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OS NOVOS “MISTERS”

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Muito se falou da saída do técnico Jorge Jesus, do Flamengo, e fui observar o desempenho de outro português, Jesualdo Ferreira, técnico do Santos, contratado do Al Sadd, do Qatar.

O time começou bem, com Marinho fazendo dois gols, mas o resultado final foi 3×2 para o Novorizontino. Temos que levar em consideração o fato de o Santos já estar classificado, mas fica claro que para os próximos jogos será fundamental Marinho e Soteldo estarem inspirados, muito inspirados.

“Mas, PC, quem você gostaria de ver campeão paulista?”, perguntou o entregador de pizza, nascido em Bauru. Para ser coerente deveria falar Palmeiras, Corinthians ou São Paulo, afinal lá estão Luxemburgo, Tiago Nunes e Fernando Diniz, três treinadores que costumo elogiar, mas respondi Bragantino.

Gostei muito do América-MG que vi sob o comando de Felipe Conceição e lamentei muito quando, na última rodada, o time deixou escapar a chance de seguir na Primeira Divisão do Brasileiro. O Bragantino segue a mesma linha, um time leve, de bom toque de bola e bom de ver jogar.

Na verdade, vou torcer para que algum time do interior seja campeão. Vai ser bom para dar uma renovada. E quem são os técnicos de Mirassol, Santo André e Ponte Preta? O do Mirassol é Ricardo Catalá e, sinceramente, não conhecia.

O da Ponte Preta é João Brigatti, que substitui Gilson Kleina, e o do Santo André é Paulo Roberto Santos, ex-jogador de Botafogo, América, Bonsucesso e vários outros. Chutem quantos clubes ele treinou até chegar ao Santo André? Dez? Quinze? Vinte e cinco? Trinta e cinco? Quarenta e cinco?

Não! Passou por 47 clubes, entre eles Unaí, Fabril, Batatais e Araxá. Não é fácil a vida de treinador. Meu pai foi e viajava sem parar e a vida familiar acaba ficando em segundo plano. Mas isso me fez refletir. O que é preciso para um treinador ter o respeito da opinião pública? Títulos de expressão? Tempo de carreira? Relacionamento? Fazer o curso da CBF?

Qualquer alternativa estará errada se lembrarmos que Dunga foi convidado para assumir a seleção brasileira sem nunca ter treinado nenhum clube, nenhumzinho, zero. Foi convidado pelo seu espírito de liderança como jogador. Será que tinha esse curso da CBF naquela época?

Hoje, Tite comanda nossa seleção. Apesar de sido campeão mundial de clubes pelo Corinthians o que o levou ao cargo de treinador da seleção foi sua boa relação com a mídia, seus ternos e seu estilo palestrante de ser. Futebol que é bom, nada.

Fico observando o futebol e fico imaginando o que poderia acontecer para sairmos dessa mesmice. Se algum time do interior vencer será bom pela novidade, se o Santos vencer será um português mostrar que não estão aqui de passagem, se o São Paulo ganhar ficarei contente demais pelo esforço solitário de Fernando Diniz, que está longe de ser um queridinho da imprensa.

E, ontem, zapeando, parei em Afogados e Retrô, pelo campeonato pernambucano, e me surpreendi com o bom toque de bola do Retrô, um time da Série D, do Brasileiro. O passe de peito que um atacante deu para o outro, que acabou perdendo o gol, já valeu por ter estacionado o controle remoto no sofá.

O futebol brasileiro de hoje tem que ser encontrado nos detalhes, ele ainda sobrevive, mas precisa ser libertado dessas amarras que nos impede de voltarmos a sermos os maiores do mundo.

HIPNOSE

por Rubens Lemos 


A imagem que hipnotiza é a redundante perfeição de Pelé, majestade e preparo de guerreiro ao ataque. Pintado, o quadro jamais sairia tão fiel. A multidão de súditos (plateia dobrando os cotovelos pela arquibancada), espera a arrancada de uma pantera humana rumo ao gol adversário.

Pelé estava pleno aos 25 anos. Bicampeão mundial pelo Brasil. Bicampeão pelo Santos. Era 1966, Copa do Mundo que parece ferida sem cicatriz na alma brasileira (eliminação na primeira fase), o Rei sublime na fixação do corpo à grama. Braços equilibrados como asas a permitindo o voar baixo, pé de apoio pronto ao chute ou ao passe, canhota agasalhando a bola como que a protegê-la de inimigos poderosos. 

A fotografia de Pelé mostra a face do homem transfigurando-se em fera na tarde inglesa da estreia da seleção contra a Bulgária, vitória de 2×0, dois gols de falta, um Dele e outro do que havia sido Mané Garrincha, àquela altura espectro do passado recente na cronologia, longe da figura derrotada pelo vício e pela crueldade de quem lhe entupiu de  remédios para ele jogar e encher os cofres do Botafogo. 

O Goddison Park, em Liverpool, recebeu, exatos, 47.308 pagantes. Modesta assistência para cortejar o Rei da Bola e a sua compleição irretocável, seu pique de caçador querendo a rede balançando de amor e fúria. Em Liverpool, terra dos Beatles, Pelé cantou no primeiro jogo. 

Tomou uma pancada do meio-campista Jechev, que lhe custaria a ausência no jogo seguinte contra a Hungria (derrota de 1×3) e uma participação decorativa de tanto apanhar contra Portugal de Eusébio, que os patrícios petulantes ousaram compará-lo ao menino de Três Corações (MG). Outro revés de 3×1.  

“É de carne e osso! É um fantasma negro! É preciso tocá-lo para saber se existe mesmo! É a perfeição da raça humana!”. Na arquibancada bem pertinho do campo, homens, mulheres, meninos e meninas tentavam decifrar o espetacular em festival de exclamações. A energia de Pelé, só conhece e testemunha quem por ele passou perto.  

O drible em curva invadindo a área, a cabeçada acima da altitude boliviana, o petardo quando se esperava o toque sutil, a classe quando o goleiro aguardava, resignado, a bomba atômica em chuteiras. Pelé foi o maior e a fotografia comprova. Sim, nunca, desde as Caravelas, alguém foi tão imponente.  

A seriedade valia contra a Bulgária ou o Votaporunguense do interior paulista. Pelé e Pagão, Pelé e Coutinho, Pelé e Toninho, duplas em que o segundo sempre será coadjuvante radioso. Conformados e fascinados. Os três estão no céu.

Certa vez, contra o Bangu, o zagueiro Mário Tito aplicou um beliscão no braço da sumidade. Pelé sorriu como se tivesse recebido um ramalhete de flores. Após levar 6×1 no Maracanã, Mário Tito pôs-se a berrar: “É doutro mundo, esse Crioulo não é da terra”. Certíssimo. Pelé é extraterreno, de carne é Edson Arantes, que lhe empresta o corpo.

Pelé anormal, Pelé profissional, Pelé colossal, Pelé imarcável, Pelé insaciável pelo gol. A aparente cena do jamais-crime aponta para um Pelé sozinho, dominando a gorducha na meia-esquerda até correr em linha reta, costurando zagueiros sem piedade. 

É a premonição da sequência misteriosa. Das  profundezas de Pelé, imitado, copiado, invejado, igual a ninguém. Superior a si mesmo na arquitetura de jogadas, uma mais bela que a outra. A fotografia expõe traços de estátua, de desenho delicado em contradição ao furor a saltar do papel aos olhos assustados de maravilhosa sensação.  

Pelé eterno, Pelé momento. Pelé sentimento. Nos livros, filmes, tratados, dossiês, enciclopédias, coletâneas, saltos, cabeçadas, cobranças de falta e pênalti, fintas seriais, Pelé se multiplica na fantasia de quem não o assistiu ao vivo.  

Pelé se fecha no próprio enigma. Pelé se revela mito no instante infinito da fotografia de Liverpool. E que o mundo parasse ali, na performance do dono do futebol. Michelângelo cuidaria da escultura. Os Beatles, da canção: The Beautiful King.

COUTINHO’S BOYS X MARADONA

por Luis Filipe Chateaubriand


Na Copa América de 1979, calhou que Brasil e Argentina ficaram na mesma chave ainda na primeira fase. Então, os reflexos da “Batalha de Rosário”, na Copa do Mundo de 1978, ainda eram muito nítidos. 

Nesse contexto, Brasil e Argentina jogaram no Maracanã. O Brasil, do técnico Cláudio Coutinho, formou com: Leão; Toninho, Amaral, Edinho e Pedrinho; Carpegiani, Zenon (Batista) e Zico; Tita, Palhinha (Juary) e Zé Sérgio. 

Já no início do jogo, antes dos cinco minutos, Zé Sérgio faz brilhante jogada pela esquerda, driblando vários jogadores e o goleiro e cruza rasteiro, para Zico tocar para o gol vazio. 

Brasil 1 x 0. 

Em desvantagem, a Argentina vai à frente perigosamente, deixando espaços para o contra-ataque brasileiro, também perigoso. 

O jogo fica disputado e interessante. 

Por volta de 30 minutos da primeira etapa, Edinho faz lambança – dá um passe lateral em frente à sua grande área –, um oponente rouba a bola e toca para Corsia fazer o gol.

Igualdade em 1 x 1. 

Um tanto perturbada pelo gol que sofreu, a Seleção Brasileira passa o resto do primeiro tempo sendo dominada pelos hermanos, embora crie alguns lances de perigo. 

Começa o segundo tempo e a Argentina, sem tomar conhecimento de que joga nos domínios adversários, toma conta do jogo, embora haja lances de perigo do Brasil. 

No entanto, antes dos dez minutos da etapa complementar, Tita faz bela jogada no lado direito da área, tabela com Zico e, já dentro da área, mete de trivela, encobrindo o goleiro argentino. Golaço digno do craque que Tita foi! 

Brasil 2 x 1. 

De novo, os argentinos partem em busca do empate, oferecendo campo aos brasileiros nos contra-ataques. Boas oportunidades se sucedem de lado a lado. O placar, no entanto, permanece inalterado em 2 x 1, em um grande jogo! 

Do lado brasileiro, à exceção de Edinho, que fez partida abaixo de sua capacidade, todos atuaram bem. 

Amaral, Pedrinho e Zé Sérgio se destacaram. 

O grande destaque, contudo, foi Tita, que, muito novo, estreava na Seleção. Fazer golaço na estreia não é para qualquer um mas, além disso, fez ótimas jogadas e mostrou muita disposição. 

No lado argentino, viu-se um bom time, já comandado por um jovem de 18 anos chamado Diego Armando Maradona. O cara distribuiu jogo, lançou genialmente, chutou em gol com precisão. El Pibe arrebentou em seu debut no Maracanã. 

Enfim, jogo lindo, digno de ser lembrado.

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada! 

RENNER: O “PAPÃO” QUE DESBANCOU A DUPLA GRE-NAL EM 54

por André Luiz Pereira Nunes


Apenas 28 anos de vida foram suficientes para deixar saudades. O Grêmio Esportivo Renner, fundado a 27 de julho de 1931, em um bairro proletário de Porto Alegre, foi responsável por um feito histórico: ao desbancar os favoritos Grêmio e Internacional, conquistou o campeonato gaúcho em 1954. 

É importante frisar que o sistema de disputa desde quando foi realizada a primeira edição, em 1919, era bastante diferente. O certame era dividido em torneios regionalizados, os quais apontavam seus campeões para uma competição final. É por isso que até 1960, último ano dessa fórmula, não havia dois times da capital ou de qualquer região fazendo dobradinha. Até 1940, também era comum os times do interior ganharem com certa frequência o estadual. Brasil de Pelotas, Guarany de Bagé, Rio Grande e Pelotas tiveram o gosto de vencer o campeonato gaúcho. Até mesmo o modesto, porém tradicional, Cruzeiro de Porto Alegre conquistara, em 1929, o caneco. Portanto, o último campeão do interior nessa era fora o Riograndense, em 1939. A partir de 1940, com o hexacampeonato do Internacional e o crescimento da rivalidade com o Grêmio, ambos passaram a dominar inteiramente as disputas. Em 1954, contudo, a história foi bem diferente. O Renner, então mantido pelo empresariado da cidade, conseguiu romper com a tradição de títulos dos dois grandes da capital e venceu o Metropolitano, habilitando-se para a fase final do estadual.

Os adversários do Papão seriam o Brasil de Pelotas, vencedor da região Sul e Litoral, o Ferro Carril de Uruguaiana, da Fronteira, e o Gabrielense de São Gabriel, este proveniente da região da Serra. Porém, este último abdicou da disputa. Somente três times iriam se habilitar ao título máximo do Rio Grande do Sul, em 1954. O Renner estreou atuando em seu estádio, o Tiradentes, diante do Ferro Carril. Breno Melo e Joelcy fizeram os gols da vitória por 2 a 0. Na segunda partida, em Pelotas, houve um empate em 1 a 1 contra o Brasil, no Bento de Freitas. A igualdade colocou o time em boa condição, já que faria o último jogo em casa contra o Xavante. Porém, o Renner ainda teria que jogar em Uruguaiana, contra o Ferro Carril. A partida foi difícil, mas o magro 1 a 0 forneceu a vantagem a qual com uma simples vitória, o Papão conquistaria o título de 1954, já que o Xavante também havia vencido o Ferro Carril por duas vezes.

O estádio Tiradentes ficou totalmente lotado para a peleja decisiva. Breno Melo, com dois gols, e Pedrinho assinalaram os gols da vitória no segundo tempo. Não havia mais jeito. O Papão era incontestavelmente o campeão gaúcho de 1954. Essa hegemonia só voltaria a ser quebrada muito depois e, curiosamente, por dois representantes de Caxias do Sul. Em 1998, o Juventude, na época patrocinado pela Parmalat, ganhou  a competição. E, em 2000, o Caxias, então treinado pelo novato e promissor Tite, também veio a se sagrar campeão gaúcho.


O Renner mandava seus jogos nas esquinas das Avenidas Farrapos e Sertório, no bairro de Navegantes, onde atualmente resta apenas um pequeno campo ao lado de muitos prédios, que ocuparam o antigo estádio Tiradentes. O caldeirão ganhara o apelido de Waterloo, em referência à batalha perdida por Napoleão Bonaparte na Revolução Francesa.

Ênio Andrade, que mais tarde se consagraria como treinador ao se tornar campeão brasileiro por três clubes diferentes: Coritiba, Grêmio e Internacional, foi um habilidoso meia do Renner que fez parte do elenco campeão gaúcho. O atacante Breno Melo, também destaque, veio a protagonizar como ator Orfeu Negro, uma produção ítalo-franco-brasileira, de 1959, dirigida por Marcel Camus, baseada na peça Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes.

Infelizmente o final da década de 1950 marcou um período de crise derradeira para o Papão. Como ao fim de cada temporada a empresa A. J. Renner tinha de cobrir o rombo financeiro, após o campeonato de 1957 decidiu-se extinguir o clube. Os executivos acharam mais produtivo as verbas destinadas ao futebol serem repassadas para a publicidade.

O Renner, mesmo tendo uma trajetória de 28 anos, foi um clube diferenciado de acordo com o jornalista Rui Carlos Ostermann: “O Grêmio Esportivo Renner é a quebra de todos os paradigmas do futebol gaúcho”. De fato alcançou um feito que permanece na memória dos “órfãos da arquibancada”,  os torcedores que, mesmo após quase 50 anos de extinção, continuam ativos. Alguns, inclusive, ainda carregam consigo a carteirinha de sócio da agremiação.

Essa fantástica história está devidamente retratada no documentário “Papão de 1954”, de Alexandre Derlam, lançado em 2005, e disponível no YouTube.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA NELINHO


Enquanto o país inteiro ainda estava sob o ‘luto’ pelo ‘Maracanazo’ da derrota do Brasil para o Uruguai, por 2 a 1, na Copa do Mundo, em 16 de julho de 1950, nascia dez dias depois dessa tragédia, no subúrbio do Méier, no Rio, um certo Manoel Rezende Matos Cabral, filho do casal de portugueses Seu Manoel e D. Rosa.

Para provar, que o ‘mundo é mesmo uma bola’, quis o destino, que o Manoel crescesse como Nelinho (diminutivo do nome do pai Manoel e do padrinho, também Manoel), e virasse jogador de futebol; e que aos 20 anos, ainda como aspirante no Fluminense assistisse seu ídolo, o lateral direito Carlos Alberto Torres, o ‘Capita’, fechar o ‘caixão’ da Itália com um golaço na decisão do Tri no México.

Quatro anos depois, a ‘bola continuou girando’ e Nelinho, o filho da portuguesa D. Rosa, era convocado para substituir o seu ídolo ‘Capita’, cortado por contusão, na Copa da Alemanha, em 1974.

Para fechar o ‘giro da pelota do planeta futebol’, em 1978, na Copa do Mundo da Argentina, estava lá Nelinho, como se incorporado pelo espírito do ídolo Carlos Alberto Torres de oito anos atrás, marcando um dos gols mais bonitos de todas as Copas, justamente numa vitória que valia o título de ‘Campeão Mundial Moral’, contra a ‘freguesa’ Itália.

Nelinho, que marcou 180 gols, se tornando o lateral que mais vezes estufou as redes adversárias na história do futebol mundial, conversou com o ‘Museu da Pelada’ e é o nosso segundo personagem para a série ‘Vozes da Bola’, em comemoração ao Dia Nacional do Futebol, celebrado em 19 de julho.

por Marcos Vinicius Cabral 

Você estava em seu último ano como aspirante do Fluminense em 1970, quando foi contratado pelo América-RJ. O que houve ali?

Joguei no Fluminense no infanto-juvenil e o Pinheiro era o treinador. Nessa época eu iria subir para o aspirante do Fluminense e receberia uma ajuda de custo. Mas, o América me procurou e me propôs pagar um salário mínimo da época. Então, quer dizer, eu disputei o aspirante pelo América, ou seja, o último ano de aspirante pelo clube. Depois disso, não teve mais no Rio de Janeiro campeonato de aspirantes.

No mesmo ano, por indicação do técnico Otto Glória (1917-1986), você foi jogar no Barreirense F.C. de Portugal. Jogou por quase um ano no clube português, mas por conta de uma contusão voltou para o Brasil. Como foi essa época?

O Otto Glória era o nosso treinador no América e me indicou para o Bairrerense, porque o técnico lá era o Edsel Rodrigues, que havia trabalhado com ele como preparador físico do América. Aí, ele foi e me levou. Cheguei lá no final de julho e voltei em fevereiro do ano seguinte. Comecei bem, jogando como titular, mas aí tive uma contusão na virilha que eu não curava de jeito nenhum. Nesse meio tempo ele mandaram embora o treinador que me levou e coincidentemente eu parei de jogar por estar contundido, e eles achavam que eu estava fazendo corpo mole. Nessa briga eu pedi meu passe e não sendo atendido, vim embora e depois peguei o passe, pois depois eles precisaram de um documento assinado pelo meu pai, que exigiu isso deles. Aí fiquei com o passe livre. Em seguida, já em 1972, disputei o campeonato carioca pelo Bonsucesso, e começando o Brasileirão, fui contratado pelo Remo já com o campeonato em andamento. Nos últimos jogos me transformei numa espécie de ‘curinga’ do time. Não era titular absoluto, mas aí o Aranha, lateral direito se machucou e fui para a lateral e joguei bem os últimos três jogos. Inclusive, o último foi contra o Cruzeiro, quando chamei atenção da diretoria do clube e me convidaram para em 1973 assinar um contrato com eles. 


Em 1983 você recebeu pela quarta e última vez o prêmio Bola de Prata, da Placar. O que significou esse prêmio para você?

Recebi essa Bola de Prata jogando pelo Atlético Mineiro, e receber um troféu desse quilate sendo oferecido por uma revista conceituada no meio esportivo, como a Placar, foi uma satisfação muito grande. É o reconhecimento do que você fez na temporada, né? Significou muito para mim pela carreira que tive.

Você era office-boy no Centro do Rio e saía todo dia de casa com marmita e tudo. Sua mãe só ficou sabendo que você estava no América/RJ quando seu chefe ligou para sua casa perguntando por você. Como foi essa história?

Eu estudava no Pedro II, na Tijuca, e repeti o segundo ano colegial duas vezes seguidas. Aí, minha mãe falou: “Você não quer estudar não? Então, você vai trabalhar!”, e arrumou um trabalho para mim no Centro do Rio de Janeiro, de office-boy, numa empresa, não sei se era americana, sei lá,  chamada Arnico. Estava trabalhando nessa empresa quando recebi o convite, quando eu treinava no Fluminense escondido, em vez de ir trabalhar eu ia para o Fluminense. Então, nessa época, não estava no América, e sim no Fluminense, e aí o meu chefe ligou para minha mãe e falou assim: “Dona Rosa, o seu filho está doente? Por que doente?, respondeu ela. É que ele não tem vindo trabalhar! Como assim, se ele sai todo dia de casa com sua marmita para ir trabalhar? É mais não está vindo para cá não!”. Cheguei em casa depois de um treino e tive que explicar para ela que havia recebido um convite, que estava jogando futebol e que estava ganhando o mesmo que ganhava como office-boy. Ela me perguntou se era aquilo que eu queria para minha vida, eu respondi que sim e ela mandou eu ir com tudo. Aí saí do emprego e assumi a carreira no futebol.

Um ‘talho’ de cinco centímetros num dos tornozelos foi a causa de você não ter sido contratado pelo Botafogo, quando defendia o Bonsucesso. O que aconteceu de verdade?

Eu estava jogando no Bonsucesso no final de 1972, no Campeonato Carioca. O último jogo foi contra o Botafogo, no antigo campo do Mourisco, e eu fiz um gol de falta. Eu levei uma pancada no calcanhar e ficou doendo muito, mas eu joguei os noventa minutos. Quando terminou o jogo, ao tirar a chuteira, estava toda ensanguentada. Tinha um talho grande no calcanhar e precisei levar pontos. Fui para casa, pois meu contrato com o Bonsucesso tinha acabado, o Botafogo teve interesse em me contratar, mas como estava cheio de pontos no calcanhar não pude assinar e eles não quiserem esperar minha recuperação. Aí fiquei em casa e veio a proposta do Remo, já com o campeonato estadual deles em andamento em 1972. No ano seguinte, em 1973, cheguei ao Cruzeiro, após ter jogado muito bem por sinal contra ele antes, e fui muito bem no campeonato mineiro e no brasileiro. Em 1974, estava na lista dos 40 para a Copa do Mundo e o Carlos Alberto Torres se machucou e fui no lugar dele, ou seja, de reserva no Remo no final de 1972, titular em 1973 no Cruzeiro, e em 1974 já estava numa Copa do Mundo. No futebol não pode nunca desistir e tem que acreditar, porque se você enfrentar o primeiro problema e não seguir adiante, você pode se lamentar lá na frente. Isso felizmente não aconteceu comigo. Eu prossegui minha carreira e acabou dando certo.

Você enfrentou o ‘Carrossel Holandês’ comandado por Cruyff, na Copa de 1974? Acha que aquela maneira de jogar revolucionou o futebol?

Nesse jogo contra o ‘Carrossel Holandês’ eu não joguei e nem na reserva fiquei. Estava na arquibacanda do estádio assistindo. Realmente, foi a última grande mudança no futebol mundial e de lá para cá não existiu nenhuma novidade. Eles mudam a nomenclatura,  mas o futebol continua do mesmo jeito com os 3-5-2, 4-5-1, 4-4-2 e sei mais lá o quê, só muda isso, mas o jeito de jogar não. Ou seja, tem a bola joga e não tendo marca, é assim, não mudou absolutamente nada. Às vezes eu fico impressionado quando vejo os comentaristas inventando moda, sabe? Ficam inventando explicações, não têm. O futebol é simples e continua tudo no mesmo depois desse ‘Carrossel Holandês’.

Teve um Cruzeiro x Atlético em que você brigou com o Éder no início do jogo e foi expulso. Era 1982 e na época, a imprensa disse que essa briga foi o motivo para você não ter sido convocado para a Copa do Mundo da Espanha. Você concorda com a imprensa ou acha que não foi esse o motivo de Telê não ter te levado?

Não, eu acho que não. O Cruzeiro não vinha bem nesse ano e eu também não. Por outro lado, o Edevaldo, do Fluminense, estava em excelente fase, sem falar do Leandro. Então, eu acho que a convocação dos dois foi correta é nada tenho a reclamar sobre isso. Muita gente comenta sobre essa briga, que se não tivesse brigado com o Éder eu talvez poderia ter sido convocado, mas particularmentebnão  penso assim. Acho sim, que a convocação já estava pronta independentemente daquele jogo.

No dia 19 de julho é comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para o Nelinho?

Representou tudo na minha vida. Se não fosse o futebol, eu nem sei o que teria sido na vida, que carreira escolheria seguir e como eu abandonei os estudos no segundo ano colegial, eu seria o quê? Não sei, só Deus sabe o que iria acontecer comigo. Mas, com certeza o futebol me salvou e fez com que eu, hoje em dia, tenha uma família estruturada. Hoje posso dizer que foi graças ao futebol que consegui tudo na vida e pude, a partir daí, montar minha academia e viver dela. Infelizmente o momento não é bom para as academias, mas espero que melhore.

Você sempre é lembrado como um dos grandes laterais direitos de todos os tempos do futebol brasileiro, ao lado de Djalma Santos, Carlos Alberto Torres e Leandro. Na sua opinião, quem foi o maior da posição?

É difícil responder essa pergunta, pois tivemos muitos bons laterais como o Cafú, Daniel Alves, Jorginho, Leandro, Djalma Santos, Carlos Alberto Torres. Mas para mim, que eu era fã, o melhor deles todos foi o Carlos Alberto Torres. Me espelhei muito nele e nas coisas que ele fazia dentro de campo. Mas o principal dele na minha opinião era que ele simplificava as jogadas, e em vez de dar dois toques na bola e passá-la para o companheiro, ele fazia isso com um toque só. E isso eu procurei fazer enquanto fui jogador profissional. Existem jogadores que dominam a bola e dão um, dois, três toques na bola para depois passar. E isso aí o Carlos Alberto Torres me ensinou a fazer diferente.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Olha, para mim, esse isolamento tem sido tranquilo demais. Por que? Eu vivo em comunidade com filhas, genros e netos, e temos nos cuidado bastante. O convívio diário entre nós faz com que as coisas fiquem bem amenas em relação às outras famílias que não têm essa oportunidade.

Quem foi seu grande ídolo do futebol?

Na lateral direita foi o Carlos Alberto Torres, mas não tenho um ídolo apenas, tenho vários. Os craques do futebol brasileiro eu gostava de vê-los jogando, alguns enfrentei ou joguei a favor, e antes de ser jogador eu era torcedor, né? Era morador do Rio e vascaíno, e tinha muitos deles como ídolos, além dos outros como Garrincha, Didi, Nilton Santos, Dida e Moacir do Flamengo… Nossa, só craques! Então eu não tenho um único ídolo a não ser o Pelé que foi o maior de todos, mas não, sempre gostei de ver os craques jogando.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas lembranças do estádio?

Minha primeira recordação do Maracanã foi jogando no aspirante do América/RJ contra o São Cristóvão, se não estiver enganado. Foi a primeira vez que joguei no estádio. Mas antes, já tinha pisado como torcedor, pois era um menino, e o Olaria foi treinar com o Santos, na véspera da decisão do mundial contra o Milan/ITA, e seu Duque, treinador, me levou. Foi inesquecível, pois entrei em campo, bati bola, cobrei pênalti e infelizmente nesse dia o Pelé nem treinou porque estava machucado e também não jogou essa decisão.

Qual foi o melhor treinador com quem você trabalhou?

Tive vários. Seu Zezé Moreira (1907-1998), nosso treinador na conquista da Libertadores pelo Cruzeiro; Telê Santana (1931-2006), com quem trabalhei no Atlético; e Osvaldo Brandão (1916-1989), gente finíssima, além de ser ótimo treinador, um cara maravilhoso para se lidar. Era brincalhão, dava moral para o jogador. Esses três foram os melhores, claro, sem esquecer do Zagallo, meu treinador em 1974 na Copa do Mundo.

Você teve uma longa e bonita história no Cruzeiro, não foi?


Foi bonita porque eu era um reserva do Remo/PA e no Cruzeiro eu conquistei tudo que um jogador profissional poderia conquistar. Sou muito grato ao clube por me proporcionar isso. E se eu consegui meus objetivos foi porque o Cruzeiro era um senhor clube e contava com excelentes jogadores como Raul, Piazza, Dirceu Lopes, Zé Carlos, Palhinha, Joãozinho… enfim, qualquer um que chegasse ali para jogar naquele time ia ter uma facilidade maior. Mas o Cruzeiro foi muito importante para mim e sou eternamente grato por isso.

Nelinho, aquele seu gol contra a Itália, na Copa de 1978, foi extraordinário. Foi desenvolvido nos campos da ‘Boiada de Olaria’?

É. A ‘Boiada de Olaria’ foi o início de tudo. A gente chegava lá,  três, quatro meninos para jogar e não tinha número para fazer time contra, então azíamos chutes a gol. Eu particularmente,  passei a gostar de ficar chutando e quando cheguei aos profissionais me especializei. Mas o começo de tudo foi na ‘Boiada de Olaria’

Você, Éder ou Roberto Carlos. Quem foi o maior chutador do futebol brasileiro?

Esse negócio de maior ou melhor chutador do futebol brasileiro é muito difícil você apontar um. Cada um tem sua característica, sabe? Mas eu considero grandes batedores de falta aqueles que fizeram muitos gols. O Éder eu sei que fez, o Roberto Carlos eu já não sei, porque ele jogou muito tempo lá fora, mas eu incluíria o Marcelinho Carioca, como um dos maiores batedores  de falta de todos os tempos. Esse cara batia de toda forma e de qualquer lugar e se assemelhava muito como eu gostava de bater também, com lado interno, externo, peito de pé, de perto e de longe e de todos os lugares do campo. Então, para mim, apesar do Éder ter sido um grande cobrador de faltas, tínhamos o Zico e o Roberto Dinamite que batiam uma bola mais colocada. Mas o maior foi o Marcelinho.

Apesar de carioca, você foi o jogador que mais atuou no Mineirão, com 348 jogos. Além disso, despontou no Cruzeiro e encerrou a carreira no Atlético Mineiro. Que balanço você faz da carreira?

Quando eu conto para meus familiares e amigos sobre a minha história no futebol, e principalmente, para os que estão começando a carreira, eles se assustam. Porque teve muitos percalços, foi fácil não! Profissionalmente eu comecei no América/RJ, fui para Portugal e voltei por não ter dado certo, quase desisti da carreira, fui para a Venezuela, onde joguei com alguns que jogaram comigo no América/RJ, por um tempo lavei meu material de treino, quer dizer, não tinha estrutura nenhuma. Depois reiniciei pelo Bonsucesso, passei no Remo/PA e finalmente cheguei ao Cruzeiro. A partir daí é que as coisas clarearam mas até eu chegar no clube mineiro foi muito sofrimento, viu? Então, às vezes os caras que comentam sobre determinado jogador, como se ele não jogasse nada, eles esquecem que o jogador está no time errado, no momento errado do clube e acaba não rendendo. Aí ele sai dali e joga bem em outro clube e eles ficam se perguntando: “Pô, como esse cara não jogava isso no clube que ele passou?”. É isso, às vezes você passa por um clube e não está bem ou o clube não vive uma fase boa, o jogador não consegue produzir. No meu caso foi isso, eu cheguei no Cruzeiro na hora certa e o time estava embalado, e eu joguei tudo o que sabia. Mas antes, não! Por quê? Porque os clubes por onde eu passei não tinham a estrutura que  Cruzeiro tinha. E depois disso, quando fui para o Atlético/MG, foi quando o Cruzeiro estava sendo desmantelado, enquanto o Atlético/MG estava totalmente montado com Cerezo, Éder, Reinaldo, Luizinho… nossa, só grandes jogadores. Aí,  facilitou para mim e consegui encerrar minha carreira em altíssimo nível, justamente porque eu caí em um clube bem estruturado como o Atlético/MG. Posso dizer que a minha carreira profissional, a partir da minha chegada aqui em Minas Gerais foi que deslanchou. Antes disso, só sofrimento. Mas não tenho o que reclamar não. Serviu para minha vida pessoal.

Qual foi o gol mais bonito que você fez na sua carreira?

Não foi apenas o mais bonito, como foi o mais importante: o gol contra a Itália na Copa do Mundo de 1978.