelo seu querido América.